PRIVACIDADE E LIBERDADE DE EXPRESSÃO: PESSOAS PÚBLICAS, CÉLEBRES E PRIVADAS, INTERESSE PÚBLICO E A REDUÇÃO DOS DIREITOS À PERSONALIDADE
Alexandre Junqueira Gomide
INTRODUÇÃO
Famoso humorista brasileiro, casado, sai com os amigos em tradicional bar carioca. Horas depois, inicia conversa com uma jovem desconhecida. A conversa evolui e os dois se dirigem a uma rua mais reservada. Algum tempo depois é flagrado e fotografado aos beijos com a jovem. Instantaneamente a foto é divulgada em todos os meios de comunicação e, no dia seguinte, vira o assunto mais comentado no Brasil.
Jovem banhista resolve desnudar os seios em praia pública. É fotografada por jornal de grande circulação, que repercute a fotografia para dezenas de milhares de pessoas. A jovem pleiteia danos morais em razão da divulgação da foto sem a sua autorização.
Afamado jogador de futebol, conhecido pelo seu comportamento agressivo dentro e fora de campo é envolvido em trágico acidente automobilístico. Em razão do fato, determinada revista de âmbito nacional noticia o evento, com miudeza de detalhes, e intitula a reportagem “Animais no volante“. Em razão da exposição, o jogador resolve processar a revista.
Esses são alguns dos casos que pretendemos tratar no presente artigo. De um lado, direitos da personalidade, sobretudo o direito à privacidade das pessoas. De outro, a liberdade de informação, expressão e, ainda, a liberdade de imprensa.
Como solucionar a colisão de tais direitos? A partir do estudo dos direitos de personalidade e da técnica de ponderação de direitos, enfrentaremos algumas questões suscitadas anteriormente.
Para tanto, inicialmente, necessário retomarmos alguns conceitos e premissas, para, ao final, tentarmos solucionar os problemas que pretendemos enfrentar.
DIREITO À PRIVACIDADE
A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso X, declarou invioláveis, além da honra, a imagem das pessoas, sua intimidade e sua vida privada.
Como bem ressaltado por Carlos Alberto Bittar[1], são os diversos aspectos da vida pessoal, familiar ou profissional do indivíduo que ele não quer que sejam devassados, nessa senda exigindo respeito às confidências, aos dados pessoais, às recordações, às memórias, aos diários, às relações familiares ou amorosas, às afeições, aos costumes domésticos, às atividades negociais, mantendo-os longe da curiosidade pública.
Segundo Claudio Godoy[2], cuida-se de tutelar, sob o pálio da inviolabilidade da privacidade de alguém, desde o direito de estar só até as manifestações intelectuais ou os escritos sem valor literário da pessoa humana, os acontecimentos que a envolvam, nos lindes ou mesmo além de seu domicílio, ainda que não digam respeito à sua vida familiar, mas que ela quer subtrair dos sentidos alheios.
Assim, como bem ressaltado por Enéas Costa Garcia[3], a vida privada corresponde ao âmbito da personalidade cuja publicidade não é desejada.
O texto constitucional separou a intimidade[4] da vida privada. Mas a doutrina, costumeiramente, costuma tratar intimidade e vida privada como gêneros do “direito à privacidade“. Esse é o entendimento do Ministro Luís Roberto Barroso[5]. Para ele, o direito à privacidade compreende a proteção da intimidade e vida privada. O direito à privacidade decorre do reconhecimento da existência, na vida das pessoas, de espaços que devem ser preservados da curiosidade alheia, por envolverem o modo de ser de cada um, as suas particularidades[6].
Entre essas particularidades estão incluídos os fatos ordinários, ocorridos geralmente no âmbito do domicílio ou em locais reservados, como hábitos, atitudes, comentários, escolhas pessoais, vida familiar e relações afetivas.
LIBERDADE CONSTITUCIONAL DE INFORMAÇÃO, DE EXPRESSÃO E A LIBERDADE DE IMPRENSA
A doutrina brasileira distingue as liberdades de informação e de expressão. Segundo Luís Roberto Barroso[7], a liberdade de informação diz respeito ao direito individual de comunicar livremente fatos e ao direito difuso de ser deles informado.
Por sua vez, Claudio Godoy[8] assevera que a liberdade de informação se revela pelo direito que a pessoa tem de se informar, de comunicar, enfim, de exteriorizar sua opinião (art. 5º, IV, da CF/1988). É o direito de estar informado, bem assim o direito de ter e compartilhar a informação.
A liberdade de expressão, por outro lado, destina-se a tutelar o direito de externar ideias, opiniões, juízos de valor, em suma, qualquer manifestação do pensamento humano.
Neste contexto, em que se garante a liberdade de informação, abrangente do direito a informar e de ser informado, se coloca a liberdade de imprensa. Por meio dela se assegura a veiculação das informações pelos órgãos de imprensa[9].
O texto constitucional não permite que a manifestação do pensamento e a informação sofra restrição (art. 220). Mas esse direito não é absoluto. O § 1º do art. 220 da Constituição Federal assegura que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV” (grifamos).
Como visto, a Constituição Federal garante plena liberdade de informação jornalística, desde que respeitados o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, garantindo-se, também, o direito de resposta, bem como indenização por dano moral ou à imagem.
CONFLITO ENTRE DIREITOS DA PERSONALIDADE E LIBERDADE DE IMPRENSA: A TÉCNICA DE PONDERAÇÃO
São corriqueiras as situações em que haverá conflito entre o direito de informar e os direitos de personalidade, sobretudo vida privada e imagem. Inúmeras são as possibilidades em que o jornalista pode, ao revelar determinado fato, confrontar com direitos da personalidade de determinada pessoa.
