PRECEDENTE JUDICIAL VINCULANTE E A RATIO DECIDENDI
Gisele Leite
É verdade que a preocupação com a segurança jurídica criou o sistema de precedentes vinculantes, ou seja, onde as decisões judiciais[1] que vinculam, e são de observação obrigatória erga omnes, nasceu no sistema do common law, sendo mesmo a sua marca distintiva.
Lembremos que a common law[2] é sistema adotado por quase todos os países que outrora foram colônias britânicas, entre eles EUA (com exceção do Estado da Louisiana), Canadá (com exceção de Quebec), África do Sul, Índia e Austrália[3].
Assim, surpreendidos com a progressiva observância obrigatória dos precedentes judiciais que têm ultrapassado as fronteiras, num mundo cada vez mais globalizado, onde há maior comunicabilidade e influência aos diversos institutos jurídicos desenvolvidos nos casos distintos sistemas legais. Enfim, tal influência transfronteiriça tem aspectos transnacionais, o que é característica peculiar da cultura pós-moderna do século XXI.
Logo, a vinculação dos precedentes judiciais tem sido importada para nosso país, mas é bom que saibamos sobre a história de formação e, também, de sua estrutura originária, para aperfeiçoar sua compreensão e aplicação dos precedentes que eficazmente vinculem e para finalmente responder à seguinte indagação: o precedente vinculante e a ratio decidendi da common law são realmente exemplos a serem seguidos?
O nascimento da common law deu-se nas Cortes Reais do Reino Unido, mais particularmente sob o reinado do Rei Henry II[4], por volta de 1187, quando o monarca encomendou a um de seus famosos juízes, chamado Glanvill, a escritura de uma obra que condensaria todos os costumes judiciais dos casos que eram levados para julgamento nas Cortes Reais.
O Rei Henry II seguia a tradição de ser um rei-juiz[5] ou rei julgador e eram levados os casos de diferentes matérias. Incluindo-se nobres de outros reinados para o aconselhamento e a decisão judicial de seus respectivos litígios.
A obra encomendada, de autoria de Ranulf de Glanvill[6], ficou conhecida com o nome de seu relator e contava a todos os súditos do Rei o qual era costume na Corte Real britânica.
Assim, o Rei determinava que aquela era a common law, isto é, o direito comum e aplicável a todos os homens livres, presentes no território dominado por sua Coroa. Um direito comum que registrava os costumes do Rei, daí o mito que informa que a common law seja direito costumeiro.
Portanto, o Rei fazia publicar o seu direito, seus costumes e, também, sua autoridade diante da Igreja e de Roma, contra quem queria publicamente se opor, contrapondo-se frontalmente ao que era chamado de Cannon Law e à Roman Law[7], também praticadas na Inglaterra, mas não era comum a todos os homens livres.
Mais tarde, os casos concretos julgados nas Cortes reais britânicas passaram ser regularmente relatados em obras de casos concretos; no século XII, Bracton introduziu o costume de relatar o Case Books e em relatórios e obras do ano (século XIII, os Law Reports e os Year Books).
Porém, foi apenas no século XV que a observância de tais decisões julgadas passou a ser praxe[8] entre os juízes.
Os casos concretos mais famosos, seja pela complexidade como por sua repercussão, eram dirigidos nessa época à chamada Câmara Exchequer, quando eram julgados num sistema de colegiado, que eram posteriormente observados pelos demais juízes.
Não existia, porém, obrigatoriedade de vinculação. Assim, era propriamente um compromisso moral pautado por uma certeza e segurança jurídica, além de se construir uma necessária harmonização.
O costume de se observar e obedecer aos precedentes judiciais foi exportado para as antigas colônias britânicas, conforme eram conquistadas. E, assim, o sistema de precedentes obrigatórios foi sendo incorporado e, consequentemente, consolidado, adotando naturalmente algumas peculiaridades locais nos sistemas jurídicos que se formaram na América do Norte, na África, Ásia e Oceania.
Apenas no século XIX, a monarquia e o parlamento britânico, baseados na já consolidada na prática do Judiciário e, depois da costumeira organização feita pelos Law Reports, declararam ser obrigatória a observância dos precedentes judiciais. E, a partir de então, tornaram-se realmente vinculantes por lei e ordem real, seguindo a hierarquia das Cortes Judiciais britânicas.
O sistema de precedentes vinculantes passou de recomendação para ser cogente, e, de fato, traz elementos que merecem ser compilados da doutrina de precedentes vinculantes, ou conforme tem sido consagrada pela chamada doctrine of stare decisis[9].
A identificação da força vinculante, o chamado binding element dessa doutrina, é tarefa técnica que exige muita atenção e estudo.
Richard Ward costuma frisar que é um equívoco ao se mencionar que uma decisão possui força vinculante, ou mesmo que uma decisão perdeu sua força vinculante. O binding element[10] traz, em verdade, um princípio de direito que é desenvolvido na decisão judicial, conhecido pelo nome de ratio decidendi ou holding[11].
Não é tudo o que está dito ou escrito pelo juiz em sua decisão que se torna a ratio decidendi. Uma decisão, em regra, traz, em seu bojo, três elementos, a saber: 1) fatos narrados que são base de livre convicção do julgador; 2) princípios de direito positivo aplicáveis aos fatos em julgamento; e 3) a decisão que se baseia nos dois primeiros elementos.
Frise-se, para as partes, que o terceiro elemento corresponde ao principal da decisão. Já para a doctrine of stare decisis, o segundo elemento é o mais relevante, pois neste se encontra a ratio (todo arrazoamento do direito que conduziu à decisão final).
Gary Slapper e David Kelly, no seu livro English Law, explicam didaticamente que a ratio decidendi é toda a razão de direito aplicada ao se decidir um litígio trazido a juízo.
Segundo Cracknel, só os pronunciamentos de direito compõem a ratio decidendi e apenas aqueles são necessários para se atingir a decisão. Qualquer outra razão de direito desenvolvida na sentença é um obter dictum.
Apesar de ter a sua importância e função no litígio, que trazem a exemplificação fazem analogia etc., torna-se supérflua para a formação da ratio, sendo palavras mortas na decisão[12].
No fundo, nem sempre é fácil localizar a ratio decidendi[13] em um caso concreto relatado pela common law[14], tanto no seu sistema originário britânico como nos seus sistemas importados norte-americanos, canadenses, sul-africanos ou australianos e outros.
A ratio pode consistir em alguns parágrafos ou de dezenas de páginas, e será todo o arrazoado de direito que o vinculará conjuntamente com sua base fática. Pois é nesta que um caso se distingue de outro. Não é necessariamente um texto contínuo. Além disso, dificilmente os juízes identificam a ratio em seus julgados quando a elaboram.
E tal tarefa é entendida como do intérprete[15]. E, em muitos casos concretos, o obter dictum foi transformado em ratio essendi, por errônea interpretação, mas se perpetuou como common law. Infelizmente, muitos obter dicta tornaram-se o direito.
