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PRESCRIÇÃO NOS PROCESSOS DE COMPENSAÇÃO FINANCEIRA PELA EXPLORAÇÃO MINERAL

PRESCRIÇÃO NOS PROCESSOS DE COMPENSAÇÃO FINANCEIRA PELA EXPLORAÇÃO MINERAL

Ana Cristina Assunção

Jonas Ferreira

 

A Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), regulamentada pelo artigo 20, § 1º da Constituição (CF)[1], é obrigação financeira devida por entidades que exploram recursos minerais, incluindo titulares de direitos minerários, adquirentes de bens minerais e operadores de mineração sob diferentes regimes.

Esta compensação, destinada aos estados, ao Distrito Federal, aos municípios e aos órgãos da União, é administrada pela Agência Nacional de Mineração (ANM), que define normas e fiscaliza sua arrecadação, garantindo que a exploração mineral contribua para a receita dos territórios onde ocorre.

Originalmente, a base de cálculo da CFEM era definida pelo faturamento líquido, que consistia no total das receitas de venda, excluindo-se tributos e despesas diretamente relacionadas à comercialização do produto mineral, como transporte e seguro. Este cálculo, fundamentado pelos artigos 6º da Lei 7.990/89 e 2º da Lei 8.001/90, e pelo artigo 14, II do Decreto 01/1991, deveria ocorrer após a última etapa do processo de beneficiamento e antes da transformação industrial, visando assegurar que apenas a receita gerada pela exploração do recurso fosse considerada.

Ao longo dos anos, essas disposições geraram diversas autuações pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), posteriormente sucedido pela ANM, devido a interpretações divergentes sobre a base de cálculo da CFEM.

Historicamente, as autoridades fiscais exigiam a CFEM com base no faturamento bruto, a contrário do que dispõem as Leis 7.990/89 e 8.001/90 — o que gerou controvérsias extensas no contencioso administrativo.[2]

Visando encerrar as discussões sobre o tema, foi promulgada a Lei 13.540/2017 que ampliou a base de cálculo da CFEM para permitir sua incidência sobre a receita bruta ajustada por tributos, preço de mercado, preço de transferência em exportações, o valor de arrematação em hasta pública ou da primeira aquisição na hipótese de extração sob o regime de permissão de lavra garimpeira.

Ao nosso ver, essa reformulação parece desconectada dos princípios constitucionais do artigo 20, §1º da CF, pois as novas bases de cálculo não refletem adequadamente as perdas decorrentes da exploração mineral, nem se alinham adequadamente ao “resultado da exploração” por limitar a dedução apenas aos tributos, sendo mantidas na base despesas essenciais como transporte e seguros.

Isso distorce a noção de partilha dos benefícios da exploração mineral entre os entes federativos desviando-se do objetivo de compensação estabelecido pelo artigo 20, parágrafo 1º da Constituição.

Referidas controvérsias em torno da base de cálculo da CFEM, tanto antes como após a implementação da Lei 13.540/2017, têm gerado numerosas autuações e um volume significativo de processos administrativos que perduram por anos.

Esses processos, que discutem detalhes da base de cálculo e outras nuances da compensação, caracterizam-se por longos períodos entre a apresentação de defesas e as decisões finais — o que reflete a complexidade e extensão dos litígios administrativos associados à CFEM.

Monitorar prazo de prescrição

Por essa razão, é essencial que os contribuintes monitorem atentamente o prazo de prescrição intercorrente em processos administrativos relativos à CFEM. Conforme estabelece o artigo 1º, §1º da Lei 9.873/99, processos paralisados por mais de três anos, ainda pendentes de julgamento ou despacho, estão sujeitos à prescrição, podendo ser arquivados automaticamente ou a pedido da parte interessada, sem prejuízo de responsabilização pela paralisação.

Atentos a essa particularidade, o DNPM emitiu, em 14 de outubro de 2016, a Orientação Normativa 12/PF-DNPM[3], na qual considera que a prescrição intercorrente não se aplicaria aos procedimentos de constituição de receitas patrimoniais, incluindo os créditos de CFEM.

No entanto, essa interpretação parece não estar completamente alinhada com a legislação vigente e a jurisprudência dos tribunais, especialmente as do STJ.

O STJ possui entendimento consolidado acerca da aplicação da prescrição intercorrente nos processos administrativos, conforme determina o §1º do artigo 1º da Lei 9.873/99. Este entendimento começou a ser estabelecido a partir do julgamento do REsp 1.115.078/RS pela 1ª Seção, sob o rito dos recursos repetitivos.