Nessas hipóteses, qual direito deve prevalecer? Garantir a privacidade da pessoa ou garantir a liberdade de informar e a liberdade de imprensa?
O ponto de partida, em primeiro lugar, é saber se há hierarquia entre esses direitos. Há prevalência entre o direito à honra, à vida privada, à intimidade e, por outro lado, o direito à livre manifestação do pensamento, à liberdade de imprensa?
Segundo Claudio Godoy[10], não há relação de hierarquia: “Nenhum dos direitos pode ser considerado absoluto, ou seja, trata-se de direitos de igual dignidade constitucional. Esses direitos estão todos na mesma Constituição Federal, que deve ser compreendida como um complexo de normas coerentes e de igual grau hierárquico“.
Esse posicionamento, contudo, não é unânime na doutrina. Segundo o Ministro Barroso[11], “o interesse público na divulgação das informações é presumido. A superação dessa presunção, por algum outro interesse, público ou privado, somente poderá ocorrer nas ‘situações-limites’, excepcionalíssimas“. E, havendo interesse público envolvido, haveria uma relevância na divulgação da informação. Daí o que a doutrina americana chama de preferred position, ou seja, posição de preferência entre a liberdade de informação e os direitos fundamentais individualmente considerados[12].
Some-se a isso, também, que o Projeto de Lei nº 3.232/1992, em trâmite na Câmara dos Deputados, aparentemente pretende sobrepor o direito à liberdade de informação aos direitos de personalidade. Nesse sentido, note-se que o art. 23 determina que “os conflitos entre a liberdade de informação e os direitos de personalidade, entre eles os relativos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, serão resolvidos em favor do interesse público visado pela informação“.
A jurisprudência também não se mostra uníssona. O Tribunal de Justiça de São Paulo, em inúmeros julgados[13], sustenta que, em tema de liberdade de expressão e de imprensa, a melhor doutrina é toda no sentido de que não há prevalência entre os direitos fundamentais de livre expressão, de um lado, e da honra, intimidade ou privacidade, de outro lado.
Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça[14] já proferiu julgado dizendo que, sopesados o risco de lesão ao patrimônio subjetivo individual do autor e ameaça de censura à imprensa, o fiel da balança deve pender para o lado do direito à informação e à opinião. […] Mesmo que a repressão posterior não se mostre ideal para casos de ofensa moral, sendo incapaz de restabelecer por completo, o status quo ante daquele que teve sua honra ou imagem achincalhada, na sistemática criada pela CF/1988 prevalece a livre e plena circulação de ideias e notícias, assegurando-se, em contrapartida, o direito de resposta e todo um regime de responsabilidades civil e penais que, mesmo atuando após o fato consumado, têm condição de inibir abusos no exercício da liberdade de imprensa e de manifestação do pensamento […] Mesmo para casos extremos, como o dos autos, em que há notícia de seguidos excessos no uso da liberdade de imprensa, a mitigação da regra que veda a censura prévia não se justifica.
Ainda que a hierarquia de direitos fundamentais não seja posicionamento pacífico da doutrina e jurisprudência, a colisão desses direitos requer uma análise profunda do aplicador da lei para, caso a caso, verificar qual direito pode prevalecer. Como bem asseverado por Claudio Godoy[15], “é preciso verificar se, no caso concreto, o sacrifício da honra, privacidade ou imagem de uma pessoa se impõe diante de determinada informação ou manifestação que, de alguma forma, se faça revestida de interesse social, coletivo, sem o que não se justifica a invasão da esfera íntima ou moral do indivíduo“.
Nesse sentido, a doutrina criou técnicas ou juízo para a ponderação[16] como forma de verificar, caso a caso, qual direito pode prevalecer[17]. Segundo Enéas Costa Garcia[18], “o conflito de princípios não se dá com a exclusão de algum dos princípios em choque, mas resolve-se com a compatibilização, com o recurso à dimensão do peso dos princípios. Logo, o critério da ponderação nada mais é do que a atuação dinâmica dos princípios, que exige ponderação“.
Não há critérios legais[19] para a ponderação. Em razão disso, a doutrina elenca alguns parâmetros a serem utilizados para a ponderação na hipótese de colisão[20]. São eles:
- a) Veracidade do fato: os veículos de comunicação têm o dever de apurar, com boa-fé e dentro de critérios de razoabilidade, a correção do fato ao qual darão publicidade[21].
- b) Licitude do meio empregado na obtenção da informação: o conhecimento acerca do fato que se pretende divulgar tem de ser obtido por meios admitido pelo direito.
- c) Local do fato: os fatos ocorridos em local reservado têm proteção mais ampla do que os acontecidos em locais públicos.
- d) Natureza do fato: há fatos que são notícia, independentemente dos personagens envolvidos. Exemplos: acontecimentos da natureza, acidentes, assim como crimes em geral.
- e) Preferência por sanções a posteriori, que não envolvam a proibição prévia de divulgação: o uso abusivo da liberdade de expressão e de informação pode ser reparado por mecanismos diversos, que incluem a retificação, a retratação, o direito de resposta e a responsabilização, civil ou penal, e a interdição da divulgação. Somente em hipóteses extremas se deverá utilizar a última possibilidade[22].