Diante de tamanha complexidade, há a utilização de modelo computacional de inteligência artificial, que fora desenvolvido exatamente para encontrar a ratio decidendi – vide L. Karl Branting, da Universidade de Wyoming dos EUA[16].
Em verdade, todos os acadêmicos de Direito são exaustivamente treinados durante todo o curso exatamente para terem a expertise em encontrar o binding element, bem como os estudantes do Direito do sistema romano-germânico são igualmente treinados para manusear códigos e separar temas e correntes doutrinárias aplicados nos julgados.
Não obstante a teia complexa dessa tarefa em localizar o binding element, é inegável que os relevantes benefícios do sistema de precedentes judiciais vinculantes, a rigor, trazem maior previsibilidade e certeza, além de economia processual e tratamento isonômico para casos semelhantes, construindo harmonia para todo o sistema jurídico, entre muitos outros.
Mas há quem se preocupe com o possível engessamento do direito pelo sistema de precedentes obrigatórios, e até mesmo a própria common law tem usado dois mecanismos processuais eficientes para tanto, a saber: a distinção ou distinction e a revogação ou overruling[17].
Pela distinção[18], o julgador deixa de obedecer à força vinculante do precedente quando concluir que o caso concreto em julgamento é distinto do precedente judicial formado. Eis aí a relevância de o holding não se concentrar somente em um simples enunciado, mas também trazer consigo uma boa parte do arrazoado.
Já pela revogação[19], que pode ser feita pelo próprio Judiciário ou mesmo por lei (a lei também considerada como fonte primária de direito na common law), um precedente judicial vinculante poderá deixar de ser obedecido.
A Constituição Federal brasileira[20] vigente criou o sistema de vinculação de precedentes judiciais, ao expressar, em seu art. 103, a, caput, que o STF poderá, de ofício ou por provocação, mediante a decisão de dois terços de seus membros, após reiteradas decisões sobre a matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como ainda proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
Quando se toma o enunciado de uma súmula, vê-se que há evidentemente uma distinção na aplicação do sistema de vinculação no Direito brasileiro, do sistema de precedentes originalmente criado pelos britânicos.
A súmula brasileira que vincula é assim mero enunciado, que contém de três a quatro linhas, com uma ordem imperativa[21] que muito se parece mais com o terceiro elemento da decisão (aquele que importaria preferencialmente às partes) e é totalmente diferente[22] da ratio decidendi da common law.
Convém sublinhar que o CPC/2015 ampliou tal recepção de elementos da common law, fazendo com que tal vinculação se estenda a outros julgados, bastando uma leitura do conteúdo do art. 927 do CPC/2015.
Aliás, o verbo “observarão” é mesmo interpretado pacificamente que estarão vinculados. Assim se recepcionaram dois elementos dos precedentes vinculantes da common law, ou seja, a vinculação per si e a organização de precedentes por questão jurídica.
Quanto ao primeiro elemento, trata-se da idêntica noção de observância obrigatória e cogente já antes introduzida pela súmula vinculante. Enfim, amplia-se o leque para as decisões de outros tribunais e outros tipos de decisões dentro do próprio STF.
E se verifica que os tribunais ora incluídos deverão ser treinados para compreender essa nova mentalidade de vinculação, vez que seus julgados serão observados obrigatoriamente dentro de uma hierarquia estabelecida na organização judiciária brasileira.
Quanto ao segundo elemento, a organização dos precedentes judiciais por questão jurídica, trata-se de absorção da estrutura existente dos Law Reports no Brasil[23]
Mas convém destacar que a sequência fora invertida em relação à common law[24]. Primeiramente houve uma extrema organização dos precedentes através dos Law Reports, e somente depois houve a vinculação assimilada e, por fim, determinada por lei.
Convém sublinha que tal sequência é resultante de questão histórica, pois é no momento da criação dos Law Reports que os precedentes judiciais nestes relatados teriam força de lei.
De toda sorte, a inversão da ordem não veio a prejudicar a aplicação do elemento vinculante ao direito pátrio.
Mas se pode imaginar que será necessária a preparação dos nossos Magistrados e funcionários do Judiciário para que tal absorção do elemento vinculante, bem como a criação dos relatórios de casos concretos julgados possam ser úteis e eficazes.
Apesar de peculiares atropelos, tipicamente brasileiros[25], a adoção de ambos os elementos – a vinculação e a organização dos precedentes por questão jurídica – podem andar simultaneamente em paralelo desenvolvimento.
Uma decisão judicial, em qualquer sistema legal existente no mundo, contém sempre três elementos principais, a saber: 1) fatos narrados; 2) o arrazoado que compreende os princípios de direito positivo aplicáveis aos fatos em julgamento; 3) a decisão que se baseia nos dois primeiros elementos.
Dessa forma, para a doutrina do stare decisis, o elemento principiológico que conduz à final decisão é o mais relevante, e é este que vincula.
A ratio decidendi ou holding é a razão de direito aplicada para se atingir a decisão. Desta fazem parte apenas os pronunciamentos de direito que se forem necessários para se chegar à decisão final, sendo que outros comentários, analogias, exemplificações e observações desenvolvidas nas sentenças formam o que se chama obter dictum.
A própria decisão final que importa preferencialmente para as partes envolvidas não se configura em si mesma, a ratio decidendi.
Observando-se algumas súmulas vinculantes já publicadas no Brasil, identifica-se claramente que nosso país tem adotado o elemento vinculante da ratio.
Exemplificando:
Súmula Vinculante nº 4. Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário-mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial.[26]
Súmula Vinculante nº 5. A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição.
Súmula Vinculante nº 11. Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.
Súmula Vinculante nº 21. É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para a admissibilidade de recurso administrativo.
Súmula Vinculante nº 25. É ilícita a prisão civil[27] de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito[28].
Súmula Vinculante nº 37. Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia.
Súmula Vinculante nº 48[29]. Na entrada de mercadoria importada do exterior, é legítima a cobrança do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro.
Súmula Vinculante nº 53[30]. A competência da Justiça do Trabalho prevista no art. 114, VIII, da Constituição Federal, alcança a execução de ofício das contribuições previdenciárias relativas ao objeto da condenação constante das sentenças que proferir e acordos por ela homologados. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.
Nota-se que o elemento vinculante de tais súmulas retrocitadas configura um enunciado simplório, e a decisão final importa preferencialmente às partes envolvidas – sem gerar isonomia de julgamento para questões similares ou mesmo idênticas[31].
Depois de tanto tempo de construção histórica e doutrinária da common law e seu sistema de precedentes judiciais obrigatórios e vinculantes, os common lawyers entenderam que deve vincular a razão de direito.
Mas o Brasil, por sua vez, decidiu adotar o precedente que vincula, contrariando a tendência do constructo britânico[32]. Conclui-se assim que, no Brasil, o que vincula é o terceiro elemento da sentença.
E tal equivocada compreensão de vinculação, ou vinculação a “SRD” (sem raça definida)[33], traz problemas paradoxais para nossa jurisprudência e para o estudo do Direito.
