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A QUESTÃO DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015

A QUESTÃO DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015

Paulo de Tarso Duarte Menezes

Bruna Di Fátima de Alencar Carvalho

SUMÁRIO: Introdução – 1. Conceito de ação – uma evolução histórica: 1.1. Considerações; 1.2. A teoria civilista; 1.3. A teoria da ação como direito autônomo; 1.4. Teoria eclética de Liebman – 2. As condições da ação e a teoria geral do processo: 2.1. Condições da ação – observações pertinentes: 2.1.1. Observações pertinentes sobre a tratativa jurídica antes do Código de Processo Civil de 2015 – 2.2. Teorias da exposição e asserção diante das condições da ação – 3. A questão das condições da ação no código de processo civil de 2015. Solução doutrinária? – Considerações finais – Referências.

           

INTRODUÇÃO

Tendo em vista o pouco período de vigência do Código de Processo Civil de 2015, assim como os debates apurados acerca das mudanças que este acarretou ao Direito Positivo, faz-se pertinente submeter as Condições da Ação a escrutínio. Para tanto, deve-se lembrar que as condições da ação guardam relação com todo o aparato histórico lógico e jurídico do debate acerca da conceituação da ação, bem como guarda relação com a questão da autonomia do direito processual, cominando assim em teorias, e guardando especial relação com a teoria eclética de Liebman.

Nessa mesma toada, também se percebe que as condições da ação são um instituto jurídico já sedimentado no ordenamento jurídico pátrio, tanto que, quando da sua retirada do texto normativo processual de 2015, a doutrina muito inquiriu sobre sua manutenção no arcabouço jurídico vigente ou não.

Para responder a tal questionamento, recorre-se à doutrina contextualizada pelos problemas da práxis, para que, de tal forma, possa-se investigar se as condições foram abolidas ou não do cenário jurídico atual.

1. CONCEITO DE AÇÃO – UMA EVOLUÇÃO HISTÓRICA

1.1. Considerações

Especificamente sobre a ação, surgem questões fundamentais, que norteiam todo o debate da sua natureza jurídica. São elas, notadamente: “O que é ação? Constitui ela um direito subjetivo da parte? Representa ela uma projeção do direito subjetivo material de uma parte contra outra? Ou é um direito novo, independentemente do direito subjetivo material?” (LACERDA, 2008, p. 210).

Deve-se também ter em mente a observação de Lacerda (2008, p. 212) no sentido de que “[…] uma teoria da ação, para ser válida, deve abranger não só a ação civil, mas também a ação penal – todas e quaisquer ações que possam ser dirigidas ao Poder Judiciário”.

Segundo Calmon (2014), com Windscheid aprofundou-se a revisão do conceito tradicional de ação, ou seja, começou-se a revisar a ideia de que a figura moderna da ação derivaria da actio romana e seria uma pretensão contra um adversário, logo, a ação como “o direito de reclamar em juízo aquilo que é devido” (LACERDA, 2008, p. 216).

No entanto, desde então, conforme Calmon (2014, p. 17) sabiamente aponta: “muito se escreveu sobre o tema”, mas “quase nada se construiu de definitivo”.

Dessa forma, Calmon realiza uma digressão sobre a história do conceito da ação. Para tanto, primeiramente deve-se ter em mente o lembrete de Lacerda (2008, p. 210) de que “a análise histórica da teoria da ação é a mesma análise da paulatina independência do direito processual em relação ao direito material”.

Ou seja, o jurista, ao se debruçar sobre o problema da natureza da ação, um problema atemporal, deve, primeiro, lembrar-se de todo o trajeto percorrido pela doutrina até o reconhecimento definitivo da autonomia do direito material.

Um quadro mental, paralelamente sobre os problemas apresentados, surge então da seguinte forma: sobre o reconhecimento da autonomia conceitual do direito processual pode-se falar em evolução, visto que não mais se questiona a sua independência do direito material. O direito processual é independente e pronto.

Já a questão da natureza da ação relaciona-se com esse supracitado problema resolvido, no entanto, diferentemente daquele, não foi solucionado. A doutrina tem revelado contradições quando à natureza jurídica da ação. E aqui reside o desafio de formular uma teoria da ação que responda a todos os questionamentos apresentados a priori. Conforme versa Calmon:

Quando procuramos observar as posições divergentes que os estudiosos assumiram nas onze décadas que vêm desde os anos próximos a WINDSCHEID até nós, observamos haver-se realizado uma evolução e uma involução, alcançando-se um ápice e retornando-se ao ponto de origem (CALMON, 2014, p. 18).

