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A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO NO ÂMBITO DO SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA

A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO NO ÂMBITO DO SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA

João Carlos Leal Júnior

Marlene Kempfer

SUMÁRIO: Introdução; 1 O devido processo legal e a razoável duração do processo; 1.1 O devido processo legal e os princípios que regem o processo administrativo; 1.2 O processo administrativo e a razoável duração do processo; 2 O sistema brasileiro de defesa da concorrência e o processo administrativo econômico; 3 Processo administrativo econômico e a atuação do Cade; 4 A importância da razoável duração do processo administrativo econômico; 4.1 Repercussões econômicas e sociais; 4.2 Segurança jurídica para os negócios privados; Conclusões; Referências.

 

INTRODUÇÃO

Conforme a lição de Cruz e Tucci [1], entre os acontecimentos da natureza que mais inquietam o homem centra-se o fenômeno tempo. No âmbito jurídico tem, também, especial relevância na medida em que há alguns direitos que se constituem no tempo, bem como o exercício do direito de ação que precisa ser exercido em certo tempo. Neste sentido, o tempo tem valor jurídico, conforme se pode demonstrar por meio dos institutos da decadência e prescrição.

No contexto econômico, o tempo pode representar conquistas e estabilidades; portanto, em face do irreversível processo contemporâneo de globalização, a dinâmica econômica exige que o tempo componha o conceito de eficiência. Há negócios jurídicos que serão eficientes se realizados em razoável tempo, sob pena de prejuízos que podem, inclusive, desestabilizar a empresa e seus efeitos negativos atingirem interesses públicos.

O descompasso entre a dinâmica da gestão pública e da gestão privada é indicado como um fator de injustiça e insegurança jurídica. A denominada gestão pública burocrática, sinônimo de lentidão, tem, ainda, suas raízes em todos os órgãos públicos. Tal constatação ainda se faz, apesar de o valor eficiência já integrar o regime jurídico da atuação do Executivo e do Judiciário, por meio das Emendas à Constituição nº 19/1998 [2] e nº 45/2004 [3].

Partindo dessas premissas, este estudo dirige-se à análise do direito fundamental à razoável duração do processo administrativo, em face da atuação dos órgãos que compõem o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), em especial do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), nos termos da Lei nº 12.529/2011.

O SBDC apresenta-se com importantes competências para intervenção nos negócios jurídicos privados. Esta interferência tem por fundamento dar efetividade ao regime constitucional econômico previsto no art. 170 da Constituição. Assim, a atuação dos órgãos nos negócios privados, conforme competência do Cade, pode ser até preventiva, ou seja, exigir autorização estatal para serem realizados (Lei nº 12.529/2011, Título VI, Capítulo V). Este grau de ingerência, embora possa ser constitucionalmente justificado, exige uma atuação estatal eficiente, ou seja, deve respeitar os prazos legais do processo administrativo econômico. O respeito à lei é princípio de um Estado do Direito, absolutamente importante para gerar ao domínio econômico segurança jurídica.

1 O DEVIDO PROCESSO LEGAL E A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

O processo administrativo, instrumento de exercício do poder estatal, submete-se expressamente a direitos fundamentais importantes, tais como o devido processo legal e a razoável duração processual.

Esta categoria de direitos tem por fito proteger a dignidade humana em todas as dimensões. Em razão disso, os dispositivos que os encerram encontram-se no ápice da pirâmide jurídica do ordenamento, vinculando de forma imediata o Poder Público em qualquer de suas esferas e manifestações funcionais.

Diante da proeminência que possuem, buscou-se assegurar a efetividade das proclamações destes direitos, por meio de um conjugado de meios e recursos jurídicos, que genericamente passaram a chamar-se garantias constitucionais dos direitos fundamentais, com vistas a se obter positivação com mais alto grau de valor na ordem jurídica. Neste diapasão, como notara Hauriou [4], não basta que um direito seja reconhecido e afirmado: faz-se mister garanti-lo, para que sejam devidamente enfrentadas as eventuais violações sofridas.

Estremar direitos de suas garantias constitui tarefa árdua, até mesmo para a doutrina, eis que o Texto Constitucional não forjou delimitação. Assim, é corriqueira a existência de dispositivo constitucional retratando ambos conjuntamente. Os direitos ao devido processo e ao processo com duração razoável são exemplos disso. Por serem, mais que enunciações, garantias com sede constitucional, esforços devem ser envidados para que sejam colocados em prática.

1.1 O devido processo legal e os princípios que regem o processo administrativo

O princípio do devido processo legal é entendido como a base sobre a qual todos os demais princípios constitucionais do processo, judicial ou administrativo, se sustentam. Ele constitui, contemporaneamente, elemento fundamental em um Estado que se pretenda democrático e de direito. Por isso, de forma inovadora, veio expressamente previsto no Texto Constitucional brasileiro, além de constar da grande maioria das Constituições modernas.

A expressão origina-se do inglês due process of law, e na Constituição de 1988 está consubstanciada no inciso LIV do art. 5º: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal“. O vocábulo “bens” é empregado em acepção ampliíssima, de forma que qualquer direito, interesse ou situação jurídica de vantagem sob algum tipo de risco se faça merecedora da proteção do princípio – e direito fundamental – em apreço [5].

O devido processo pode ser estudado sob suas perspectivas: processual e substancial (ou material). Neste estudo interessa a primeira dimensão, motivo pelo qual a perspectiva substancial não será abordada. Na acepção processual (procedural due process), então, o princípio impõe que o processo, na esfera judicial ou administrativa, desenvolva-se de maneira regular, de acordo com as prescrições constitucionais e legais, de forma que, jurisdicionado e administrado, tenham oportunizado o contraditório e a ampla defesa, podendo participar, de forma efetiva, da formação da convicção do(s) julgador(es), e que a decisão final distribua justiça aos envolvidos/interessados e promova a segurança jurídica. Percebe-se, deste modo, a estreita conexão da cláusula com o princípio de acesso à justiça e com valor da dignidade.

A Magna Carta inglesa de 1215 é apontada pela doutrina como marco originário do devido processo [6]. A finalidade da inclusão no Texto Constitucional foi a tentativa de colocar freios ao poder real, que se julgava absoluto [7].

Na lição de Grinover, Dinamarco e Cintra [8], por meio desta fórmula, tem-se “o conjunto de garantias constitucionais que, de um lado, asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais e, do outro, são indispensáveis ao correto exercício da jurisdição“. Transportando o conceito para o âmbito administrativo, entende-se o devido processo como essencial para a atuação da Administração Pública por meio de processo administrativo.