E, como o CPC vigente ampliou tal possibilidade[34] de vinculações para as decisões do STF, incluindo as decisões do STJ, bem como se seguindo as hierarquias convencionais, também as decisões dos tribunais superiores, convém questionarmos se tais mudanças não seriam mais eficientes e satisfatórias[35] se as Cortes Superiores brasileiras modificassem, em suas redações, a estrutura do elemento vinculante, para abarcar o arrazoado de direito, que, a exemplo da common law, importa à decisão final, a ratio decidendi.
Já existe entendimento de que o art. 489 do vigente CPC aponta objetivamente para um realce desse elemento em razão da vinculação.
Alguns professores renomados do direito processual civil argumentam sobre a ratio decidendi como elemento central do precedente vinculante e a equivocada vinculação de um enunciado no Brasil. É o caso do Professor Marcos Desterfenni[36], que levantou do CPC vigente.
Seguindo a escorreita interpretação do referido artigo do CPC, em consonância com os princípios da boa-fé e da segurança jurídica, a razão de decidir deve ser o elemento central do precedente que vincula igualmente no Brasil.
Os fundamentos ou fundamentação[37] correspondem ao elemento essencial da sentença, e não se pode considerar fundamentada a decisão que se limite a indicar, a reproduzir ou a parafrasear o ato normativo sem dar a explicação devida de sua relação com a causa ou a questão decidida.
Tampouco o que deveria ser uma súmula tem o condão de vincular. A razão de direito deve ter esse vínculo com a pessoalidade da causa em si. E é esse também o raciocínio vigente e exigente da common law.
Conclui-se que nesse mundo globalizado, de justiça global tão presente na cultura pós-moderna, o aprendizado deve ser constante e progressivo. A ratio decidendi pode, assim, ser igualmente incorporada à cultura da relação de um precedente no Brasil, sem carregar a sua carga de indefinição da common law.
Afinal, a certeza e a segurança jurídica que se almejam com a incorporação do sistema de precedentes judiciais vinculantes seriam garantidas por um arrazoado de direito, e não propriamente por mero enunciado.
Assim, é a razão de decidir que vincula, e o juiz é um expert hábil a construir sentenças com suas distintas partes, devidamente identificadas, e passaríamos a absorver adequadamente a razão de vincular sem a complexidade da common law[38]
Sublinhe-se que a vinculação atribuída pelo CPC/2015 a determinados pronunciamentos judiciais não significa que o Judiciário deverá encarcerar-se em si mesmo, autopoeiticamente, como o ponto de chegada fatal do fenômeno jurídico.
Ao revés, o CPC vigente propõe uma vertente comparticipativa e cooperativa a fim de estimular o policentrismo e a interdependência de todos os sujeitos processuais, em um verdadeiro contraditório substancial, de forma que um pronunciamento vinculante não seja visto como ponto de chegada, senão de partida, sempre aberto e flexível aos argumentos que poderão ser lançados quanto à sua correta aplicação ao caso concreto, rumo ao seu progressivo aperfeiçoamento[39].
E a observância de tais pronunciamentos judiciais vinculantes que definem as teses jurídicas não deve ocorrer da mesma maneira pela qual um juiz observa um comando legal, cuja abertura interpretativa nem sempre leva o Judiciário a fornecer o tratamento isonômico a quem se encontra em situação semelhante perante uma mesma lei.
Interessante é ainda notar a prática de modulação de efeitos da decisão judicial anterior a fim de conter as variações na jurisprudência, tudo em prol da segurança jurídica[40]. E recentemente temos, in litteris:
No dia 30 de junho de 2016, o tribunal decidiu que a execução de sentença em caso de demora no fornecimento de documento pela Administração Pública prescreve em cinco anos.
E definiu que a demora do ente público em fornecer as fichas financeiras para o cumprimento de decisão transitada em julgada durante a vigência do Código de Processo Civil de 1973 não interrompe o prazo. A Corte decidiu que os efeitos desse acórdão passam a ter validade no dia 30 de junho de 2016.
Para os casos transitados em julgado no dia 17 de março de 2016, dia anterior à entrada em vigor do atual CPC, a prescrição começa a ser contada também a partir do dia 30 de junho.
Embora a decisão tenha sido a reiteração de um entendimento já firmado pela Corte Especial, há instabilidade na jurisprudência do STJ.
Essa instabilidade foi causada pelo próprio colegiado de cúpula do tribunal: no dia 1º de julho de 2013, a Corte Especial publicou o acórdão do Recurso Especial nº 1.340.440, em que definiu a tese reiterada pela 1ª Seção pela última vez.
Veja a tese sobre o mérito do pedido:
A partir da vigência da Lei nº 10.444/2002, que incluiu o § 1º ao art. 604, dispositivo que foi sucedido, conforme Lei nº 11.232/2005, pelo art. 475-B,§§ 1º e 2º, todos do CPC/1973, não é mais imprescindível, para acertamento da conta exequenda, a juntada de documentos pela parte executada, ainda que esteja pendente de envio eventual documentação requisitada pelo juízo ao devedor, que não tenha havido dita requisição, por qualquer motivo, ou mesmo que a documentação tenha sido encaminhada de forma incompleta pelo executado.
Assim, sob a égide do diploma legal citado e para as decisões transitadas em julgado sob a vigência do CPC/1973, a demora, independentemente do seu motivo, para juntada das fichas financeiras ou outros documentos correlatos aos autos da execução, ainda que sob a responsabilidade do devedor ente público, não obsta o transcurso do lapso prescricional executório, nos termos da Súmula nº 150/STF.
Veja a tese sobre a modulação dos efeitos da decisão:
Os efeitos decorrentes dos comandos contidos neste acórdão ficam modulados a partir de 30.06.2017, com fundamento no § 3º do art. 927 do CPC/2015.
Resta firmado, com essa modulação, que, para as decisões transitadas em julgado até 17.03.2016 (quando ainda em vigor o CPC/1973) e que estejam dependendo, para ingressar com o pedido de cumprimento de sentença, do fornecimento pelo executado de documentos ou fichas financeiras (tenha tal providência sido deferida, ou não, pelo juiz ou esteja, ou não, completa a documentação), o prazo prescricional de cinco anos para propositura da execução ou cumprimento de sentença conta-se a partir de 30.06.2017. (Acórdão que acolheu parcialmente os embargos de declaração, publicado no DJe de 22.06.2018)
A aplicação de um precedente obrigatória não segue a mesma lógica de aplicação de uma lei, pois a força gravitacional do precedente judicial não pode ser apreendida por nenhuma teoria que considera como plena a força precedente está em sua força de promulgação, tal qual a legislação. (COELHO, Gabriela. STJ modula efeitos de decisão anterior para conter as variações de jurisprudência. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-jul-09/stj-modula-decisao-anterior-conter-variacoes-jurisprudencia>. Acesso em: 9 jul. 2018)
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[1] As decisões judiciais podem ser classificadas em três categorias principais: 1) precedentes com eficácia normativa; 2) precedentes com eficácia impositiva intermediária; e 3) precedentes com eficácia meramente persuasiva. Precedentes com eficácia normativa são aqueles dotados de força vinculativa, ou seja, seu conteúdo deve ser de observância obrigatória, sob pena de invalidade ou reforma. Seus efeitos ultrapassam o caso concreto, atingindo outros casos análogos. Assim, a norma que deste é extraída tem caráter geral, devendo ser aplicada a todos os casos semelhantes. Por outro lado, os precedentes com eficácia impositiva intermediária são aquelas decisões que, embora não tenham que ser obrigatoriamente observadas, revestem–se de efeitos impositivos mais brandos, para além do processo; ou seja, nem possuem eficácia normativa tampouco eficácia meramente persuasiva, encontrando-se numa zona intermediária.
