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RECLAMAÇÃO E OS DIVERSOS DESDOBRAMENTOS ADVINDOS DO CPC/15

RECLAMAÇÃO E OS DIVERSOS DESDOBRAMENTOS ADVINDOS DO CPC/15

Luiz Fernando Valladão Nogueira

1 Natureza Jurídica

A natureza jurídica da reclamação, agora com a regulamentação pelo código processual, é de ação originariamente proposta nos tribunais, e que tem por objetivo fazer prevalecer, nas situações elencadas na lei, a autoridade das decisões proferidas em sede de recursos ou incidentes com força vinculativa, além de resguardar a competência dos tribunais.

2 Reclamação antes do NCPC

Com efeito, embora prevista para o STJ e o STF por meio da Lei 8.038/90, em seus artigos 13 a 18, a reclamação só ganhou previsão constitucional de maior amplitude, com o advento da Emenda Constitucional 45/2004. Até então, seu cabimento limitava-se a assegurar a competência e a autoridade das decisões do STJ e do STF (arts. 102 e 105).

Ao versar sobre a súmula vinculante, o legislador constitucional ampliou, de fato, o alcance da reclamação, permitindo com que fosse usada para assegurar a eficácia daquele instituto uniformizador. Assim é que, pelo art. 103 A § 3º da Constituição Federal, restou assegurado que “do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso”.

Ao regulamentar a súmula vinculante, veio a Lei 11.417/06, estabelecendo, em art. 7º, que “da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação”. E em seu § 2º, dispôs o referido artigo que “ao julgar procedente a reclamação, o Supremo Tribunal Federal anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial impugnada, determinando que outra seja proferida com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso”.

Depois disso, o STJ passou a admitir, ante permissão do STF e diante de vazio legislativo, a utilização da reclamação para fazer valer a autoridade de suas decisões proferidas em recursos especiais repetitivos e aquelas sintetizadas por enunciados sumulares. A ampliação da reclamação para hipóteses de ofensa a enunciados sumulares teve por base as leis 10.259/01 (Juizado Especial Federal) e 12.153/09 (Juizado Especial da Fazenda Pública), as quais admitem a interferência do STJ em situações tais.

Vale lembrar que o STF, julgando os embargos de declaração no Rext 571.572-BA, entendeu ser competente o STJ para examinar reclamações contra decisões de juizados especiais contrárias à orientação da Corte Superior no plano infraconstitucional. Diante disso, o STJ editou a resolução 12/09 e passou a admitir a ação de reclamação para as hipóteses aqui já citadas (conferir, por exemplo, Reclamações 3.812 e 6.721). Cabe o destaque que, mais recentemente e já na vigência do CPC/15, o STJ revogou a resolução 12/09, transferindo, por meio da Resolução 03/2016, a competência da reclamação contra decisões de turmas recursais dos Juizados Especiais para os tribunais de justiça.

Volvendo ao período anterior ao CPC/15, cabe lembrar que também os tribunais estaduais, estimulados por normas locais, passaram a permitir a reclamação, desde que fosse para preservar a competência dos mesmos e a autoridade da coisa julgada proveniente de suas decisões definitivas. E, uma vez provocado sobre a constitucionalidade de tal permissão, acenou positivamente o Supremo Tribunal Federal.

Eis a ementa do acórdão do Pretório Excelso:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 108, INCISO VII, ALÍNEA I DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO CEARÁ E ART. 21, INCISO VI, LETRA J DO REGIMENTO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL. PREVISÃO, NO ÂMBITO  ESTADUAL,  DO   INSTITUTO   DA  RECLAMAÇÃO. INSTITUTO DE NATUREZA PROCESSUAL CONSTITUCIONAL, SITUADO NO ÂMBITO DO DIREITO DE PETIÇÃO PREVISTO NO ARTIGO 5º, INCISO XXXIV, ALÍNEA A DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ART. 22, INCISO I DA CARTA. 1. A natureza jurídica da reclamação não é a de um recurso, de uma ação e nem de um incidente processual. Situa-se ela no âmbito do direito constitucional de petição previsto no artigo 5º, inciso XXXIV da Constituição Federal. Em consequência, a sua adoção pelo Estado-membro, pela via legislativa local, não implica em invasão da competência privativa da União para legislar sobre direito processual (art. 22, I da CF). 2. A reclamação constitui instrumento que, aplicado no âmbito dos Estados-membros, tem como objetivo evitar, no caso de ofensa à autoridade de um julgado, o caminho tortuoso e demorado dos recursos previstos na legislação processual, inegavelmente inconveniente quando já tem a parte uma decisão definitiva. Visa, também, à preservação da competência dos Tribunais de Justiça estaduais, diante de eventual usurpação por parte de Juízo ou outro Tribunal local. 3. A adoção desse instrumento pelos Estados-membros, além de estar em sintonia com o princípio da simetria, está em consonância com o princípio da efetividade das decisões judiciais. 4. Ação direta de inconstitucionalidade improcedente.” (ADIN 2212 CE, rela. Mina. Ellen Gracie, DJ 14.11.2003).

Assim é que os tribunais, de forma geral, começaram a perceber que a reclamação poderia consistir em mecanismo rápido e eficaz para estabelecer segurança jurídica, quando decisões desobedecessem à coisa julgada ou mesmo à eficácia de enunciados vinculativos.

Nessa toada é que, valendo-se de sua competência, o legislador trouxe a reclamação para o sistema codificado.

3 Cabimento

Com efeito, o art. 988 NCPC consubstanciou as hipóteses de cabimento da reclamação:

Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:

I – preservar a competência do tribunal;

II – garantir a autoridade das decisões do tribunal;

III – garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

IV – garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência.

Acrescente-se às hipóteses de cabimento o permissivo do § 5º inc. II do art. 988, segundo o qual é admissível a reclamação, desde que esgotadas “as instâncias ordinárias”, “para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos”.

Anote-se, mais ainda, a admissão da reclamação, por construção jurisprudencial fincada nas leis 10.259/01 e 12.153/09, que cuidam respectivamente do Juizado Especial Federal e do Juizado Especial da Fazenda Pública. Com efeito, admite-se a reclamação nos casos de afronta por turma recursal “à jurisprudência do STJ consolidada em incidente de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas em julgamento de recurso especial repetitivo e em enunciados das súmulas do Superior Tribunal de Justiça, bem como para garantir a observância dos precedentes em matéria infraconstitucional”.

É de destacar-se que a reclamação poderá ter como objeto ato judicial ou mesmo ato administrativo. Aliás, o instituto da sobre súmula vinculante já admitia, por previsão legal e constitucional, o ataque ao ato administrativo e, agora, a vinculação de prestadores de serviços por concessão, outorga ou permissão, ao que decidido em alguns mecanismos de uniformização de jurisprudência, termina por sedimentar tal viabilidade.

Aliás, o STJ já abraçou a tese de que a reclamação pode ser aforada contra ato administrativo:

  1. A posição mais recente da própria 1ª Seção desta Corte, endossada pela Corte Especial, admite o manejo da reclamação contra ato de autoridade administrativa que descumpre ordem judicial. Precedentes: AgRg na Rcl 27.381/PR, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2015, DJe 03/11/2015; Rcl 3.506/ES, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/04/2010, DJe 30/06/2010; Rcl 2.559/ES, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, CORTE ESPECIAL, julgado em 02/04/2008, DJe 05/05/2008.EDcl na Rcl 22.536/DF, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 09/03/2016, DJe 15/03/2016)

3.1 Preservação da Competência

A reclamação – esclarece o inciso I – presta-se a “preservar a competência do tribunal”. Tal hipótese acontecerá quando houver usurpação da competência do tribunal, sendo que a parte interessada manifestará a reclamação ao pretório competente.

