PRÁTICA DO COMBATE AO ABUSO CONTRATUAL: PRINCÍPIO DO EQUILÍBRIO, LESÃO E OUTROS ASPECTOS ATUAIS DO CONTROLE DO EXERCÍCIO DE POSIÇÃO CONTRATUAL
Tiago Bitencourt de David
SUMÁRIO: Introdução; 1 A convivência do princípio do equilíbrio entre as prestações e a autonomia privada; 2 Ainda algumas notas sobre a dogmática do instituto da lesão; 3 Aplicação do instituto da lesão na jurisprudência; 4 Outros exemplos de aplicação prática do princípio do equilíbrio contratual para além dos institutos tradicionais; Referências.
INTRODUÇÃO
Ainda em sede de graduação, defendi trabalho de conclusão acerca do instituto da lesão e o posicionamento dele em uma perspectiva aristotélica de justiça contratual. A apresentação do trabalho deu-se em meados de 2006, tendo ocorrido sua publicação na forma de artigo [1] em novembro de 2011. Ao longo de mais de uma década, continuei pensando a respeito da problemática, e algumas ideias que embalaram o estudo inicial foram sendo remodeladas e agora se apresenta o presente escrito, bem mais sucinto do que o anterior e indo direto aos pontos que entendo serem de maior interesse ao público em geral.
Assim, a tormentosa questão acerca da (in)existência de uma manifestação da justiça distributiva por meio da aplicação do instituto da lesão foi, ao menos por ora, deixada de lado [2], ao passo que, ao invés de abordar-se apenas a lesão em si, passa-se a analisar o princípio do equilíbrio que o engloba e transcende-o, averiguando-se, ainda, outros aspectos teóricos e práticos decorrentes do prestígio ao sinalagma contratual. Aqui se tem, desse modo, a retomada do tema, replicando-se parte daquele artigo para em seguida remodelá-lo, apresentando ao leitor o resultado de uma meditação que redunda na manutenção do que resistiu ao crivo do tempo e oportunizando que se conheçam algumas variações de minha parte inéditas sobre o assunto.
1 A CONVIVÊNCIA DO PRINCÍPIO DO EQUILÍBRIO ENTRE AS PRESTAÇÕES E A AUTONOMIA PRIVADA
O direito privado sofreu profundas alterações durante o século XX. A responsabilidade civil assumiu um novo enfoque. Acaba a era da culpa e surge o direito de danos, fundado no risco e na valorização da vítima. O direito de família deixa para trás o dogma de que existia um modelo familiar ideal, em que a figura paterna assumia a responsabilidade financeira sobre os débitos decorrentes das despesas necessárias ao sustento da casa. Surge um novo paradigma no qual homens e mulheres concorrem em igualdade de direitos e deveres na sociedade e no lar. Com o direito contratual não haveria de ser diferente. Cai o mito da igualdade formal para a ascensão de uma matriz realista, que pauta os deveres e direitos desigualmente porque as pessoas ocupam posições contratuais diversas e com poderes negociais bastante distintos.
O direito contratual assiste à sobrevivência dos seus princípios antigos, ou simplesmente clássicos, com a superveniência de normas mais adequadas aos ditames econômicos do mundo atual. A superveniência de princípios novos em contraposição aos clássicos deu ensejo a um cenário de hipercomplexidade, na feliz expressão de Antonio Junqueira de Azevedo [3], em que
[…] os dados se acrescentam, sem se eliminarem, de tal forma que, aos três princípios que gravitam em volta da autonomia da vontade e, se admitido como princípio, ao da ordem pública, somam-se outros três – os anteriores não devem ser considerados abolidos pelos novos tempos, mas, certamente, deve-se dizer que viram seu número aumentado pelos três novos princípios. [4]
Os três novos princípios contratuais, o da boa-fé objetiva, o da função social do contrato e o do equilíbrio econômico, também conhecido como princípio do sinalagma ou simplesmente denominado princípio do equilíbrio entre as prestações, juntam-se à autonomia privada, à força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda) e ao efeito relativo dos contratos (res inter alios acta) [5]. Daí Enzo Roppo [6] aduzir que:
Do ponto de vista dos conteúdos e dos valores, aumenta a sensibilidade para o problema “da justiça contratual“. Cada vez mais frequentemente pede-se ao legislador e ao intérprete que saiam da lógica segundo a qual – repetindo as palavras de Georges Ripert – o “contractuel” é automaticamente sinónimo de “juste“; e até mesmo que superem o velho dogma da inatacabilidade do equilíbrio económico do contrato.