[2] “[…] ‘direito comum’, ou seja, aquele nascido das sentenças judiciais dos Tribunais de Westminster, Cortes essas constituídas pelo Rei e a ele subordinadas diretamente, e que acabaria por suplantar os direitos costumeiros e particulares de cada tribo dos primitivos povos da Inglaterra (este, portanto, antes da conquista normanda em 1066, denominado direito anglo-saxônico), enquanto a Equity, direito aplicado pelos Tribunais do Chanceler do Rei, originado de uma necessidade de temperar o rigor daquele sistema e de atender a questões de equidade.”
[3] É atualmente a base dos sistemas jurídicos dos seguintes países: Inglaterra, País de Gales, Irlanda do Norte, Irlanda, EUA (exceto o Estado da Louisiana), Canadá (exceto o direito civil do Quebec, que segue o modelo francês), Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, Índia, Malásia, Brunei, Paquistão, Cingapura e Hong Kong, entre outros. As Cortes Reais, porém, consistam numa jurisdição especial, já que a maioria dos casos era julgada pelas Cortes Locais situadas nos diversos feudos, cada um dos quais controlado por seu respectivo barão. Somente a partir do século XV é que as Cortes Reais passaram a ser os tribunais mais demandados da Inglaterra, e o common law, que antes só se referia aos assuntos do Rei, tornou-se o direito mais aplicado naquele país para qualquer tipo de questão judicial.
[4] O Rei Henrique II (1133-1189), também conhecido como Henrique Curtmantle, Henrique Fitz Empress ou Henrique Plantageneta, foi o Rei da Inglaterra de 1154 até sua morte. “Maldito o dia que me viu nascer, malditos os filhos que deixei!”, teriam sido as últimas palavras com que Henrique II, de Inglaterra, se despediu da vida… Neto de Guilherme o Conquistador, filho de Matilde, ex-imperatriz consorte do Sacro Império e de Godofredo V, conde de Anjou, onde nasceu a 5 de março de 1133, e onde passou os primeiros anos, enquanto sua mãe lutava pelos seus direitos ao trono de Inglaterra, contra seu primo, Estêvão de Blois, durante o tempo das guerras civis a que se deu o nome de “Anarquia” e que só acabou quando, em 1154, Henrique II subiu ao trono. Em 1152, aos 19 anos, tinha-se casado com a bela Eleanor de Aquitânia, mais velha cerca de dez anos e divorciada do Rei Luís VII de França, que lhe trouxe como dote o ducado de que era herdeira, o que, somado às possessões que Henrique já possuía na França (pela mãe herdara a Normandia e pelo pai, as regiões do Loire, Anjou, Maine e Touraine), faziam dele um vassalo muito mais poderoso que o seu suserano, o rei francês, com quem, aliás, passou o tempo em querelas. Iniciando a dinastia Plantageneta, assim denominada por ostentarem no seu brasão uma flor de giesta (em francês: plante à genêt). Henrique II foi, sem dúvida, o seu melhor representante. Guerreiro hábil e corajoso, conhecido e temido pelos seus ataques de fúria, mas bom governante, deixou aos seus descendentes um império unido debaixo da mesma bandeira. Muito mais francês que inglês (o francês era a língua falada pela Corte), a sua obsessão era expandir os seus domínios franceses, não descansando enquanto não anexou também a Bretanha, o que originou tensões frequentes com os reis de França, primeiro com Luís VII e depois com o filho deste Filipe Augusto, astucioso e totalmente desprovido de escrúpulos, mas hábil político, que, aproveitando-se da desunião reinante entre Henrique e os seus filhos, conseguiu lentamente apoderar-se da maior parte destas possessões no reinado de João Sem–Terra, filho mais novo de Henrique II. Este homem, dotado de um poderoso equilíbrio, com ombros largos e um pescoço de touro, governava um território que se estendia pelos dois lados do Canal da Mancha, desde as montanhas da Escócia até aos Pirineus, o maior império europeu que qualquer rei de Inglaterra jamais teve, embora frágil, geograficamente disperso, com culturas variadas e diferentes, mas a quem em breve iria dar um novo impulso ao restabelecer a unidade do reino da Inglaterra, e concentrando todo o poder na sua pessoa. Com apenas 21 anos quando subiu ao trono, depressa acabou com as centenas de praças-fortes dos opressores do povo anglo-saxão e reprimiu todas as tentativas de rebelião dos senhores feudais. “As espadas dos cavaleiros foram transformadas em charruas; os salteadores e os ladrões foram enforcados”. Implementou um novo sistema de coleta de impostos e a Administração Pública melhorou significativamente com o estabelecimento de registos públicos criados pelo rei. No campo da justiça, Henrique mandou coligir o primeiro livro de leis inglês, descentralizou o exercício da justiça através de Magistrados com poderes de agir em nome da coroa e implementou o julgamento por júri. A pessoa mais insignificante podia queixar-se diretamente ao rei, no decurso das suas viagens de norte a sul do país, Henrique velava pela boa aplicação da justiça.
[5] Antônio Pessoa Cardoso já com pertinência afirma: “O juiz já foi sacerdote, já foi rei; atualmente, para uns é poder, para outros, é funcionário do Estado; no futuro o que será?” (Juiz já foi sacerdote e rei; agora, é escravo da máquina). Concluiu o autor: “O juiz já foi sacerdote e rei, mas agora é escravo da própria máquina e servo do poder” (Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2008-abr13/juiz_foi_sacerdote_rei_agora_escravo_maquina>. Acesso em: 8 jul. 2018).
[6] Também conhecido como Glanvil, Glanville e Granville, faleceu em 1190 e foi o Chefe de Justiça da Inglaterra durante o reinado Henrique II, provável autor de Tractatus de legibus e consuetudinibus regni Angle (Tratado sobre as leis e costumes do Reino da Inglaterra), o mais antigo tratado sobre as leis da Inglaterra. Há poucas informações registradas sobre sua intensa vida precoce. Mas foi ouvido pela primeira vez como xerife de Yorkshire, Warwickshire e Leicestershire de 1163 a 1170 quando, junto com a maioria de altos xerifes, fora afastado do cargo por corrupção. Foi com a sua assistência que o Rei Henrique II completou suas famosas reformas judiciais, embora muitas tenham sido realizadas antes de ele assumir o cargo. Em 1176 foi também nomeado como custodiante da Rainha Eleanor, que estava confinada aos seus aposentos no Castelo de Winchesters. Após a morte do Rei, fora removido de seu escritório por Richard I em 17.09.1189 e aprisionado até que pagou um resgate, de acordo com uma autoridade, de quinze mil libras. Fundou dois monastérios ambos em Suffolk: Butler Priory, para Black Canons, foi fundado em 1171, e Leiston Abbey, para White Cannons, em 1183. Também construiu um hospital para leprosos em Somerton, em Nortfolk.