Além dos critérios citados, a doutrina ressalta que o fato a ser divulgado deve ser de interesse público. Por fim, também há de se verificar se o fato a ser publicado envolve pessoa pública, célebre ou estritamente comum. Isso porque, segundo parte da doutrina, as pessoas públicas, notórias ou célebres têm o seu direito de privacidade tutelado em intensidade mais branda ou reduzida. Analisemos esses dois elementos, separadamente.
A PERSONALIDADE PÚBLICA E O INTERESSE PÚBLICO COMO CRITÉRIOS NA PONDERAÇÃO PARA SOLUÇÃO DE COLISÃO DOS DIREITOS
Segundo Claudio Godoy[23], “o político ou gestor público há de ter sua esfera de privacidade reduzida, porque gere a coisa pública e representa a vontade popular. Age, destarte, em nome e no interesse da coletividade“. Veja-se, também, que o Tribunal de Justiça de São Paulo já determinou que o juiz também pode ter sua privacidade reduzida, em razão do cargo que ocupa[24].
Mas a redução da privacidade não é limitada à pessoa pública ou ao gestor público. Há pessoas que, por sua notoriedade, seja no campo artístico, esportivo e cultural, também podem ter a sua privacidade reduzida.
Segundo Adriano de Cupis[25], as pessoas de certa notoriedade, assim como não podem opor-se à difusão da própria imagem, igualmente não podem opor-se à divulgação dos acontecimentos da sua vida. O interesse público sobreleva, nesses casos, o interesse privado; o povo, assim, como tem interesse em conhecer a imagem dos homens célebres, também aspira a conhecer o curso e os passos de sua vida, as suas ações e as suas conquistas; e, de fato, só através de tal conhecimento pode formar-se um juízo sobre o seu valor.
Todavia, esse posicionamento não é unânime. Anderson Schreiber[26] assevera que, se a profissão ou o sucesso de uma pessoa a expõe ao interesse do público, o direito não deve reduzir, mas assegurar, com redobrada atenção, a tutela da sua privacidade. Como se destacou no tocante ao direito à imagem, o fato de certa pessoa ser célebre – equivocadamente chamada de pessoa pública – não pode servir de argumento a legitimar invasões à sua privacidade, aí abrangidos não apenas o espaço doméstico de desenvolvimento de sua intimidade, mas também os mais variados aspectos do seu cotidiano e de sua vida privada. Tampouco o fato de se estar em local público pode ser invocado como circunstância autorizadora da violação à privacidade.
De todo modo, mesmo as pessoas privadas podem, eventualmente, sofrer redução na sua privacidade[27]. Isso porque há pessoas absolutamente comuns que ganham notoriedade por sua participação em um acontecimento da atualidade, que se revista de interesse à coletividade. É o exemplo de uma pessoa atingida por uma catástrofe natural, vítima de um grande acidente, pessoas envolvidas em fatos de interesse social, tal como o paciente submetido ao primeiro tratamento da AIDS.
Some-se a isso o fato de que a divulgação do fato ou da notícia, para que possa reduzir o direito à privacidade de pessoas públicas ou notórias, deve ser de interesse público[28]. O maior problema talvez seja entender o que é uma notícia ou um fato considerado de interesse público[29].
Como ponto de partida, Enéas Costa Garcia[30] ressaltou que o interesse público é identificado como o interesse de toda a comunidade, excluindo desde logo o interesse particularizado de grupos. O interesse público remete ao conjunto de valores que são mais caros à sociedade, que dizem respeito à sua própria estrutura, que viabilizam a sua existência e tratam do funcionamento da suas instituições fundamentais.
Segundo o escólio de Celso Antônio Bandeira de Mello, “o interesse público deve ser conceituado como o interesse resultante do conjunto de interesses que os indivíduos pessoalmente tem quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem“[31].
O que se deve atentar, contudo, como bem advertido por Enéas Costa Garcia[32], é que “vontade popular, curiosidade coletiva, bisbilhotice mórbida, intromissão leviana e sensacionalismo na vida alheia não se confundem com o interesse público“. É preciso, portanto, que exista um interesse informativo, e não mera curiosidade popularesca.
Segundo Paulo José da Costa[33], a divulgação de notícias desprovidas de relevância social, portanto, constitui um abuso de liberdade de manifestação do pensamento e, como tal, deve ser vetada pelo Direito. Não se venha alegar que, com isto, as pilastras da democracia estarão ameaçadas. Constitui lugar-comum a enunciação de que uma coletividade está ameaçada quando se viola a liberdade de imprensa. Mas o exercício abusivo desta liberdade produz consequências não menos chocantes que aquela violação.
Ressalte-se, portanto, que o conceito de “interesse público” é aberto e indeterminado. É fácil entender porque, analisando o caso concreto, inúmeras vezes o jurista pode ver-se diante de uma enorme dúvida para saber se há ou não interesse público na divulgação de determinado fato[34].
Valendo-se de tais premissas, analisemos, agora, alguns casos práticos e a solução adotada pelos Tribunais.
CASOS EMBLEMÁTICOS ENVOLVENDO A COLISÃO DOS DIREITOS ENTRE LIBERDADE DE INFORMAÇÃO E DIREITOS DA PERSONALIDADE
1 A publicação da foto não autorizada de jovem com os seios desnudos
Analisemos, em primeiro lugar, o caso da jovem, pessoa “comum“, que resolveu desnudar os seios em praia pública. Após a publicação da foto em jornal de grande circulação, o Tribunal de Santa Catarina entendeu que não havia qualquer reparação devida, asseverando, no acórdão, que, a partir do momento que uma jovem, por sua vontade livre consciente, desnuda os seios em local público, expõe-se ela à apreciação das pessoas que ali se fazem presentes, de tal sorte que se jornal de circulação estadual e tido com idôneo lhe fotografa, apenas registra um fato que ocorreu numa praia, ampliando a divulgação de uma imagem que se fez aberta aos olhos do público.
