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QUESTÕES POLÊMICAS SOBRE A ONEROSIDADE EXCESSIVA: UMA VISÃO TEÓRICA E PRÁTICA

QUESTÕES POLÊMICAS SOBRE A ONEROSIDADE EXCESSIVA: UMA VISÃO TEÓRICA E PRÁTICA

Mariana Menna Barreto Azambuja

SUMÁRIO: Introdução; 1. Breve histórico; 2. O equilíbrio contratual; 3. Conceito da onerosidade excessiva do Código Civil; 4. Pressupostos; 5. Questões polêmicas; 5.1 A mora do devedor; 5.2 A possibilidade de revisão contratual; 5.3 A crise no País é motivo para aplicação da onerosidade excessiva? Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

Só há uma coisa constante neste mundo: a inconstância. (Jonathan Swift)

Historicamente, a base do contrato é o princípio do pacta sunt servanda, isto é, aquilo que foi pactuado deve ser cumprido. Todavia, as diversas alterações circunstanciais, principalmente no âmbito econômico, obrigaram os estudiosos da área do Direito a pensar em uma resposta para o caso de o referido preceito necessitar de relativização.

Surge, então, a figura da onerosidade excessiva.

Dentre as formas de resolução do contrato, a também chamada cláusula rebus sic stantibus surge para garantir a aplicação do princípio da justiça (ou equilíbrio) contratual.

Quando estabelecida uma relação contratual, ambas as partes devem ter garantido o seu direito de que, em ocorrendo um fato superveniente, extraordinário, a possibilidade de rever as disposições contratuais, ou ainda de extingui-lo, exista dentro do ordenamento jurídico.

Diferente do Código Civil de 1916, que nada previa sobre a onerosidade excessiva, o Código Civil de 2002, em seus arts. 478, 479 e 480, surge como forma de preencher esta lacuna, dando maior segurança às partes contratantes contra os fatores supervenientes que não dizem respeito à álea do contrato.

O contrato, que antes era intangível – exceto quando em consenso todas as partes -, passa a flexibilizar tal preceito no sentido de dar às partes o direito de manter o equilíbrio das prestações, bem como a garantia de que nenhum dos envolvidos sairá prejudicado em relação ao outro.

Analisaremos, no presente artigo, os pressupostos da onerosidade excessiva dispostos no art. 478 do Código Civil e como a doutrina vem definindo os conceitos sobre a matéria.

1 BREVE HISTÓRICO

O Código Civil brasileiro de 1916 não previa regra expressa que limitasse o princípio do pacta sunt servanda, porém, como refere Fábio de Andrade, “contemplavam uma disciplina para os casos de lesão enorme ou enormíssima, sendo enorme a lesão que viesse a ultrapassar a metade do preço justo, e enormíssima quando alguém houvesse recebido a terça parte, apenas do valor de um bem[1].

É certo dizer então que, em um primeiro momento, o Direito brasileiro buscou respeito ao princípio do pacta sunt servanda, isto é, de que o contrato deveria ser respeitado nos termos de como foi inicialmente pactuado – diz respeito à valorização da autonomia privada. Nesse sentido, Lynch[2] acrescenta que “[…] o sistema jurídico brasileiro aceitava a cláusula, mas não havia uma só norma no Código Civil de 16 que literalmente a consagrasse“.

Todavia, com a modernidade, passou-se a verificar a necessidade de incluir na legislação alguns artigos que limitassem esse princípio de forma a solucionar determinados casos que surgiam dentro da sociedade.

Entre esses casos, podem-se citar as crises econômicas que alcançaram o País, bem como a inflação[3]. Vale dizer que, diante da falta de regramento no País, foi papel da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal dar início à aplicabilidade de tais limitações nos casos concretos.