Assim é que, valendo-se da norma constitucional preexistente, o STF já assegurou sua competência originária para julgar ações de interesse de toda a magistratura. Sim, na reclamação 11323 AgR / SP – SÃO PAULO (DJe 03.08.2015, rel. para o acórdão Min. Teori Zavascki),  decidiu a Corte por assegurar sua competência originária, dizendo, na ocasião, que “insere-se na competência do Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, n da CF) a ação de mandado de segurança coletivo, impetrado por entidades associativas de magistrados, visando a assegurar alegada prerrogativa da magistratura (art. 33, V, da LOMAN) de obter a renovação simplificada dos registros de propriedade de armas de defesa pessoal, com dispensa de teste psicológico e de capacidade técnica e da revisão periódica do registro” .

O mesmo pode acontecer quanto aos tribunais de 2º grau, quando ações são ajuizadas, de forma equivocada em 1º grau de jurisdição, em desrespeito à competência originária daqueles. Ou seja, podem ser os tribunais instados a fazer prevalecer sua competência.

3.1.2 Preservação da Autoridade das Decisões

Outra hipótese é aquela do inciso II, que admite a reclamação para “garantir a autoridade das decisões do tribunal”.

Ora, a ofensa à coisa julgada e, como decorrência, à segurança dela advinda, precisa ser resguardada. Não se pode conceber, sem remédio eficaz que lhe combata, o descumprimento por autoridades de decisões dos tribunais, que já tenham eficácia.

O caso típico para tal permissivo é aquele em que o juiz, mesmo deparando com ordem do tribunal, descumpre-a. A par do aspecto disciplinar que permeia a situação, é cabível a reclamação, com força suficiente a impor o cumprimento da hierarquia.

Assim é que, por exemplo, já decidiu o STJ, ao fazer prevalecer acórdão lá proferido que, “mesmo após o Superior Tribunal de Justiça haver expressamente afastado a ocorrência da prescrição do fundo de direito da ação ante a formalização de requerimento administrativo que teria provocado a suspensão do prazo prescricional, nos termos do art. 4º do Decreto n. 20.910/1932, o Tribunal a quo, considerando que o requerimento administrativo havia sido interposto intempestivamente, entendeu novamente que o direito estaria fulminado pela prescrição” (Rcl 23959 / CE, rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 25/08/2015).

É importante destacar que a reclamação objetiva fazer prevalecer a decisão do tribunal, quando descumprida a ordem da instância superior para o caso específico e concreto. Mas, de igual forma, também haverá cabimento da reclamação quando, além das hipóteses dos incisos III e IV, houver descumprimento de ordem judicial, com efeito vinculativo e erga omnes, advinda de tribunal, inclusive de 2ª instância.

A primeira hipótese dar-se-á quando a instância inferior desacata a ordem emanada, por força de decisão judicial, advinda daquela hierarquicamente superior, num contexto em que a coisa julgada – formal ou material – é restrita às partes. A segunda hipótese dar-se-á quando do controle concentrado de constitucionalidade, a exemplo do que acontece nas decisões proferidas em sede de ação direta de inconstitucionalidade e em incidentes de inconstitucionalidade.

É óbvio que não se pode invocar, por meio de reclamação, mero precedente jurisprudencial, sem caráter vinculativo, para a defesa e prevalência de decisão do tribunal. Os precedentes, mesmo no novo sistema codificado, devem ser observados, mas nem todos ensejam o instituto

da reclamação, quando descumpridos. Nessa linha de raciocínio, mesmo antes do novo código, já decidiu o Supremo Tribunal Federal, na Reclamação 6488 (AgRg/SP), da relatoria do Ministro Eros Grau (DJe 28.05.2010), que “não cabe reclamação para assegurar a autoridade de ato judicial que não possui efeito erga omnes”.

3.1.3 Observância de      Súmula        Vinculante   e        Decisão       em Controle Concentrado de Constitucionalidade

Ainda é permissiva, para o ajuizamento da reclamação, a hipótese em que se objetiva “garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade”.

Ora, o efeito vinculativo e erga omnes das decisões proferidas no âmbito de súmula vinculante e de ações de controle concentrado de constitucionalidade (Adin, Adecon e ADPF) decorre da Constituição Federal e das leis de regência.

Agora, o novo código apenas corporificou tais hipóteses de cabimento. Se a decisão ou enunciado advindo de tais institutos for desobedecido, poderá o interessado ajuizar, diretamente no STF, a reclamação.

É importante fazer duas observações:

O julgamento de improcedência de ação direta de inconstitucionalidade, na prática, equivale à procedência da ação direta de constitucionalidade. Ou seja, se o STF afirmar que a norma é constitucional e que, por isso mesmo, julga improcedente a Adin, o descumprimento de sua decisão, que também tem caráter erga omnes e vinculante, enseja a reclamação.

Pela teoria dos motivos determinantes e, considerando a norma legal no sentido de que “a decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé” (art. 489 § 3º NCPC), pode-se dizer que, mesmo se a decisão pretérita do STF versar sobre constitucionalidade de lei distinta daquela posteriormente em discussão haverá vinculação, se o tema for exatamente o mesmo.

Com relação à primeira observação, não se pode olvidar que as ações constitucionais detêm caráter dúplice ou ambivalente (art. 24 da Lei 9868/99), ou seja, a procedência de uma ADC equivale à improcedência de uma ADIn e, por sua vez, a improcedência de uma ADC equivale à procedência de uma ADIn. E, em ambos os casos, a decisão proferida possui “eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal” (art. 28, parágrafo único da Lei 9868/99 em consonância com o art. 102, §2° da CR).

Na Rcl. 167, julgada perante o c. STF manifestou o min. Sepúlveda Pertence no sentido de que “quando cabível em tese a ação declaratória de constitucionalidade, a mesma forca vinculante haverá de ser atribuída à decisão definitiva da ação direta de inconstitucionalidade.”.

E, ainda, nesse mesmo sentido, defende o Min. Gilmar Mendes, reportando-se ao entendimento adotado pelo Min. Maurício Correa na Rcl 2.102, que “aceita a ideia de que a ação declaratória configura uma ADI com sinal trocado, tendo ambas caráter dúplice ou ambivalente, afigura-se difícil admitir que a decisão proferida em sede de ação direta de inconstitucionalidade não tenha efeitos ou consequências semelhantes àqueles reconhecidos para a ação declaratória de constitucionalidade. Ao criar a ação declaratória de constitucionalidade e lei federal, estabeleceu o constituinte que a decisão definitiva de mérito nela proferida – incluída, aqui, pois, aquela que, julgando improcedente a ação, proclamar a inconstitucionalidade da norma questionada – produzirá eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo.

No tocante à segunda observação, ainda o min. Gilmar Mendes, na citada Rcl 2.363/PA, trata minuciosamente sobre o assunto e muito bem discorre que “o alcance do efeito vinculante das decisões não pode estar limitado à sua parte dispositiva, devendo, também, considerar os chamados ‘fundamentos determinantes.” Em seguida, completa no sentido de que “segundo esse entendimento, a eficácia do Tribunal transcende o caso singular, de modo que os princípios dimanados da parte dispositiva e dos fundamentos determinantes sobre a interpretação da constituição devem ser observados por todos os tribunais e autoridades nos casos futuros.” O i. ministro, no bojo do seu voto, ainda justifica a adoção de tal entendimento, remetendo-se à função primordial da criação do efeito vinculante:

É certo, por outro lado, que a limitação do efeito vinculante à parte dispositiva da decisão tornaria de todo despiciendo esse instituto, uma vez que ele pouco acrescentaria aos institutos da coisa julgada e da forca de lei. Ademais tal redução diminuiria significativamente a contribuição do Tribunal para a preservação e desenvolvimento da ordem constitucional”.

É verdade que, depois dos precedentes aqui invocados, o Pretório Excelso pacificou sua jurisprudência em sentido contrário, dando alcance restrito aos efeitos vinculantes das decisões em sede de controle concentrado de constitucionalidade. Com efeito, apenas para ilustrar, tem-se que aquela Corte decidiu, em data recente, no sentido de que, “ainda que se admita a correspondência da ratio decidendi entre as matérias, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme em afirmar o não cabimento de reclamação, quando ela estiver fundada na transcendência dos motivos determinantes de acórdão com efeito vinculante, por tal efeito abranger apenas o objeto da ação” (Rcl 16802 Agrg / PE, rel. Min. Edson Fachin, DJe 28.10.2015).