A decisão também foi mantida pelo Superior Tribunal de Justiça, sob os mesmos fundamentos[35].
Para o caso destacado, analisando os critérios da ponderação, poderíamos sustentar que não haveria nenhum interesse público na divulgação dos seios de uma jovem desconhecida. Ora. Uma coisa é uma jovem realizar topless, em praia pública, lotada, sem se preocupar na exposição local. Outra coisa é admitir que determinado jornal multiplique essa exposição milhares de vezes.
Como bem ressaltado por Enéas Costa Garcia[36], esta liberdade que existe na captação da imagem em eventos públicos não permite, entretanto, que o meio de comunicação destaque uma pessoa dentre a multidão para retratá-la com exclusividade. Se as câmeras da televisão ou lentes do fotógrafo deixam de retratar a generalidade das pessoas presentes e se concentram em determinada pessoa, o uso desta imagem dependerá de autorização.
O autor ainda arremata afirmando que, “se o jornal estampa uma foto da praia, com vários frequentadores, a autorização é dispensável. Todavia, se a foto de determinada moça formosa é estampada com exclusividade na capa do jornal, a necessidade de autorização por parte do titular do direito da personalidade mostra-se presente“[37].
Concordamos com a lição do Professor Enéas Costa Garcia. Em nosso entender, portanto, a moça teve o seu direito de privacidade invadido em uma forma absolutamente desproporcional e, portanto, deveria ter sido indenizada[38].
Interessante notar que Marcelo Malizia Cabral[39], em artigo a respeito do tema, afirmou que a jurisprudência portuguesa, enfrentando a mesma situação fática, entendeu que houve invasão da privacidade da jovem que vê a publicação de sua foto, seminua, sem a sua autorização. Segundo ele, “a Corte Suprema pontuou que a circunstancia de uma pessoa optar sua imagem desnuda em uma praia não significa que tenha perdido o controle sobre ela e não possa se opor à divulgação jornalística, especialmente diante da ausência de preocupação do periódico com a não identificação da pessoa“.
Em sentido próximo, o Tribunal de Justiça de São Paulo, em determinado caso envolvendo a humilhação de pessoas humildes em programa televisivo, sustentou que “o sensacionalismo não se compadece com a prossecução de fins legítimos que deve tisnar a atividade dos órgãos de mídia“. Segundo o Relator, Claudio Godoy, há de se lembrar “do papel institucional reservado à atividade de comunicação, frise-se, com o que não se compadece o sensacionalismo, a notícia veiculada com o fim precípuo de causar escândalo e dele se tirar proveito“[40].
O que se defende no presente trabalho é que a informação jornalística é legítima se preencher alguns requisitos: o interesse informativo e social da notícia e a verdade do fato narrado.
A respeito do interesse informativo da notícia, analisemos o próximo caso.
2 A traição “pública” do humorista Marcelo Adnet
O humorista Marcelo Adnet não é uma personalidade pública, mas certamente célebre e notória, considerando o fato de ser um dos artistas mais prestigiados da atualidade pela população brasileira, com contrato firmado com grande emissora de televisão.
A notoriedade do artista é ainda maior em razão de ser casado com outra humorista, também célebre, chamada Dani Calabresa.
Pois bem.
Após noite regada a muito chope, em conhecido bar carioca, o humorista foi flagrado, em uma rua próxima, aos beijos com jovem desconhecida dos holofotes da grande mídia. No dia seguinte, a notícia foi uma das mais acessadas na Internet e, horas depois, tornou-se o assunto mais comentado do Brasil.
Em razão disso, via Internet, o humorista pediu desculpas para sua esposa, afirmando, em rede social[41]: “Ela é minha melhor amiga e o amor da minha vida. Nos amamos e vamos superar isso juntos e casados. Nada importa mais do que a nossa relação” [sic].
Até onde fomos informados, Marcelo Adnet não promoveu nenhuma ação judicial, seja em face dos veículos de comunicação, seja em face do “paparazzi” que registrou o momento da traição.
Academicamente nos interessa saber se, no caso concreto, foi violada a privacidade do humorista. Até poderíamos considerar que, sendo pessoa célebre, o humorista poderia ter a sua privacidade reduzida. Todavia, essa privacidade não pode ser suprimida.
A respeito do assunto, Paulo José da Costa Júnior[42] reconhece que “o direito à intimidade, com relação a pessoas celebres, sofre uma limitação“. Todavia, segundo o autor, isto não implica a sua própria supressão. As pessoas notórias podem perder, pelo modo peculiar de vida ou profissão em virtude dos quais se tornaram personagens de interesse público, numa certa medida, o direito à intimidade. Mas haverão de conservar preservada uma parcela da intimidade, à qual só terão acesso aqueles a quem for consentido nela penetrarem. Uma esfera de intimidade, mesmo reduzida, haverá que se assegurar às personagens notórias, onde possam exprimir livremente, sem prestar contas à ninguém, abrigadas pela curiosidade alheia.
Além disso, não verificamos qualquer interesse público na publicação da notícia. Há, sim, curiosidade pública na traição do humorista. Não há como negar que a população, como forma geral, interessa-se enormemente pela vida privada dos artistas, sobretudo casos de traição, brigas, flagrantes, prisões e assim por diante.