Inegavelmente, foi o Código italiano que influenciou a legislação brasileira no que tange à matéria da onerosidade excessiva. Inclusive, vale mencionar o disposto no art. 1.467 deste Código, que dispõe exatamente sobre este ponto:

Nos contratos de execução continuada, periódica ou execução futura, se a prestação de uma das partes torna-se excessivamente onerosa em consequência de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, a parte que deve tal prestação pode demandar a resolução do contrato, com os efeitos estabelecidos no art. 1.458.[4] (tradução livre)

Foi no Código Civil de 2002 que veio positivada a norma que aplicaria a resolução contratual por onerosidade, por meio do art. 478 do CC, que assim determina:

Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Analisaremos, primeiramente, a questão do equilíbrio contratual (ou justiça contratual), como um dos pilares que dão segurança à teoria contratual e às partes dentro do ordenamento jurídico. Então, verificaremos quais os pressupostos exigidos pelo art. 478 do Código Civil para que se configure a resolução contratual por onerosidade excessiva.

2 O EQUILÍBRIO CONTRATUAL

A teoria contratual prevê, atualmente, quatro pilares, dentre eles a autonomia privada, a boa-fé, a função social do contrato e, por fim, a justiça (ou equilíbrio) contratual.

Embora todos os princípios elencados possuam uma ligação direta com o tema proposto, analisaremos, com maior profundidade, o princípio do equilíbrio contratual, já que este é um dos maiores motivadores da criação da figura da onerosidade excessiva como forma de resolução contratual.

Chaves e Roselvald assim definem o equilíbrio:

O equilíbrio – expressão que corresponde à imagem da balança – significa a contemplação dos interesses legítimos de cada parte, com o qual se liga a exigência de respeito mútuo, para que ninguém realize os seus interesses às custas do outro. Cada contratante terá moderação em seus pleitos, deixando ao outro aquilo que lhe corresponde. Aqui reside a equivalência dos contratos sinalagmáticos e o princípio da proporcionalidade no sentido da proibição do excesso. No dito popular, “o negócio, para ser bom, deve ser bom para todo mundo“.[5]

Sem dúvida, faz parte da natureza do contrato que ambas as partes possuam prestações razoáveis, com a possibilidade natural de adimplemento. A circulação de riquezas deve ocorrer de forma justa e equilibrada, sempre demonstrando que a ética deve prevalecer.

Esse equilíbrio não é matemático, como bem salienta Judith Martins-Costa[6], mas sim deve representar que o contrato tem finalidade e interesses legítimos para as partes envolvidas.

Quando se fala em onerosidade excessiva, de pronto pensaremos no desequilíbrio contratual, na disparidade das prestações, no prejuízo de uma das partes e na vantagem da outra. Foi a forma que o legislador viu de dar uma resposta às situações em que ocorria uma extraordinária alteração circunstancial com o devedor, fazendo o contrato (ou parte dele) tornar-se de difícil adimplemento.

Veja que há notória diferença entre a impossibilidade da prestação e a alteração circunstancial. Nesta primeira, fica inviável a realização da prestação, levando ao inadimplemento absoluto do contrato; na segunda, por outro lado, a prestação até pode ser cumprida, porém com um sacrifício extremamente grande para uma das partes.

Ainda sobre o equilíbrio ou justiça contratual, Otávio Luiz Rodrigues Junior relata que “a teoria da imprevisão cede espaço ao princípio do equilíbrio contratual, baseada na correção jurídica e fática (se possível) do contrato, ou, em caso extremo, em sua resolução, preservando-se as prestações já exauridas[7].

3 CONCEITO DE ONEROSIDADE EXCESSIVA DO CÓDIGO CIVIL

Existem vários conceitos dentro da doutrina que bem descrevem o que pretendeu o legislador com a inserção da onerosidade excessiva no Código Civil de 2002.

Dentre eles está o conceito de Moraes:

[…] Com base no conceito aristotélico de justo comutativo nos sinalagmas, a doutrina construiu a teoria de que, nos contratos, haveria um sinalagma genético e outro funcional. O primeiro referente à igualdade que deve haver ao formar-se o contrato, ou seja, em sua gênese. Já o sinalagma funcional refere-se à igualdade durante a execução do contrato, isto é, quando este está exercendo a sua função. Portanto, o sinalagma funcional é dinâmico, adaptando-se às mudanças que podem sobrevir ao executar-se o contrato… Para a concepção aristotélica, o sinalagma deve ser considerado dentro do justo corretivo, que é aquele apto a restabelecer a retidão nas trocas de bens entre os indivíduos. Portanto, o sinalagma pode e deve ser refeito, caso as prestações tenham se tornado demasiado desequilibradas, com o rompimento da igualdade aritmética que deve haver entre elas.[8]

Orlando Gomes, por sua vez, conceitua objetivamente, referindo que ocorrerá a onerosidade excessiva “quando uma prestação de obrigação contratual se torna, no momento da execução, notavelmente mais gravosa do que era no momento em que surgiu[9].