Ademais, a ressalva de Leal (2014) parece pertinente para alertar sobre o fato de que vários expoentes que defendem uma mesma teoria muitas vezes divergem entre si, bem como não se deve olvidar a complexidade do tema, nem pretender esgotar aqui o debate.

O estudo da ação, como instituto do direito processual, implica incursões conceituais para desfazer a confusão terminológica que esse tema tem provocado nas diversas exposições dos compêndios especializados. É que, modernamente, já não se pode confundir ação, no sentido de procedimento, e ação como palavra integrante da expressão jurídica direito de ação, destinada a significar direito constitucionalizado incondicional de movimentar a jurisdição. Por outro ângulo, caberia aqui esclarecer que ação, em significando procedimento e não mero ato de agir, assumiu, entretanto, pelas escolas dos pensadores que refletiram o tema, versões semânticas diferenciadas que suplicam dissertação.

           

1.2. A teoria civilista

Segundo Calmon (2014, p. 18), o ponto de partida para a digressão só pode ser então a concepção civilista/imanentista, que teve como um dos maiores expoentes Savigny.

Nesta teoria, cabe destacar as considerações de Lacerda (2008) e Leal (2014),([1]) na qual, a ação “aparecia como simples aspecto ou momento do direito subjetivo material, não sendo compreensível e nem desligada ou independente dele” visto que, para os civilistas, “só tem ação quem for credor, for titular do direito material” (LACERDA, 2008, p. 213).

Calmon ainda anota que, verbis, “a ação estaria contida no direito subjetivo material, como se fora, numa representação gráfica, um círculo inscrito no círculo de maior raio, representativo do direito substancial” (p. 19).

A ação então, no viés da teoria civilista/imanentista, possuía uma acepção privada, exsurgindo apenas diante de conflitos particulares. Isto posto, a primeira crítica que se apontou foi que “vê-se que esta teoria ignora o caráter público da relação jurídica processual” (CALMON, 2014).

A segunda crítica, segundo Lacerda (2008, p. 212), é de que “a teoria civilista da ação não explica o fenômeno da improcedência ou carência da ação”. Nesse sentido, o autor ainda grifa:

O fenômeno se torna mais grave quando tribunal julga o autor carecedor da ação. O tribunal pode entender que o autor carecia de qualquer ação. No primeiro caso, quando o tribunal julga a ação improcedente, ele reconhece que o autor tinha direito à ação, mas não possuía direito subjetivo material contra o réu. Quando o tribunal julga o autor carecedor de ação, ele afirma que o autor só não tinha direito material contra o réu, mas, também, não tinha direito processual de ação.

1.3. A teoria da ação como direito autônomo

O próximo passo foi uma mudança de postura da doutrina acerca do direito de ação. Assim, “evoluiu-se para a afirmação da independência do direito de ação”. Passou-se a aceitar que o referido direito “não se confundiria com o direito subjetivo, mas coexistiria com ele, com ele se relacionando necessariamente” (CALMON, 2014, p. 19).

Para tal acepção, cabe criar uma imagem, na qual “o círculo concêntrico, se faz círculo tangente. Direito e ação irremediavelmente unidos por um consórcio indissolúvel” (CALMON, 2014, p. 20).

Surgiu, então, o direito de ação como autônomo, como diferente do direito material. Assim, a doutrina questionou “o grau de tal diferença”. Ora, indagou-se: diferente quanto? Está completamente desvinculado do direito material/substantivo, absolutamente desvinculado – independente – ou o direito de ação depende de alguma forma do direito material?

Para responder essas questões, surgiram duas teorias: a primeira, a teoria da ação como direito autônomo e concreto, de Adolfo Wach, defendia que o direito de ação deve ser visto como autônomo, mas não como autossuficiente, visto que se dependeria em certo grau com o direito material. Ou seja, o direito à ação só existiria quando existisse o direito material. “A ação é autônoma, mas só existe quando a sentença for favorável” (DONIZETTI, 2016, p. 130). Consistiria então a ação no direito à sentença favorável.

A teoria concretista acertou por incorporar o caráter público ao debate em pauta, afastando a ação do caráter instrumental particular. Sobre tal teoria, esclarece Lacerda:

Em última análise, os direitos subjetivos existem por causa da lei; e como o Estado é obrigado a exigir o cumprimento das leis, é evidente que cabe ao Estado prestar uma tutela (obrigação de tutela) aos direitos subjetivos ameaçados ou lesados. Portanto, a ação, para WACH, nada mais é do que o direito de exigir esta tutela; um direito subjetivo público, numa relação jurídica de direito público nova. Um direito, portanto, autônomo, independente do direito subjetivo material (LACERDA, 2008, p. 218).