E não é só. O fato de o humorista estar em via pública não autoriza a ação do fotógrafo. Isso porque o fotógrafo, desde o bar, seguia o humorista, aguardando exatamente o momento certo para conseguir captar a foto que lhe tornaria, hoje, famoso[43].
Segundo Anderson Schreiber[44], o simples fato de um local ter acesso aberto ao público não significa que tudo que seja dito ou praticado por uma pessoa em tal espaço possa ser legitimamente divulgado em cadeia nacional. Ninguém está autorizado a captar com tecnologias de ponta o que uma pessoa cochicha a outra em praça pública e divulgar o diálogo nas redes de televisão […] o que deve ser analisado não é o caráter público ou privado do local, mas a expectativa de privacidade em torno do ato captado naquelas circunstâncias concretas.
De fato. O “casal” estava praticamente escondido. Ainda assim, o fotógrafo, além de segui-los, provavelmente utilizou-se de equipamentos modernos, como forma de fotografar sem ser visto. Da forma como foram “flagrados”, o casal certamente não autorizaria a captação daquela imagem.
Tratando a respeito da ação dos paparazzi, Enéas Costa Garcia[45] afirmou que trata-se da forma mais aviltante de violação da vida privada. Aqui o desprezo pelo Direito se confunde com o despudorado intuito de lucro. A conduta retratada é bem conhecida no mundo inteiro. Estamos a cogitar do comportamento do fotografo que persegue, com insistência e ininterruptamente, determinada celebridade com o intuito de capturar imagens. […] Quanto maior o escândalo, quanto maior a violação da vida privada, maior valor a foto alcançará no abjeto mercado da imprensa sensacionalista, sempre disposta a acolher esse tipo de conduta. Não há como justificar esse tipo de conduta com o interesse informativo ou a liberdade de informação. […] Tal tipo de conduta é flagrantemente ilícita e deve ser reprovada com severidade.
Em resumo: embora os fatos ora narrados não tenham sido levados ao Tribunal, acreditamos que o direito de personalidade do humorista foi violado. Não há como negar, também, que eventualmente a própria esposa do humorista, traída, pode ter a sua privacidade violada no caso em tela. A dor da traição pode ter sido agravada pela exposição do fato a milhões de pessoas. Quem disse que a esposa traída (que perdoou o marido) não sofreria ainda mais com a exposição da foto do marido?
3 Edmundo, “o Animal“
O último caso trata do jogador Edmundo, conhecido, no passado, como “animal“. O apelido animal era descrição que foi criada pelo narrador Osmar Santos, dirigida aos jogadores que eram considerados os melhores em campo. Todavia, a alcunha também se prestou a partir do comportamento atribulado do autor para demonstrar o quão explosiva era sua personalidade alternando sua notória capacidade esportiva com incompreensíveis momentos de raiva ou má conduta.[46]
Após trágico acidente envolvendo o jogador, conhecida revista, de âmbito nacional, divulgou a seguinte manchete “Animais no volante – Casos como o do jogador Edmundo mostram o que a justiça pode fazer contra a barbárie no trânsito“.
Diante da notícia de capa, o jogador processou a empresa, sustentando sensacionalismo e abuso do direito de informação. O juiz de primeiro grau julgou improcedente a demanda, afirmando que não tendo havido deturpação ou manipulação dos fatos, na medida em que a matéria apenas consignou os fatos que envolveram o acidente provocado pelo autor que culminou na morte de três pessoas em sua condenação por sentença confirmada pelo Tribunal de Justiça, não há que se falar em direto à indenização, vez que a conduta do autor, nesse episódio, foi fielmente retratada na matéria.
Inconformado, o jogador apelou ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que deu provimento ao apelo, afirmando que o fato de o autor ter se envolvido em acidente fatal de repercussão na mídia e considerado culpado nas ações cíveis e criminais próprias, não lhe retira proteção constitucional à sua imagem e à sua honra, que não podem servir ao bel-prazer das empresas jornalísticas, que têm sua atividade limitada pela Constituição Federal e pela Lei de Imprensa. Autorização de fotografia não autorizada e fora de contexto macula a reportagem, inicialmente de caráter educativo, transformando-a em publicação sensacionalista e ofensora à dignidade humana.
O Superior Tribunal de Justiça[47], por maioria de votos, reformando o acórdão, entendeu por julgar improcedente a demanda. Segundo o voto do Ministro Sidnei Benetti, pode-se admitir que a publicação tenha causado consequência de aborrecimento ao autor. Mas não foi ela, revista, quem forneceu as condições fáticas para esse sofrimento. Não foi ela, revista, quem criou termo e a imagem, que já se encontravam introjetadas na opinião pública, que já a recebia de forma positiva, ora negativa, dependendo das circunstâncias que se ajuntassem aos fatos da vida, nem desencadeou ela os fatos de trânsito que levaram à lembrança da figura pública do autor na matéria jornalística.[48]
Assim, o STJ entendeu que “a liberdade de imprensa e manifestação do pensamento deve prevalecer, salvo o caso de inequívoca situação de excesso injusto“.
O caso não é fácil de ser solucionado. Em primeiro lugar, ressalte-se que a notícia é claramente de interesse público, considerando que resultou em vítimas fatais e que advertiu um problema grave no Brasil, qual seja, os acidentes automobilísticos decorrentes de embriaguez ao volante (sobretudo à época dos fatos, ocorridos em 1999).