Nesta senda, pode-se dizer que todos os princípios e as garantias processuais contidos na Constituição decorrem da cláusula do devido processo. Ampla defesa, contraditório, publicidade, juiz natural, motivação das decisões e razoável duração do processo, inclusive [9], são compreendidos, então, como decorrência direta da consagração do direito fundamental em observância, por serem indispensáveis a um processo que se pretenda justo e equitativo[10].

O due process indica “as condições mínimas em que o desenvolvimento do processo […] deve se dar[11].

Trata-se, pois, de conformar o método de manifestação de atuação do Estado-juiz a um padrão de adequação aos valores que a própria Constituição Federal impõe à atuação do Estado e em conformidade com aquilo que, dadas as características do Estado brasileiro, esperam aqueles que se dirigem ao Poder Judiciário obter dele como resposta. É um princípio, destarte, de conformação da atuação do Estado a um especial modelo de agir. [12]

Em um Estado Democrático de Direito, o processo, visto como meio de realizar o direito e solucionar conflitos, não deve se desencadear de qualquer forma. O Estado deve seguir um modelo prévio, demarcado em dispositivos normativos, de sorte que as partes possam participar adequadamente da formação da cognição dos julgadores, influindo efetivamente em seu convencimento. Cássio Scarpinella Bueno[13], aliás, chega a sustentar que o devido processo é amplo o suficiente para se confundir com o Estado Democrático de Direito.

Do princípio do devido processo derivam, como já ventilado, os princípios da publicidade, da ampla defesa, do contraditório, do juiz natural, da motivação das decisões e da razoável duração do processo, aos quais o processo administrativo deve deferência.

Em linhas gerais, o princípio da publicidade impõe seja disponibilizado aos interessados o acesso aos processos em curso ou já concluídos, salvo quando haja risco à segurança, prejuízo à intimidade ou, mais amplamente, quando o interesse social exigir sua restrição [14]; a ampla defesa faculta aos envolvidos a utilização de qualquer recurso, desde que não ilícito ou imoral, na defesa de seus direitos e interesses; o contraditório determina a ciência, e consequente possibilidade de reação, de todos os atos processuais realizados; o princípio do juiz natural [15] proscreve o uso de tribunais de exceção, ao mesmo tempo em que exige, para o julgamento, prévio regramento acerca da competência; o princípio da motivação, por fim, veda a existência de efetivas decisões desprovidas de fundamentação. Todos estes princípios constitucionais, que irradiam efeitos sobre o processo administrativo, derivam, juntamente com o direito fundamental à razoável duração do processo, da cláusula do due process, de sorte que o processo que desrespeitar algum deles ofenderá o direito fundamental ao devido processo.

Além desses, regem o processo administrativo, ainda, os seguintes princípios: i) oficialidade: o processo, que pode ser instaurado mesmo de ofício, uma vez iniciado, deve prosseguir até chegar à decisão final, por ser seu resultado de interesse público; ii) informalismo: inexistindo regra específica, o processo administrativo é livre de rígidas formalidades – o que não significa, contudo, ausência de forma ou possibilidade de se dar de forma não escrita; iii) gratuidade: o processo administrativo é gratuito; iv) economiaprocessual: decorrente do caráter instrumental do processo, pugna pelo máximo aproveitamento dos atos processuais e veda a prática de atos inúteis.

Examinados os princípios que regem o processo administrativo, passa-se a analisar especificamente o direito fundamental à razoável duração do processo.

1.2 O processo administrativo e a razoável duração do processo

O processo é um fenômeno em movimento [16], instrumento para o legítimo exercício do poder estatal [17], cuja existência no âmbito administrativo se justifica segundo a lição de Medauar [18]: o ordenamento jurídico por vezes impõe a precessão de uma série encadeada de fases para que se chegue a um ato administrativo válido e legítimo. Apesar de divergências terminológicas, processo não se confunde com procedimento [19], representando este o modo de ser daquele. Assim, entende a melhor doutrina [20] adequado o uso da expressão processo administrativo da forma como se apresenta na Constituição e em demais textos de lei no direito positivo brasileiro.

O processo administrativo, então, além do liame entre os atos que o conformam, ostenta vínculos entre os sujeitos, englobando direitos, deveres, ônus, faculdades e poderes na relação processual que com ele surge, além de receber influxo de específicos princípios constitucionais, conforme analisado. Foca-se agora no princípio da razoável duração do processo.

Com a inclusão do inciso LXXVIII no art. 5º da Constituição brasileira, ocorrida por ocasião da Emenda nº 45/2004, foi contemplado o direito de se exigir eficiência e prontidão da resposta estatal em processos judiciais e administrativos. Assim prevê o dispositivo: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (grifo nosso).

A lei suprema consagra, então, sob a forma de princípio, o direito à razoável duração do processo, em conjunto com a exigência da existência de meios que garantam a celeridade de sua tramitação. O prazo para julgamento, deste modo, não deverá superar os limites do razoável, sob pena de inconstitucionalidade.

Tem-se manifestação da busca pelo respeito à dignidade da pessoa humana, assim como ocorre com os demais direitos fundamentais.

Andrade[21] afirma que o arcabouço constitucionalmente assegurado de direitos e garantias individuais já contemplava implicitamente o princípio em questão. Neste sentido, são apontados o direito de petição e o princípio do devido processo [22] como veiculadores, ainda que de forma implícita, do direito à razoável duração do processo, visto que o cumprimento efetivo do que promovem pressupõe, inelutavelmente, a eficácia e a inseparável tempestividade da apreciação do que se pleiteia.

Neste contexto, tendo por assente que este direito é corolário dos supracitados, pode-se dizer que, por sua natureza, pertence à primeira geração de direitos fundamentais, posto que aqueles também a integram.

Alude-se, ademais, aos deveres constitucionais [23] de eficiência e legalidade [24] a que se submete o Estado como elementos impositores da celeridade no tramitar dos processos administrativos.

De toda sorte, com a previsão constitucional explícita ocorrida, houve maior solidez deste direito, eliminando eventuais dissídios doutrinários subsistentes, tornando, enfim, irrefutavelmente obrigatória a decisão em processo administrativo em prazo razoável, e submetendo o direito em questão ao regime jurídico que detêm aqueles insculpidos no art. 5º da Constituição.