Parece-me que os princípios, tão valorizados pelo CPC/15, devem ajudar na compreensão e alcance das regras, apaziguando-as quando em conflito. De igual forma, no confronto entre princípios, há que prevalecer – critério da ponderação – aquele que merece maior realce.

Ora, no instante atual e ao que se dessume das opções do legislador ainda que no campo infraconstitucional, deu-se pela maior valia da “duração razoável do processo” (garantia constitucional) e seus desdobramentos. Isso fica claro, por exemplo, na efetiva irrelevância, a partir do novo código, do princípio – também constitucional – do duplo grau de jurisdição. Ou seja, deve-se, agora e atento o exegeta às opções legislativas – as quais, presumivelmente, refletem valores da sociedade – optar, com certa dose de segurança, pela uniformidade da jurisprudência e julgamentos com duração menor de tempo.

Com efeito, se determinado tema discutido num processo está, com segurança, pacificado em sede de controle concentrado de constitucionalidade, ainda que a lei analisada agora não seja a mesma colocada no pretérito exame abstrato feito pelo Supremo Tribunal Federal, há que se aplicar o posicionamento da Corte. E deve ser aplicado, de forma vinculativa, sendo que, uma vez desacatado o entendimento do STF, caberá a reclamação, conforme posicionamento aqui citado.

A propósito, a teoria dos motivos determinantes, pela qual se defende a vinculação dos fundamentos da decisão, mormente quando estes são indissociáveis da parte dispositiva, ganhou literalidade no CPC/15. Assim é que o art. 489 § 3o estabeleceu que a “decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé”.

Destarte, à luz dos princípios encampados pelo novo código, com ênfase ao da estabilização da jurisprudência (verificar, por exemplo, arts. 926 e 927 CPC), impõe-se ao Supremo Tribunal Federal, data vênia, a revisão de sua jurisprudência. A adaptação aos princípios, somente a posteriori adotados com contundência pela nova legislação processual, mostrará sintonia legislativa e jurisprudencial.

Evidente que o raciocínio aqui desenvolvido aplica- se, por idênticas razões, às demais hipóteses de cabimento de reclamação, inclusive em tribunais de 2º grau, em que se faz mister, de igual forma, a análise e interpretação do precedente paradigma, não só a partir de sua parte dispositiva mas de todos os seus elementos (art. 489 § 3º NCPC).

3.2 Observância de Decisão em IRDR e Assunção de Competência

A próxima hipótese de cabimento da reclamação – inc. IV – é para “garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de  incidente  de  resolução  de   demandas   repetitivas   ou de incidente de assunção de competência”.

De fato, o novo código atribuiu força vinculativa e erga omnes às decisões proferidas nesses incidentes. Nesse sentido, tem-se a disposição do art. 985 (IRDR) e do § 3º do art. 947 NCPC (Assunção de Competência). O que se assegurou, aqui por meio da reclamação, foi remédio mais enérgico para dar credibilidade a tais institutos pacificadores e que geram segurança e isonomia jurídicas.

3.2.1 Observância das Decisões em RE e REsp repetitivos e com Repercussão Geral reconhecida

Vale perceber que estes dispositivos em análise receberam alteração significativa, antes mesmo de o código entrar em vigor. É que a Lei 13.256/15, dentre outras alterações, permitiu, como não poderia deixar de ser, a reclamação contra decisão que contrariar decisões do STJ e do STF em recursos especiais ou extraordinários repetitivos ou com repercussão geral reconhecida (no caso do rext).

Isso significa serem defensáveis aqueles paradigmas vinculantes, por meio da enérgica reclamação. Contudo, a alteração empreendida foi para só admitir a reclamação, depois de esgotados os recursos nas instâncias ordinárias (conferir § 5º inc. II art. 988 NCPC).

O STF e o STJ vêm empreendendo interpretação demasiadamente rigorosa ao dispositivo em comento. É que aquelas Cortes só admitem a reclamação, caso já interpostos os próprios recursos extremos (especial e/ou extraordinário), e já negados pela Corte de origem (art. 1040 I CPC) e também já rejeitados os agravos internos (art. 1030 § 2º CPC).

Com efeito:

AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. ANULAÇÃO DE QUESTÕES. PRETENSÃO DE OBSERVÂNCIA DE PRECEDENTE FIRMADO EM SEDE DE REPERCUSSÃO GERAL. RE 632.853 (TEMA 485). INADMISSIBILIDADE DA VIA ELEITA. AUSÊNCIA DE ESGOTAMENTO DAS VIAS ORDINÁRIAS. UTILIZAÇÃO DA RECLAMAÇÃO COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO OU OUTRAS AÇÕES CABÍVEIS.    IMPOSSIBILIDADE.    AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A reclamação, por expressa determinação constitucional, destina-se a preservar a competência desta Suprema Corte e garantir a autoridade de suas decisões, ex vi do artigo 102, I, l, da CF além de salvaguardar o estrito cumprimento dos enunciados da Súmula Vinculante, nos termos do artigo 103-A, § 3º, da Constituição, incluído pela ECn. 45/2004. Neste particular, a jurisprudência desta Suprema Corte estabeleceu diversas condicionantes para a utilização da via reclamatória, de sorte a evitar o uso promíscuo do referido instrumento processual. 2. A reclamação é impassível de ser manejada como sucedâneo de recurso ou ação rescisória, bem como é inadmissível a sua utilização em substituição a outras ações cabíveis. Incidência do princípio da não-reclamação contra o recorrível ou da irreclamabilidade contra a decisão de que ainda cabe recurso (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil . Tomo V, Arts. 444-475. Rio de Janeiro: Forense, 2ª Edição, p. 390 e 394) . 3. O ajuizamento de reclamação contra decisão da qual cabe recurso contraria o sistema jurídico-processual e revela-se disfuncional, caracterizando hipótese de abuso do direito de ação. Necessidade das instâncias julgadoras superiores de prestigiarem o sistema jurisdicional estabelecido pelo Poder Constituinte, de modo a preservar a atuação dos demais órgãos do Poder Judiciário que, de igual forma, ostentam competências de envergadura constitucional. 4. O exaurimento da jurisdição ordinária antes do manejo da reclamação constitucional de competência do Supremo Tribunal Federal deve ser observado, sob pena de se estimular a propositura per saltum da via eleita. Precedentes: Rcl 25.596-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 1/8/2017; e Rcl 18.020-AgR, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe de 18/4/2016. 5. In casu, não foram esgotadas as instâncias ordinárias. A presente reclamação foi ajuizada na pendência do julgamento do agravo em recurso especial interposto pela reclamante na demanda originária, claramente suprimindo instâncias recursais estabelecidas pelo sistema normativo processual e subvertendo, dessa forma, a destinação constitucional do instituto da reclamação, que não deve, portanto, ser admitida na hipótese em tela. 6. O Supremo Tribunal Federal deixa claro que o prévio exaurimento das instâncias ordinárias apenas se concretiza após o julgamento do agravo interno interposto contra decisão da Corte de origem que nega seguimento a recurso extraordinário. 7. Agravo regimental desprovido.”(Rcl 27843 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 17/09/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-205 DIVULG 26-09-2018 PUBLIC 27-09-2018).

Parece-me que tal interpretação, embora revele compreensível preocupação em desestimular o abuso no manejo da reclamação perante os tribunais superiores, não guarda coerência com ordenamento legal vigente e o espírito que moveu o legislador.

Ora, a reclamação foi concebida e sempre usada como mecanismo sim de encurtamento de caminho processual, haja vista a gravidade cometida pelo ato reclamado, o qual, de regra, está a contrariar precedentes e enunciados vinculativos. É por conta desta gravidade, que a lei admitiu, desde sempre, o encurtamento do caminho processual, a exemplo do que já previa a lei reguladora da súmula vinculante.