A questão é saber se, eventualmente, a revista teria abusado do seu direito, considerando, principalmente, o título utilizado na matéria. Não há como ressaltar que inexista, de certa forma, sensacionalismo na notícia. Todavia, não nos pareceu que houve abuso por parte da revista.
O conteúdo da reportagem também era informativo, trazendo dados sobre as vítimas fatais decorrentes do uso de álcool por motoristas. Não há como negar, contudo, que o fato de ter envolvido afamado jogador de futebol possa ter incrementado as vendas. Esse fato, por si só, não é suficiente para a alegação do suposto “abuso” no direito de informar.
Por fim, o título da revista também não nos pareceu ofensivo. Isso porque, em outras inúmeras matérias jornalísticas, a maioria delas destacando o bom futebol do jogador, este não se incomodou com o apelido “animal“.
Por contrário, caso restasse público e notório que o jogador sentia-se ofendido com esse apelido, certamente haveria abuso por parte da revista, o que, reitere-se, não foi o caso em concreto.
CONCLUSÃO
O mundo moderno, conectado pela Internet e pelas redes sociais, certamente traz reduções aos direitos de personalidade, sobretudo o direito à privacidade. Em primeiro lugar, a redução da privacidade é realizada pela própria pessoa que, v.g., por livre e espontânea vontade, publica, nas redes sociais, em qual restaurante está, o que está comendo, bebendo, qual a sua companhia, o que está sentido e assim por diante.
Mas isso não é só. Há quem divulgue que está doente, qual remédio está ingerindo, que se encontra alcoolizada, além de outras informações que, na maioria dos casos, diz respeito tão somente à própria pessoa.
Por outro lado, a redução da privacidade pode ser realizada por atos de terceiros. Tal como visto, as pessoas públicas e célebres estão mais suscetíveis a essa violação de privacidade.
Além disso, a imprensa, que possui papel fundamental na democracia, deve ser livre. Mas essa liberdade, como visto, há de ter limites. Concordamos com a parte da doutrina que defende inexistir hierarquia entre os direitos à personalidade e o direito da liberdade de informação da imprensa.
Daí a necessidade de, caso a caso, ponderar os direitos para verificar se é possível a sobreposição do direito de informar, em detrimento aos direitos de personalidade garantidos à pessoa.
É necessário, ainda, verificar o real interesse público da notícia a que se pretende divulgar, não confundido esse interesse com mera curiosidade popular.
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SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2013.
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[1] BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 103.
[2] GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 42.
[3] GARCIA, Enéas Costa. Responsabilidade civil dos meios de comunicação. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 101.
[4] A intimidade foi definida por Bajo Fernández como “el ámbito personal donde cada uno, preservado del mundo exterior, encuentra las posibilidades de desarrollo y fomento de su personalidade” (BAJO FERNANDEZ, M. Proteccióndel honor y de laintimidad. In: Comentarios a la Legislación penal. Madrid: Centro de Estudios Ramón Areceres, t. I, 1982. p. 110).
[5] BARROSO, Luís Roberto. Colisão entre liberdade de expressão e direitos de personalidade. Critérios de ponderação. Interpretação constitucionalmente adequada do Código Civil e da Lei de Imprensa, p. 8. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art_03-10-01.htm>. Acesso em: 12 dez. 2014. Na mesma senda Enéas Costa Garcia: “A doutrina vem proclamando que vida privada é o gênero, dentro do qual encontram-se outros bens jurídicos tutelados. Um deles é a intimidade” (GARCIA, Enéas Costa. Responsabilidade civil dos meios de comunicação. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 101).
[6] É interessante verificar que Adriano de Cupis utiliza a expressão “direito de resguardo”, que “pode ser definido como sendo o modo de ser da pessoa, que consiste na exclusão do conhecimento pelo outros daquilo que se refere somente a ela” (DE CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade. Trad. Afonso Celso Furtado Rezende. São Paulo: Quórum, 2008. p. 139).
[7] BARROSO, Luís Roberto. Colisão…, p. 10.
[8] GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A liberdade…, p. 50.
[9] Ibidem, p. 51.
[10] Ibidem, p. 56.
[11] BARROSO, Luís Roberto. Colisão…, p. 11.
[12] Ainda segundo Luís Roberto Barroso, essa posição, consagrada originalmente pela Suprema Corte americana, tem sido reconhecida pela jurisprudência do Tribunal Constitucional espanhol e pela do Tribunal Constitucional Federal alemão (BARROSO, Luís Roberto. Colisão…, p. 11). Na mesma senda, Luis de Carrera Serra assevera que “la jurisprudencia constitucional otorga a la libertad de expresión o de información un carácter preferente sobre los demás derechos fundamentales, como son el derecho al honor, la intimidad y la propria imagen” (SERRA, Luis de Carrera. Régimen jurídico de la información, 1998, p. 48).
[13] Nesse sentido, Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Cível nº 518.733.4/1-00, Rel. Francisco Loureiro, J. 07.08.2008; e Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Cível nº 346.461.4/1-00, Rel. Francisco Loureiro, J. 12.01.2006.
[14] Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 1.388.994, Relª Nancy Andrighi, J. 19.09.2013.
[15] GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A liberdade…, p. 65.
[16] Ou, ainda, técnica do hoc balancing ou a doutrina do balancing.