Do equilíbrio contratual a ser promovido, além de sua eficácia própria enquanto princípio, decorrem outros institutos mais específicos plasmados em regras jurídicas, dentre os quais cumpre destacar os institutos do estado de perigo, da lesão, da excessiva onerosidade superveniente prevista no CDC e na teoria da imprevisão consagrada no Código Civil [7].
Ao longo de mais de uma década de observação e reflexão, compreendi o alcance bastante limitado das manifestações específicas do equilíbrio contratual, especialmente do instituto da lesão, que foi objeto do estudo inicial. O entusiasmo com a retomada do instituto revelou-se desproporcional ao alcance prático da lesão e isso se justifica plenamente na medida em que a lesão realmente deve ser utilizada de forma absolutamente excepcional, dado o risco à segurança jurídica que resultaria de sua banalização. Uma outra razão para a importância da lesão ser menor do que a imaginada é que se verificou que há diversas manifestações concretas de violação ao sinalagma que simplesmente não se enquadram na configuração do instituto da lesão e que somente uma formulação mais ampla consistente no princípio do equilíbrio contratual (e aqui invoco norma mais abrangente do que a necessidade de equilíbrio entre as prestações) pode abarcar.
Após 15 anos da publicação do Código Civil e de 26 do Código de Defesa do Consumidor, pode-se comemorar que obrigações expressamente anuídas, mas profundamente iníquas, não mereçam a tutela jurídica e, ao contrário, imponha-se o seu repúdio. Não se trata da débâcle da liberdade contratual ou do pacta sunt servanda. Pode-se dizer tranquilamente que a imposição de limites às avenças, restabelecendo-se o equilíbrio contratual, constituiu verdadeira defesa de uma real autonomia dos contratantes, especialmente da parte com menor poder de barganha e/ou com menor conhecimento técnico. Entretanto, reconheço que o papel desempenhado para tanto pelo instituto da lesão tal como tradicionalmente delineado foi mínimo, senão como expressão concreta de um princípio mais amplo a promover o sinalagma contratual.
2 AINDA ALGUMAS NOTAS SOBRE A DOGMÁTICA DO INSTITUTO DA LESÃO
A lesão adquiriu contornos objetivos, especialmente nas relações consumeristas nas quais a caracterização prescinde da ocorrência de inexperiência ou premente necessidade (art. 6º, V, do CDC). Mesmo no Código Civil (art. 157), compõe-se o suporte fáctico da lesão a inexperiência ou premente necessidade mais o manifesto desequilíbrio das prestações, mas não se impõe um dolo de aproveitamento da contraparte. Portanto, a definição legal afasta o instituto dos vícios de consentimento (por definição de natureza subjetiva) e consagra-o como defeito (objetivo) do negócio jurídico.
Entretanto, tenho que a explicação acima deve ser mais detidamente explicada.
O CDC não consagra o instituto da lesão como tradicionalmente conhecido, pois, dispensando a averiguação da razão pela qual se faz mau negócio, estabelece, de forma objetiva e clara, o direito ao reequilíbrio do negócio e faz isso sem aludir ao instituto da lesão. Note-se, ainda, que o CDC não apenas consagra o equilíbrio entre as prestações, mas na relação contratual como um todo, somando-se ao art. 6º, V, o art. 51, I, do CDC, de forma a indubitavelmente possibilitar a aferição da justiça de cláusulas contratuais secundárias, desbordando do que tradicionalmente contempla a lesão. Assim, a invocação da lesão no direito do consumidor serve apenas como alusão a um determinado referencial teórico já conhecido e com paralelo no direito civil, mas é certo que na área consumerista a proteção é mais ampla e intensa do que a consagrada pelo instituto em questão.