Demais disso, ao contrário do que sustentam os tribunais superiores, o próprio CPC deixou patente ser desnecessária a prévia interposição, conhecimento e julgamento de recursos cabíveis, como condição ao manejo da reclamação. Sim, o § 6º do art. 988 estabelece que se inadmitido o recurso não estará prejudicada a reclamação aforada contra o mesmo ato, o que significa dizer, em outras palavras, ser totalmente irrelevante a sua interposição.

3.3 Situação específica das Turmas Recursais

Como aqui já anunciado, as leis que versam sobre o Juizado Especial Federal e o Juizado Especial da Fazenda Pública instam o STJ a pronunciar-se, de forma a fazer prevalecer sua jurisprudência quando ofendida pelas turmas recursais.

Esta ampliação legal também aos precedentes persuasivos (não vinculativos) justifica-se pela circunstância de que, como cediço, os acórdãos das turmas recursais, por limitação constitucional, não ensejam recurso especial. Logo, por não se sujeitarem a qualquer controle pelo STJ, ter-se-ia o risco de os Juizados Especiais seguirem, em alguns temas, posicionamentos distintos daqueles da referida Corte. A solução no plano infraconstitucional, pois, foi permitir tal acesso mais amplo por meio da reclamação, evitando-se, assim, essa falta de sintonia entre os juizados e o STJ.

Vale transcrever os dispositivos legais (Juizado Especial Federal e Juizado da Fazenda Pública), naquilo que é relevante ao tema:

Art. 14 Lei 10259/01 (Juizado Especial Federal) § 4o Quando a orientação acolhida pela Turma de Uniformização, em questões de direito material, contrariar súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça – STJ, a parte interessada poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência.

Lei 12153/09 (Juizado Especial da Fazenda Pública)

Art. 18. Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei quando houver divergência entre decisões proferidas por Turmas Recursais sobre questões de direito material.

  • 3o Quando as Turmas de diferentes Estados derem a lei federal interpretações divergentes, ou quando a decisão proferida estiver em contrariedade com súmula do Superior Tribunal de Justiça, o pedido será por este julgado.

Art. 19. Quando a orientação acolhida pelas Turmas de Uniformização de que trata o § 1o do art. 18 contrariar súmula do Superior Tribunal de Justiça, a parte interessada poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência.

Este acesso ao STJ foi admitido pela jurisprudência, por meio da reclamação, antes mesmo desta ganhar corpo no CPC/15. Assim é que o STF, quando do julgamento dos embargos de declaração no RE 571.572 BA, deliberou, em aresto da relatoria da Ministra Ellen Gracie, por “declarar o cabimento, em caráter excepcional, da reclamação prevista no art. 105, I, f, da Constituição Federal, para fazer prevalecer, até a criação da turma de uniformização dos juizados especiais estaduais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça na interpretação da legislação infraconstitucional”.

A partir desse pronunciamento do STF, o STJ passou a decidir, corriqueiramente, questões oriundas das turmas recursais, por meio de reclamação. Aliás, a Corte chegou a editar a Resolução 12/09, pela qual proclamava sua própria competência para fazer impor a jurisprudência que editava, por meio da reclamação. Ocorre que, depois disso, foi editada a Resolução 03/2016, pela qual reiterou a viabilidade da reclamação para casos tais; só que asseverou ser competência dos tribunais de justiça o exame dessas reclamações.

Confira-se:

Art. 1º Caberá às Câmaras Reunidas ou à Seção Especializada dos Tribunais de Justiça a competência para processar e julgar as Reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por Turma Recursal Estadual e do Distrito Federal e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consolidada em incidente de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas, em julgamento de recurso especial repetitivo e em enunciados das Súmulas do STJ, bem como para garantir a observância de precedentes.

Este deslocamento de competência é de duvidosa legalidade. Isso porque contraria a decisão emanada do STF, que asseverou ser competência do STJ o exame de tais medidas, além do que a reclamação é, como asseverado, ação propriamente dita, sendo que as questões processuais que lhe permeiam não podem ser inseridas por deliberação administrativa de qualquer Corte, mas sim por lei federal (art. 22 I CF), como já o fizeram, a propósito de tal tema, as leis federais que regulam  os Juizados Especiais Federal e da Fazenda Pública. E, mais ainda, a reclamação, a fim de fazer prevalecer a autoridade das decisões do STJ, por imposição constitucional (art. 105 I “f” CF), é de competência daquela Corte (STJ), aliás, a que é a mais recomendada para policiar sua própria jurisprudência por meio de ação tão enérgica.

4 Legitimidade

A legitimidade para o aforamento da reclamação, na forma do caput do art. 988 NCPC, é da “parte interessada” ou “do Ministério Público”.

Quanto à expressão “parte interessada”, é preciso guardar correlação, por analogia, com a legitimidade para recorrer. Vale dizer poderá ajuizar reclamação a parte – autor, réu e terceiro interveniente – , assim como o terceiro prejudicado – aquele que poderia figurar como terceiro interveniente, mas não o fez, tendo sido atingido em sua esfera jurídica pela decisão, ou aquele que poderia agir como substituto processual (par. único art 996 NCPC). Na prática, nos casos de eficácia erga ogmnes, qualquer pessoa que se veja beneficiada pela decisão, deterá legitimidade, na qualidade de terceiro prejudicado, para aforar a reclamação.

Já o Ministério Público, na linha do art. 996 caput NCPC, poderá ajuizar a reclamação na qualidade de parte do processo ou por ter sido atingido pela decisão paradigma, ou mesmo como fiscal da ordem jurídica.

5 Procedimento

O procedimento pode assim ser sintetizado:

O reclamante formulará a petição inicial da reclamação, a qual, tal qual prevê o art. 319 NCPC, deverá consubstanciar, sob pena de indeferimento pelo relator: 1) a causa de pedir (a existência de competência, decisão ou enunciado que estejam sendo desrespeitados – incisos do art. 988 NCPC; a demonstração do ato que pratica tal desrespeito; o confronto entre ambos, de modo a revelar a afronta à competência ou à autoridade que se pretende garantir).2) os fundamentos jurídicos, que deverão revelar, em especial, a identificação da espécie a um dos permissivos que autorizam a imediata intervenção do tribunal, por meio da reclamação.3) o pedido, que deverá ser, conforme adianta o art. 992 NCPC, para cassar a decisão exorbitante ou determinar medida adequada para a solução da controvérsia (que deverá ser especificada, na petição inicial).4) o requerimento de citação do beneficiário da decisão impugnada, acompanhado, obviamente, dos dados necessários à sua identificação (art. 319 II NCPC); 5) o requerimento de liminar, caso assim pretenda o reclamante, para a suspensão do processo ou ato impugnado (art. 989 inc. II NCPC). 6) o valor da causa (arts. 291 e 319 V NCPC), que, a rigor, será aquele mesmo adotado na petição inicial do processo onde proferido o ato hostilizado, ou, na ausência deste, aquele que identificar-se com o conteúdo econômico da causa.

O reclamante anexará os documentos que comprovem o desacato ou usurpação de competência (§ 2º art. 988 NCPC), valendo anotar ser desnecessário o requerimento de provas na petição inicial, exatamente porque, em tais casos, o direito haverá de ser líquido e certo, ou seja, não exigirá dilação probatória. A rigor, para que haja a perfeita identificação da usurpação de competência ou desrespeito à autoridade judiciária, serão necessários os documentos que instruem o processo originário e os que comprovem a existência da decisão desacatada.

A competência para julgamento da reclamação será do tribunal cuja competência se busca preservar ou cuja autoridade se pretenda garantir (§ 1º art. 988 NCPC).

O relator, em sua manifestação inaugural, na forma do art. 989 NCPC, requisitará informações da autoridade que praticou o ato impugnado; se for o caso (probabilidade de concessão ao final da reclamação e perigo de dano), determinará, liminarmente, a suspensão do processo ou do ato impugnado; determinará a citação do beneficiário, para que ofereça a contestação no prazo de 15 (quinze) dias.

Tratando-se a reclamação de ação, proposta por meio de petição inicial, poderá ser, após oportunizada a emenda ou complementação (se for viável – art. 321 NCPC), indeferida pelo relator (art. 330 NCPC) ou mesmo ser objeto de improcedência liminar do pedido (art. 332 NCPC). De tal decisão, caberá agravo interno ao colegiado competente, consoante permissivo do art. 1.021 NCPC, no prazo de 15 (quinze) dias.