Arnoldo Wald discorre sobre a aplicabilidade da teoria:

Ela é aplicada quando há modificação das circunstâncias de forma a onerar excessivamente uma das partes, isto é, buscar retomar o equilíbrio quando os contratantes não vislumbram mais a mesma realidade em que foi celebrado o contrato.[10]

Fabio de Andrade menciona ainda a necessidade de se estudar o tema com uma perspectiva cooperativa, referindo que se deve “procurar configurar o vínculo contratual como um sistema de cooperação e não o de meramente um intercâmbio de prestações[11].

Rodrigues Junior aduz a origem italiana da onerosidade excessiva, localizando-a da seguinte forma: “É considerada forma de resolução do contrato, portanto, ingressaria metodologicamente ao lado da resolução por inexecução voluntária e da resolução por inexecução involuntária, ocupando uma posição intermediária entre os dois fenômenos[12].

A onerosidade excessiva surge como forma de responder a situações em que ocorre alteração circunstancial[13] entre as partes contratantes, bem como para reestabelecer o equilíbrio contratual de maneira a manter a justiça entre todos os envolvidos.

4 PRESSUPOSTOS

O art. 478 do Código Civil trabalha com alguns pressupostos para a devida incidência da onerosidade excessiva em uma relação contratual.

A primeira delas é a forma de execução do contrato. O artigo refere-se às formas de execução continuada e diferida. É fato que um contrato que tenha sua execução imediata não ensejaria a onerosidade excessiva, vez que a rapidez com que se concretiza a relação impediria sua aplicação.

Neste sentido, Fábio de Andrade ensina que:

Exclui-se, portanto, o de execução instantânea, em que não se identifica espaço de tempo entre a conclusão e o adimplemento, o que se constitui em restrição clássica da matéria, na medida em que a invocação da onerosidade excessiva exige que ocorram alterações supervenientes à configuração do vínculo obrigacional.[14]

Sobre a possibilidade de aplicação em contratos aleatórios, a doutrina vem entendendo que, diante da inexistência de restrição legislativa, existe a possibilidade, caso preenchidos os requisitos exigidos no art. 478 do Código Civil. Da mesma forma, é possível pleitear a onerosidade excessiva nos casos de contratos unilaterais, nos termos do art. 480 do Código Civil[15].

Em um caso clássico da jurisprudência, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul resolveu contrato de execução continuada que, diante de um fato superveniente (Resolução da Anvisa), viu-se impossibilidade de dar continuidade ao contrato entabulado:

Posse e propriedade de bens móveis. Ação de resolução contratual. Contrato de execução continuada. Onerosidade excessiva superveniente ao ajuste por fato do príncipe (resolução da Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária) a justificar o pedido de resolução do contrato. Aplicação do art. 478 do Código Civil de 2002. Efeitos da sentença. A moderna tendência da teoria dos contratos, infensa à rigidez do axioma pacta sunt servanda, é adotada pelo atual Código Civil, que exalta a função social do contrato como cláusula geral. Nesse passo, impõe-se o acolhimento do pedido de resolução do contrato que se tornou excessivamente oneroso para uma das partes, mesmo que por ato alheio ao do credor. Os efeitos da sentença devem, consoante o disposto no art. 478 do CPC, retroagir à data da citação. Primeira apelação parcialmente provida. Segunda apelação prejudicada. (TJRS, AC 70009546888, 14ª C.Cív., Rel. Sejalmo Sebastião de Paula Nery, J. 16.03.2006 – grifos nossos)

Na sequência, o art. 478 faz menção a uma prestação que se torna excessivamente onerosa para uma das partes, mencionando ainda extrema vantagem em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis.

Nesta senda, Rodrigues Junior aduz que “é justamente na qualificação de fato superveniente, e de seus efeitos, que residem as maiores polêmicas[16].