Porém, as críticas também encontraram tal teoria, porquanto nela há “um resquício, um preconceito fundamental da teoria civilista” (LACERDA, 2008, p. 219), qual seja:

Se o direito subjetivo público de ação é o direito de reclamar a tutela do Estado ao direito subjetivo violado, só quem tem efetivamente ação seria o titular do direito subjetivo material. Então, continuamos a identificar o autor como credor e o réu como devedor. Continuam, assim, inexplicáveis todos aqueles fenômenos da ação improcedente, da ação infundada, da carência da ação […].

Já teoria da ação como direito autônomo e abstrato, teve como expoentes Degenkolb, na Alemanha, e Plosz, na Hungria, e afirmava a completa independência do direito de ação do direito material/substantivo. Sendo assim “o direito de agir é independente do reconhecimento do direito material” (DONIZETTI, 2016, p. 130).

Para a teoria abstrata, o direito do particular “era de exigir do juiz uma sentença, qualquer que ela fosse, favorável ou desfavorável” (LACERDA, 2008, p. 226).

Portanto, o direito de ação não podia ser definido como um direito à tutela concreta, como um direito a uma sentença favorável, mas, pura e simplesmente, como um direito à sentença, ou como um direito à jurisdição.

Essa teoria foi chamada de teoria do direito abstrato de agir. A denominação tem sido criticada, mas afinal firmou-se entre os processualistas. Diz-se direito abstrato, porque é um direito que existe abstraindo-se o resultado da sentença, se favorável ou desfavorável. Portanto, é um direito subjetivo público: é o direito de reclamar a jurisdição.

Tal acepção guarda correspondência com o que defende Calmon (2014, p. 20) “O direito de ação é o direito à jurisdição, direito concedido ut civis, abstraindo-se a existência ou inexistência de qualquer direito material”.

Cabe, então, indagar, diante da teoria abstrata, contra quem se dirige o direito de ação? Contra o particular ou contra o Estado? Calmon esclarece:

O direito de ação é, por conseguinte, um direito subjetivo público do cidadão contra o Estado, e só contra o Estado. Seu interesse substancial é o interesse secundário e abstrato à intervenção do Estado para eliminar os obstáculos que a incerteza ou a inobservância da norma válida no caso concreto podem opor à realização dos interesses tutelados (CALMON, 2014, p. 20).

           

1.4. Teoria eclética de Liebman

Diante das supracitadas teorias e o embate insolúvel entre elas, Enrico Tulio Liebman formulou uma teoria conciliatória, eclética. Assim, segundo Alvim (2014), para a teoria eclética, “a ação é o direito subjetivo consistente no poder de criar a situação para o exercício da função jurisdicional, ou seja, o direito à jurisdição”.

Donizetti (2016, p. 131) então esclarece a principal ideia da teoria eclética, qual seja: “o direito de ação não está vinculado a uma sentença favorável (teoria concreta), mas também não é completamente independente do direito material (teoria abstrata)”.

Nota-se, isso posto, que Liebman buscou conciliar os posicionamentos das outras teorias, mesmo que tal pretensão parecesse impossível, tendo em vista o espírito antagônico que advinha das duas.

Liebman defende então que a ação nada mais se tratava do que o direito a uma sentença de mérito, seja ela favorável ou não, conforme delineia Donizetti (2016, p. 131):

Há, de fato, uma abstração do direito de ação, no sentido de que a existência do processo não está condicionada à do direito material invocado; porém, sustenta-se pela teoria eclética que a ação é o direito a uma sentença de mérito, seja qual for o seu conteúdo, isto é, de procedência ou improcedência. Para surgir tal direito, deveriam estar presentes as chamadas condições da ação, que estão expressamente previstas no art. 267, VI, do Código de 1973. Em síntese, as condições da ação são requisitos formais de existência do direito de ação, as quais são analisadas a partir da relação de direito material discutida.

Já no tocante ao caráter público ou privado da ação, Liebman, em sua teoria eclética, entendia que:

A ação se dirige contra o Estado-juiz, na sua qualidade de titular do poder jurisdicional, mas ele a nada é obrigado com o autor, porquanto essa função se desenvolve para satisfação do interesse público, consistente no cumprimento das normas que a disciplinam. A ação é proposta, também, em face da parte contrária, contra a qual se pede um provimento jurisdicional, pelo que corresponde, por parte dela, um estado de sujeição ao poder do juiz (ALVIM, 2015).