A contestação será oferecida, no prazo de 15 (quinze) dias, sendo que o art. 990 admite que “qualquer interessado” poderá impugnar o pedido do reclamante, referindo-se aí, naturalmente, àquele que será atingido, na sua órbita jurídica, pela decisão do tribunal. Esse terceiro, à míngua de previsão ou vedação legal, poderá ingressar a qualquer instante antes do julgamento. Aliás, antes mesmo da vigência do novo código, o STF já sustentava que “admite- se, em reclamação, que intervenha terceiro juridicamente interessado ou prejudicado, com direito de exercer poderes processuais a partir do momento da intervenção, entre os quais o de fazer sustentação oral” (recl. 2772 – DF, rel. Min. Cézar Peluso, DJ 05.05.2006).

Superados os prazos para informações e contestação, será ouvido o Ministério Público por 5 (cinco) dias, naqueles casos em que não for o autor da reclamação (art. 991 NCPC).

O órgão jurisdicional competente julgará a reclamação, oportunizando, antes, a sustentação oral aos advogados (art. 937 inc. VI NCPC).

O julgamento de procedência da reclamação, conforme dicção do art. 992 NCPC, significa que o tribunal “cassará” “a decisão exorbitante de seu julgado”, ou seja, não haverá imediata reforma, mas determinação de que a autoridade ou órgão reclamado profira nova decisão em conformidade com o ato paradigma. Diz o referido dispositivo legal, ainda, que o tribunal poderá determinar “medida adequada à solução da controvérsia”, como é o caso de impor que o feito de origem seja processado pelo órgão efetivamente competente. Destaque-se que, pelo interesse público que permeia a manutenção da autoridade e competência dos tribunais, a decisão de procedência da reclamação deve ser cumprida, de imediato, independente da lavratura e publicação do acórdão (art. 993 NCPC).

O julgamento de improcedência importa em consequente revogação da liminar eventualmente concedida, restando incólume o ato hostilizado.

Como se trata, na formatação do novo código, de efetiva ação com possibilidade, inclusive, de oferecimento de contestação, deverá o tribunal, a rigor, condenar o sucumbido a arcar com honorários sucumbenciais (art. 85 NCPC). Não é despiciendo anotar que, neste caso, a autoridade não é parte, sendo inviável sua condenação ao pagamento de tal verba (arts. 82§ 2º e 85 NCPC).

 

6 Prazo

O prazo ao ajuizamento da reclamação é o mesmo previsto para a interposição do recurso adequado, no caso em que o ato impugnado é judicial. Já em se tratando de ato administrativo, o prazo é o mesmo previsto para o ajuizamento da ação apta a infirmá-lo.

A súmula 734 do STF, ao que se verifica, foi prestigiada pelo novo código. O enunciado daquela súmula já consubstanciava o entendimento de que “não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal”.

Com efeito, estabelece o § 5º inc. I art. 988 NCPC, quando se tratar de ato judicial, que “é inadmissível a reclamação proposta após o trânsito em julgado da decisão”. Isso se justifica, pois, do contrário, haveria uma verdadeira insegurança jurídica a perpetuar o conflito, já que, em qualquer instante, a reclamação poderia gerar intervenção abrupta na decisão já atingida pelo trânsito em julgado.

No tocante ao ato administrativo, a rigor, o prazo para a reclamação é o de 5 (cinco) anos, eis que, passado esse tempo, o ato, mesmo viciado, convalida-se. É o que, em outras palavras, acentua o  54 da lei nº 9.784/99: “o direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé”.

Já o inciso II do art. 988 § 2º NCPC, com a redação imposta pela Lei 13.256/15, estabeleceu ser inadmissível a reclamação, se “proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias”. Vale dizer: o prazo à reclamação, contra inobservância de decisão em sede de recurso extraordinário com repercussão geral ou recursos extraordinário e especial repetitivos, só inicia-se quando decidido em definitivo pela instância ordinária. Uma vez proferido o acórdão do tribunal, por exemplo, e iniciado o prazo ao recurso especial e/ou extraordinário, a partir daí também tem início o prazo à reclamação. Destaque-se, todavia, que, consoante assinalado alhures, os Tribunais Superiores têm mantido entendimento mais rigoroso sobre este dispositivo, de forma que só admitem a reclamação, após não superada pelos recursos extraordinário e/ou especial a triagem feita pelos tribunais de 2º grau.

O fato é que essa alteração atendeu ao reclamo dos Tribunais Superiores, de forma que manteve a obrigação dos prejudicados tentarem obter, pelas vias recursais, a incidência dos julgados vinculativos do STJ e STF. Só se o resultado não for positivo nas instâncias ordinárias, é que o prejudicado poderá se valer da reclamação.

7 Coexistência com Recurso

A reclamação pode coexistir com o recurso adequado à impugnação contra o ato. É o que diz, em outras palavras, o § 6º do art. 988 NCPC. Ou seja, nada obsta o julgamento da reclamação o eventual não conhecimento ou efetivo exame de mérito do recurso, que também atacou o ato judicial.

Com efeito, tendo em vista a reclamação não ser recurso, deixa de incidir em relação a ela o princípio da singularidade recursal.

 

7 Recursos Cabíveis

Os recursos contra a decisão que julga a reclamação são os mesmos previstos no sistema processual. Nada obsta a interposição de recuso contra acórdão ou decisão monocrática que examina a reclamação, à míngua de vedação legal.

Portanto e à guisa de exemplo, contra o acórdão que julga, em 2ª instância, a reclamação, pode ser interposto recurso especial e/ou extraordinário, conforme a natureza da matéria em discussão.

8 Conclusão

A reclamação, com o advento do CPC/15, assumiu coloração processual de verdadeira ação, com todos os desdobramentos daí advindos, inclusive incidência de honorários sucumbenciais.

Essa ação mereceu o espaço específico que lhe foi dedicado pelo código processual recente, sobretudo pelo seu relevante papel de instrumento garantidor da estabilização da jurisprudência, cujo alcance perpassa o campo judicial, alcançando, também, os atos administrativos.

Nesse diapasão, justifica-se a revisão da jurisprudência dos tribunais superiores, com relação a alguns pontos ao redor do tema. É o caso, por exemplo, da necessidade de admissão da invocação da adotada pelo precedente usado como paradigma na reclamação. Ora, a unicidade do sistema e a segurança jurídica justificam tal tese. Além disso, não se revela razoável exigir que o reclamante tenha que interpor, antes de ajuizar a reclamação, os recursos extraordinários e/ou especial e os agravos internos que lhe seguirem, quando, na verdade, a lei não estabelece esta restrição.

Enfim, cabe aos tribunais, nos termos do ordenamento jurídico que regula a reclamação, assegurar que ela cumpra o seu relevantíssimo papel de instrumento da estabilização da jurisprudência e da própria segurança jurídica.

tenha efeitos ou consequências semelhantes àqueles reconhecidos para a ação declaratória de constitucionalidade. Ao criar a ação declaratória de constitucionalidade e lei federal, estabeleceu o constituinte que a decisão definitiva de mérito nela proferida – incluída, aqui, pois, aquela que, julgando improcedente a ação, proclamar a inconstitucionalidade da norma questionada – produzirá eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo.

No tocante à segunda observação, ainda o min. Gilmar Mendes, na citada Rcl 2.363/PA, trata minuciosamente sobre o assunto e muito bem discorre que “o alcance do efeito vinculante das decisões não pode estar limitado à sua parte dispositiva, devendo, também, considerar os chamados ‘fundamentos determinantes.” Em seguida, completa no sentido de que “segundo esse entendimento, a eficácia do Tribunal transcende o caso singular, de modo que os princípios dimanados da parte dispositiva e dos fundamentos determinantes sobre a interpretação da constituição devem ser observados por todos os tribunais e autoridades nos casos futuros.” O i. ministro, no bojo do seu voto, ainda justifica a adoção de tal entendimento, remetendo-se à função primordial da criação do efeito vinculante:

É certo, por outro lado, que a limitação do efeito vinculante à parte dispositiva da decisão tornaria de todo despiciendo esse instituto, uma vez que ele pouco acrescentaria aos institutos da coisa julgada e da forca de lei. Ademais tal redução diminuiria significativamente a contribuição do Tribunal para a preservação e desenvolvimento da ordem constitucional”.