No julgamento, que ocorreu em 24.03.2010 e foi relatado pelo ministro Castro Meira, reconheceu-se a prescrição intercorrente devido à inatividade do Ibama em cobrar multas administrativas impostas. Foi esclarecido que a prescrição intercorrente, prevista pela Lei 9.873/99, aplica-se não apenas a procedimentos de infrações ambientais, mas também a outras ações administrativas federais paradas por período superior a três anos, excluindo-se aquelas sob responsabilidade de estados e municípios.

Complementando esse entendimento, a 2ª Turma do STJ, em 22.08.2017 proferiu decisão no AgInt no REsp 1.608.710/PR, relatado pelo ministro Francisco Falcão, reforçou que a prescrição intercorrente se aplica quando não há movimentação processual por mais de três anos em processos administrativos de apuração punitiva, respeitando os princípios da eficiência, segurança jurídica e duração razoável do processo. Esta decisão destaca que a administração não pode deixar de julgar recursos administrativos indefinidamente, garantindo assim a justa aplicação temporal nos procedimentos administrativos.

Embora haja debates sobre a impossibilidade do reconhecimento da prescrição intercorrente nos processos administrativos tributários em razão do disposto no artigo 5º da Lei 9.873/99, esses não se aplicam à CFEM por ser definida como receita patrimonial. A Orientação Normativa 12/PF-DNPM confirma essa classificação ao afirmar que a prescrição intercorrente não se aplica especificamente aos procedimentos de constituição de receitas patrimoniais, incluindo a CFEM.

O STJ consistentemente classifica a CFEM como receita patrimonial, como no AgInt no REsp 1.733.728/GO, julgado em 6 de dezembro de 2021 pela 1ª Turma, sob a relatoria da ministra Regina Helena Costa. Neste julgamento, o STJ reconheceu que a CFEM é receita patrimonial — sujeita, portanto, ao prazo decadencial quinquenal, conforme o artigo 2º da Lei nº 9.821/99, alterado pela Lei nº 10.852/04.

Da mesma forma, no AgInt no REsp n. 1.917.889/PB, julgado em 9 de outubro de 2023 pela 2ª Turma e relatado pelo ministro Francisco Falcão, afirmou-se que a CFEM, sendo receita patrimonial, não pode ser excluída da base de cálculo da Cofins, destacando sua natureza de prestação pecuniária compulsória derivada da exploração mineral e submetida ao regime de prescrição intercorrente estabelecido no artigo 1º, § 1º da Lei 9.873/99.

No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal (STF) também firmou sua jurisprudência no sentido de que a CFEM possui natureza jurídica de receita patrimonial.

Portanto, incontroverso que a CFEM é reconhecida como receita patrimonial — e não tributária — e que está sujeita a prescrição intercorrente de três anos, conforme estabelecido no §1º do artigo 1º da Lei 9.873/99.

Nesse sentido, em recente decisão de 16 de novembro de 2023, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), sob a relatoria da desembargadora federal Adriana Pileggi, proferiu acórdão que confirmou a aplicação da prescrição intercorrente prevista no artigo 1º, § 1º da Lei 9.873/99 a processo administrativo que exige CFEM.

Nos autos da referida Apelação Cível 0000326-86.2019.4.03.6106 foi reconhecido que o período de inatividade processual superior a três anos sem qualquer decisão ou movimentação justifica a aplicação da prescrição intercorrente. Este elogiável entendimento o cumprimento dos prazos legais em processos e procedimentos administrativos[4].

De forma similar, em decisão proferida em 31 de julho de 2018, a 3ª Turma do TRF-4, sob relatoria do desembargador federal Rogerio Favreto, reconheceu a prescrição intercorrente em processo administrativo relacionado à cobrança de CFEM pelo DNPM que permaneceu paralisado por mais de cinco anos.

O acórdão, registrado como Apelação Cível 5056628-87.2015.4.04.7100, aplicou o princípio da razoável duração do processo, conforme artigo 5º, LXXVIII, da CF, e reforçou a necessidade de se evitar a perpetuação indefinida do litígio para ser garantida a segurança jurídica ao estabelecer um limite temporal aos processos[5].

Em 25 de março de 2024, a 5ª Turma do TRF-5, sob a relatoria da desembargadora federal Joana Carolina Lins Pereira, na Apelação Cível 0802417-80.2022.4.05.8103, não conheceu o recurso de apelação interposto pela ANM e manteve a sentença que reconheceu a prescrição intercorrente de processo administrativo de CFEM e declarou a nulidade do título executivo[6].