É árdua sua delimitação conceitual. O termo razoável, é inconteste, mostra-se vago e de larga abertura. Tal fator, entretanto, não o torna inaplicável, sendo necessária apenas interpretação justa e idônea a precisar a significância do conceito, o que conferiria ao direito o que se pode chamar de “sentido atuante[25].

Uma das características que naturalmente emergem é a adstrição a um tempo mínimo, razoável para a Administração conhecer da causa da forma devida. Por outro lado, impõe-se ponderação para que o deslinde processual não supere os limites do razoável, já que a eficácia da decisão, invariavelmente, guarda relação com a celeridade de todo o conjunto de atos processuais.

Entre os critérios para aferição de o que possa vir a ser termo razoável, tem-se, em primeiro lugar, que, “existindo previsão de prazos predeterminados em lei, os mesmos devem ser necessariamente obedecidos, não se admitindo seu desrespeito por quem quer que seja, salvo fundado motivo[26]. Assim, diante desta tessitura, o prazo razoável será aquele que seguiu as determinações previstas em lei. Em situações em que não houver fixação, por seu turno, afigura-se imperioso que a Administração lance mão do imperativo de eficiência como principal elemento balizador.

A fim de se observar se a duração se afigura razoável, aponta a doutrina que devem ser levados em conta, máxime nas últimas hipóteses, em que não há tempo prefixo, os seguintes critérios norteadores: i) a natureza e a complexidade do caso; ii) a repercussão da solução jurídica para o meio social; e iii) a afetação do litigante pelas consequências da demora [27].

São traços característicos deste direito fundamental: a) universalidade, posto destinar-se a todos indistintamente; b) limitação, por, como outros direitos, não ser absoluto, sendo plausível a existência de situação que haja choque com outro direito de mesmo patamar; c) cumulatividade, já que, na maioria dos casos, acumula-se com outros direitos; d) irrenunciabilidade, por ser indisponível.

Avulta a dúplice natureza deste direito-garantia: por um lado, promove o surgimento do direito subjetivo negativo de todo e qualquer cidadão exigir judicialmente que cessem as condutas afrontantes deste direito fundamental, sejam perpetradas por particular ou pelo Estado; sob outro vértice, como uma ordem dirigida, coloca-se como escopo a ser alcançado pela atuação positiva do Poder Público.

Quanto ao cumprimento deste comando, a situação ideal é aquela em que o Poder Público o respeita, atuando conforme a determinação constitucional, criando técnicas idôneas a conquistar maior celeridade.

É dever da Administração-julgadora ter papel ativo no que concerne ao zelo pelo cumprimento dos direitos fundamentais, o que equivale, in casu, à célere entrega da decisão. A morosidade cai no conceito de serviço público ineficiente, configurando verdadeira mazela social, tendo em vista que provoca danos econômicos e favorece a especulação e a insolvência, situações indesejadas em qualquer país. Igualmente, acentua a discriminação entre os que têm a possibilidade de aguardar e os que, esperando, têm tudo a perder.

2 O SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA E O PROCESSO ADMINISTRATIVO ECONÔMICO

A Constituição brasileira, em seus arts. 170 e seguintes, disciplina a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, e cujo fim consiste em assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.

A primeira Constituição brasileira a cuidar da temática da ordem econômica foi a de 1934. O referido diploma, consoante Antunes [28], foi também o primeiro a prever meios de intervenção estatal no domínio econômico. Até então, de acordo com a ideologia liberal reinante, pregava-se o Estado mínimo, considerando-se despicienda a intervenção estatal neste espaço. Seguiam-se as ideias de que o próprio mercado se regularia e se desenvolveria da melhor forma, na linha da clássica teoria de Adam Smith [29].

Desde 1934, então, são constitucionalmente previstas as atuações do Estado brasileiro na ordem econômica. Tais condutas podem requerer a criação de instrumentos de intervenção, os quais podem assumir formas das mais diversas possíveis. Pode o Estado intervir por meio da expedição de recomendações e diretivas; constituir empresa para atuar, sob regime de direito privado, em determinado ramo da economia; conceder incentivos de natureza fiscal a agentes econômicos, ou mesmo sanções, entre uma gama de possibilidades [30].

Deste modo, pela importância da questão, a concepção vigente no Brasil é de que “o Estado tem um papel a ser desempenhado na ordem econômica, que não se restringe ao de simples facilitador dos agentes econômicos[31] (grifo nosso).

Entre os princípios que norteiam a ordem econômica, destaca-se o da livre concorrência, contido no inciso IV do art. 170. Este postulado “fornece a base jurídica para impedir que os agentes econômicos possam desvirtuar as prerrogativas de liberdade de iniciativa, prejudicando a sociedade e os mercados[32][33]. Como nenhum valor pode ser tido como absoluto, a preservação da liberdade e da igualdade requerem a intervenção do Estado sobre o domínio econômico impondo limites à livre iniciativa, de forma a ser garantido acesso à ordem jurídica justa a toda pessoa, física ou jurídica, que pretenda vir a atuar no mercado como agente econômico.

Neste sentido, o § 4º do art. 173 impõe: “a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros[34]. Cuida-se da repressão constitucional, a qual se dá por meio de estratégias adotadas pelo Estado que, mediante intervenção no domínio econômico, “tem o objetivo de neutralizar os comportamentos causadores de distorção nas condições normais de mercado em decorrência do acúmulo de riquezas[35].

Antes da promulgação da Constituição de 1988, foi criado, pela Lei nº 4.137/1962, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) [36]. Completando o processo de positivação de normas, e visando a dar efetividade ao dispositivo constitucional, a Lei nº 8.884/1994 transformou o conselho em autarquia federal vinculada, de modo indireto, ao Ministério da Justiça, e dispôs sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica. Foi estruturado, com a lei, o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), integrado pelo Cade, pela Secretaria de Direito Econômico (SDE) e pela Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae).

Com a Lei nº 12.529/2011, o SBDC foi reestruturado. Passou a ser integrado apenas pelo Cade e pela Seae, órgão do Ministério da Fazenda (art. 3º). As atribuições da SDE foram todas transferidas à Superintendência-Geral do Cade, conforme se depreende do cotejo entre os arts. 13 da Lei nº 12.529/2011 e 14 da Lei nº 8.884/1994.

O objetivo do SBDC é a “prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico” (art. 1º da Lei nº 12.529/2011).

De acordo com os arts. 4º e 5º da nova lei, o Cade, cujas missões institucionais têm natureza repressiva, preventiva e educativa, tem atribuição judicante e é constituído por três órgãos: i) Tribunal Administrativo de Defesa Econômica; ii) Superintendência-Geral; e iii) Departamento de Estudos Econômicos.

