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QUAIS AS FORMAS DE SE PRIVAR UM HERDEIRO DE SEU DIREITO À HERANÇA?

QUAIS AS FORMAS DE SE PRIVAR UM HERDEIRO DE SEU DIREITO À HERANÇA?

Ana Paula Domingues Garcia

 

Indignidade e deserdação. Os motivos são praticamente os mesmos. A diferença é que esse tipo de exclusão, indignidade, não é feito por meio de testamento, mas apenas por ação judicial movida pelos demais herdeiros (ou, em alguns casos, pelo Ministério Público) após o falecimento do autor da herança.

A indignidade e a deserdação são sanções civis aplicáveis àqueles que não se comportaram bem com o autor da herança. Indigno e deserdado são considerados incompatíveis com a herança.

Assim, concluindo com o magistério de Silvio Rodrigues:

“Exclusão por indignidade e deserdação, todavia, são institutos paralelos, que remedeiam a mesma situação, visto que por intermédio deles se afasta da sucessão o beneficiário ingrato, pois, como observa LACERDA DE ALMEIDA, a sucessão hereditária assenta na afeição real ou presumida do defunto pelo sucessor, afeição que deve nesse último o sentimento de gratidão. A quebra desse dever de gratidão acarreta a perda da sucessão; nisso se combinam a indignidade e a deserdação.”

Exemplo de exclusão por indignidade é o caso de Suzane Von Richtofen, acusada de matar barbaramente os pais com a ajuda do namorado e de outro cúmplice. Suzane, por sinal, teve sua exclusão confirmada em julgamento no processo sucessório que seu irmão, o outro único herdeiro, ajuizou, resultando no reconhecimento da exclusão da irmã, por indignidade, como era esperado. Se ela não tivesse irmão, a ação poderia ser proposta por pais, avós ou, na inexistência destes, por outros parentes e herdeiros das vítimas. Se não houver outros parentes, o Ministério Público pode propor a ação.

 

É necessária ação própria para a exclusão do herdeiro deserdado à herança?

Sim. O fato de um herdeiro deserdado ter concordado com os termos do testamento não exime os demais de ajuizar ação própria de deserdação, prevista no artigo 1.965 do Código Civil. Afinal, ao herdeiro instituído, ou àquele a quem aproveite a deserdação, incumbe provar a veracidade da causa alegada pelo testador, o que já virou uma tradição no Direito.

Deste modo, a deserdação não é automática. Ela deve ser anunciada em testamento, com a obrigatória apresentação dos motivos. Após a abertura do testamento, os demais herdeiros têm um prazo de quatro anos para ingressar com uma ação judicial pedindo que a pessoa cuja deserdação é solicitada seja excluída da herança. Caberá a eles apresentar as provas necessárias para justificar a medida. Naturalmente, o acusado terá sua chance de defender-se das alegações. Somente após a expedição da sentença judicial é que a deserdação será consumada. Ou não. Afinal, o juiz pode entender que as razões apresentadas não são válidas.

Maria Berenice Dias, especialista em Direito de Família entende ser necessária a indicação dos motivos da exclusão, bem como é necessária posterior comprovação judicial de que a causa integra o rol constante na lei, como sinaliza o Código Civil, nos artigos 1.961 a 1.963.

 

Quais os motivos para a deserdação? Precisam ser motivos graves?

Precisam ser motivos graves e por motivos graves entende-se, entre outros, o homicídio intencional ou a tentativa de homicídio (cometidos pelo herdeiro contra o autor da herança, seu cônjuge, pais ou filhos); o ataque ofensivo à honra, à dignidade, à fama, à reputação da pessoa, deve ser de tal gravidade que torne intolerável o convívio entre o lesado e o injuriado; agressões e abandono – o filho que deixar o pai desamparado durante enfermidade ou doença mental, poderá perder o direito à sua herança, e vice-versa. Quer dizer, o pai que desamparar o filho também poderá vir a perder o direito sobre uma eventual herança que esse filho venha a deixar.

Assim, um mero desentendimento entre pai e filho não se inclui entre esses motivos. Da mesma forma, a oposição paterna às escolhas do filho, no que diz respeito aos seus relacionamentos ou carreira, por exemplo, também não justifica a deserdação.

Uma discussão do pai com o filho acompanhada de ameaça como: “Vou te deserdar”. Na maioria dos casos, a ameaça paterna não passa de uma manifestação de sua ira, sem maiores consequências legais.

