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RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM

RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM

                                                                                                                                                                  Rénan Kfuri Lopes

 

O Código Civil trata “DA UNIÃO ESTÁVEL” especialmente nos artigos 1.723 usque 1.727, destacando que: (i) é reconhecida como entidade familiar entre o homem e a mulher; e entre pessoas do mesmo sexo, a união homoafetiva foi reconhecida como entidade familiar pelo STJ em 2011[1] em consonância com o art. 226, § 3º da CF; (ii) se configura pela convivência pública, contínua e duradoura com o objetivo de constituir família—affectio maritalis; (iii) não se constituirá se ocorrerem os mesmos impedimentos do casamento previsto no art. 1.521 do CC[2]; (iv) as circunstâncias elencadas no art. 1.523 do CC não descaracterização a união estável[3]; (v) os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito, assistência, guarda, sustento e educação dos filhos; (vi) aplica-se, às relações patrimoniais, no que couber, o regime de comunhão parcial de bens, salvo se de maneira diversa for disposto em contrato escrito e (vii) poderá converter-se em casamento mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.

Assim, dentro desta proteção legal, quaisquer normas que venham mitigar ou enfraquecer a união estável são flagrantemente inconstitucionais, eis que em rota de colisão com o texto originário da Carta Maior.

A ação de reconhecimento de união estável tem natureza eminentemente declaratória de um fato que atende aos requisitos legais acima elencados, por isso é imprescritível[4]. Nas demandas declaratórias, só há a satisfação do direito com a prolação da sentença, irradiando os efeitos na vida das pessoas, sobretudo naquelas de mérito[5].

Já a ação de reconhecimento de união estável cumulada com dissolução e partilha de bens tem cunho constitutivo e patrimonial, está sujeita à incidência do prazo prescricional de 10 [dez] anos contado a partir da ruptura da vida em comum [CC, art. 205]; posição consolidada no colendo Superior Tribunal de Justiça[6]. A competência absoluta é das varas de família nos termos do art. 9º da Lei 9.278/96[7].

A morte de um dos cônjuges é causa de término e dissolução da sociedade conjugal [CC, art. 1.571, I e § 1º].

Logo, em caso de óbito de um dos conviventes, é perfeitamente possível se promover num só processo pedidos cumulados para num só passo buscar a declaração da união estável e do seu término pela morte, perante o juízo da vara de família. Figurarão como demandados os herdeiros do convivente falecido, assegurando-lhes os princípios do contraditório e ampla defesa, uma vez que o interesse jurídico nas questões relacionadas ao direito de herança pertencem aos herdeiros e não ao espólio[8].

Outrossim, é possível o reconhecimento incidental de união estável no inventário quando comprovado por documentos incontestes juntados aos autos do processo quanto ao relacionamento, sem oposição dos demandados, em respeito aos princípios da celeridade, da instrumentalidade do processo e da economia processual[9].

Já o pedido de partilha de bens a competência é da vara de sucessão.  No direito sucessório a companheiro supérstite participará quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável em concorrência com filhos comuns, descendentes, parentes sucessíveis ou herdeiro único nas hipóteses previstas no art. 1.790 do Código Civil[10].

 

[1]  Em maio de 2011, o Plenário do Supremo Tribunal Federal de forma unânime, equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres, reconhecendo, assim, a união homoafetiva como um núcleo familiar. A decisão foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade [ADI] 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental [ADPF] 132.

[2] CC, Art. 1.521. Não podem casar: I – os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; II – os afins em linha reta; III – o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; IV – os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; V – o adotado com o filho do adotante; VI – as pessoas casadas; VII – o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.

[3] CC, Art. 1.523. Não devem casar: I – o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros; II – a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal; III – o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal; IV – o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas […].

[4] O exercício do direito de ação para deduzir pretensão exclusivamente declaratório é imprescritível [STJ, AgInt no AREsp: 890822 RJ, DJe 04/10/2017].

[5] Consoante lição de Cleide Previtalli Cais, litteris: “(…) Entretanto, o efeito da sentença declarativa, segundo Pontes de Miranda, ”é a prestação jurisdicional que se entrega a quem pediu a tutela jurídica sem querer “exigir”, já que, no fundo, “protege-se o direito ou a pretensão somente, ou o interesse em que alguma relação jurídica não exista, ou em que seja verdadeiro, ou seja, falso, algum documento”, sendo típico caso de pretensão à sentença declarativa, sem outra eficácia relevante que a da coisa julgada material” [in O Processo Tributário, Ed. RT, 4ª ed. p. 495/496].

[6] STJ, AgInt no REsp 1838057/SP, DJe 19/02/2020.

[7] Lei 9.278/96 que regula o § 3º do art. 226 do STJ: Toda matéria relativa à união estável é de competência do juízo da Vara de Família, assegurado o segredo de justiça.

PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. PEDIDO DE PENSÃO POR MORTE DE COMPANHEIRO. RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL QUANDO DA DATA DA MORTE. COMPETÊNCIA ABSOLUTA DA VARA DE FAMÍLIA. … 2. Nos termos do art. 9º da Lei 9.278/96, a competência para o conhecimento da matéria referente ao reconhecimento da união estável é das Varas de Família, sendo regra de competência absoluta e, assim, passível de declaração de ofício, conforme feito pelo juízo apelado. 3. Recurso conhecido e não provido [TJDF, Apel. 07005214320218070018, DJe 18/07/2022].

[8] TJGO, AI 00933203220198090000, DJe 02/09/2019.

[9] STJ, REsp 1685935 AM 2016/0262393-9, DJe 21/08/2017 e TJSP, AI 20778576420188260000, DJe 15.08.2018.

[10] CC, Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:  I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.