É verdade que, depois dos precedentes aqui invocados, o Pretório Excelso pacificou sua jurisprudência em sentido contrário, dando alcance restrito aos efeitos vinculantes das decisões em sede de controle concentrado de constitucionalidade. Com efeito, apenas para ilustrar, tem-se que aquela Corte decidiu, em data recente, no sentido de que, “ainda que se admita a correspondência da ratio decidendi entre as matérias, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme em afirmar o não cabimento de reclamação, quando ela estiver fundada na transcendência dos motivos determinantes de acórdão com efeito vinculante, por tal efeito abranger apenas o objeto da ação” (Rcl 16802 Agrg / PE, rel. Min. Edson Fachin, DJe 28.10.2015).

Parece-me que os princípios, tão valorizados pelo CPC/15, devem ajudar na compreensão e alcance das regras, apaziguando-as quando em conflito. De igual forma, no confronto entre princípios, há que prevalecer – critério da ponderação – aquele que merece maior realce.

Ora, no instante atual e ao que se dessume das opções do legislador ainda que no campo infraconstitucional, deu-se pela maior valia da “duração razoável do processo” (garantia constitucional) e seus desdobramentos. Isso fica claro, por exemplo, na efetiva irrelevância, a partir do novo código, do princípio – também constitucional – do duplo grau de jurisdição. Ou seja, deve-se, agora e atento o exegeta às opções legislativas – as quais, presumivelmente, refletem valores da sociedade – optar, com certa dose de segurança, pela uniformidade da jurisprudência e julgamentos com duração menor de tempo.

Com efeito, se determinado tema discutido num processo está, com segurança, pacificado em sede de controle concentrado de constitucionalidade, ainda que a lei analisada agora não seja a mesma colocada no pretérito exame abstrato feito pelo Supremo Tribunal Federal, há que se aplicar o posicionamento da Corte. E deve ser aplicado, de forma vinculativa, sendo que, uma vez desacatado o entendimento do STF, caberá a reclamação, conforme posicionamento aqui citado.

A propósito, a teoria dos motivos determinantes, pela qual se defende a vinculação dos fundamentos da decisão, mormente quando estes são indissociáveis da parte dispositiva, ganhou literalidade no CPC/15. Assim é que o art. 489 § 3o estabeleceu que a “decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé”.

Destarte, à luz dos princípios encampados pelo novo código, com ênfase ao da estabilização da jurisprudência (verificar, por exemplo, arts. 926 e 927 CPC), impõe-se ao Supremo Tribunal Federal, data vênia, a revisão de sua jurisprudência. A adaptação aos princípios, somente a posteriori adotados com contundência pela nova legislação processual, mostrará sintonia legislativa e jurisprudencial.

Evidente que o raciocínio aqui desenvolvido aplica- se, por idênticas razões, às demais hipóteses de cabimento de reclamação, inclusive em tribunais de 2º grau, em que se faz mister, de igual forma, a análise e interpretação do precedente paradigma, não só a partir de sua parte dispositiva mas de todos os seus elementos (art. 489 § 3º NCPC).

 

3.2 Observância de Decisão em IRDR e Assunção de Competência

A próxima hipótese de cabimento da reclamação – inc. IV – é para “garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de  incidente  de  resolução  de   demandas   repetitivas   ou de incidente de assunção de competência”.

De fato, o novo código atribuiu força vinculativa e erga omnes às decisões proferidas nesses incidentes. Nesse sentido, tem-se a disposição do art. 985 (IRDR) e do § 3º do art. 947 NCPC (Assunção de Competência). O que se assegurou, aqui por meio da reclamação, foi remédio mais enérgico para dar credibilidade a tais institutos pacificadores e que geram segurança e isonomia jurídicas.

3.2.1 Observância das Decisões em RE e REsp repetitivos e com Repercussão Geral reconhecida

Vale perceber que estes dispositivos em análise receberam alteração significativa, antes mesmo de o código entrar em vigor. É que a Lei 13.256/15, dentre outras alterações, permitiu, como não poderia deixar de ser, a reclamação contra decisão que contrariar decisões do STJ e do STF em recursos especiais ou extraordinários repetitivos ou com repercussão geral reconhecida (no caso do rext).

Isso significa serem defensáveis aqueles paradigmas vinculantes, por meio da enérgica reclamação. Contudo, a alteração empreendida foi para só admitir a reclamação, depois de esgotados os recursos nas instâncias ordinárias (conferir § 5º inc. II art. 988 NCPC).

O STF e o STJ vêm empreendendo interpretação demasiadamente rigorosa ao dispositivo em comento. É que aquelas Cortes só admitem a reclamação, caso já interpostos os próprios recursos extremos (especial e/ou extraordinário), e já negados pela Corte de origem (art. 1040 I CPC) e também já rejeitados os agravos internos (art. 1030 § 2º CPC).

Com efeito:

AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. ANULAÇÃO DE QUESTÕES. PRETENSÃO DE OBSERVÂNCIA DE PRECEDENTE FIRMADO EM SEDE DE REPERCUSSÃO GERAL. RE 632.853 (TEMA 485). INADMISSIBILIDADE DA VIA ELEITA. AUSÊNCIA DE ESGOTAMENTO DAS VIAS ORDINÁRIAS. UTILIZAÇÃO DA RECLAMAÇÃO COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO OU OUTRAS AÇÕES CABÍVEIS.    IMPOSSIBILIDADE.    AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A reclamação, por expressa determinação constitucional, destina-se a preservar a competência desta Suprema Corte e garantir a autoridade de suas decisões, ex vi do artigo 102, I, l, da CF além de salvaguardar o estrito cumprimento dos enunciados da Súmula Vinculante, nos termos do artigo 103-A, § 3º, da Constituição, incluído pela ECn. 45/2004. Neste particular, a jurisprudência desta Suprema Corte estabeleceu diversas condicionantes para a utilização da via reclamatória, de sorte a evitar o uso promíscuo do referido instrumento processual. 2. A reclamação é impassível de ser manejada como sucedâneo de recurso ou ação rescisória, bem como é inadmissível a sua utilização em substituição a outras ações cabíveis. Incidência do princípio da não-reclamação contra o recorrível ou da irreclamabilidade contra a decisão de que ainda cabe recurso (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil . Tomo V, Arts. 444-475. Rio de Janeiro: Forense, 2ª Edição, p. 390 e 394) . 3. O ajuizamento de reclamação contra decisão da qual cabe recurso contraria o sistema jurídico-processual e revela-se disfuncional, caracterizando hipótese de abuso do direito de ação. Necessidade das instâncias julgadoras superiores de prestigiarem o sistema jurisdicional estabelecido pelo Poder Constituinte, de modo a preservar a atuação dos demais órgãos do Poder Judiciário que, de igual forma, ostentam competências de envergadura constitucional. 4. O exaurimento da jurisdição ordinária antes do manejo da reclamação constitucional de competência do Supremo Tribunal Federal deve ser observado, sob pena de se estimular a propositura per saltum da via eleita. Precedentes: Rcl 25.596-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 1/8/2017; e Rcl 18.020-AgR, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe de 18/4/2016. 5. In casu, não foram esgotadas as instâncias ordinárias. A presente reclamação foi ajuizada na pendência do julgamento do agravo em recurso especial interposto pela reclamante na demanda originária, claramente suprimindo instâncias recursais estabelecidas pelo sistema normativo processual e subvertendo, dessa forma, a destinação constitucional do instituto da reclamação, que não deve, portanto, ser admitida na hipótese em tela. 6. O Supremo Tribunal Federal deixa claro que o prévio exaurimento das instâncias ordinárias apenas se concretiza após o julgamento do agravo interno interposto contra decisão da Corte de origem que nega seguimento a recurso extraordinário. 7. Agravo regimental desprovido.”(Rcl 27843 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 17/09/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-205 DIVULG 26-09-2018 PUBLIC 27-09-2018).