O Tribunal é composto por um presidente e seis conselheiros. Entre outras coisas, é de sua alçada julgar denúncias de abuso do poder econômico, assim como atos de concentração entre empresas, de forma a tutelar e garantir a livre concorrência no território brasileiro. A Superintendência é o órgão responsável por instruir a análise dos atos de concentração, bem como investigar infrações à ordem econômica, podendo, ainda, realizar diretamente o exame e a aprovação dos atos de concentração, sem necessidade de apreciação ou chancela de seus atos pelo Tribunal Administrativo, nos termos dos arts. 54 a 57, nos casos em que ela entender que não há necessidade de novas diligências, ou nos casos de menor potencial ofensivo à concorrência. Já o Departamento de Estudos tem por objetivo desenvolver estudos e elaborar pareceres destinados a aprimorar as análises econômicas e fornecer maior segurança sobre os efeitos das decisões do Cade.

A Seae, por sua vez, tem por atribuição promover a concorrência em órgãos de governo e perante a sociedade, cabendo-lhe, entre outras coisas, a emissão de pareceres em propostas de alterações de atos normativos sobre concorrência.

Entre as inúmeras formas de atuação do Cade e da Seae, que são de extrema importância para o equilíbrio econômico brasileiro e que se ligam à efetivação dos princípios constitucionais da livre iniciativa e livre concorrência, grande parte delas depende de processo prévio. É o que se pode denominar processo administrativo econômico, em virtude da natureza do processo (administrativo) e a matéria que compõe seu objeto (econômica).

De acordo com o art. 48 da Lei nº 12.529/2011, os processos e procedimentos administrativos instaurados para prevenção, apuração e repressão de infrações à ordem econômica são os seguintes:

I – procedimento preparatório de inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem econômica;

II – inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem econômica;

III – processo administrativo para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica;

IV – processo administrativo para análise de ato de concentração econômica;

V – procedimento administrativo para apuração de ato de concentração econômica; e

VI – processo administrativo para imposição de sanções processuais incidentais.

O processo administrativo para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica (inc. III) e o processo administrativo para análise de ato de concentração econômica (inc. IV) são as modalidades que serão focadas neste estudo.

3 PROCESSO ADMINISTRATIVO ECONÔMICO E A ATUAÇÃO DO CADE

Como restou consignado, o processo é um fenômeno em movimento que atua como legitimador das construções que levam à formação de decisões do Poder Público.

No que se refere à defesa da concorrência, a constituição dos importantes atos decisórios do Cade, seja de cunho repressivo, seja de caráter punitivo, pressupõe processo prévio, que naturalmente exige certo tempo para sua tramitação, em razão da diversidade de atos requeridos. Trata-se, como indicado, de processo administrativo econômico, imprescindível à tomada de decisão pelo Cade no que se refere à averiguação de prática de condutas anticoncorrenciais, bem como quanto ao controle das estruturas de mercado.

Aplicando o tema ao direito administrativo econômico, avulta sua importância. Assim, como já esclarecido, entre as principais funções do Cade encontram-se o julgamento de denúncias de abuso do poder econômico e o de atos de concentração entre empresas, de forma a tutelar e garantir a livre concorrência no território brasileiro. E essas duas espécies de decisão ventiladas demandam processo administrativo [37] anterior.

O processo administrativo para análise de ato de concentração econômica vem disciplinado nos arts. 53 a 65 da nova lei.

O art. 88, por sua vez, preconiza que serão submetidos ao Cade pelas partes envolvidas na operação os atos de concentração econômica em que, cumulativamente:

I – pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais); e

II – pelo menos um outro grupo envolvido na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais).

Enquadrando-se nestas hipóteses, a empresa deve submeter-se a esta primeira hipótese de processo administrativo econômico: o processo administrativo concorrencial, ou de outorga.

De acordo com o art. 90, realiza-se um ato de concentração quando: i) duas ou mais empresas anteriormente independentes se fundem (fusão); ii) uma ou mais empresas adquirem, direta ou indiretamente, por compra ou permuta de ações, quotas, títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações, ou ativos, tangíveis ou intangíveis, por via contratual ou por qualquer outro meio ou forma, o controle ou partes de uma ou outras empresas (aquisição cumulada com cisão); iii) uma ou mais empresas incorporam outra ou outras empresas (incorporação); ou iv) duas ou mais empresas celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture (agrupamento).

O controle dos atos de concentração, a partir da nova lei, é prévio [38] e será realizado em, no máximo, duzentos e quarenta dias, a contar do protocolo de petição ou de sua emenda (art. 88, § 2º). Contudo, de acordo com o § 9º, este prazo poderá ser dilatado: i) por até sessenta dias, improrrogáveis, mediante requisição das partes envolvidas na operação; ou ii) por até noventa dias, mediante decisão fundamentada do Tribunal, em que sejam especificados as razões para a extensão, o prazo da prorrogação, que será não renovável, e as providências cuja realização seja necessária para o julgamento do processo.

O processo em análise se inicia perante a Superintendência-Geral. Instaurado o processo, por meio de apresentação do pedido pelos requerentes, aquela fará publicar edital, indicando o nome dos requerentes, a natureza da operação e os setores econômicos envolvidos. Como já aduzido, poderá o órgão conhecer diretamente do pleito ou determinar instrução complementar. Ao final, proferirá decisão aprovando o ato sem restrições ou oferecerá impugnação perante o Tribunal, caso entenda que o ato deva ser rejeitado, aprovado com restrições ou que não existam elementos conclusivos quanto aos seus efeitos no mercado [39].

Impugnado, o processo seguirá para o Tribunal. Lá, o requerente poderá oferecer, no prazo de trinta dias da data da impugnação, contrarrazões de fato e de direito contra aquela, juntando provas, estudos e pareceres em seu favor.

Distribuído o processo, por sorteio, a um Conselheiro-Relator, este, após a manifestação do requerente, proferirá decisão determinando a inclusão do processo em pauta para julgamento, caso se encontre suficientemente instruído, ou determinará a realização de instrução complementar.

Poderá o Conselheiro-Relator autorizar, conforme o caso, precária e liminarmente, a realização do ato de concentração econômica, impondo as condições que visem à preservação da reversibilidade da operação, quando assim recomendarem as condições do caso concreto (art. 59, § 1º).

