PRECLUSÃO DA PROVA PERICIAL PELO NÃO PAGAMENTO DOS HONORÁRIOS PERICIAIS
Cristina Fernandes Kfuri Lopes
O ônus da prova é bem conceituado por Fredie Didier Jr., ao afirmar que “ônus é o encargo cuja inobservância pode colocar o sujeito numa situação de desvantagem. Não é um dever e, por isso mesmo, não se pode exigir o seu cumprimento. Normalmente, o sujeito a quem se impõe o ônus tem interesse em observá-lo, justamente para evitar essa situação de desvantagem que pode advir da sua inobservância“[1].
A imposição do ônus da prova feito pela lei processual tem fim precípuo de informar as partes como se dará a formação do caderno processual, atribuindo prévia e abstratamente a quem cabe o ônus de provar determinadas alegações de fato.
De modo geral, o dever de provar é da parte autora, eis que tem o interesse de demonstrar a veracidade das alegações que conduziram ao ajuizamento da ação judicial. Por outro lado, caso o direito reivindicado pelo autor esteja impedido, modificado ou extinto, cabe ao réu fazer tal prova (CPC, art. 373, incisos I e II [2]).
Dentro das provas admitidas em lei encontra-se a prova pericial, através da qual a parte cujo ônus recai busca a demonstração de determinado fato que exige conhecimento técnico de área da ciência, como engenharia, psicologia, medicina, dentre outras. Para tanto, o juiz nomeia um perito técnico, profissional com formação específica e isento de relação com qualquer das partes, para emitir laudo pericial especializado (CPC, art. 465 [3]).
Após tomar ciência do conteúdo do processo, o perito judicial nomeado apresenta proposta de honorários por seus serviços (CPC, art. 465, §2º, inc. I [4]). A responsabilidade pelo custeio da perícia é daquele que a requereu (CPC, art. 95 [5]), tendo a possibilidade de pedir o reembolso à parte contrária caso seja o vencedor da demanda (CPC, art. 82, §2º [6]).
Qualquer uma das partes pode impugnar o valor de honorários sugerido pelo perito, justificando a incompatibilidade da quantia com o trabalho pericial demandado. Nesse caso, o perito deve ser intimado para manifestar a manutenção ou redução dos honorários, conforme seu entendimento. Feito isso, e após intimar as partes sobre a resposta do especialista, o juiz deve homologar a proposta ou nomear outro perito.
Na mesma decisão em que arbitra a remuneração do perito, deve o magistrado intimar a parte que requereu a perícia para realizar o pagamento dos honorários, sob pena de preclusão (CPC, art. 465, §3º [7]).
O alerta de preclusão na decisão parte exatamente do pressuposto de que quem detém o ônus da prova tem interesse na sua produção, de modo que da desídia no pagamento dos honorários do perito se infere a renúncia quanto à prova técnica que seria produzida.
Caso o responsável pelo custeio da perícia técnica não faça o pagamento dos honorários dentro da forma e prazo homologados, é cabível ao juiz que declare o desinteresse da parte na produção da prova, operando-se a preclusão quanto à produção de prova não diligenciada no momento processual oportuno.
Coaduna com o entendimento a orientação que se extrai do manual de direito processual civil de Freddie Didier Jr.: “Caso a parte responsável não deposite antecipadamente os honorários provisórios ou definitivos, arbitrados pelo juiz antes da realização da perícia, deve o juiz dispensar a prova pericial, arcando a parte com as consequências daí advindas” (ob.cit. p. 295).
A consequência de que trata o jurista seria a preclusão consumativa, entendida como a perda definitiva da oportunidade de praticar ato processual disponibilizado. Noutras palavras, é dizer que o caderno processual oportunizou que à parte que adotasse as diligências para a dilação probatória, porém a mesma quedou-se inerte e negligenciou seu ônus, não havendo que se reivindicar posteriormente o direito de ato processual que lhe foi efetivamente concedido no momento adequado (fase instrutória).
A preclusão da prova pericial por ausência de pagamento de honorários não é novidade nos escaninhos forenses. Em mais de uma oportunidade, o eg. Tribunal de Justiça de Minas Gerais confirmou os entendimentos aqui expostos e declarou a produção da prova preclusa.
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO INDENIZATÓRIA – HONORÁRIOS PERICIAIS – RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO – AUSÊNCIA DE INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO – PRECLUSÃO. Não atacada no momento oportuno, e através do recurso adequado, a decisão que determinou o pagamento dos honorários periciais, mostra-se inviável a rediscussão da matéria, em razão de preclusão. (TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0024.11.262149-5/001, Relator(a): Des.(a) José de Carvalho Barbosa , 13ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 10/11/2016, publicação da súmula em 11/11/2016)
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO MONITÓRIA – PROVA PERICIAL – HONORÁRIOS PERICIAIS NÃO RECOLHIDOS – PRECLUSÃO.