Quanto à crítica, para Leal (2014), Liebman “vinculou a uma pretensão de direito material, retornando ao imanentismo da corrente de Savigny”, o que demonstrou, novamente, a impossibilidade da doutrina de conceber uma teoria pura, impecável. Exsurgem sempre contradições, conforme os ensinamentos de Calmon (2014).

Destarte, Liebman, embora não tenha resolvido todas as variáveis do problema intrínseco à natureza da ação, amainou os ânimos acerca do debate. Não obstante, até os dias atuais, a natureza da ação se mostre um desafio, intrínseco, conceitual de coerência.

2. AS CONDIÇÕES DA AÇÃO E A TEORIA GERAL DO PROCESSO

2.1. Condições da ação – observações pertinentes

2.1.1. Observações pertinentes sobre a tratativa jurídica antes do Código de Processo Civil de 2015

De acordo com Didier Jr (2015, p. 304), as condições da ação haveriam adentrado ao ordenamento jurídico em decorrência da predileção da doutrina nacional pelas lições dos grandes expoentes italianos, especialmente Liebman.

Como é cediço, a elaboração do Código de Processo Civil de 1973 em muito foi influenciada pela teoria eclética da ação e a vasta construção doutrinária de Liebman. Para Didier Jr (2015, p. 304), sobre a adoção das condições da ação ao ordenamento jurídico brasileiro: “Pode-se dizer mais: trata-se de noção amplamente difundida no discurso jurídico brasileiro em geral”.

Nesse viés, Didier Jr (2015) destaca que:

Condição da ação é uma categoria criada pela Teoria Geral do Processo, com o propósito de identificar uma determinada espécie de questão submetida à cognição judicial.

Uma condição da ação seria uma questão relacionada a um dos elementos da ação (partes, pedido e causa de pedir), que estaria em uma zona intermediária entre as questões de mérito e as questões de admissibilidade.

As condições da ação não seriam questões de mérito nem seriam propriamente questões de admissibilidade; seriam, simplesmente, questões relacionadas à ação […] (DIDIER JR., 2015, p. 304).

Assim, de acordo com Didier Jr (2015), que expõe o posicionamento de Liebman sobre o tema, as condições da ação seriam identificáveis a partir dos elementos da ação. No entanto, não dizem respeito ao imbróglio de direito material, que fez necessária a provocação da jurisdição – a questão de mérito – tampouco tratariam as condições da ação das questões de admissibilidade, as preliminares de mérito. Tem-se aqui um conceito por exclusão.

Este era o posicionamento até o advento do Código de Processo Civil de 2015, posto que, depois que este entrou em vigência, pouco importa juridicamente a supracitada diferença. A ideia que deve ser aprendida é simples: o Código de Processo Civil 2015 extinguiu as condições da ação de seu texto, ou seja, retiraram-se as condições da ação como instituto jurídico positivo.

Diante disso, a doutrina exsurge questionando se a retirada do texto processual teria o condão de, por si só, afastar a sua aplicação e causar sua retirada no plano de direito positivo atual,([2]) posto que tal instituto mostrou-se, ao longo de décadas, absolvido pelo ordenamento jurídico.

No seu significado pleno e verdadeiro, a ação não compete realmente a qualquer e não tem um conteúdo genérico. Ao contrário, ela se refere a uma fattispecie determinada, exatamente individuada, e é o direito a obter um provimento do juiz sobre ela, formulando (ou atuando) a regra jurídica especial que a governa. Ela é, portanto, condicionada a alguns requisitos, que devem ser constatados, caso por caso, preliminarmente: o interesse de agir, que é o interesse do autor para obter o provimento desejado; a legitimação para agir, que é a pertinência da ação àquele que a propõe, em confronto à contraparte; e a possibilidade jurídica, que é a admissibilidade, em abstrato, do provimento reclamado, segundo as normas vigentes na ordem jurídica nacional (CALMON, 2014, p. 31).

Importante notar também que a dúvida em pauta não é meramente teórica, visto que produz problemas para a prática jurídica. Assim, ao se admitir que as condições da ação permanecem, fica mantida a possibilidade de não apreciação do mérito em caso de carência de ação, ou seja:

Neste caso, não se tem verdadeiro exercício da jurisdição, sim unicamente uso de sua forma para fazer aquele joeiramento preliminar (confiado por necessidade ao próprio magistrado), que serve para excluir, de início, aquelas causas nas quais faltam as condições que são reclamadas para o exercício do poder jurisdicional (CALMON, 2014, p. 31).

Entretanto, se o entendimento seguir a linha de que as condições da ação foram abolidas, a legitimidade e o interesse passam a receber tratativa de pressupostos processuais, posto que o código retira a expressão condições da ação, mas mantém a menção à legitimidade e ao interesse que, outrora, eram espécies das condições da ação e agora são alçados à classificação como pressupostos.