[17] Como bem advertido por Enéas Costa Garcia, “a colisão de princípios não se dá no plano da validade, pois somente se cogita do fenômeno ante princípios igualmente válidos e atuantes sobre determinada situação de fato. A colisão de princípios ocorre na dimensão de peso do princípio. De acordo com esta dimensão de peso ou importância sempre que há um determinado conflito o intérprete deve tomar em conta o peso relativo de cada um dos princípios envolvidos” (GARCIA, Enéas Costa. Responsabilidade…, p. 133).
[18] Ibidem, p. 160.
[19] Nesse ponto, ressalte-se o Enunciado nº 279, aprovado na IV Jornada de Direito Civil: “Art. 20. A proteção à imagem deve ser ponderada com outros interesses constitucionalmente tutelados, especialmente em face do direito de amplo acesso à informação e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão, levar-se-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como a veracidade destes e, ainda, as características de sua utilização (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se medidas que não restrinjam a divulgação de informações”.
[20] Utilizaremos os parâmetros elencados pelo Ministro Barroso no seu brilhante artigo “Colisão entre liberdade de expressão e direitos de personalidade. Critérios de ponderação. Interpretação constitucionalmente adequada do Código Civil e da Lei de Imprensa”, p. 13-14. De todo modo, a Professora Maria Celina Bodin de Moraes destaca os seguintes critérios: (i) interesse público; (ii) veracidade; (iii) atualidade; (iv) continência e pertinência do fato noticiado; (v) notoriedade da vítima; (vi) ausência de intenção de ofender; e (v) ausência do abuso de informar (BODIN DE MORAES, Maria Celina. Honra, liberdade de expressão e ponderação. In: FRAZÃO, Ana; TEPEDINO, Gustavo (Coord.). O Superior Tribunal de Justiça e a reconstrução do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 600-601).
[21] Atente-se que o que se busca é a verdade subjetiva, ou seja, subordinada a um juízo de plausibilidade e ao ponto de observação de quem a divulga. Nesse sentido, vide julgado proferido pelo STJ: “O veículo de comunicação exime-se de culpa quando busca fontes fidedignas, quando exerce atividade investigativa, ouve as diversa partes interessadas e afasta quaisquer dúvida sérias quanto à veracidade do que divulgará. O jornalista tem um dever de investigar os fatos que deseja publicar. Isso não significa que sua cognição deva ser plena exauriente à semelhança daquilo que ocorre em juízo. A elaboração de reportagens pode durar horas ou meses, dependendo de sua complexidade, mas não se pode exigir que a mídia só divulgue fatos após ter certeza plena de sua veracidade. Isso se dá, em primeiro lugar, porque os meios de comunicação, como qualquer outro particular, não detém poderes estatais para empreender tal cognição. Ademais, impor tal exigência à imprensa significaria engessá-la e condená-la morte. O processo de divulgação de informações satisfaz verdadeiro interesse público, devendo ser célere eficaz, razão pela qual não se coaduna com rigorismos próprios de um procedimento judicial” (Superior Tribunal de Justiça, REsp 984.803, Relª Min. Nancy Andrighi, J. 26.05.2009).
[22] Essa preferência é criticada por Anderson Schreiber quando afirma: “Nem se pode falar, genericamente, em uma preferência pela publicação em casos de dúvida, porque é dever do magistrado proceder à ponderação a fim de determinar, no caso concreto, qual dos dois interesses igualmente protegidos há de prevalecer. A preferência pela publicação é solução simplista, que cria uma via de fuga para um dever constitucional de efetuar a ponderação exigida nesse gênero de conflitos” (SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 151).
[23] GODOY, Claudio Luiz Bueno de. A liberdade…, p. 70).
[24] No caso em questão, determinado juiz, após agredir a esposa, processou jornal pela suposta invasão da sua privacidade, decorrente da publicação de matéria jornalística a respeito do episódio. O Tribunal de Justiça de São Paulo, por sua vez, asseverou que, “na qualidade de juiz de direito, o autor é conhecedor da notoriedade que o cargo lhe confere, o que obviamente restringe o âmbito de sua privacidade, especialmente quando a atividade pública é exercida em comarcas com reduzido número de habitantes” (Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação nº 0006033-50.2006.8.26.0081, Rel. Carlos Henrique Miguel Trevisan, J. 21.12.2014).
[25] DE CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade. Trad. Afonso Celso Furtado Rezende. São Paulo: Quórum, 2008. p. 157.
[26] SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 144.
[27] Interessante notar, também, que o parente de uma pessoa notória, eventualmente, também pode ter o seu direito de personalidade reduzido. É nesse sentido a lição de Antonino Cautadella, professor da Universitá di Macerata, que asseverou “la rilevanza publica del soggetto coinvolge, in qualche modo, anche i suoi familiar, riguardo aiquali si puòparlaredi una ‘relativa’ rilevenza publica, nel senso che loro esigenze di privatezza sono sacrificate solo in connessione col personaggio publico, e nela misura necessária a soddisfare l’esigenza dimettere in luce compiutala figura dello stesso” (CAUTADELLA, Antonino. La tutela civile della vita privata. Milão: Dott. A. Giuffré Editore, 1972. p. 108).
[28] Enéas Costa Garcia, quando da vigência da Lei de Imprensa, asseverou que este diploma era “pródigo no recurso ao ‘interesse público’ como critério para a solução do conflito de princípios”. Como exemplo, utilizou o art. 27, VIII, da Lei nº 5.260/1967, que determinava: “Não constituem abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e de informação: a crítica inspirada pelo interesse público” (GARCIA, Enéas Costa. Responsabilidade…, p. 162).