A segunda observação a ser feita consiste no fato de que a lesão não foi prevista de forma a exigir-se a comprovação de um dolo de aproveitamento. Entretanto, não se consegue vislumbrar uma contratação na qual alguém em premente necessidade ou por inexperiência paga mais do que o preço corrente a outrem de boa-fé. Isso porque o preço elevado conjugado com a venda a desavisado ou desesperado já denota que existe torpeza por parte do beneficiário. De igual modo quando se vende por mixaria o que vale muito, mostra-se evidente a malícia do adquirente. Assim, ainda que a lei não exija o requisito do dolo de aproveitamento, é difícil imaginar que na prática ele não exista.
Pelas mesmas razões expostas acima, o defeito do negócio jurídico acaba decorrendo do exercício de uma liberdade pouco esclarecida ou premida pelas circunstâncias, não se podendo ver no caso uma manifestação livre e consciente. Desse modo, em que pese o codificador não ter usado a expressão vício de consentimento, em essência a lesão é isso mesmo.
A lesão é aplicável em regra aos contratos comutativos e bilaterais [8], embora possa excepcionalmente ser declarada a invalidade de pactos unilaterais e aleatórios. A possibilidade de decretação do defeito em tela, em se tratando de contrato unilateral, foi defendida por João de Matos Antunes Varela [9], cuja explicação reside em que a onerosidade do contrato pode ensejar a necessidade de equalização das prestações, mesmo que se considere o mútuo feneratício como um contrato de prestação única, cumprindo notar que Miguel Maria de Serpa Lopes defende o caráter bilateral do mútuo feneratício [10]. A possibilidade de declaração de que contrato aleatório pode mostrar-se lesionário foi sustentada por Anelise Becker [11], Jorge Cesar Ferreira da Silva [12] e reconhecido pelo STJ na questão do abuso da fixação dos honorários contratuais pelo êxito [13], devendo ser corrigida a desproporção que extrapole a álea natural para as avenças daquela espécie.
A lesão é causa de anulabilidade dos negócios jurídicos, não tendo sido acolhida pelo Código Civil vigente a distinção entre a anulabilidade e rescisão, ao contrário do sustentado por Clóvis do Couto e Silva, quando da redação do diploma [14], assim como no mesmo sentido e pelas mesmas razões advoga Araken de Assis [15]. Como toda causa de anulabilidade, a lesão no Código Civil de 2002 exige, para sua pronúncia, a solicitação da parte interessada. Em atenção à correlação entre demanda e pronunciamento jurisdicional, o STJ (Súmula nº 381) entende que nem mesmo nas relações consumeristas a abusividade pode ser conhecida de ofício – tal questão é tormentosa e entra-se no dilema de emitir-se juízo sobre a cláusula abusiva para corrigir o contrato naquela parte na qual há ilegalidade, correndo-se o risco de sério tumulto processual e prejuízo à parcialidade, ou de assistir-se imóvel à injustiça sofrida pela parte mais fraca da relação econômica. Uma solução quase intermediária, mas ainda assim mais lídima cognição de ofício ou, pelo menos, de rompimento da inércia jurisdicional, seria instar as partes a manifestar-se sobre determinada cláusula, mas, mesmo nesse caso no qual promovido o contraditório e a ampla defesa, haveria algum prejuízo à imparcialidade e problemas futuros no que tange à consumação da coisa julgada material sobre a questão nova objeto de cognição judicial.