[7] Em face do excesso de formalismo dos processos da common law, em que havia a preocupação somente em dar soluções aos litígios em vez de procurar realizar a justiça, o referido sistema de direito tornou-se insuficiente para atender aos apelos e às necessidades da sociedade da época. Desenvolveu-se, no direito britânico, um ramo jurisdicional paralelo complementar chamado de equity, mediante o qual o monarca, por intermédio de seus chanceleres (que eram eclesiásticos), preferia decisões de equidade, com base em princípios substantivos relacionados à moral e à justiça provenientes do Direito Romano e Canônico, de modo a flexibilizar o sistema. René David destacou que o crescimento da equity promoveu, então, relevante aproximação do ordenamento inglês à família romana. Com o tempo, tais chanceleres foram substituídos por advogados que passaram a fazer uso em suas decisões de normas com conteúdo semelhante àquelas da common law. Na realidade, tal atuação dos chanceleres não passou ser bem vista pelos Tribunais Reais, o que culminou, por volta de 1616, na firmação de compromisso por meio do qual restou estabelecido que a equity subsistiria, mas deveria se ater aos precedentes judiciais já firmados, de modo a não promover novas intromissões na common law.
[8] Os praxistas tinham como objetivo o estudo dos temas mais comuns do foro, com a finalidade de solucionar o problema da indeterminação da comum opinião dos doutores. Um livro é tomado como exemplo para demonstrar como os praxistas utilizavam os precedentes judiciais para propor a resolução de questões controversas.
[9] Stare decisis é expressão decorrente do latim stare decisis et non quieta movere (respeitar as coisas decididas e não mexer no que está estabelecido) e utilizada no Direito para se referir à doutrina segundo a qual as decisões de órgão judicial criam precedente (jurisprudência) e vinculam futuras decisões. Tal doutrina é característica do common law e não tão forte em sistemas de direito continental (romano germânico), em que a jurisprudência tem assumido obrigatoriedade muito menor e a capacidade do Magistrado de interpretar a lei segundo seu critério é muito mais ampla. A maioria dos sistemas, porém, reconhece que a jurisprudência deve ligar de alguma forma os juízes como se fossem independentes, sendo necessário evitar que as suas decisões sejam totalmente imprevisíveis ou contraditórias de forma caótica. A EC 45/2004 criou, no ordenamento jurídico pátrio, o sistema de súmulas vinculantes que são editadas pelo STF e vinculam a Administração Pública e os demais órgãos do Poder Judiciário. Não vinculam o Poder Legislativo que pode vir a aprovar leis contrárias à orientação sumulada. O instituto do stare decisis diferencia-se da súmula vinculante: esta é formulada de maneira genérica, para aplicação em todos os casos futuros; aquele é precedente obrigatório apenas para o caso em julgamento; do precedente se retira a norma aplicável somente e unicamente ao caso concreto sub judice. Como bem ficou salientado na RCL 4335/AC, no voto do Ministro Teori Zavascki, o art. 557 do CPC é um exemplo de dispositivo que provê uma eficácia ultra partes para decisões do STF. In verbis: “O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou Tribunal Superior”. O art. 518, § 1º, do CPC, de igual modo, confere às súmulas do STF poder para barrar o recebimento de apelação quando esta estiver a questionar sentença dada em perfeita conformidade com aquelas.
[10] O efeito vinculante (binding effect ou Brindungswirkung) mostrou-se compatível tanto com os sistemas jurídicos do common law como do civil law. Aliás, bem mais do que um mero efeito das decisões, a vinculação das razões das decisões judiciais tornou-se arma indispensável à defesa do Estado de Direito e da própria ordem constitucional que o constitui, em qualquer sistema jurídico. Esta foi a ideia importada ao Direito brasileiro. No Brasil, não há dificuldade em aceitar que tais efeitos das decisões do Supremo Tribunal Federal, porém, por interpretação restrita do art. 102, § 2º, e art. 103-A da Constituição da República, têm sido reduzidos, exclusivamente, às decisões de caráter geral. Esquece-se, porém, de que o efeito vinculante não necessita de positivação expressa – nos Estados Unidos não há qualquer referência escrita sobre o princípio do stare decisis. A vinculação das decisões, especialmente das Cortes Extraordinárias, é princípio emanante da própria estabilidade exigida pelo Estado de Direito.
[11] “A ratio decidendi ou o holding não é o próprio fundamento aprovado pela maioria para decidir. A rato decidendi ou a tese é uma descrição do entendimento jurídico que serviu de base à decisão. Essa diferença sutil foi objeto dos debates travados durante o julgamento da ADIn 4697, quando parte do pleno do Supremo Tribunal Federal inclinou-se a aprovar, como tese afirmada no julgamento, a proposição segundo a qual é constitucional a lei que delega a fixação da anuidade aos Conselhos Profissionais, desde que determine o seu limite máximo e defina parâmetros para a sua gradação. No caso, o fundamento da decisão era a compatibilidade da delegação da competência para definir tal anuidade com o princípio da legalidade, na medida em que a lei delimitava ao menos seu teto e critérios mínimos de escalonamento.”
[12] Um exemplo pode tornar a distinção mais clara. Na ADIn 4.277, o STF declarou, na parte dispositiva do acórdão, que casais formados por pessoas com a mesma identidade de gênero poderiam constituir regularmente a relação jurídica de união estável. Sem dúvida esse é um precedente importante para um futuro questionamento ao Tribunal sobre a possibilidade de casais com a mesma identidade de gênero constituírem regularmente a relação jurídica de casamento. O STF está argumentativamente vinculado às rationes decidendi do precedente, mas não aos seus obiter dicta. Nesse sentido, é de crucial importância o debate sobre qual é a ratio do caso. A solução mais simples de se visualizar seria a fornecida pela concepção de razão endossada. De acordo com essa concepção, a ratio do precedente seria aquela reconhecida pelo próprio STF durante o eventual julgamento de ação sobre casamento homoafetivo, ou de ação que avalie a constitucionalidade de lei que vise proibir esse tipo de união estável, caso haja referência à ADIn 4.277. Já a concepção de razão explícita sofreria com as dificuldades de tentar identificar rationes em acórdão com diferentes votos com diversos argumentos. Porém, pode-se supor uma interpretação razoável que dê ao voto do relator, Ministro Carlos Ayres Britto, a autoridade para identificar o seu fundamento. Suponha ainda que o trecho do voto no qual se identificou a ratio seja o seguinte: “Creio que se está, repito, diante de outra entidade familiar, distinta daquela que caracteriza as uniões estáveis heterossexuais. A diferença, embora sutil, reside no fato de que, apesar de semelhante em muitos aspectos à união estável entre pessoas de sexo distinto, especialmente no que tange ao vínculo afetivo, à publicidade e à duração no tempo, a união homossexual não se confunde com aquela, eis que, por definição legal, abarca, exclusivamente, casais de gênero diverso. Para conceituar-se, juridicamente, a relação duradoura e ostensiva entre pessoas do mesmo sexo, já que não há previsão normativa expressa a ampará-la, seja na Constituição, seja na legislação ordinária, cumpre que se lance mão da integração analógica”.