Andrade, por sua vez, define que “acerca dessa noção há que se ponderar inicialmente que ela deve ser interpretada de forma objetiva, a fim de evitar considerações subjetivas de imprevisibilidade[17].

Nesta senda, a jurisprudência do Tribunal de Minas Gerais já se manifestou:

Direito civil. Teoria da imprevisão. Onerosidade excessiva. Art. 478 do CC/2002. Fator climático. Ausência de caracterização. A teoria da imprevisão adotada pelo Código Civil de 2002, em seu art. 478, exige que o desequilíbrio capaz de impor a revisão contratual seja imprevisível e se dê na base objetiva do contrato. A quantidade de chuvas na lavoura, seja seu excesso ou sua escassez, não são fatos de todo imprevisíveis, sendo ausente nos autos qualquer prova de que os fatos climáticos que influenciaram no cumprimento do contrato foram de tal forma imprevisíveis e incomuns que impossibilitaram seu cumprimento regular. A teoria da imprevisão positivada no art. 478 do CC/2002 vai além da simples exigência de fatos imprevisíveis, exigindo, ainda, a “extrema vantagem para a outra” parte, o que não restou provado aqui em relação à instituição financeira embargada. (TJMG, 1.0382.10.001294-9/001, Rel. Des. Cabral da Silva, DJ 05.07.2011, data da publicação da súmula: 19.07.2011 – grifos nossos)

Sobre o fato superveniente, deve-se considerar que não poderá afetar tão somente a esfera de uma das partes; por outro lado, deverá interferir, de forma generalizada, à sociedade em geral. Cita-se, como exemplo, o desemprego. Conforme decidiu recentemente o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o fato de o devedor desempregar-se não pode, por si só, configurar fato superveniente suficiente para resolver um contrato[18].

Mais recentemente, um interessante caso do mesmo Tribunal aplicou a onerosidade excessiva em sede de embargos declaratórios[19], reduzindo honorários de sucumbência considerados exorbitantes. O caso tratava de revisional de contrato de seguro, em que o valor da causa tinha como objeto uma apólice de seguro de mais de meio milhão de reais. Os desembargadores, em sede de acórdão, redimensionaram os honorários sucumbenciais nos termos do art. 85, § 2º, do novo Código de Processo Civil, ou seja, mínimo de 10{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} do valor da causa.

No acórdão que julgou os embargos declaratórios, a Desembargadora Relatora Lusmary Fatima Turelly da Silva relatou que:

[…] considerando que, na hipótese, não há condenação, o arbitramento da verba honorária no percentual previsto no § 2º do art. 85 do CPC, mesmo que mínimo (o que equivaleria a aproximadamente sessenta mil reais, sem a correção monetária), importa em onerosidade excessiva e desproporcional no cotejo com o próprio resultado do julgamento, o que não se pode admitir.

Aqui, entendeu-se pela aplicação da onerosidade excessiva, levando em consideração que, no caso concreto, não havia condenação, ou seja, nenhuma parte receberia valor algum em condenação, motivo pelo qual se tornou excessivo à parte.

5 QUESTÕES POLÊMICAS

Algumas questões atinentes à matéria da onerosidade excessiva são apontadas ainda de forma polêmica dentro da doutrina e jurisprudência.

5.1 A mora do devedor

Uma primeira questão diz respeito à possibilidade do devedor em mora alegar a onerosidade excessiva.

Fabio de Andrade entende que, diante da indeterminação legislativa, deve-se ponderar as possibilidades de arguição da onerosidade pelo devedor em mora. O autor aduz que a situação dependerá do momento em que o devedor ficou em mora: “Cumpre, porém, fixar precisamente a situação de mora do devedor, a fim de saber se ela pode desconsiderada; se, por exemplo, ela antecede às circunstâncias que determinam a onerosidade excessiva, afetará a posição jurídica do devedor“. O autor menciona ainda que, “da mesma forma, na hipótese em que a mora não possui qualquer vinculação com as referidas causas da onerosidade excessiva[20].