A ponderação dos princípios do equilíbrio entre as prestações e da força obrigatória dos contratos exige do intérprete uma atuação no sentido da revisão e conservação dos pactos, ao invés da declaração de invalidade. O negócio deve ser prestigiado e conservado quando isso ainda for viável [16]. A invalidade do negócio jurídico é a ultima ratio. Nesse sentido, inclusive, dispõe o art. 157, § 2º, do CC/2002, in verbis:
Art. 157. […]
- 2º Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.
Estabelecida a prioridade da revisão sobre a anulação, cabe indagar se, em que pese a redação do art. 6º, V, do CDC referir-se tão somente à modificação e o instituto da lesão no Código Civil estar arrolado dentre os defeitos dos negócios jurídicos, poderia haver novas possibilidades hermenêuticas, como eventual anulação do negócio jurídico em sede de relação entre consumidor e fornecedor, assim como pedido de revisão de contrato no âmbito civil, sem sequer ter sido requerida alternativamente a anulação do negócio jurídico.
O autor pode, seja consumidor ou não, buscar tanto a declaração de invalidade, sofrendo as consequências positivas e negativas da restauração do status quo ante (art. 182 do CC/2002), quanto a via menos drástica da revisão [17]. O CDC estampar o verbo modificar no seu art. 6º, V, e o Código Civil colocar a revisão como uma decorrência do comportamento do devedor (art. 157, § 2º) não mudam a razão de ser dos institutos e a harmonização dos princípios em tensão, de forma que se deve prestigiar a manutenção do negócio enquanto foi viável. Pedida a anulação, cabe ao beneficiário do vício demonstrar que a alternativa mais grave é desarrazoada, revelando a viabilidade prática da manutenção do pacto mediante redução do benefício [18].
3 APLICAÇÃO DO INSTITUTO DA LESÃO NA JURISPRUDÊNCIA
De início já cabe consignar que a imensa maioria dos julgados que abordam expressamente a aplicação do instituto da lesão é para rejeitar sua ocorrência. E não é de se estranhar isso; afinal, os caracteres do instituto já indicam sua excepcionalidade e sua banalização pode implicar sério risco à segurança jurídica e acabaria por desfigurar a confiança das pessoas na ideia tradicional de contrato. Quanto se pesquisa a aplicação da lesão no STJ, a situação complica-se ainda mais pela impossibilidade do reexame de questão de fato (nesse sentido, exemplificativamente: AgRg-AREsp 191369 e AgRg-REsp 1310051).
Um caso interessante de reconhecimento da ocorrência de lesão pelo STJ foi o da admissão de indenização para além do conteúdo de transação firmada por mulher que recém havia perdido as pernas em acidentes rodoviário e a respectiva empresa de viação. Verificou-se que a condição frágil da mulher conjugada com sua inexperiência a respeito do que lhe era devido implicou exercício de uma liberdade restringida gravemente pelas circunstâncias e de forma pouco esclarecida. O julgamento foi unânime no STJ, e o Relator Ministro Luís Felipe Salomão fez detida análise da questão por nós aqui abordada. Entretanto, remete-se o leitor ao inteiro teor do aresto, sendo aqui reproduzido excerto da ementa que já encaminha o entendimento do caso:
- A transação, assim como acontece com outras espécies de negócio jurídico, pode ser desconstituída quando detectado defeito no ato, tal como a ocorrência de dolo, violência ou erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa, nos exatos termos do art. 849 e seu parágrafo único do CC.
- A lesão, defeito do ato jurídico, apesar de não ter constado expressamente do CC de 1916, como o fez o Código de 2002, por sua íntima relação com a noção de justiça contratual, já funcionava, na vigência do diploma anterior, como instrumento apto a assegurar o equilíbrio negocial em sentido amplo.
- O instituto da lesão se caracteriza pelo desrespeito à cláusula geral da boa-fé pelo agente que a provoca, atitude que antecede e independe de qualquer previsão legal do instituto.
- Quando o acordo extrajudicial é, em tese, prejudicial à parte hipossuficiente em desvantagem excessiva, as portas do Judiciário não podem permanecer fechadas, sob o risco de perpetuar a desproporcionalidade entre o dano e o seu ressarcimento.