[13] De fato, distinguir o obiter dicta (este é o plural de obiter dictum) da verdadeira ratio decidendi (razão de decidir) é indispensável no estudo dos precedentes judiciais. Vejamos um julgamento sobre uma apelação onde foi proferido: “Efetivamente, tal como defende o apelante, a sentença impugnada foi proferida por juízo absolutamente incompetente, motivo pelo qual é ela nula, apesar do acerto da fundamentação nela utilizada, já que, de fato, o juiz está certo ao concluir que é inválida a venda feita por um ascendente a um descendente, sem o expresso consentimento dos outros descendentes e do cônjuge do alienante”. Conclui-se que o tribunal invalidou a sentença, o conteúdo respectivo e, assim, a sentença perdeu completamente a importância. Mesmo assim, o mesmo tribunal entendeu de afirmar que, quanto ao conteúdo, a sentença estava correta. Ensinou Dinamarco que nesse tipo de afirmação, sem haver utilidade para o julgamento do caso concreto, constitui-se o chamado obiter dictum.
[14] As características da common law são: 1) flexibilidade de suas fontes; 2) o espírito realista e prático de seus métodos jurídicos; 3) concepção empírica do mundo, frente à concepção racionalista europeia; 4) pensamento concreto em oposição às ideias gerais; 5) marcante caráter judicial; 6) caso real e prático; e 7) direito eminentemente jurisprudencial. Essas características podem ser elencadas como: 1) individualismo (indivíduo possui direitos subjetivos; 2) liberalismo (indivíduo é protegido por princípios judiciários muito fortes); 3) separação dos poderes e independência marcada pela justiça; 4) controle de constitucionalidade das leis (nos Estados Unidos); 5) direito essencialmente jurisprudencial; 6) existência de poucas regras jurídicas gerais.
[15] A atividade jurisdicional, nessa nova moldura, a partir de uma interpretação integrativa e evolutiva, possibilita a verificação do fenômeno denominado “mutação informal da (compreensão) da Constituição”.
[16] Nos Estados Unidos, a regra do precedente não funciona nas mesmas condições que a regra inglesa, uma vez que o Direito desse país trata essa com regra com maior flexibilidade.
[17] Como requisitos básicos para a revogação do precedente, Marinoni aponta a perda de congruência social e o surgimento de inconsistência sistêmica. A primeira ocorre quando o precedente passa a negar proposições morais, políticas e de experiência na sociedade; já o segundo se dá quando o precedente deixa de guardar coerência com outras decisões, o que decorre de distinções inconsistentes. Há outros fatores que, sem dúvida, influenciam a superação de uma orientação por determinado tribunal, como a alteração da sua composição ou até mesmo a mudança de entendimento dos membros, o que pode acontecer, desde que haja uma profunda discussão a respeito da matéria e seja resguardada a confiança dos jurisdicionados. No modelo norte-americano, há também o anticipatory overruling, hipótese em que as Cortes de apelação afastam a aplicação do precedente fixado pela Suprema Corte por considerar que este provavelmente será revogado. Tal possibilidade é motivo de polêmica quando examinada a sua compatibilidade do stare decisis. Não obstante a discussão doutrinária envolvendo a matéria, a possibilidade do anticipatory overruling pode dar uma resposta aos críticos da doutrina dos precedentes vinculantes, que alegam que ela importaria engessamento do Poder Judiciário, tolhendo a liberdade dos juízes e tribunais inferiores. Note-se que não se trata de uma liberdade ampla dos tribunais de apelação, mas da possibilidade de se antecipar à Suprema Corte, afastando a aplicação do precedente, quando houver elementos convincentes indicando que este será revogado em breve.
[18] Recentemente, em 2016, o Supremo Tribunal Federal inovou ao criar a possibilidade de suspensão de mandato parlamentar. Na ocasião, o tribunal declarou que o então Presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha foi afastado do cargo de maneira inusitada. Ao fazer isso, apesar da particularidade do caso, o tribunal criou uma ratio, ainda que implícita, de que, em casos como o de Cunha, é autorizada a suspensão do mandato. Mas, afinal, o que é um caso como o de Cunha? Assim, é justamente esse o trabalho do jurista, a quem cabe encontrar a ratio. Por exemplo, basta ser réu? É preciso ser investigado na Comissão de Ética parlamentar? Deve existir risco à investigação penal em razão de como a pessoa se comporta no exercício da função pública? Ao reconstruir a ratio (muito provavelmente implícita), é que se terá a base para se afirmar quais casos devem ser tratados da mesma maneira ou distinguir os que não atendem aos requisitos para o afastamento. O exercício da distinção é sofisticado porque exige uma reconstrução narrativa tanto do precedente quanto do caso concreto sobre o qual se discute. Deve haver um amplo esforço de reconstrução dos fatos relevantes para então designar o regime jurídico e os precedentes aplicáveis. Como já enfatizou, argumenta-se pela não aplicação de um precedente a um caso concreto, mas respeitando plenamente a sua autoridade. O enfrentamento contra o precedente ocorre na situação de superação, que exploro a seguir.
[19] Os efeitos da revogação do precedente também podem ser limitados a partir determinado marco temporal. Trata-se do prospective overruling. No common law, a revogação do precedente, em regra, opera efeitos retroativos, pois significa admitir que a tese nele enunciada estava equivocada ou incompatível com novos valores ou o próprio direito. Contudo, a prática judicial norte-americana tem demonstrado a necessidade de se atribuir efeitos prospectivos a algumas decisões que revoguem um precedente, com fulcro no princípio da segurança e da proteção da confiança dos jurisdicionados.
[20] O paradigma neoconstitucional, exceto a visão de Dworkin, insurge-se contra a afirmação de que o conteúdo da norma individual está predeterminado pela norma jurídica geral. Mesmo diante de diversos formatos de neoconstitucionalismo, a lei geral e abstrata não tem o poder de determinar, de antemão, o conteúdo da norma que regerá o caso concreto, especial no que se refere às peculiaridades que podem excepcionar o âmbito da aplicação daquela previsão geral. Tal indeterminação não constitui afronta à segurança jurídica, senão sua própria garantia, no que se refere às ideias de cognoscibilidade, confiabilidade e calculabilidade. Por outro lado, o paradigma neoconstitucional é contrário às afirmações de que o tribunal pode criar uma norma individual cujo conteúdo não esteja predeterminado pela norma geral, pois o reconhecimento de tal decisionismo implicaria certamente na afronta ao devido processo legal e à segurança jurídica.