Conclui-se então que, se o devedor já se encontrava em mora por outra razão quando do advento do fato superveniente, o contrato não poderá ser resolvido por onerosidade excessiva. Por outro lado, se o devedor só se viu em mora por causa da prestação onerosamente excessiva, pode então recorrer ao art. 478 do Código Civil.

5.2  A possibilidade de revisão contratual

Outra questão ainda polêmica sobre a teoria da onerosidade excessiva diz respeito à possibilidade de revisão do contrato, e não resolução, como prevê o art. 478 do Código Civil.

Como forma de assegurar o princípio da conservação do negócio jurídico, doutrina e jurisprudências estudam as formas de, mesmo diante de onerosidade excessiva, não resolver o contrato, mas sim revisá-lo.

Tal possibilidade de revisão é regra no Código de Defesa do Consumidor[21], que, por meio do art. 6º, V, determina que é direito básico do consumidor a “modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas“.

E assim é aplicado na jurisprudência[22]. De modo geral, toda relação de consumo possibilita tranquilamente a revisão do contrato quando verifica a existência de fato superveniente que torne a prestação excessivamente onerosa.

Por outro lado, em relação ao Código Civil, a revisão do contrato não se encontra de forma tão expressa. O art. 317 do Código Civil prevê a possibilidade de rever o contrato “quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação“.

Na seção que se refere à onerosidade excessiva, a revisão vem prevista no art. 479, que aduz: “A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato“. Aliás, tal pedido de revisão deve-se dar em sede contestacional, eis que não configurará novo pedido como exige a reconvenção.

Fabio de Andrade faz a seguinte ressalva:

Não obstante se verifique na doutrina a preponderância de orientações acerca da possibilidade de revisão contratual com fundamento no Código Civil, é forçoso reconhecer eu esta temática é discreta na jurisprudência, sendo defendida apenas incidentalmente com base no princípio da conservação do negócio jurídico.[23]

Desse modo, entendemos que a possibilidade de revisão judicial dos contratos nas relações civis deve ser analisada pelo juiz nos casos em que não é interesse das partes, mesmo após o advento de fato superveniente, a resolução do contrato. Nesse sentido, caberá ao Magistrado reestabelecer o equilíbrio do contrato de maneira que as prestações voltem a ser justas e possíveis para ambas as partes.

Sobre a atuação do juiz, necessário ainda analisar a sua esfera de atuação. Vejamos o seguinte fragmento jurisprudencial:

A intervenção do juiz deve se restringir ao reequilíbrio das prestações, se verificada a presença de pressupostos como a estipulação de um contrato de execução diferida no tempo, a superveniência de acontecimento extraordinário e a imprevisibilidade, além de, no caso específico do art. 317 do Código Civil/2002, a configurada desproporção entre a prestação devida pela parte e o momento da sua execução.[24]

Através do trecho do voto supramencionado, verificamos que a jurisprudência limita a atuação do Magistrado.

Isso porque, já que estamos tratando da matéria de contratos, em que a autonomia de vontade das partes surge como elemento imprescindível, o juiz deve limitar-se a restabelecer o equilíbrio do contrato, nos termos do que for requerido pelas partes, bem como daquilo que é exigido no art. 478 do Código Civil.

Por fim, importante citar o Enunciado nº 176 do Conselho de Justiça Federal, que assim dispõe: “Em atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, o art. 478 do Código Civil de 2002 deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual“.

5.3  A crise no País é motivo para aplicação da onerosidade excessiva?

Com o advento da crise econômica no País, surge o questionamento se, nesse caso, pode-se fazer uso do instituto da onerosidade excessiva, para justificar a revisão ou rescisão de contrato.

Bazzanez e Gonçalves[25] fazem uso do direito espanhol para afirmar que, inicialmente, assim como acontece no Brasil, esse tribunal era contrário à aplicação da onerosidade excessiva no que diz respeito a questões de crise econômica. Porém, após um precedente[26] de 2014 da Corte Suprema da Espanha, um novo entendimento dispôs que tanto a evolução econômica como as situações de crise econômica global ou de um setor em particular “podem sustentar uma justificativa para o não cumprimento das obrigações contratuais nos moldes originalmente pactuados“. Vale dizer que, também no direito civil espanhol, vigora o princípio do pacta sunt servanda para mantença dos contratos, excetuados aqueles contratos que contrariarem a lei.