2.2. Teorias da exposição e asserção diante das condições da ação

Conforme se expôs anteriormente, inúmeros problemas fáticos decorrem dessa incompletude da teoria de Liebman. Nesse viés, Donizetti (2016, p. 159) comenta: “nem sempre é possível diferenciar com facilidade, num caso concreto, o que é mérito do que é mero requisito necessário à concretização da tutela de mérito […]”.

Assim, segundo Donizetti (2016, p. 159), para verificar diante do caso concreto a existência ou não das condições da ação, se formaram duas teorias: a teoria da exposição e a teoria da asserção.

Para a teoria da exposição, cabeceada por Cândido Rangel Dinamarco, as condições da ação deveriam “ser demonstradas pela parte, que pode, para tal desiderato, valer-se da produção de provas para formar o convencimento do juiz” (DONIZETTI, 2016, p. 159). Ou seja, as condições da ação deveriam ser comprovadas, demonstradas processualmente pelos meios cabíveis.

Por sua vez, para a teoria da asserção, as condições da ação seriam verificadas “[…] apenas pelas afirmações ou assertivas deduzidas pelo autor na petição inicial”. Assim, caberia ao juiz somente, neste momento, “analisar preliminarmente a causa, admitindo as assertivas da parte autora como verdadeiras” (DONIZETTI, 2016, p. 159). O juiz então, quando do recebimento da inicial, deveria presumir como verdadeiras as condições da ação e, ao decorrer do processo, verificar se tal status se manteria.

A pertinência dessa segunda teoria e descabimento da primeira se faz expresso, já que, conforme esclarece Alexandre Freitas Câmara (2008) apud Gouveia (2013) “exigir a demonstração das ‘condições da ação’ significaria, em termos práticos, afirmar que só tem ação quem tenha o direito material”.

Ainda sobre a teoria da asserção, Gouveia (2013) observa que esta “[…] supre adequadamente as lacunas deixadas pela teoria eclética da ação, no que concerne ao momento da apreciação das condições da ação e aos efeitos da decisão que reconhece a ausência de quaisquer delas […]”.([3])

Alexandre Freitas Câmara, por sua vez, ressalva que a teoria da asserção não haveria recebido o nomen juris adequado, argumentando que não se trata de uma teoria, e sim de uma técnica para a verificação se estariam presentes ou não as condições da ação:([4])

O juiz, então, ao receber a petição inicial, depara-se com uma série de alegações que não sabe se são ou não verdadeiras. Pois para a aferição das “condições da ação” ele deve estabelecer um juízo hipotético de veracidade dessas alegações. Em outras palavras, significa isto dizer que o juiz deverá admitir essas alegações como se fossem verdadeiras.

Estabelecido o juízo hipotético de veracidade das alegações contidas na petição inicial, incumbe ao juiz verificar se, admitidas elas como verdadeiras, seria caso de acolher a pretensão deduzida. Caso a resposta seja afirmativa, estão presentes as “condições da ação”. De outro lado, verificando-se que não se poderia acolher a pretensão deduzida em juízo, mesmo que fossem verdadeiras todas as alegações deduzidas na petição inicial, estará a faltar alguma “condição da ação” e, por conseguinte, deverá o processo ser extinto sem resolução do mérito (art. 485, VI) (CÂMARA, 2015, p. 54).

Isto posto, a crítica aponta os problemas práticos da teoria da asserção, quais sejam:

De forma sucinta, pode-se dizer que tais críticas concentram-se em três indagações principais: pode-se afirmar que o direito de ação é condicionado? A sentença que reconhece a carência de ação extingue o processo com ou sem resolução de mérito? Admitindo-se as condições da ação como categoria distinta do mérito da causa, qual o momento adequado para a sua apreciação? (GOUVEIA, 2013).

Observe-se então que a extinção das condições da ação também eliminaria esses problemas; “sepulta-se um conceito que, embora prenhe de defeitos, estava amplamente disseminado no pensamento jurídico brasileiro. Inaugura-se, no particular, um novo paradigma teórico, mais adequado que o anterior […]” (DIDIER JR., 2015, p. 306).

3. SOLUÇÃO DOUTRINÁRIA?

Diante das considerações anteriores, pode-se então partir para o enfrentamento doutrinário sobre a questão exposta, e, para tanto, dividem-se os entendimentos em favoráveis ou contrários acerca da retirada do instituto condições da ação do ordenamento jurídico pátrio.