No julgamento final do pedido de concentração, o Tribunal poderá aprová-lo integralmente, rejeitá-lo ou aprová-lo parcialmente, caso em que determinará as restrições que deverão ser observadas como condição para a validade e eficácia do ato[40]. O art. 63 determina que os prazos previstos não se suspendem ou interrompem por qualquer motivo, ressalvada a hipótese de, em virtude de renúncia, morte, perda ou encerramento de mandato dos conselheiros, a composição do Tribunal ficar reduzida a número inferior a quatro membros, caso em que serão automaticamente suspensos os prazos e processos.

Consoante ensina Cardozo [41], o legislador brasileiro adotou, no diploma vigente, a instituição deste sistema de controle de atos de concentração econômica com o fito de “impedir a consumação de operações potencialmente lesivas à concorrência, sujeitando-as a um processo que pode culminar com a aprovação ou não desses atos“. Cuida-se do que doutrinariamente denomina-se controle das estruturas do mercado[42].

De outra parte, o art. 36 da nova lei prescreve que “constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados“:

I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;

II – dominar mercado relevante de bens ou serviços;

III – aumentar arbitrariamente os lucros; e

IV – exercer de forma abusiva posição dominante.

As condutas anticoncorrenciais geradoras dos efeitos retromencionados foram tipificadas exemplificativamente no § 3º do dispositivo aludido (cartéis, preços predatórios, venda casada, entre outras). Os arts. 37 e seguintes cuidam das penas para as infrações perpetradas. A aferição da eventual infração e a aplicação da pena respectiva também requerem processo administrativo econômico prévio.

Antes de ser instaurado este processo, de cunho sancionatório, a Superintendência-Geral iniciará inquérito administrativo e procedimento preparatório para realizar averiguações e colher provas.

O processo administrativo para imposição de sanções vem disciplinado nos arts. 69 a 83 da nova Lei. Sua peça inaugural é a nota técnica final do inquérito levado a efeito anteriormente. De acordo com o art. 70, na decisão que instaurar o processo administrativo, será determinada a notificação do representado para, no prazo de trinta dias (prorrogáveis por até mais dez, a pedido do representado), apresentar defesa e especificar as provas que pretende sejam produzidas, declinando a qualificação completa de até três testemunhas [43].

Não apresentando defesa no prazo legal, o representado será considerado revel, incorrendo em confissão quanto à matéria de fato, contra ele correndo os demais prazos, independentemente de notificação. Poderá, contudo, intervir em qualquer que seja a fase do processo, embora sem direito à repetição de qualquer ato já praticado (art. 71).

Após a fase inicial, a Superintendência-Geral determinará a produção de provas que julgar pertinentes. Concluída a instrução, o representado será notificado para apresentar novas alegações, no prazo de cinco dias úteis. Após, a Superintendência-Geral remeterá os autos do processo ao Presidente do Tribunal, opinando pelo seu arquivamento ou pela configuração da infração.

O Presidente do Tribunal o distribuirá, por sorteio, ao Conselheiro-Relator, que poderá, caso entenda necessário, solicitar à Procuradoria Federal junto ao Cade que se manifeste no prazo de vinte dias. Poderá, ademais, determinar diligências, podendo solicitar que a Superintendência-Geral as realize, no prazo assinado. Após a conclusão das diligências, o Relator notificará o representado para, em quinze dias úteis, apresentar alegações finais.

O processo será incluído em pauta para julgamento. A decisão do Tribunal, que em qualquer hipótese será fundamentada, quando for pela existência de infração da ordem econômica, conterá: i) especificação dos fatos que constituam a infração apurada e a indicação das providências a serem tomadas pelos responsáveis para fazê-la cessar; ii) prazo dentro do qual devam ser iniciadas e concluídas as providências referidas; iii) multa estipulada; iv) multa diária em caso de continuidade da infração; e v) multa em caso de descumprimento das providências estipuladas.

Descumprida a decisão, no todo ou em parte, será o fato comunicado ao presidente do Tribunal, que determinará à Procuradoria Federal junto ao Cade que providencie sua execução judicial (art. 81).

Conforme o art. 80, não cabe medida liminar em eventual processo judicial contra as decisões do Tribunal.

Deveras importante é o art. 82, por preceituar que o “descumprimento dos prazos fixados neste Capítulo pelos membros do Cade, assim como por seus servidores, sem justificativa devidamente comprovada nos autos, poderá resultar na apuração da respectiva responsabilidade administrativa, civil e criminal“. Trata-se de dispositivo em consentâneo com o direito fundamental à razoável duração do processo, o que mostra a repercussão do princípio no âmbito do SBDC.

A morosidade percebida em qualquer das duas modalidades de processo administrativo econômico observadas ofende ao princípio da duração razoável do processo e gera repercussões negativas à sociedade, como se demonstrará a seguir.

4 A IMPORTÂNCIA DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO ECONÔMICO

4.1 Repercussões econômicas e sociais 

Por força da previsão constitucional aventada, o trâmite processual deve também no âmbito do Cade cingir-se aos lindes do razoável. O conceito, porém, de larga abertura, mostra-se indeterminado [44], não conferindo ao administrado um parâmetro objetivo para avaliar eventual desrespeito ao Direito, razão pela qual os critérios apontados anteriormente mostram-se de grande valia.

Em termos concretos, no que concerne a processo instaurado para averiguar ofensa à concorrência (processo administrativo econômico sancionador), eventual demora na decisão do Cade faz gerar prejuízos econômicos e sociais de grande vulto: se há de fato abuso, até que se chegue à decisão, permanecerá ele sendo perpetrado, gerando lesões ao mercado, aos consumidores e a outras empresas; constatada a inexistência, a demora só terá ocasionado delonga na insegurança e no temor da empresa injustamente acusada, com possíveis repercussões no mercado de consumo e no valor de suas ações.

Especialmente na hipótese de real infração da ordem econômica, a demora no julgamento e aplicação de sanções pelo Cade pode ocasionar repercussões sociais e econômicas de proporções devastadoras. Neste sentido, pode-se citar os corriqueiros casos, por todo o território brasileiro, de cartel realizado por postos de combustíveis, em que, pela demora na apuração pelo Cade, as poucas atuações repressivas surgem em sede de ação civil pública promovida pelo Ministério Público ou entidades de proteção ao consumidor, o que, contudo, também esbarra na conhecida morosidade processual – do Poder Judiciário, no caso.