Sobre a crise financeira no País, o Superior Tribunal de Justiça enfrenta a matéria de maneira pacífica até então. Mais recentemente, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino alegou, em sede de agravo interno[27], que “a crise econômica mundial, que ultimamente se tem tornado situação reiterada e corriqueira para qualquer investidor, não pode prestar a justificar a onerosidade de uma obrigação […]“.

CONCLUSÃO

Inegável que o advento na onerosidade excessiva no ordenamento jurídico brasileiro se deu em excelente momento, já que necessário se fazia a limitação do princípio pacta sunt servanda, que, mesmo imperioso dentro das relações negociais, não pode ser considerado absoluto.

Inspirado na legislação italiana, o art. 478 do Código Civil de 2002, que dispõe sobre a onerosidade excessiva, traz pressupostos rígidos para sua devida configuração, entre eles a existência de comutatividade, isto é, que o contrato seja de execução continuada ou diferida; a existência de prestação excessivamente onerosa, de vantagem extrema a uma das partes em virtude de fato extraordinário e imprevisível.

Vale dizer que tais requisitos devem ser preenchidos, já que a incidência da onerosidade excessiva como causa de resolução de contrato deve ser exceção e não regra dentro do ordenamento jurídico.

Assim como previsto no Código de Defesa do Consumidor, há parte da doutrina que defende a possibilidade de revisão contratual nas relações civis, tomando por base o princípio da conservação dos contratos, bem como as circunstâncias em que, mesmo após a verificação de fato superveniente, as partes ainda desejam manter o contrato em vigência.

O importante do estudo da matéria é resguardar as situações em que a configuração da onerosidade excessiva se faz necessária como forma de justiça às partes que, quando da realização do contrato, mantinham uma situação que foi alterada por circunstâncias fáticas alheias a sua vontade.

Por fim, que se restabeleça o equilíbrio do contrato e que a vontade das partes seja respeitada para fins de concretização do negócio que inicialmente foi estabelecido.

REFERÊNCIAS

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[1] ANDRADE, Fábio Siebeneichler de. A teoria da onerosidade excessiva no direito civil brasileiro: limites e possibilidade de sua aplicação. Revista da Ajuris, v. 41, n. 134, p. 4, 2014.

[2] LYNCH, Maria Antonieta. Da cláusula rebus sic stantibus à onerosidade excessiva. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 46, n. 184, p. 12, out./dez. 2009.

[3] Pode-se dar como exemplo a maxidesvalorização do real ocorrida em 1999 conforme ementa que segue: “Apelação. Embargos à execução. Contrato de compra e venda de participação societária. Contrato de trato sucessivo. Parcelas em aberto. Correção monetária lastreada na variação cambial do dólar. Teoria da imprevisão. Onerosidade excessiva. Extrema vantagem para o vendedor. Maxidesvalorização do real. Valores reduzidos à metade. Precedentes do STJ. Comprovação de que os recursos foram captados no exterior. Lei nº 8.880/1994. Inovação recursal. As diferenças resultantes da maxidesvalorização do real ocorrida em 1999 devem ser repartidas por igual entre os contratantes, a teor do art. 478 do Código Civil, afastando-se de um lado o enriquecimento sem causa de uma das partes e, do outro, promovendo a preservação do sinalagma funcional do contrato. A alegação em sede de apelação de nova causa de pedir (próxima) constitui inovação recursal, sendo, pois, vedada sua análise no Tribunal, sob pena de violação do duplo grau de jurisdição, do devido processo legal (ampla defesa, contraditório, isonomia), da vedação à alteração da causa petendi após saneado o processo (art. 264, parágrafo único, do CPC) e do alcance do efeito devolutivo do apelo (art. 515 do CPC)” (TJMG, 1.0702.07.388122-0/002, Relª Desª Cláudia Maia, DJ 07.04.2011).

[4] Nei contratti a esecuzione continuata o periodica ovvero a esecuzione differita, se la prestazione di una delle parti è divenuta eccessivamente onerosa per il verificarsi di avvenimenti straordinari e imprevedibili, la parte che deve tale prestazione può domandare la risoluzione del contratto, con gli effetti stabiliti dall’art. 1458 (att. 168).