A parte da doutrina que se posiciona contrariamente à retirada das condições da ação é encabeçada por Humberto Theodoro Junior e reforçada por Freitas Câmara, conforme se verifica avante:

O novo Código de Processo Civil fugiu do nomen iuris “condições da ação”, consignando, porém, que “para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade” (art. 17). Com essa postura, aparentemente ter-se-ia acolhido a tese de que ditas condições perderam a qualidade de preliminares processuais, passando a integrar o próprio mérito do processo, mais propriamente, como “preliminares de mérito”. Assim, legitimidade e interesse figurariam no objeto litigioso na mesma categoria de, por exemplo, a prescrição e a decadência.

Todavia, não chegou a tanto a estrutura processual renovada, visto que, ao distinguir os provimentos que resolvem ou não o mérito, o acolhimento da falta de legitimidade ou interesse foi arrolado entre as hipóteses de extinção do processo, sem resolução de mérito (NCPC, art. 485, VI).

Logo, malgrado o combate feito por numerosa corrente doutrinária à figura das condições da ação, a pretexto de serem elas indissociáveis da matéria de mérito discutida no processo, o certo é que a lei continua a tratá-las como categoria processual distinta, intermediária entre os pressupostos de validade do processo e o mérito da causa. Continua, portanto, o Código atual fiel à doutrina de Liebman. (THEODORO JUNIOR, Humberto, 2015, p. 223-224).

Assim, Humberto Theodoro deixa claro o seu posicionamento acerca da manutenção das condições da ação no ordenamento jurídico pátrio.

Por sua vez, Freitas Câmara (2015), demonstra que, a seu ver, o debate já se encontra resolvido, pois, ao longo de todo o texto de sua obra, trata das condições da ação como instituto autônomo, inclusive ilustra casos práticos com a aplicação do instituto, além de discorrer no sentido da autonomia didática daquele.([5])

Observa-se, então, que Freitas Câmara (2015), embora não se posicione expressamente no sentido de orientar-se pela autonomia e subsistência das condições da ação, tacitamente assim o faz, o que corrobora sua postura de outrora em outras produções acadêmicas.([6])

Já a outra parte da doutrina que se posiciona no sentido a defender a retirada das condições da ação do ordenamento jurídico, tem como principais expoentes Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha, Elpídio Donizetti e Luiz Guilherme Marinoni.

Didier (2015), debruça-se sobre a problemática de forma detalhada, sustentando que o silêncio do Código Civil de 2015 muito diz, posto que o novo diploma retirou “[…] a menção expressa à categoria ‘condição da ação’ do único texto normativo do CPC que a previa e que, por isso, justificava a permanência de estudos doutrinários ao seu respeito” (DIDIER, 2015, p. 306).

Didier defende, então, que o conceito condições da ação atualmente se mostra sem utilidade para a ciência processual civil e explica que “a legitimidade ad causam e o interesse de agir passarão a ser explicados com suporte no repertório teórico dos pressupostos processuais” (DIDIER, 2015, p. 306).([7])

O supracitado autor também ressalta que o CPC de 2015 não mais se utiliza da expressão carência de ação (p. 306), o que evidenciaria a retirada das condições da ação do ordenamento jurídico pátrio.

Acerca do posicionamento de Leonardo Carneiro da Cunha, tem-se o seu entendimento no sentido que “a circunstância de a ação e o processo serem institutos autônomos não impõe que haja necessariamente, como categorias autônomas, as condições da ação e os pressupostos processuais” (CUNHA, 2013).

No que pese o supracitado entendimento, Cunha ressalta que para o Código de Processo Civil de 2015, além de retirar a possibilidade jurídica do pedido como uma das condições da ação, retirou o status de categoria autônoma das outras condições – interesse de agir e legitimidade extraordinária – que passam a integrar a categoria dos pressupostos processuais (CUNHA, 2013).

Donizetti (2016), por seu turno, finca seu entendimento em tópico próprio, relembrando a retirada do termo “condições da ação” do bojo do Código de Processo Civil de 2015; e acrescenta:

A doutrina processual italiana já havia proposto o estudo em conjunto das condições da ação e dos pressupostos processuais, notadamente porque ambos deveriam ser considerados como requisitos necessários para validar a relação processual em seu todo e para se chegar a uma decisão de mérito.

Assim, acompanhando a doutrina italiana e os entendimentos da doutrina nacional moderna, passaremos a tratar a legitimidade ad causam e o interesse processual como requisitos processuais necessários à concretização da tutela de mérito, cujo estudo será feito no tópico relativo ao processo (DONIZETTI, 2016, p. 132).