– Não tendo o réu procedido ao recolhimento dos honorários periciais, resta precluso seu direito de produzir a prova. (TJMG – Apelação Cível 1.0344.08.046881-4/001, Relator(a): Des.(a) Marco Aurelio Ferenzini , 14ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/09/2016, publicação da súmula em 07/10/2016)
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – REINTEGRAÇÃO DE POSSE – ÁREA OCUPADA NÃO DEFINIDA – NECESSIDADE DE PROVA PERICIAL – CUSTEIO DA PROVA – DEPÓSITO DOS HONORÁRIOS PERICIAIS – INÉRCIA – PRECLUSÃO DA PROVA – ESBULHO NÃO CONFIGURADO. (…) 2- Se o autor, requerente da prova pericial, não deposita os honorários do perito a tempo e modo a preclusão da prova deve ser declarada. (…) (TJMG – Apelação Cível 1.0024.99.069035-6/001, Relator(a): Des.(a) José Flávio de Almeida , 12ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 21/09/2016, publicação da súmula em 27/09/2016)
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – PROVA PERICIAL – ORDEM DE RECOLHIMENTO DOS HONORÁRIOS PERICIAIS – AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO – PRECLUSÃO – JUNTADA DE DOCUMENTOS COM A APELAÇÃO – DOCUMENTO ESSENCIAL À PROVA DAS ALEGAÇÕES – IMPOSSIBILIDADE. – Deixando a parte de atender à ordem de recolhimento dos honorários de perito, ou de se insurgir contra ela no momento oportuno, resta precluso seu direito à realização da prova pericial. (TJMG – Apelação Cível 1.0024.09.690994-0/001, Relator(a): Des.(a) Amauri Pinto Ferreira (JD CONVOCADO) , 3ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 25/08/0016, publicação da súmula em 20/09/2016)
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ORDINÁRIA – PROVA PERICIAL – DEPÓSITO DOS HONORÁRIOS PERICIAIS NÃO EFETIVADO – PRECLUSÃO CARACTERIZADA – ADVOGADO CONSTITUÍDO NOS AUTOS DEVIDAMENTE INTIMADO – IMPOSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO DO PRAZO RECURSAL A OUTRO DEFENSOR QUANDO JÁ CONSUMADA A PRECLUSÃO TEMPORAL. 1. Preclui a oportunidade para a realização da prova pericial quando a parte que a requereu, embora devidamente intimada, não realiza o depósito prévio dos honorários do perito. (…) (TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0344.11.003932-0/001, Relator(a): Des.(a) José Flávio de Almeida, 12ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 11/05/0016, publicação da súmula em 18/05/2016).
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – INDENIZAÇÃO POR APOSSAMENTO ADMINISTRATIVO – PROVA PERICIAL REQUERIDA – AUSÊNCIA DO DEPÓSITO DOS HONORÁRIOS PERICIAIS APÓS INTIMAÇÃO – AGRAVO RETIDO – PRECLUSÃO CARACTERIZADA – VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC – NÃO-OCORRÊNCIA – PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO INDENIZATÓRIA – FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. (…) 3. O processo é um caminhar para frente, daí existindo o sistema da preclusão (lógica, consumativa e temporal), às vezes até mesmo dirigida ao magistrado (pro judicato), a fim de que a marcha processual não reste tumultuada. 4. Preclui a oportunidade para a realização da prova pericial quando a parte que a requereu, embora devidamente intimada, não realiza o depósito prévio dos respectivos honorários. (STJ – REsp 802416 SP 2005/0203026-6, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/03/2007, DJ 12/03/2007 p. 211)
Desta maneira, é pertinente a declaração de preclusão da prova pericial técnica fronte a inércia da parte em promover a remuneração do expert nomeado.
Por oportuno, vale ressaltar que a preclusão pelo não pagamento dos honorários não se confunde com indeferimento da prova pericial, este sujeito à discussão por cerceamento de defesa e do direito da parte produzir todas as provas admitidas em lei. A propósito, o indeferimento da prova pericial não é mais sujeito à interposição de Agravo de Instrumento, conforme alteração feita pelo CPC de 2015, art. 1.015. Nesse caso, a matéria não está sujeita à preclusão e deve ser discutida como preliminar de apelação, na forma do art. 1.009, §1º, do Codex [8].
[1] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 10. ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015, p 106/107.
[2] CPC/2015, art. 373: “O ônus da prova incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.“.
[3] CPC/2015, art. 465: “O juiz nomeará perito especializado no objeto da perícia e fixará de imediato o prazo para a entrega do laudo“.
[4] CPC/2015, art. 465: “§ 2o Ciente da nomeação, o perito apresentará em 5 (cinco) dias: I – proposta de honorários;”
[5] CPC/2015, art. 95: “Cada parte adiantará a remuneração do assistente técnico que houver indicado, sendo a do perito adiantada pela parte que houver requerido a perícia ou rateada quando a perícia for determinada de ofício ou requerida por ambas as partes“.
[6] CPC/2015, art. 82: “§ 2o A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou”.
[7] CPC/2015, art. 465: “§3º As partes serão intimadas da proposta de honorários para, querendo, manifestar-se no prazo comum de 5 (cinco) dias, após o que o juiz arbitrará o valor, intimando-se as partes para os fins do art. 95.”
[8] CPC/2015, art. 1.009: “§ 1o As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões“.