[5] CHAVES, Cristiano; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: direito dos contratos. 4. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, v. 4, 2014. p. 227-228.

[6] MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 134.

[7] RODRIGUES JR., Otávio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. São Paulo: Atlas, 2002. p. 123.

[8] MORAES, Renato José de. Cláusula “rebus sic stantibus”. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 270/271.

[9] GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 180.

[10] WALD, Arnoldo. Obrigações e contratos. 16. ed. rev., ampl. e atual. de acordo com o Código Civil de 2002, com a colaboração do Prof. Semy Glanz. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 283.

[11] ANDRADE, Fábio Siebeneichler de. A teoria da onerosidade excessiva no direito civil brasileiro: limites e possibilidade de sua aplicação. Revista da Ajuris, v. 41, n. 134, p. 3, 2014.

[12] RODRIGUES JR., Otávio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. São Paulo: Atlas, 2002. p. 86.

[13] Neste sentido, Otávio Luiz Rodrigues Junior refere que “a alteração das circunstâncias passaria a ser o elemento objetivo desse fenômeno, não se exigindo ganho exagerado de uma das partes, mas apenas o restabelecimento do sinalagma primitivo, mediante a aplicação de princípios e da interpretação dos contratos” (RODRIGUES JR., Otávio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. São Paulo: Atlas, 2002. p. 123).

[14] ANDRADE, Fábio Siebeneichler de. A teoria da onerosidade excessiva no direito civil brasileiro: limites e possibilidade de sua aplicação. Revista da Ajuris, v. 41, n. 134, p. 8, 2014.

[15] “Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.”

[16] RODRIGUES JR., Otávio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. São Paulo: Atlas, 2002. p. 111.

[17] Dando continuidade, o autor ainda refere que: “Contudo, cumpre igualmente afastar uma visão excessivamente rígida, que conduza à solução de que todas as circunstâncias são passíveis de previsão. A este respeito, cabe recordar o exemplo comum que uma situação como uma guerra entre dois países pode ser considerada como um evento extraordinário, mas a alta de preços dela decorrente pode ser qualificada como previsível para as partes” (ANDRADE, Fábio Siebeneichler de. A teoria da onerosidade excessiva no direito civil brasileiro: limites e possibilidade de sua aplicação. Revista da Ajuris, v. 41, n. 134, p. 11, 2014).

[18] “Agravo de instrumento. Ação de resolução contratual. Alienação fiduciária. Antecipação de tutela. Alegação de onerosidade excessiva. Perda do emprego. A perda do emprego, por si só, apesar de se tratar de fato lamentável, não é suficiente para caracterizar a ocorrência de acontecimento extraordinário e imprevisível capaz de gerar a onerosidade excessiva, como exige o art. 478 do Código Civil, para a resolução do contrato. Negado seguimento ao agravo, em decisão monocrática.” (TJRS, AI 70053068151, 14ª C.Cív., Rel. Jorge André Pereira Gailhard, J. 01.03.2013)

[19] “Embargos de declaração. Seguros. Ação de manutenção de contrato de seguro c/c pedido de indenização por danos morais. Alegação de contradição e erro material no arbitramento da sucumbência. Readequação do valor arbitrado a título de honorários sucumbenciais em atenção às peculiaridades do caso concreto, sem implicar em efeitos infringentes. 1. Os embargos de declaração se destinam exclusivamente ao aclaramento de obscuridade, supressão de omissão, desfazimento de contradição ou correção de erros materiais. 2. No presente caso, impõe-se a readequação do valor arbitrado a título de honorários de sucumbência, uma vez que, considerando que não há condenação, o arbitramento da verba honorária em percentual previsto no § 2º do art. 85 do CPC, mesmo que mínimo (10{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}), importa em onerosidade excessiva e desproporcional, o que não se pode admitir. Assim, o § 8º do art. 85 do CPC permite ao julgador o arbitramento da verba honorária por apreciação equitativa do Juízo. 3. Desse modo, também de acordo com o disposto no § 2º do art. 85 do CPC, reputa-se justa (e agora em adequação às peculiaridades da hipótese) a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) aos procuradores das partes a título de honorários de sucumbência. Embargos de declaração acolhidos.” (TJRS, EDcl 70077409621, 5ª C.Cív., Relª Lusmary Fatima Turelly da Silva, J. 30.05.2018)

[20] ANDRADE, Fábio Siebeneichler de. A teoria da onerosidade excessiva no direito civil brasileiro: limites e possibilidade de sua aplicação. Revista da Ajuris, v. 41, n. 134, p. 11/12, 2014.