Donizetti (2016), então, vincula-se ao entendimento de que as condições da ação haveriam sido deslocadas para a categoria de pressupostos processuais, desaparecendo como instituto autônomo.

O autor em pauta ainda grifa, muito oportunamente, que a ação, por sua natureza, deve ser tratada como garantia indissociável de acesso ao judiciário, e que a utilização do nomen juris condições da ação é descabida, posto que “no modelo constitucional do processo, falar em condicionamento desse poder soa como blasfêmia, a qual deve ser abjurada pelo jurista” (DONIZETTI, p. 132).

Por sua vez, Marinoni (2017, p. 157) também parece se filiar ao entendimento de que não mais haveria de se manter o estudo das condições da ação diante do Código de Processo Civil de 2015, pois, segundo o autor, “[…] O novo Código se afastou da regulação das condições da ação, peculiar ao Código de 1973 […]”.

Tudo isso quer dizer que, diante do novo Código de Processo Civil, é possível afirmar que o direito de ação é direito à tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva mediante processo justo. Esse direito não se submete às velhas condições para sua existência. É um direito de natureza processual totalmente abstrato e independente da efetiva existência do direito material alegado em juízo (grifou-se) (MARINONI, 2017, p. 157).

Marinoni (2017, p. 161) ainda reforça seu debate no sentido de que as condições da ação, na verdade, apenas criaram obstáculos para a compreensão e aplicação do direito de ação.

Contudo, não há fundamento algum para se admitirem duas modalidades de ação, uma com assento na Constituição e outra na legislação. A ação é uma só, sendo as suas supostas condições apenas requisitos para a apreciação do pedido de tutela jurisdicional do direito.

Portanto, mesmo quando verificada a ausência de uma das chamadas “condições da ação”, é inegável que a jurisdição atuou e a ação foi exercida. Aliás, a jurisdição atuou porque a ação foi proposta, o que se dá no momento em que a petição inicial é protocolada. Isso significa que não é correto dizer, como afirmou Liebman, que só existe ação e jurisdição quando estão presentes as chamadas “condições da ação”.

Oportunamente, então, Marinoni (2017, p. 161) esclarece que aceitar o instituto das condições da ação nada mais é do que pôr barreiras ao exercício do direito constitucional de ação, o que se mostra incongruente, visto que tais barreiras possuem natureza meramente legal, infraconstitucional.

O presente debate é travado há muito, mas Calmon dos Passos (2014) já contemplava o cerne da questão desde então, defendendo e lembrando que todas as considerações sobre o instituto em pauta devem levar em conta a autonomia conceitual e didática do direito material e processual civil, posto que para o autor “[…], é injustificável que se desvinculando a existência do direito de ação da existência do direito material se persista no falar em condições da ação, como se ela fosse condicionada” (CALMON, 2014, p. 37).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As condições da ação de Liebman, no que pese sua contribuição histórico-didática para a ciência processual civil, também precisam ser analisadas diante das peculiaridades teóricas e práticas do debate acerca da autonomia e natureza do direito de ação.

Assim, observa-se que, desde sua formulação, as condições da ação carregam brechas conceituais não emendáveis, e que acabam por gerar entraves tanto para a práxis como para o campo teórico.

Trata-se de um problema analítico, posto que, ao se confortar as condições da ação com o caso concreto e as peculiaridades do direito subjetivo, as condições da ação não demonstram um debate relevante o suficiente para que justifique condicionar a elas o exercício do direito constitucional de ação.

Pelo contrário, as condições da ação como instituto autônomo muitas vezes geram debates improfícuos ou repetitivos sobre a matéria em apreço e em outras dificulta e alonga o caminho até uma sentença de mérito, impasse esse que seria resolvido ao se tratar suas espécies como pressupostos processuais.

Observa-se, então, que, com o advento do Código de Processo Civil de 2015, o legislador, ao retirar as referências expressas às condições da ação e deixar de prever as consequências para os casos de carência de ação, visa alterar o Ordenamento Jurídico Nacional, extraindo do diploma processualista civil um instituto que, embora por muito tempo absorvido pela doutrina, criava imbróglios desnecessários e acabava por comprometer a eficiência da tutela jurisdicional.

Diante do exposto, depreende-se também que essa é a posição da doutrina majoritária que, exaustivamente, apresenta argumentos sólidos que corroboram a necessidade de reformulação do arcabouço jurídico-normativo com vistas à primazia do princípio do acesso à Justiça e, por conseguinte, demonstrando que tal vertente doutrinária é capaz de resolver o impasse formado quando da elaboração do CPC de 2015.

REFERÊNCIAS

ALVIM, José Carreira. Teoria geral do processo. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. (VitalBook file).

CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015.

CUNHA, Leonardo Carneiro da. Será o fim da categoria condições da ação? Uma intromissão no debate travado entre Fredie Didier Jr. e Alexandre Freitas Câmara, 2013. Disponível em: <www.leonardocarneirodacunha.com.br/artigos/sera-o-fim-da-categoria-condicoes-da-acao-uma-intromissao-no-debate-travado-entre-fredie-didier-jr-e-alexandre-freitas-camara/>. Acesso em: 02 jul. 2017.

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: JusPodivm, v. 1, 2015.

DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil, 2016.

LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. (VitalBook file).

TEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, v. 1, 2015.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: teoria do processo civil [livro eletrônico]. 3. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1, 2017.

[1] “[…] a ação deveria seguir a natureza do direito, ou a cada direito corresponderia uma ação. Assim, para essa escola, o direito material (bem da vida jurídica) era imanente à ação para exercê-lo, o que queria dizer que ação e direito surgiam de modo geminado, não sendo possível separá-los. Percebe-se claramente que a palavra ação, nessa corrente histórica, tinha significado, ao mesmo tempo, de direito de movimentar a jurisdição e direito ao procedimento de modo inerente e sincrônico ao direito material instituído. Há, portanto, aderência do procedimento ao direito criado, formando uma só e única figura jurídica.” (LEAL, 2014).

[2] Ressalte-se que o instituto encontra-se previsto expressamente no art. 395, inciso III, do Código de Processo Penal, conforme redação lançada pela Lei nº 11.719, de 2008.

[3] Se o magistrado verificar a ausência de alguma das condições da ação ainda na fase postulatória, ou seja, conforme afirmado pelo autor em sua petição inicial, poderá extinguir o processo sem resolução do mérito, com fundamento no art. 267, VI, do CPC; se o magistrado, por outro lado, só vier a constatar a falta de condição da ação após iniciada a fase instrutória, ou seja, se houve a necessidade de adentrar no mérito da demanda para constatar a existência dessas condições da ação, o processo deve ser extinto com resolução do mérito (GOUVEIA, 2013).

[4] “A aferição das ‘condições da ação’ se faz através de uma técnica conhecida como teoria da asserção. Não obstante este nome, de uso consagrado, não se está aí diante de uma verdadeira teoria, mas de uma técnica para verificação da presença das ‘condições da ação’. Asserção, como cediço, significa afirmação, e daí vem o nome desta técnica, por força da qual as ‘condições da ação’ devem ser examinadas in statu assertionis, isto é, no estado das afirmações feitas pela parte em sua petição.” “Consiste a técnica no seguinte: ao receber a petição inicial, o juiz se deparará com uma série de alegações ali deduzidas as quais não sabe ele (com a única ressalva dos fatos notórios) se são ou não verdadeiras. Vale, aqui, observar que o juiz – sempre ressalvados os fatos notórios, que são de conhecimento geral da sociedade, e isto evidentemente inclui o juiz – não pode ter conhecimento privado acerca dos fatos da causa que terá de apreciar. É que seu conhecimento dos fatos precisa ser construído processualmente, o que se dá através da participação das partes em contraditório. Deste modo, admitir um juiz que conheça os fatos da: causa por conta de elementos que lhe tenham sido apresentados antes e fora do processo viola a garantia constitucional do contraditório e, por conseguinte, leva ao desenvolvimento de um processo que não está afinado com o modelo constitucional estabelecido para o direito processual civil brasileiro” […] (CÂMARA, 2015, p. 53-54).

[5] Vide p. 37-39. CÂMARA. Freitas. O novo processo civil brasileiro, 2015.

[6] Vide CÂMARA. Freitas. Será o fim da categoria “Condição da Ação”? Uma resposta a Fredie Didier Junior, 2013. Disponível em: <http://www.leonardocarneirodacunha.com.br/artigos/sera-o-fim-da-categoria-condicao-da-acao-uma-resposta-a-fredie-didier-junior/>.

[7] Nesse viés, Didier ainda sintetiza a suas conclusões sobre o tema com o advento do Código de Processo Civil de 2015, quais sejam “a) o assunto ‘condição da ação’ desaparece, tendo em vista a inexistência da única razão que o justificava: a consagração e m texto legislativo dessa controvertida categoria;

  1. b) a ausência de ‘possibilidade jurídica do pedido’ passa a ser examinada como de improcedência liminar do pedido, no capítulo respectivo;
  2. c) legitimidade ad causam e interesse de agir passam a ser estudados no capítulo sobre os pressupostos processuais”. (2015, p. 307).