 

Com a deserdação efetivada por sentença e a consequente perda do direito a herança atinge os filhos do excluído?

Não. Como é uma sanção, um castigo de caráter absolutamente pessoal, não teria cabimento que os descendentes daquele que foi punido sejam afetados. É preciso ainda lembrar que, se a exclusão for legalmente efetivada, seja por indignidade, seja por deserdação, a parte da herança que caberia ao excluído irá para os descendentes dele (filhos, netos ou bisnetos). O principal efeito da deserdação é a privação de toda a parte da herança que caberia aquele que foi deserdado. Somente se o excluído não tiver descendente é que sua parte poderá ser dividida entre os demais herdeiros.

 

O perdão ou reconciliamento entre testador e excluído afasta a deserdação?

Não. A reconciliação do testador com o herdeiro não significa perdão. Ocorre que a última vontade do testador é aquela constante do testamento e assim, ela deve ser cumprida. Dessa forma, caso o próprio testador não revogue a cláusula do testamento que afasta o ofensor, agora perdoado, o simples reatar da amizade, das relações sociais ou familiares não tem o poder de deduzir que se deu a revogação do ato expresso no testamento. Assim, revogar expressamente a clausula de deserdação, nesse caso, é ato obrigatório.

 

Motivos na legislação para a perda da herança por meio da deserdação.

Como refere Orlando Gomes, o motivo indicado deve configurar autêntica ingratidão, no significado técnico da palavra: falta de agradecimento ou o mau reconhecimento da pessoa em relação àquela de quem mereceu o benefício. “Não reconhecida a veracidade do motivo apontado, é ineficaz a disposição testamentária, caindo por terra a deserdação, o que não compromete a higidez do testamento”, sustenta a doutrinadora gaúcha.

Na indignidade os fatos nem sempre são anteriores à morte do autor da herança, sendo em caso da deserdação necessário que o fato tenha ocorrido antes da morte do autor da herança, pois, como vimos, o autor da herança é o único capaz de afastar o herdeiro pela deserdação mediante testamento com sua causa fundamentada.

 

Para que seja efetivada a deserdação, é imprescindível a presença de certos requisitos tidos como essenciais, são eles:

a) Exigência de testamento válido com expressa declaração do fato determinante da deserdação.

Art. 1.964. Somente com expressa declaração de causa pode a deserdação ser ordenada em testamento.

b) Fundamentação em causa expressamente prevista pela lei

Considerada nula é a cláusula de testamento que o testador vir a deserdar descendente, sem o devido fundamento.

Maria Helena Diniz afirma que “a lei (CC, arts. 1.814, 1.862 e 1.863) retira do arbítrio do testador a decisão quanto aos casos de deserdação, devido à gravidade desse ato, não admitindo interpretação extensiva e muito menos o emprego da analogia”.

Como estudado, embora sejam paralelos os institutos da indignidade e deserdação, estas não podem ser confundidas, pois são institutos distintos.

 

Indignidade X Deserdação

A indignidade é ato reconhecido mediante uma ação de indignidade, prevista no art. 1.185do Código Civil.

A deserdação se manifesta por ato de vontade do autor da herança por meio do testamento, logo, somente o autor da herança pode deserdar.

Qualquer sucessor (seja herdeiro ou legatário) pode ser indigno.

Somente o herdeiro necessário pode ser deserdado.

A indignidade é reconhecida por ato praticado antes ou depois da abertura da sucessão.

A deserdação se dá por ato praticado antes da abertura da sucessão

As causas de indignidade estão previstas no art. 1.814 4. As causas de deserdação são as mesmas de indignidade (art. 1.814) e também as previstas nos arts. 1.962 e 1.963

Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:

I – que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente

II – que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro; III – que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.

Art. 1.962. Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes:

I – ofensa física

II – injúria grave

III – relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto

IV – desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.

Art. 1.963. Além das causas enumeradas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos ascendentes pelos descendentes:

I – ofensa física

II – injúria grave

III – relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o marido ou companheiro da filha ou o da neta

IV – desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade.

Desse modo, dada as consequências deste instituto, deserdação, mister a necessidade da ratificação pelo juiz por meio de sentença da exclusão do herdeiro confirmando então a vontade do testador.

Devido ao princípio da consumação da vontade do testador caso não seja confirmada por sentença os motivos da deserdação e consequente exclusão do herdeiro o testamento poderá ser aproveitado outras cláusulas como reconhecimento de um filho havido fora do casamento por exemplo.