[21] Destacou-se, no julgamento, a doutrina de Castanheira Neves, segundo a qual a natureza jurídica dos assentos vem sendo disputada por três modalidades distintas, verbis: “Ordem ou instrução (normativa) de serviço afirmada na ordem jurisdicional; interpretação autêntica a imputar-se a um acto jurisdicional; lei interpretativa como possibilidade reconhecida a um tribunal! Tudo isto autênticas heterodoxias dogmáticas que se têm defendido, não decerto qualquer delas com total ou absoluta ausência de fundamento […], mas a denunciarem, na verdade, a estrutura paradoxal do nosso instituto”.
[22] O melhor lugar para se buscar o significado de um precedente está na sua fundamentação, ou melhor, nas razões pelas quais se decidiu de certa maneira ou nas razões que levaram à fixação do dispositivo. É claro que a fundamentação, para ser compreendida, pode exigir menor ou maior atenção ao relatório e ao dispositivo. A razão de decidir, numa prima perspectiva, significa a tese jurídica ou a interpretação da norma consagrada na decisão. De forma que a razão de decidir certamente não se confunde com a fundamentação, apesar de nesta se encontrar. Ademais, verifica-se que na fundamentação não apenas pode conter várias teses jurídicas, como igualmente considerá-las de modo diferenciado e sem dar a mesma atenção a todas. A ratio decidendi não corresponde em processo civil brasileiro e nem se confunde com a fundamentação e o dispositivo. A necessidade de se localizar a ratio decidendi surge para se identificar qual a porção do precedente judicial que possui efeito vinculante, obrigando aos juízos o respeito nos próximos julgamentos. Sublinhe-se que quando se cogita em doutrina do common law em interpretação de precedente, seria possível mesmo questionar se um precedente é realmente interpretado. De qualquer modo, é fácil demonstrar que, mediante a noção de interpretação do precedente judicial, não se busca revelar o conteúdo de seu texto, mas sim identificar seus extratos formais, ou melhor, onde se localiza o binding effect.
[23] Há quem afirme peremptoriamente que a ratio decidendi é a regra geral em cuja ausência o caso seria decidido de outra forma. E Wambaugh sugere um teste a ser feito. Antes de tudo, há de ser cuidadosamente formulada a suposta proposição de direito. Após, deve inserir-se na proposição uma palavra que inverta o seu significado. Assim, é necessário perguntar: caso o tribunal houvesse admitido a nova proposição e a tivesse tomado em conta no seu raciocínio, a decisão teria sido a mesma? Caso a resposta seja afirmativa, o caso não é um precedente judicial para a proposição; em hipótese negativa, o caso tem autoridades para a proposição original. Resumindo, a proposição ou doutrina do caso, a razão da decisão deve ser uma regra geral sem a qual o caso deveria ter sido decidido doutra maneira.
[24] A regra na common law é a dos precedentes com eficácia normativa (as decisões proferidas pelas Cortes superiores constituem precedentes obrigatórios para as Cortes inferiores). Esses precedentes das Cortes superiores, no entanto, produzem efeitos intermediários com relação ao próprio órgão julgador que os prolatou, podendo a Corte superá-lo. Em contrapartida, os precedentes firmados pelas Cortes inferiores possuem eficácia meramente persuasiva quando invocados nos tribunais superiores.
[25] Há ainda o busilis a ser solvido, que é saber a quem compete definir a ratio decidendi, se o órgão que institui o precedente judicial ou se aquele que está a analisar o precedente que há de ser aplicado ao caso concreto que está para julgamento. Não há dúvida de que, mesmo que a ratio decidendi seja instituída pelo órgão emissor do precedente judicial, isso não isentará os julgadores de, no futuro, compreendê-la diante de novos casos sob julgamento.
[26] Fixação do quantum indenizatório com base no salário mínimo. A jurisprudência do STF admite o uso do salário-mínimo como fixador inicial de condenação, desde que não haja atrelamento para fins de atualização. Nessa hipótese, não há afronta à Súmula Vinculante nº 4 ou ao art. 7º, IV, da CRFB/1988. (RCL 19.193–Ag Rg, 1ª T., Rel. Min. Roberto Barroso, J. 07.06.2016, DJe 171 de 16.08.2016)
[27] Essa Súmula Vinculante nº 25 é o resultado prático de uma das mais importantes decisões do Supremo Tribunal Federal em matéria de direitos fundamentais. Estamos tratando diretamente do reconhecimento do status supralegal dos Tratados Internacionais que versem sobre Direitos Humanos.
[28] “[…] diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos, não é difícil entender que a sua internalização no ordenamento jurídico, por meio do procedimento de ratificação previsto na CF/1988, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante. Nesse sentido, é possível concluir que, diante da supremacia da CF/1988 sobre os atos normativos internacionais, a previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel (art. 5º, LXVII) não foi revogada […], mas deixou de ter aplicabilidade diante do efeito paralisante desses tratados em relação à legislação infraconstitucional que disciplina a matéria […]. Tendo em vista o caráter supralegal desses diplomas normativos internacionais, a legislação infraconstitucional posterior que com eles seja conflitante também tem sua eficácia paralisada. […] enfim, desde a adesão do Brasil, no ano de 1992, ao PIDCP (art. 11) e à CADH – Pacto de São José da Costa Rica (art. 7º, 7), não há base legal para aplicação da parte final do art. 5º, LXVII, da CF/1988, ou seja, para a prisão civil do depositário infiel.” (RE 466.343, voto do Rel. Min. Cezar Peluso, J. 03.12.2008, DJe 104 de 05.06.2009, Tema 60)
[29] ICMS e mercadoria importada do exterior: “[…] constata-se que eventual divergência ao entendimento adotado pelo Juízo a quo demandaria o reexame de fatos e provas, de modo a inviabilizar o processamento do apelo extremo, tendo em conta o enunciado da Súmula nº 279 do STF. Por fim, ressalta-se que o acórdão recorrido não diverge da jurisprudência desta Corte, segundo a qual ‘na entrada de mercadoria importada do exterior, é legítima a cobrança do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro’ (Súmula nº 661 do STF). Confira-se, a propósito, o seguinte precedente: ‘Agravo regimental em recurso extraordinário. Desembaraço aduaneiro. Exigência de tributos. Caráter infraconstitucional da controvérsia. Súmula nº 279/STF. O Plenário do Supremo Tribunal Federal já decidiu que o fato gerador do ICMS, incidente sobre mercadoria importada, ocorre por ocasião do recebimento da mercadoria, no respectivo desembaraço aduaneiro (RE 193.817, Rel. Min. Ilmar Galvão). Nessas condições, não fica constatada nenhuma coação indireta na exigência, fundada em lei, do recolhimento dos tributos relativos ao desembaraço aduaneiro de bens importados. Agravo regimental a que se nega provimento’ (RE 810035-Ag Rg, 1ª T., Rel. Min. Roberto Barroso, J. 07.04.2015 […], publ. 23.04.2015)” (ARE 1022791, Rel. Min. Edson Fachin, decisão monocrática, J. 15.02.2017, DJ 20.02.2017).