Parece-me que tal interpretação, embora revele compreensível preocupação em desestimular o abuso no manejo da reclamação perante os tribunais superiores, não guarda coerência com ordenamento legal vigente e o espírito que moveu o legislador.

Ora, a reclamação foi concebida e sempre usada como mecanismo sim de encurtamento de caminho processual, haja vista a gravidade cometida pelo ato reclamado, o qual, de regra, está a contrariar precedentes e enunciados vinculativos. É por conta desta gravidade, que a lei admitiu, desde sempre, o encurtamento do caminho processual, a exemplo do que já previa a lei reguladora da súmula vinculante.

Demais disso, ao contrário do que sustentam os tribunais superiores, o próprio CPC deixou patente ser desnecessária a prévia interposição, conhecimento e julgamento de recursos cabíveis, como condição ao manejo da reclamação. Sim, o § 6º do art. 988 estabelece que se inadmitido o recurso não estará prejudicada a reclamação aforada contra o mesmo ato, o que significa dizer, em outras palavras, ser totalmente irrelevante a sua interposição.

3.3 Situação específica das Turmas Recursais

Como aqui já anunciado, as leis que versam sobre o Juizado Especial Federal e o Juizado Especial da Fazenda Pública instam o STJ a pronunciar-se, de forma a fazer prevalecer sua jurisprudência quando ofendida pelas turmas recursais.

Esta ampliação legal também aos precedentes persuasivos (não vinculativos) justifica-se pela circunstância de que, como cediço, os acórdãos das turmas recursais, por limitação constitucional, não ensejam recurso especial. Logo, por não se sujeitarem a qualquer controle pelo STJ, ter-se-ia o risco de os Juizados Especiais seguirem, em alguns temas, posicionamentos distintos daqueles da referida Corte. A solução no plano infraconstitucional, pois, foi permitir tal acesso mais amplo por meio da reclamação, evitando-se, assim, essa falta de sintonia entre os juizados e o STJ.

Vale transcrever os dispositivos legais (Juizado Especial Federal e Juizado da Fazenda Pública), naquilo que é relevante ao tema:

Art. 14 Lei 10259/01 (Juizado Especial Federal) § 4o Quando a orientação acolhida pela Turma de Uniformização, em questões de direito material, contrariar súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça – STJ, a parte interessada poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência.

Lei 12153/09 (Juizado Especial da Fazenda Pública)

Art. 18. Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei quando houver divergência entre decisões proferidas por Turmas Recursais sobre questões de direito material.

  • 3o Quando as Turmas de diferentes Estados derem a lei federal interpretações divergentes, ou quando a decisão proferida estiver em contrariedade com súmula do Superior Tribunal de Justiça, o pedido será por este julgado.

Art. 19. Quando a orientação acolhida pelas Turmas de Uniformização de que trata o § 1o do art. 18 contrariar súmula do Superior Tribunal de Justiça, a parte interessada poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência.

Este acesso ao STJ foi admitido pela jurisprudência, por meio da reclamação, antes mesmo desta ganhar corpo no CPC/15. Assim é que o STF, quando do julgamento dos embargos de declaração no RE 571.572 BA, deliberou, em aresto da relatoria da Ministra Ellen Gracie, por “declarar o cabimento, em caráter excepcional, da reclamação prevista no art. 105, I, f, da Constituição Federal, para fazer prevalecer, até a criação da turma de uniformização dos juizados especiais estaduais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça na interpretação da legislação infraconstitucional”.

A partir desse pronunciamento do STF, o STJ passou a decidir, corriqueiramente, questões oriundas das turmas recursais, por meio de reclamação. Aliás, a Corte chegou a editar a Resolução 12/09, pela qual proclamava sua própria competência para fazer impor a jurisprudência que editava, por meio da reclamação. Ocorre que, depois disso, foi editada a Resolução 03/2016, pela qual reiterou a viabilidade da reclamação para casos tais; só que asseverou ser competência dos tribunais de justiça o exame dessas reclamações.

Confira-se:

Art. 1º Caberá às Câmaras Reunidas ou à Seção Especializada dos Tribunais de Justiça a competência para processar e julgar as Reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por Turma Recursal Estadual e do Distrito Federal e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consolidada em incidente de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas, em julgamento de recurso especial repetitivo e em enunciados das Súmulas do STJ, bem como para garantir a observância de precedentes.

Este deslocamento de competência é de duvidosa legalidade. Isso porque contraria a decisão emanada do STF, que asseverou ser competência do STJ o exame de tais medidas, além do que a reclamação é, como asseverado, ação propriamente dita, sendo que as questões processuais que lhe permeiam não podem ser inseridas por deliberação administrativa de qualquer Corte, mas sim por lei federal (art. 22 I CF), como já o fizeram, a propósito de tal tema, as leis federais que regulam  os Juizados Especiais Federal e da Fazenda Pública. E, mais ainda, a reclamação, a fim de fazer prevalecer a autoridade das decisões do STJ, por imposição constitucional (art. 105 I “f” CF), é de competência daquela Corte (STJ), aliás, a que é a mais recomendada para policiar sua própria jurisprudência por meio de ação tão enérgica.

4 Legitimidade

A legitimidade para o aforamento da reclamação, na forma do caput do art. 988 NCPC, é da “parte interessada” ou “do Ministério Público”.

Quanto à expressão “parte interessada”, é preciso guardar correlação, por analogia, com a legitimidade para recorrer. Vale dizer poderá ajuizar reclamação a parte – autor, réu e terceiro interveniente – , assim como o terceiro prejudicado – aquele que poderia figurar como terceiro interveniente, mas não o fez, tendo sido atingido em sua esfera jurídica pela decisão, ou aquele que poderia agir como substituto processual (par. único art 996 NCPC). Na prática, nos casos de eficácia erga ogmnes, qualquer pessoa que se veja beneficiada pela decisão, deterá legitimidade, na qualidade de terceiro prejudicado, para aforar a reclamação.

Já o Ministério Público, na linha do art. 996 caput NCPC, poderá ajuizar a reclamação na qualidade de parte do processo ou por ter sido atingido pela decisão paradigma, ou mesmo como fiscal da ordem jurídica.

5 Procedimento

O procedimento pode assim ser sintetizado:

O reclamante formulará a petição inicial da reclamação, a qual, tal qual prevê o art. 319 NCPC, deverá consubstanciar, sob pena de indeferimento pelo relator: 1) a causa de pedir (a existência de competência, decisão ou enunciado que estejam sendo desrespeitados – incisos do art. 988 NCPC; a demonstração do ato que pratica tal desrespeito; o confronto entre ambos, de modo a revelar a afronta à competência ou à autoridade que se pretende garantir).2) os fundamentos jurídicos, que deverão revelar, em especial, a identificação da espécie a um dos permissivos que autorizam a imediata intervenção do tribunal, por meio da reclamação.3) o pedido, que deverá ser, conforme adianta o art. 992 NCPC, para cassar a decisão exorbitante ou determinar medida adequada para a solução da controvérsia (que deverá ser especificada, na petição inicial).4) o requerimento de citação do beneficiário da decisão impugnada, acompanhado, obviamente, dos dados necessários à sua identificação (art. 319 II NCPC); 5) o requerimento de liminar, caso assim pretenda o reclamante, para a suspensão do processo ou ato impugnado (art. 989 inc. II NCPC). 6) o valor da causa (arts. 291 e 319 V NCPC), que, a rigor, será aquele mesmo adotado na petição inicial do processo onde proferido o ato hostilizado, ou, na ausência deste, aquele que identificar-se com o conteúdo econômico da causa.