Conforme se observa, recentes decisões de diversos tribunais regionais federais têm reconhecido a prescrição intercorrente, assim como determina o artigo 1º, § 1º da Lei 9.873/99, em processos administrativos relacionados à CFEM, refletindo uma compreensão apurada dos julgadores sobre o tema.[7]

Neste contexto, é aconselhável que os contribuintes verifiquem se seus processos administrativos tratando de CFEM permaneceram inertes por mais de três anos, em razão da oportunidade de pleitear judicialmente seu direito de ver reconhecida a prescrição intercorrente que deve ser avaliada de acordo com as particularidades de cada caso.

 

 

[1] “Art. 20. São bens da União: (…) § 1º É assegurada, nos termos da lei, à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração”.

[2]  Ex.: AResp 2.020.802/RS, Min. Paulo Sérgio Domingues, j. 10.01.2024; REsp 2.013.210/CE, Min. Gurgel de Faria, j. 30.09.2023; REsp n. 2.089.396, Ministro Herman Benjamin, j. 21.09.2023; REsp n. 1.882.815, Ministra Regina Helena Costa, j. 13.05.2021.

[3] Disponível em: https://anmlegis.datalegis.net/action/ActionDatalegis.php?acao=abrirTextoAto&link=S&tipo=ONM&numeroAto=00000012&seqAto=000&valorAno=2016&orgao=DNPM/MME&cod_modulo=351&cod_menu=6678

[4] MS 24.312/DF, Plenário, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 19.12.2003; RE 228.800/DF, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 16.11.2001; AI 453.025/DF, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 9.6.2006.

[5] “ADMINISTRATIVO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CFEM – COMPENSAÇÃO FINANCEIRA PELA EXPLORAÇÃO DE MINERAIS. RECEITA PATRIMONIAL. CRÉDITO NÃO TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. PROCESSO PARALISADO POR MAIS DE TRÊS ANOS. LEI 9.873/99. APELAÇÃO PROVIDA. 1. Trata-se de embargos à execução fiscal opostos em face do Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, objetivando a desconstituição da Certidão de Dívida Ativa que embasa o feito executivo nº 0004873-14.2015.403.6106. 2. O art. 1º, § 1º da Lei 9.873/99 estabelece a prescrição intercorrente no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho. Precedentes. 3. Após o início do procedimento administrativo, qualquer manifestação, desde que impulsione o processo na direção da apuração do fato, é suficiente para afastar a ocorrência da prescrição intercorrente; no entanto, no caso em apreço, nenhum andamento foi dado ao processo administrativo entre 19.08.2009 (apresentação da defesa) e 06.04.2015 (decisão), ultrapassando, assim, o prazo trienal. 4. Reconhecida a prescrição intercorrente, com a extinção da execução fiscal. 5. Apelação provida.

[6] “PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. CFEM. DNPM. RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. EXTINÇÃO. 1. Reconhecimento da prescrição intercorrente, considerando-se que o processo administrativo ficou paralisado por mais de cinco anos, uma vez que aplicável ao processo administrativo o princípio da razoável duração do processo, nos termos do art. 5, LXXVIII, da Constituição Federal, pois não é possível admitir a eternização da discussão em caso de cobrança de CFEM pelo DNPM. 2. Após o decurso de determinado tempo, sem promoção da parte interessada, deve-se estabilizar o conflito, pela via da prescrição, inclusive ex officio, impondo segurança jurídica aos litigantes, de modo a não prevalecer a prescrição indefinida. 3. Mantida a sentença, integralmente, para o reconhecimento da prescrição intercorrente da pretensão do DNPM de cobrança de CFEM.”

[7] “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. 1. Cuida-se de apelação interposta pela Agência Nacional de Mineração contra sentença que, dentre outros pontos favoráveis ao apelante, reconheceu a) a prescrição dos débitos relativos às competências de maio/99 a julho/99; e b) a ocorrência de prescrição intercorrente no curso do processo administrativo nº 48410.900749/2009-03. Diante disso, julgou procedentes os pedidos dos embargos à execução fiscal, e, por conseguinte, declarou a nulidade do título executivo que lastreia a execução fiscal n° 0801390-62.2022.4.05.8103. 2. Em seu recurso, o apelante se limitou a argumentar a inocorrência de prescrição e de decadência, por força das inúmeras alterações legislativas acerca da matéria, nada falando a respeito da prescrição intercorrente. 3. Inexiste, in casu, a necessária congruência entre o fundamento (único) adotado pela sentença e as razões da apelação. Diante da violação ao princípio da dialeticidade, forçoso o não conhecimento do apelo. 4. Apelação não conhecida. 5. Honorários advocatícios majorados no percentual de 1%, a título de honorários recursais, sobre o valor já fixado na sentença, nos termos do art. 85, § 11, do CPC.”