[30] Há quem interprete que a súmula excluiu a competência material da Justiça do Trabalho para a execução das contribuições sociais do período laboral. Alega-se que o acórdão em sede do RE 569056, cujo relator foi o Ministro Menezes de Direito, não ampliou a competência às contribuições do pacto laboral reconhecido em sentença trabalhista. Isso porque, no acórdão, consta que, a rigor, não se executa a contribuição social, mas “o título que a corporifica ou representa”, visto que “o requisito primordial de toda execução é a existência de um título, judicial ou extrajudicial”. Para entender bem quais são as “parcelas devidas ao sistema previdenciário”, precisamos de uma compreensão bem definida e sistemática dos valores, dos princípios e das regras que configuram o regime de previdência básica no Brasil. As parcelas devidas ao “regime previdenciário” são de duas naturezas, segundo a CLT, a Lei nº 8.212/1991 e conforme o Decreto nº 3.048/1999.
[31] A aceleração de produção de súmulas vinculantes é uma meta de gestão do Ministro Ricardo Lewandowski na presidência da Corte. E se deveu no sentido de se evitar o acúmulo de demandas sobre questões idênticas e já pacificadas no STF. Antes de 2014, quando assumiu a presidência, a última norma desse tipo havia sido editada em fevereiro de 2011.
[32] É possível existir, nos ensina Marinoni, no common law, julgados com duas rationes. Porém, é preciso deixar evidenciado que, nesses casos, cada uma das rationes é considerada necessária ou suficiente para se chegar à solução do caso concreto. Não se cogita em duas rationes quando há decisões contrapostas, ou melhor, uma decisão favorável ao vencido e outra decisão em favor do vencedor. Para que existam duas rationes, ambas deverão ser capazes de propiciar idêntico resultado, ou seja, a decisão que beneficia o autor ou a decisão que beneficia o réu.
[33] Os precedentes, no Direito brasileiro, têm particularidade, especialmente aqueles que se formam em recurso especial e extraordinário e no controle concentrado de constitucionalidade. Embora as decisões proferidas em recurso especial e recurso extraordinário sejam tomadas em casos concretos, esses recursos são restritos à valoração de questões de direito ou de teses jurídicas, o que confere a esses precedentes natureza genuinamente interpretativa.
[34] Murilo Strätz não concorda com a afirmação de que o CPC/2015 tenha incorporado ao direito pátrio o sistema de stare decisis. Aliás, considerando que o STF também exerce jurisdição criminal e trabalhista, um diploma legal voltado a reger a jurisdição (art. 16 do CPC/2015) nem poderia mesmo alterar a sistemática legal prevista em outros ramos do direito processual, como o processo penal e processo penal militar, e muito menos subverter o modelo jurisdicional previsto na Constituição, pois a via legal seria tecnicamente inidônea para tanto. E, longe de ter importado qualquer modelo estrangeiro ou customizado, por via oblíqua, a Constituição, o CPC/2015 limitou-se a prestigiar a força de determinados pronunciamentos judiciais, o que homenageia a segurança jurídica, a previsibilidade, a estabilidade, o desestímulo à litigância excessiva, a confiança, a igualdade perante a jurisdição, a coerência, o respeito à hierarquia, a imparcialidade, o favorecimento de acordos, a economia processo (de processos e de despesas) e a maior eficiência.
[35] O Judiciário brasileiro tem sofrido nessas últimas três décadas, além de ranhuras em sua imagem, uma sobrecarga de trabalho, em razão do maior franqueamento de acesso à justiça. Com isso, há danoso descompasso entre a procura e a oferta de serviços judiciários, gerando um crescente e assustador saldo remanescente de demandas não julgadas dentro do tempo razoável.
[36] Promotor de Justiça de São Paulo Capital, Assessor do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente do Ministério Público de São Paulo, Mestre em Direito Processual Civil, Professor Universitário, Graduação (PUCCamp e UNIP), Professor Universitário, Pós-Graduação (USF), Professor do Curso Vere Dicto (preparatório às carreiras jurídicas), Ex-Promotor de Justiça em Minas Gerais, Ex-Procurador do Estado de São Paulo.
[37] Enaltece-se naturalmente a relevância de se prestigiar os fundamentos deontológicos (segurança jurídica e isonomia), mas também os fundamentos pragmáticos (duração razoável do processo, desestímulo à litigância e solução para as causas repetitivas) que legitimam a adoção de sistema de precedentes judiciais. Ademais, as modalidades decisórias brasileiras não se enquadram tecnicamente, na noção anglo-saxônica de precedente judicial. E nem precisariam enquadrar-se nas teses jurídicas firmadas pelo STF e pelo STJ, já que, se no common law um precedente só obriga quando possui uma intrínseca autoridade argumentativa, aqui em nosso país só alguns pronunciamentos judiciais possuem autoridade porque legalmente obrigam.
[38] Há quem afirme que o CPC/2015 é statute law que contrariamente estabelece o valor jurídico do case law. Não se tratando, portanto, de common law, nem do tipo de precedente judicial que tanto caracteriza o sistema britânico, embora existe inegável aproximação entre as famílias jurídicas em questão. Reconhece-se que o CPC/2015 rompeu com a tradição positivista que tanto marcou o Código Buzaid de 1973, inaugura uma nova era, dita pós-positivista, onde a hermenêutica processual não se exaure dentro dos limites da codificação de pretensões totalizantes, mas toma como ponto de partida inicial as cláusulas gerais, cujo sentido está sempre aberto a maior influxo de regras e dos princípios constitucionais.
[39] Foi o Ministro Gilmar Mendes que teve o mérito de ter desenvolvido sobre a eficácia além da motivação, a partir do Direito alemão. E demonstrou o ministro que a eficácia está umbilicalmente ligada à própria natureza da função desempenhada pelos tribunais constitucionais, além de ser absolutamente necessária à tutela da força normativa da Constituição. Os precedentes, no Direito brasileiro, têm particularidade, especialmente aqueles que se formam em recurso especial e extraordinário e no controle concentrado de constitucionalidade. Embora as decisões proferidas em recurso especial e recurso extraordinário sejam tomadas em casos concretos, esses recursos são restritos à valoração de questões de direito ou de teses jurídicas, o que confere a estes precedentes natureza genuinamente interpretativa.
[40] As previsões trazidas no art. 927 do CPC/2015 e, em especial, a previsão contida no § 3º no sentido de que pode haver modulação de efeitos por parte do juiz de primeiro grau ou tribunal, seja de segunda instância ou superior, quando ocorrer alteração de jurisprudência dominante, podem acabar por violar os princípios da segurança jurídica e da isonomia, trazendo, inclusive, decisões contraditórias que tratam de maneira distinta pessoas em situação idêntica.