O reclamante anexará os documentos que comprovem o desacato ou usurpação de competência (§ 2º art. 988 NCPC), valendo anotar ser desnecessário o requerimento de provas na petição inicial, exatamente porque, em tais casos, o direito haverá de ser líquido e certo, ou seja, não exigirá dilação probatória. A rigor, para que haja a perfeita identificação da usurpação de competência ou desrespeito à autoridade judiciária, serão necessários os documentos que instruem o processo originário e os que comprovem a existência da decisão desacatada.

A competência para julgamento da reclamação será do tribunal cuja competência se busca preservar ou cuja autoridade se pretenda garantir (§ 1º art. 988 NCPC).

O relator, em sua manifestação inaugural, na forma do art. 989 NCPC, requisitará informações da autoridade que praticou o ato impugnado; se for o caso (probabilidade de concessão ao final da reclamação e perigo de dano), determinará, liminarmente, a suspensão do processo ou do ato impugnado; determinará a citação do beneficiário, para que ofereça a contestação no prazo de 15 (quinze) dias.

Tratando-se a reclamação de ação, proposta por meio de petição inicial, poderá ser, após oportunizada a emenda ou complementação (se for viável – art. 321 NCPC), indeferida pelo relator (art. 330 NCPC) ou mesmo ser objeto de improcedência liminar do pedido (art. 332 NCPC). De tal decisão, caberá agravo interno ao colegiado competente, consoante permissivo do art. 1.021 NCPC, no prazo de 15 (quinze) dias.

A contestação será oferecida, no prazo de 15 (quinze) dias, sendo que o art. 990 admite que “qualquer interessado” poderá impugnar o pedido do reclamante, referindo-se aí, naturalmente, àquele que será atingido, na sua órbita jurídica, pela decisão do tribunal. Esse terceiro, à míngua de previsão ou vedação legal, poderá ingressar a qualquer instante antes do julgamento. Aliás, antes mesmo da vigência do novo código, o STF já sustentava que “admite- se, em reclamação, que intervenha terceiro juridicamente interessado ou prejudicado, com direito de exercer poderes processuais a partir do momento da intervenção, entre os quais o de fazer sustentação oral” (recl. 2772 – DF, rel. Min. Cézar Peluso, DJ 05.05.2006).

Superados os prazos para informações e contestação, será ouvido o Ministério Público por 5 (cinco) dias, naqueles casos em que não for o autor da reclamação (art. 991 NCPC).

O órgão jurisdicional competente julgará a reclamação, oportunizando, antes, a sustentação oral aos advogados (art. 937 inc. VI NCPC).

O julgamento de procedência da reclamação, conforme dicção do art. 992 NCPC, significa que o tribunal “cassará” “a decisão exorbitante de seu julgado”, ou seja, não haverá imediata reforma, mas determinação de que a autoridade ou órgão reclamado profira nova decisão em conformidade com o ato paradigma. Diz o referido dispositivo legal, ainda, que o tribunal poderá determinar “medida adequada à solução da controvérsia”, como é o caso de impor que o feito de origem seja processado pelo órgão efetivamente competente. Destaque-se que, pelo interesse público que permeia a manutenção da autoridade e competência dos tribunais, a decisão de procedência da reclamação deve ser cumprida, de imediato, independente da lavratura e publicação do acórdão (art. 993 NCPC).

O julgamento de improcedência importa em consequente revogação da liminar eventualmente concedida, restando incólume o ato hostilizado.

Como se trata, na formatação do novo código, de efetiva ação com possibilidade, inclusive, de oferecimento de contestação, deverá o tribunal, a rigor, condenar o sucumbido a arcar com honorários sucumbenciais (art. 85 NCPC). Não é despiciendo anotar que, neste caso, a autoridade não é parte, sendo inviável sua condenação ao pagamento de tal verba (arts. 82§ 2º e 85 NCPC).

 

6 Prazo

O prazo ao ajuizamento da reclamação é o mesmo previsto para a interposição do recurso adequado, no caso em que o ato impugnado é judicial. Já em se tratando de ato administrativo, o prazo é o mesmo previsto para o ajuizamento da ação apta a infirmá-lo.

A súmula 734 do STF, ao que se verifica, foi prestigiada pelo novo código. O enunciado daquela súmula já consubstanciava o entendimento de que “não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal”.

Com efeito, estabelece o § 5º inc. I art. 988 NCPC, quando se tratar de ato judicial, que “é inadmissível a reclamação proposta após o trânsito em julgado da decisão”. Isso se justifica, pois, do contrário, haveria uma verdadeira insegurança jurídica a perpetuar o conflito, já que, em qualquer instante, a reclamação poderia gerar intervenção abrupta na decisão já atingida pelo trânsito em julgado.

No tocante ao ato administrativo, a rigor, o prazo para a reclamação é o de 5 (cinco) anos, eis que, passado esse tempo, o ato, mesmo viciado, convalida-se. É o que, em outras palavras, acentua o  54 da lei nº 9.784/99: “o direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé”.

Já o inciso II do art. 988 § 2º NCPC, com a redação imposta pela Lei 13.256/15, estabeleceu ser inadmissível a reclamação, se “proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias”. Vale dizer: o prazo à reclamação, contra inobservância de decisão em sede de recurso extraordinário com repercussão geral ou recursos extraordinário e especial repetitivos, só inicia-se quando decidido em definitivo pela instância ordinária. Uma vez proferido o acórdão do tribunal, por exemplo, e iniciado o prazo ao recurso especial e/ou extraordinário, a partir daí também tem início o prazo à reclamação. Destaque-se, todavia, que, consoante assinalado alhures, os Tribunais Superiores têm mantido entendimento mais rigoroso sobre este dispositivo, de forma que só admitem a reclamação, após não superada pelos recursos extraordinário e/ou especial a triagem feita pelos tribunais de 2º grau.

O fato é que essa alteração atendeu ao reclamo dos Tribunais Superiores, de forma que manteve a obrigação dos prejudicados tentarem obter, pelas vias recursais, a incidência dos julgados vinculativos do STJ e STF. Só se o resultado não for positivo nas instâncias ordinárias, é que o prejudicado poderá se valer da reclamação.

6 Coexistência com Recurso

A reclamação pode coexistir com o recurso adequado à impugnação contra o ato. É o que diz, em outras palavras, o § 6º do art. 988 NCPC. Ou seja, nada obsta o julgamento da reclamação o eventual não conhecimento ou efetivo exame de mérito do recurso, que também atacou o ato judicial.

Com efeito, tendo em vista a reclamação não ser recurso, deixa de incidir em relação a ela o princípio da singularidade recursal.

 

7 Recursos Cabíveis

Os recursos contra a decisão que julga a reclamação são os mesmos previstos no sistema processual. Nada obsta a interposição de recuso contra acórdão ou decisão monocrática que examina a reclamação, à míngua de vedação legal.

Portanto e à guisa de exemplo, contra o acórdão que julga, em 2ª instância, a reclamação, pode ser interposto recurso especial e/ou extraordinário, conforme a natureza da matéria em discussão.

8 Conclusão

A reclamação, com o advento do CPC/15, assumiu coloração processual de verdadeira ação, com todos os desdobramentos daí advindos, inclusive incidência de honorários sucumbenciais.

Essa ação mereceu o espaço específico que lhe foi dedicado pelo código processual recente, sobretudo pelo seu relevante papel de instrumento garantidor da estabilização da jurisprudência, cujo alcance perpassa o campo judicial, alcançando, também, os atos administrativos.

Nesse diapasão, justifica-se a revisão da jurisprudência dos tribunais superiores, com relação a alguns pontos ao redor do tema. É o caso, por exemplo, da necessidade de admissão da invocação da adotada pelo precedente usado como paradigma na reclamação. Ora, a unicidade do sistema e a segurança jurídica justificam tal tese. Além disso, não se revela razoável exigir que o reclamante tenha que interpor, antes de ajuizar a reclamação, os recursos extraordinários e/ou especial e os agravos internos que lhe seguirem, quando, na verdade, a lei não estabelece esta restrição.

Enfim, cabe aos tribunais, nos termos do ordenamento jurídico que regula a reclamação, assegurar que ela cumpra o seu relevantíssimo papel de instrumento da estabilização da jurisprudência e da própria segurança jurídica.