- A situação de desequilíbrio na relação entre as partes, incontestável, marcado pela indiscutível inexperiência da vítima, sem a assistência de um profissional ou pessoa esclarecida no momento de formalização da transação, é capaz de fundamentar o reconhecimento do direito à prestação originalmente não prevista no negócio, no caso dos autos, uma pensão mensal vitalícia. (STJ, REsp 1.183.315, J. 03.12.2015)
Entretanto, o paradigma deve ser entendido com a observação de alguns aspectos que diferenciam o caso de outros, a saber: a) o recibo parece ter caráter genérico e o STJ há muito entende que a quitação deve ser expressa e específica, sob pena de ação residual pela verba não contemplada; b) tendo a transação decorrido de acidente de trânsito envolvendo empresa de viação, é certa a incidência do CDC, o que muda bastante o regime jurídico aplicável.
Além da gravidade em si da situação, o que já colocou séria dúvida sobre a voluntariedade e consciência da transação, a regência da relação pelo CDC enquanto fato do serviço já coloca o acordo extrajudicial sob o crivo pesado da proteção do consumidor, especialmente quando este não está vulnerável (condição normal), mas hipervulnerável, dado o caráter desesperador da situação. Veja-se que é vedada não apenas a exoneração, mas também a atenuação da responsabilidade (art. 51, I, do CDC), e igualmente é proscrito o acerto que coloque o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, IV, do CDC).
Outro caso interessantíssimo foi aquele constante do Recurso Especial nº 107.961, em que estava assentado que teria havido desproporção exagerada entre a herança e o valor de sua alienação. A discussão centrou-se na distinção entre dolo e lesão, sendo advogado pelo beneficiário que seria caso de dolo, ou seja, o próprio acusado de engano assumia ser caso de dolo – e não de lesão – para forçar o reconhecimento de prazo menor e fulminar o pleito pelo decurso do tempo. Na falta de prazo para o reconhecimento da lesão, seria aplicável o prazo prescricional (rectius, decadencial) vintenário ou nenhum prazo, reconhecendo-se ser caso de nulidade, ao invés de anulabilidade. Assim, vício mais grave seria coberto pelo tempo, ao passo que vício menos grave não, revelando a incoerência legislativa da decorrente da superveniência da Lei nº 1.521/1951 (note-se que se trata de lei penal, sem a regulação dos efeitos civis, senão para dizer que é nulo o negócio usurário – art. 4º, § 3º) e da ausência de contemplação da lesão no Código Civil de 1916. Acabou prevalecendo a prescrição – que hoje, sem dúvida, seria de decadência na forma do Código Civil atual -, mas não sem dois votos-vencidos que reconheceram a ocorrência de lesão como forma de corrigir a incoerência advinda da afirmação do dolo e da convalidação do nefasto negócio. Na verdade, a Lei nº 1.521/1951 é de difícil aplicação civil e não consagrou efetivamente o instituto da lesão no Brasil. A começar pela necessidade de constatação de dolo de aproveitamento [19], passando, ainda, pela inaplicabilidade do diploma às instituições financeiras, o uso do diploma mostrou-se de aplicação diminuta.