[21] Sobre este aspecto elucida Donnini: “O CDC, ao contrário da construção doutrinária e jurisprudencial relativa à aplicação da teoria da imprevisão na relação entre particulares, procura a conservação do contrato de consumo, e não a resolução deste” (DONINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 169 – grifos nossos).

[22] “Contrato. Rescisão. Contrato de empréstimo bancário para aquisição de uma moto. Caracterização da onerosidade excessiva, de acordo com o disposto no art. 478 do Código Civil em vigor, pois do valor do empréstimo foi de R$ 4.682,00, mas exigiu que a consumidora assinasse uma dívida de R$ 8.826,84. Incidência, também, do disposto no art. 39, V, do Código de Defesa do Consumidor, a teor do verbete da Súmula nº 297 do col. Superior Tribunal de Justiça (‘O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras’), por exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva. Nulidade de pleno direito do contrato firmado. Retorno das partes ao statu quo ante, com a devolução das parcelas pagas (art. 51, II, do CDC) com correção monetária e juros legais. Ação procedente. Recurso provido.” (TJSP, Comarca não informada, 19ª CDPriv., Rel. Paulo Hatanaka, 23.05.2006 – grifos nossos)

[23] ANDRADE, Fábio Siebeneichler de. A teoria da onerosidade excessiva no direito civil brasileiro: limites e possibilidade de sua aplicação. Revista da Ajuris, v. 41, n. 134, p. 17/18, 2014.

[24] TJES, AI 024119010387, Relª Eliana Junqueira Munhos Ferreira, DJ 22.11.2011.

[25] BAZZANEZE, Ricardo; GONÇALVES, Oksandro Osdival. A crise econômica como fundamento para revisão dos contratos que se tornem excessivamente onerosos – Precedente na jurisprudência espanhola. Revista Brasileira de Direito Civil em Perspectiva, e-ISSN: 2526-0243, Minas Gerais, v. 2, n. 1, p. 247, jan./jun. 2016.

[26] Recurso Supremo nº 591/2014.

[27] “Agravo interno no recurso especial. Direito civil. Teoria da imprevisão e teoria da onerosidade excessiva. Hipóteses de cabimento. Ausência de demonstração do desequilíbrio econômico-financeiro no instrumento contratual. Súmula nº 7 do STJ. 1. Esta Corte Superior sufragou o entendimento de que a intervenção do Poder Judiciário nos contratos, à luz da teoria da imprevisão ou da teoria da onerosidade excessiva, exige a demonstração de mudanças supervenientes nas circunstâncias iniciais vigentes à época da realização do negócio, oriundas de evento imprevisível (teoria da imprevisão) ou de evento imprevisível e extraordinário (teoria da onerosidade excessiva). 2. Na hipótese vertente, o Tribunal a quo ressaltou, explicitamente, que não pode ser reconhecida a imprevisão na hipótese vertente, em virtude de o recorrente ter pleno conhecimento do cenário da economia nacional, tendo, inclusive, subscrito diversos aditivos contratuais após os momentos de crise financeira, razão pela qual não seria possível propugnar pelo imprevisto desequilíbrio econômico-financeiro. 3. Nesse diapasão, o acolhimento da pretensão recursal, no sentido de reconhecer eventual onerosidade excessiva ou imprevisão, com o consequente desequilíbrio econômico-financeiro do contrato, demandaria a alteração das premissas fático-probatórias estabelecidas pelo acórdão recorrido, com o revolvimento das provas carreadas aos autos, o que é vedado em sede de recurso especial, nos termos do enunciado da Súmula nº 7 do STJ. 4. Agravo interno não provido.” (STJ, AgInt-AREsp 646945, 2014/0328733-2, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 26.08.2016)