Em casos em que o agente crie dificuldades ao funcionamento/desenvolvimento de empresa concorrente, ou impeça o acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias-primas, equipamentos ou tecnologia, a protração destas condutas no tempo pode gerar prejuízos consideráveis aos concorrentes. Eventual incursão destes em falência, ou, ainda que em menor grau, em retração de suas atividades, atingirá o corpo de empregados, na hipótese de cessação da atividade ou demissão deles. Como se vê, a demora no julgamento repercute inevitavelmente no mercado e na sociedade, o que justifica a necessária celeridade nos processos administrativos econômicos.

Além disso, pela importância da questão, no âmbito do SBDC são previstos procedimento preparatório e inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem econômica, quando presentes indícios daquelas. Essa série de procedimentos naturalmente se delonga no tempo, assim como o processo administrativo sancionador em si. A eventual demora para a aplicação de medidas punitivas é fator de ineficiência dos resultados esperados com as sanções.

A previsão do art. 82 da nova lei é de grande importância, na medida em que positiva o direito fundamental à razoável duração do processo, prevendo a responsabilização (civil, administrativa e mesmo criminal) pelo descumprimento injustificado dos prazos fixados, já que estes servem de balizas para que se chegue a uma solução em tempo razoável.

Por outro lado, com relação à análise de atos de concentração de empresas (processo administrativo concorrencial), a demora na resposta da Autarquia também pode gerar prejuízos consideráveis.

Isso era ainda mais frequente no modelo vigente antes da nova lei antitruste, já que era permitida a realização dos atos previamente, como facultava a lei pretérita, sendo autorizado ao Cade desaprová-lo, impondo a desconstituição da operação. Os prejuízos repercutiam, obviamente, em uma esfera imensurável de pessoas, especialmente por conta da demora no julgamento.

Neste sentido, na sistemática da lei anterior, se uma operação era desaprovada depois de muito tempo, isso acarretava prejuízos aos empregados, acionistas, consumidores e ao próprio Poder Público; enfim, a todo o conjunto de setores e pessoas que se ligam aos reflexos oriundos do funcionamento ou da extinção de uma empresa no mercado.

No modelo novo de análise de atos concentracionais, os efeitos de eventual demora mostram-se menos deletérios (já que prévios), mas nem por isso deixam de existir, uma vez que, normalmente, as operações em questão requerem realização célere, demandando uma análise ágil pelo órgão competente [45].

As repercussões econômicas e sociais de eventual demora nos processos administrativos econômicos, enfim, são inegáveis, podendo impactar, ainda, na segurança jurídica essencial à existência e continuidade dos negócios privados, o que se discutirá a seguir.

4.2 Segurança jurídica para os negócios privados

A segurança jurídica, por sua relevância, é tida como princípio, valor e direito fundamental contido na Constituição de 1988 [46], tanto em seu preâmbulo como no caput do art. 5º. José Augusto Delgado [47] esclarece que a segurança mencionada nos aludidos dispositivos é a genérica:

envolve a segurança pública, a segurança jurídica, a segurança na assistência à saúde, à educação, ao lazer, ao desenvolvimento econômico, à liberdade, à vida, à valorização da cidadania, à dignidade humana, ao emprego pleno, à igualdade social, enfim, aos direitos e garantias individuais e sociais. (grifo nosso)

A segurança jurídica remete à ideia de estabilidade das situações individuais consumadas e previsibilidade perante o Direito. Trata-se de um valor norteador da ordem jurídica brasileira, conforme explicitado no preâmbulo constitucional, o qual alude à segurança como algo a ser propiciado aos integrantes da sociedade, conduzida por um Estado Democrático de Direito. [48]

O princípio, então, é consequência lógica do modelo de Estado de Direito. Não se concebe um Estado fundamentado nas leis e na Constituição desprovido deste princípio. Qualquer tentativa de separação os desnaturaria.

A segurança jurídica está ligada à ideia de confiança, certeza, previsibilidade. A concepção preconizada pela Ciência Política dirige-se para a afirmação de que “o homem necessita de um grau de segurança para poder conduzir, planificar e desenvolver os seus atos da vida civil, familiar e profissional[49]. Ao Estado recai a responsabilidade de “assegurar esse estado de sentimento através da conformação dos seus atos administrativos, legislativos e judiciais com os ditames da segurança jurídica[50].

Consoante a lição de Pedro Frias [51],

La seguridad jurídica influye en el crecimiento económico, porque la decisión de sus actores depende de sus expectativas respecto del futuro, en primer lugar, y de sus expectativas respecto de las expectativas de los otros, en segundo lugar. Los problemas que surgen de la incertidumbre, acciones no cooperativas o inconsistencia temporal se resuelven dentro de la lógica de las reglas.

Assim, é prejudicial para as relações negociais e econômicas um contexto de insegurança jurídica. E por esta não se deve compreender exclusivamente um contexto de ausência de leis, ou de constantes alterações de sua interpretação. A insegurança jurídica vai além, fazendo-se presente em uma vasta gama de situações. No recorte proposto neste trabalho, foca-se na insegurança advinda de um contexto de demora nas decisões judiciais ou administrativas, que influam em atos da vida civil dos particulares.

Os negócios privados, especialmente no âmbito da atividade empresarial, devem ser celebrados e executados em tempo razoável, carente de morosidade, em razão das imposições que decorrem da dinâmica da atividade econômica. Nos negócios dependentes de avaliação pelo Poder Público, a corriqueira morosidade advinda do tradicional modelo burocrático de gestão gera insegurança jurídica, desprovida de qualquer legitimidade. Os prejuízos decorrentes da demora podem desestabilizar as partes (agentes econômicos) envolvidas, e seus efeitos negativos atingirem interesses públicos.

Assim, o descompasso entre a dinâmica da gestão pública e da gestão privada é apontado como fator de injustiça e insegurança jurídica, retirando a legitimidade que se espera do Poder Público no exercício de suas funções essenciais.

No Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, a demora nos processos administrativos econômicos funciona como fator de inibição de investimentos e celebração de negócios de grande porte, causando arrefecimento na atividade econômica, que requer segurança jurídica para atuar.

Se na sistemática da lei antiga a demora na avaliação dos atos de concentração era problema na medida em que poderia causar apreensão e incerteza no mercado por conta da espera e mesmo impor a irreversibilidade fática da operação, na sistemática nova, embora evite o risco de desfazer operação já constituída, pode prejudicar os objetivos das empresas envolvidas. O grande número de processos no Cade, inversamente proporcional ao quadro de Conselheiros integrantes do Tribunal, pode fazer com que, eventualmente, processos se estendam até os limites máximos dos prazos legais, isso quando não houver dilações, mesmo não previstas, com fulcro em justificativas tais como acúmulo involuntário de serviço e ausência de recursos humanos satisfatórios, acarretando, com isso, em morosidade e ofensa ao direito à razoável duração do processo, o que leva, em última análise, à insegurança para os negócios privados.