[29] Daí a curiosa expressão do Jurista argentino Gillhermo Andrés Muñoz, que defendeu que o interesse público é como o amor: é mais fácil sentir do que definir (MUÑOZ, Guillermo Andrés. El interés público es como el amor. In: BACELLAR FILHO, Romeu Felipe; HACHEM, Daniel Wunder (Coord.). Direito administrativo e interesse público: estudos em homenagem ao Professor Celso Antônio Bandeira de Mello. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 21-31).
[30] GARCIA, Enéas Costa. Responsabilidade…, p. 170.
[31] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 237.
[32] GARCIA, Enéas Costa. Responsabilidade…, p. 166.
[33] COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Agressões à intimidade. O episódio Lady Di. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 47.
[34] Não há como deixar de ressaltar que a Internet tornou-se palco de milhares de notícias que não possuem qualquer relevância, seja informativa, seja cultural. Basta acessar, por exemplo, o site www.ego.globo.com. No dia 11 de dezembro de 2014, as notícias eram: “Juliana Knust mostra barriguinha de grávida em rede social” (<http://ego.globo.com/famosos/noticia/2014/12/juliana-knust-mostra-barriguinha-de-gravida-em-rede-social.html>); “Fátima Bernardes é fotografada em restaurante pensativa ao celular (<http://ego.globo.com/famosos/noticia/2014/12/fatima-bernardes-e-fotografada-em-restaurante-pensativa-ao-celular.html>); “Que calor! Felipe Titto se exercita de sunga ao ar livre (<http://ego.globo.com/praia/noticia/2014/12/que–calor-felipe-titto-se-exercita-de-sunga-ao-ar-livre.html>); “Indinara Carvalho perde virgindade (de novo) após cirurgia íntima (<http://ego.globo.com/famosos/noticia/2014/12/miss-bumbum-indianara-carvalho-perde–virgindade-apos-cirurgia.html>).
[35] Superior Tribunal de Justiça, REsp 595.600/SC, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, J. 18.03.2004. Com o mesmo entendimento, manifestou Milton Fernandes, em livro publicado no ano de 1977, que “se alguém vai ao mar convenientemente vestido e se recolhe a lugar discreto, presumivelmente não renunciou à intimidade. Seminu, é de admitir-se que deliberadamente quis servir de pasto à luxúria”. O mesmo autor relata fato ocorrido em 1970, em Paris, onde periódico publicou fotos de veranistas com vestes reduzidas. Uma jovem aparecia com os seios nus, enquanto almoçava com amigos. Em razão da exposição, a jovem processou o periódico. O Tribunal de Paris julgou a ação improcedente, porque, segundo Milton Fernandes, numerosos banhistas praticavam o nudismo integral ou parcial sem se preocupar com os passantes e seus olhares indiscreto (FERNANDES, Milton. Proteção civil da intimidade. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 183).
[36] GARCIA, Enéas Costa. Responsabilidade…, p. 217.
[37] Ibidem, p. 218.
[38] Outro julgado interessante, do qual discordamos firmemente, dessa vez do Tribunal de Justiça de São Paulo, entendeu que não haveria qualquer dano moral na republicação de fotos nuas de determinada senhora que, nos anos 80, realizou ensaio nu. Para o Tribunal paulista, a republicação de tais fotos, muitos anos depois, não poderia configurar violação ao direito de personalidade, uma vez que “quem se predispõe a ficar pelada em plena via pública pressupõe que busca a notoriedade, ou mesmo chamar a atenção, ou até demonstrar que seja alguém de vanguarda que pretenda chocar a sociedade mais recatada” (Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação nº 305.483-4/1-00, Rel. Natan Zelinchi de Arruda, J. 11.01.2007).
[39] CABRAL, Marcelo Malizia. A colisão entre os direitos de personalidade e o direito de informação. In: MIRANDA, Jorge; RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz; FREUT, Gustavo Bonato (Org.). Direitos da personalidade. São Paulo: Atlas, 2012. p. 120.
[40] Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação nº 0032080-08.2009.8.26.0000, Rel. Cláudio Godoy, J. 11.06.2013.
[41] Disponível em: <http://celebridades.uol.com.br/noticias/redacao/2014/11/07/errei-e-me-arrependo-diz–marcelo-adnet-sobre-traicao.htm>. Acesso em: 12 dez. 2014.
[42] Disponível em: <http://celebridades.uol.com.br/noticias/redacao/2014/11/07/errei-e-me-arrependo-diz–marcelo-adnet-sobre-traicao.htm>. Acesso em: 12 dez. 2014.
[43] Disponível em: <http://ego.globo.com/famosos/noticia/2014/11/paparazzo-que-flagrou-traicao-de-adnet-diz–que-pensou-em-deletar-fotos.html>. Acesso em: 12 dez. 2014.
[44] SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 145.
[45] GARCIA, Enéas Costa. Responsabilidade…, p. 226.
[46] Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.021.688/RJ, Rel. Massami Uyeda, J. 23.06.2009.
[47] Idem.
[48] Destaque-se o voto divergente do Ministro Massami Uyeda, onde ressaltou que “a empresa jornalística, ao empregar o vocábulo ‘animal’ ou ‘animais’, notória alcunha conferida ao ora recorrido e pela imprensa esportiva, conferindo-lhe conotação ambígua no título da matéria, e ao utilizar imagem daquele sem a sua autorização, em contexto diverso e depreciativo, propiciou inequivocadamente abalo à honra e à imagem daquele, acarretando-lhe, por conseguinte, a obrigação de reparar os danos causados”.