Não bastasse isso, como o prazo máximo previsto para a avaliação, embora previamente demarcado, ainda é longo, há receio de que as condições de mercado possam mudar – premissas econômicas, financeiras e mercadológicas – a ponto de alterar as condições do negócio.

Considerando as proporções continentais do Estado brasileiro, talvez o aumento do número de Conselheiros devesse ter sido objeto da reforma legal empreendida com a promulgação da Lei nº 12.529/2011, de forma a colaborar com uma melhor distribuição da carga de trabalho e aumento da rapidez no trâmite dos processos no âmbito do SBDC.

Esse aspecto de insegurança jurídica pode acabar por afugentar empresas internacionais que tenham interesse em se instalar, por meio de escritórios e filiais, no território brasileiro.

De toda sorte, a nova lei teve por propósito reestruturar o Cade e tentar solucionar problemas relativos à demora dos processos administrativos econômicos, bem como à insegurança jurídica existente no panorama existente na vigência da lei anterior. A prática tem mostrado que as alterações refletiram em maior celeridade nos processos administrativos. Nesse sentido, dados divulgados pelo Cade demonstram que, no primeiro ano de vigência da Lei, a maior parte dos atos de concentração apresentados foi aprovada pela Superintendência-Geral, sem necessidade de participação do Tribunal, já que neles não houve necessidade de aplicação de restrição concorrencial, com prazo médio exíguo para apreciação dos processos administrativos em questão [52].

Percebe-se que a nova estrutura do Cade, ao permitir a aprovação pela Superintendência-Geral dos atos de concentração nas hipóteses legais, viabilizou, portanto, evolução no que tange à celeridade na resolução dos processos administrativos concorrenciais. Além disso, com a sistemática do exame prévio dos atos de concentração, tem possibilitado maior segurança jurídica para os agentes econômicos, valor essencial para a permanência destes no mercado.

Espera-se, enfim, a manutenção do cumprimento da nova lei para que atinja os seus objetivos de tutela efetiva e justa da concorrência nacional.

CONCLUSÕES

Não são novos os debates acerca da morosidade existente no julgamento de processos administrativos, inclusive nos de natureza econômica, desenvolvidos no âmbito do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e, mais especificamente, do Cade. A insegurança e a incerteza geradas pela demora para o desfecho processual não interessam à sociedade, ao Poder Público e tampouco aos envolvidos.

A lentidão no trâmite processual causa desprestígio à Administração Pública e macula sua credibilidade, porquanto sua duração desarrazoada, ocasionalmente, tem o condão de causar prejuízos de grande monta a inúmeras pessoas.

A atuação do Cade, forma patente de intervenção do Estado na ordem econômica, algo imprescindível no modelo estatal desenhado na Constituição brasileira de 1988, mostra-se de grande valia, de forma a garantir os preceitos constitucionais de defesa da ordem econômica e da concorrência e, mediatamente, a justiça social e a dignidade da pessoa humana. A essencialidade de processo administrativo prévio para a confecção de uma grande gama de atos nesta seara liga-se à busca de melhor conteúdo das decisões, legitimação de poder, justiça efetiva e democratização da atuação estatal. Contudo, a real concretização destes intentos só será possível a partir de uma tramitação ocorrida em prazo razoável, para que não haja prejuízos desnecessários e injustos para os administrados.

A morosidade nos processos administrativos econômicos ofende o princípio da duração razoável do processo, e gera repercussões negativas à sociedade e ao mercado, além de insegurança jurídica aos envolvidos. Há, portanto, prejuízo que atinge uma esfera imensurável de pessoas.

A Lei nº 12.529/2011, que veio em substituição à Lei nº 8.884/1994, demarcou prazos e previu importantes consequências aos eventuais descumprimentos, na esteira do que advém do princípio fundamental da duração razoável do processo. Cabe, agora, ao Poder Público dar continuidade a esta sequência, de forma que haja infraestrutura e recursos humanos suficientes no SBDC para garantir que os processos administrativos econômicos sejam julgados, mais que em prazo razoável, com efetiva justiça.

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[1]  TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

[2]  “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência […] (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)” [grifo nosso]

[3]  “Art. 5º […] LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”

[4]  HAURIOU apud LEAL JÚNIOR, João Carlos; MACHADO, Denise M. Weiss de Paula. Análise crítica do duplo grau de jurisdição sob o prisma do direito à razoável duração do processo. Revista de Processo, São Paulo, v. 35, n. 183, p. 77-118, maio 2010.

[5]  OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 85.

[6]  WAMBIER, Luiz Rodrigues. Anotações sobre o princípio do devido processo legal. In: ______; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Doutrinas essenciais – Processo Civil: Princípios e temas gerais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

[7]  OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Op. cit.

[8]  CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral do processo. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 82.

[9]  Consoante Medina e Arruda Alvim Wambier, cuida-se de garantias mínimas, que “constituem o ponto de partida para o estudo do sistema processual positivo. Impondo ao processo e à sua disciplina algumas condições básicas de legalidade e de correção, operam […] em todos os seus momentos ou fases” (MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Processo civil moderno: parte geral e processo de conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1, 2009. p. 58).

[10]  Idem.

[11]  BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2010. p. 137.

[12]  Idem, loc. cit.

[13]  Idem, p. 138.

[14] PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito administrativo. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1994.

[15]  STF, MS 28712-MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJe 11.05.2010.

[16] PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Op. cit.

[17]  CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit.

[18]  MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

[19]  PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Op. cit.

[20]  Por exemplo, Thiago Marrara e Irene Nohara; Celso Antônio Bandeira de Mello; Odete Medauar.

[21]  ANDRADE, Fábio Martins de. Ensaio sobre o inciso LXXVIII do art. 5º da CF/1988. Revistade Processo, São Paulo, v. 32, n. 147, p. 175-198, maio 2007.

[22]  TAVARES, André Ramos. Reforma do Judiciário no Brasil Pós-88: (Des)estruturando a Justiça. São Paulo: Saraiva, 2005.

[23]  “Artigo 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência […].” [grifo nosso]

[24]  Este fundamento diz respeito à obrigação de cumprimento dos prazos previstos em lei pelos funcionários públicos atuantes no Judiciário, tais como os serventuários da Justiça e mesmo os juízes.

[25]  AMARO, Zoraide Sabaini dos Santos. Razoável duração do processo – Demora na prestação jurisdicional – Implicações à violação aos princípios constitucionais. Anais Congresso Nacional do Conpedi 2007, 16, Belo Horizonte/Florianópolis: Fundação Boiteux, 2007.

[26]  LEAL JÚNIOR, João Carlos; BALEOTTI, Francisco. Ensaio sobre o direito fundamental à razoável duração do processo. Anais do Seminário Interinstitucional de Mestrados em Direito, 1, Londrina: UEL, 2010.

[27]  RIGHI, Eduardo. O direito à razoável duração do processo e a proibição de liminares. Revista Forense, São Paulo, v. 399, p. 65-84, set./out. 2008.

[28]  ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 13. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

[29]  AGUIAR, André Brugni de. Parafiscalidade, regulação e Estado na Economia Globalizada. In: DOMINGUES, José Marcos. Direito tributário e políticas públicas. São Paulo: MP, 2008.

[30]  Idem.

[31]  Idem, p. 09.

[32]  RAGAZZO, Carlos Emmanuel Joppert. Notas introdutórias sobre o princípio da livre concorrência. Scientia Iuris, Londrina, v. 10, p. 83-96, 2006. p. 88.

[33]  “O princípio da livre concorrência é um dos balizadores necessários para que a livre iniciativa possa corretamente atender à sua função social.” (Idem, p. 90-91)

[34]  No Brasil, a preocupação com o abuso do poder econômico é antiga, apresentando-se na vigência do Estado Novo, conforme aponta Lucia Helena Salgado (SALGADO, Lucia Helena. Defesa da concorrência no Brasil: aspectos institucionais, desempenho recente e perspectivas de reforma. Texto para discussão, Brasília, n. 1386, fev. 2009).

[35]  CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 21. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 870.

[36]  Há que se sublinhar, contudo, a ineficácia da Lei nº 4.137/1962. Isso porque, em três décadas de vigência, “houve 117 casos que redundaram em condenações de práticas restritivas da concorrência, todas anuladas por decisões judiciais. A principal fragilidade da defesa da concorrência ao longo desse período era sua incompatibilidade, como instrumento de defesa do livre mercado, com um ambiente de economia comandada pelo Estado.” (SALGADO. Op. cit., p. 08 – grifo nosso).

[37]  Com relação às duas hipóteses, adota-se o vocábulo processo, e não procedimento, uma vez que um simples procedimento não tem (ou, ao mesmo, não pode ter) o condão de gerar prejuízos à esfera de direitos das partes envolvidas, eis que procedimento prescinde de devido processo legal, contraditório e ampla defesa – requisitos esses indispensáveis a situações em que o Estado invade a esfera jurídica dos cidadãos. Nessa mesma linha se encontra a nova lei de defesa da concorrência, que usou a designação processo para ambas as hipóteses em estudo.

[38]  Sobre as críticas existentes acerca do modelo anterior, vide: LEAL JÚNIOR, J. C.; PRADO, M. Enriquez. Análise crítica ao modelo de apreciação de atos de concentração pelo Cade em cotejo com o sistema europeu de defesa da concorrência. Anais Congresso Nacional do Conpedi, 20, 2011, Vitória. Florianópolis: Fundação Boiteaux, 2011, p. 4597-4615.

[39]  Na impugnação do ato perante o Tribunal, deverão ser demonstrados, de forma circunstanciada, o potencial lesivo do ato à concorrência e as razões pelas quais não deve ser aprovado integralmente ou rejeitado.

[40]  “Art. 61 […]

  • 1º O Tribunal determinará as restrições cabíveis no sentido de mitigar os eventuais efeitos nocivos do ato de concentração sobre os mercados relevantes afetados.
  • 2º As restrições mencionadas no § 1º deste artigo incluem:

I – a venda de ativos ou de um conjunto de ativos que constitua uma atividade empresarial;

II – a cisão de sociedade;

III – a alienação de controle societário;

IV – a separação contábil ou jurídica de atividades;

V – o licenciamento compulsório de direitos de propriedade intelectual; e

VI – qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica.

  • 3º Julgado o processo no mérito, o ato não poderá ser novamente apresentado nem revisto no âmbito do Poder Executivo.”

[41] CARDOZO, Maria Izabel Andrade Lima. A recepção de direitos no sistema brasileiro de defesa da concorrência. Direito, Estado e Sociedade, Rio de Janeiro, n. 30, p. 200-209, jan./jun. 2007. p. 204.

[42]  SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial: as estruturas. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

[43]  “O representado poderá acompanhar o processo administrativo por seu titular e seus diretores ou gerentes, ou por seu procurador, assegurando-se-lhes amplo acesso aos autos no Tribunal.” (Art. 70, § 4º)

[44]  MARRARA, Thiago; NOHARA, Irene Patrícia. Processo administrativo: Lei nº 9.784/1999 comentada. São Paulo: Atlas, 2009.

[45]  A título de exemplo, pode ser citada a operação de aquisição da unidade brasileira do HSBC pelo Bradesco, submetida à análise do Cade, cujo prazo de análise vem sendo noticiado por veículos especializados como prejudicial aos investidores do primeiro.

[46]  DELGADO, José Augusto. O princípio da segurança jurídica: supremacia constitucional. 2005. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/handle/2011/448>. Acesso em: 1º ago. 2011. p. 04.

[47]  Idem, p. 05.

[48]  KEMPFER, Marlene; GOMES, Anderson Ricardo. Coisa julgada tributária diante da decisão do STF com efeito erga omnes e vinculante. Revista de processo, São Paulo, v. 204, fev. 2012.

[49]  DELGADO, José Augusto. O princípio da segurança jurídica: supremacia constitucional. 2005. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/handle/2011/448>. Acesso em: 1º ago. 2011. p. 01.

[50]  Idem, loc. cit.

[51]  FRIAS apud DELGADO, José Augusto. O princípio da segurança jurídica: supremacia constitucional. 2005. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/handle/2011/448>. Acesso em: 1º ago. 2011. p. 07.

[52]  TUDISCO, Laeti. A nova estrutura do Cade e a aprovação dos atos de concentração pela superintendência geral: análise e considerações acerca da Lei nº 12.529/2011. Diálogo e Interação, Cornélio Procópio, v. 8, 2014.