Exemplificando discussão tormentosa e comum nos tribunais, o STJ resolveu a questão da abusividade dos honorários contratuais pelo êxito, conjugando a aplicação do instituto da lesão com a vedação de vantagem maior do procurador em relação ao benefício do cliente. Veja-se o julgado que restou assim ementado:
Direito civil. Contrato de honorários quota litis. Remuneração ad exitum fixada em 50{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} sobre o benefício econômico. Lesão. 1. A abertura da instância especial alegada não enseja ofensa a circulares, resoluções, portarias, súmulas ou dispositivos inseridos em regimentos internos, por não se enquadrarem no conceito de lei federal previsto no art. 105, III, a, da Constituição Federal. Assim, não se pode apreciar recurso especial fundamentado na violação do Código de Ética e Disciplina da OAB. 2. O CDC não se aplica à regulação de contratos de serviços advocatícios. Precedentes. 3. Consubstancia lesão a desproporção existente entre as prestações de um contrato no momento da realização do negócio, havendo para uma das partes um aproveitamento indevido decorrente da situação de inferioridade da outra parte. 4. O instituto da lesão é passível de reconhecimento também em contratos aleatórios, na hipótese em que, ao se valorarem os riscos, estes forem inexpressivos para uma das partes, em contraposição àqueles suportados pela outra, havendo exploração da situação de inferioridade de um contratante. 5. Ocorre lesão na hipótese em que um advogado, valendo-se de situação de desespero da parte, firma contrato quota litis no qual fixa sua remuneração ad exitum em 50{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} do benefício econômico gerado pela causa. 6. Recurso especial conhecido e provido, revisando-se a cláusula contratual que fixou os honorários advocatícios para o fim de reduzi-los ao patamar de 30{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} da condenação obtida. (STJ, REsp 1.155.200, 22.02.2011)
Confirmou-se, assim, a abrangência do instituto da lesão de modo a alcançar os contratos aleatórios e estabeleceu-se como justa a percepção de 30{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} do resultado mais a verba sucumbencial.
4 OUTROS EXEMPLOS DE APLICAÇÃO PRÁTICA DO PRINCÍPIO DO EQUILÍBRIO CONTRATUAL PARA ALÉM DOS INSTITUTOS TRADICIONAIS
A concretização do princípio do equilíbrio por meio dos institutos clássicos é a face mais visível do fenômeno da busca da limitação da autonomia privada e do pacta sunt servanda. Como já dito acima, as restrições acabam por, em última instância, fazer prevalecer uma liberdade real premida por circunstâncias que prejudicam o esclarecimento e/ou o exercício da autonomia. A ordem pública se impõe sobre o convencionado para corrigir a falta de informação e/ou a ausência de manifestação razoavelmente livre da vontade.
Aqui cumpre ter em conta que os problemas contratuais decorrem muito mais da ausência de informação, entendida aqui tanto o não informar, quanto o mal informar, do que de dificuldades reais, concretas, para o exercício da liberdade contratual. Enquanto apenas situações de extrema necessidade acabam ensejando a invalidade contratual pela ausência de consentimento livre, a falta ou a deficiência de informação ocasiona, diariamente, a declaração da invalidade de partes importantes dos pactos.
A prevalência da necessidade de informação sobre a exigência de uma existência liberdade ampla, livre de pressões diretas e anormais é tão grande que a taxa de juros do mútuo bancário é válida ou não a depender da clareza da oferta e da concordância – e não do preço em si do dinheiro no tempo [20]. Aliás, dada a ausência de uma metodologia legal para o cálculo dos juros e abatimento dos pagamentos parciais, a alegação de abusividade perde força, devendo prevalecer o pactuado, especialmente se houver o valor em reais expresso no instrumento contratual, revelando a ciência inequívoca do quanto o mutuário deverá pagar.
A questão já é outra em face de determinadas cláusulas que vêm sendo reconhecidas como abusivas em sede jurisprudencial por violação ao princípio do equilíbrio contratual, cabendo aqui destacar alguns casos.
Primeiramente, é abusiva e merece repúdio a cláusula potestativa, entendida esta como aquela que deixa sob o poder de um dos contratantes a variação acerca de aspecto relevante da relação obrigacional [21]. O caso clássico é da vedação de fixação ou alteração do preço de forma unilateral por uma das partes (art. 489 do Código Civil).
Por outro lado, mas de forma não unânime, entendeu o STJ (Súmula nº 294) que a comissão de permanência não significa cláusula potestativa. Outrossim, a comissão de permanência não pode ser cumulada com outros encargos em razão de sua finalidade já abarcar as funções que seriam exercidas por outras verbas, sendo pacífico na jurisprudência o reconhecimento da abusividade em tais casos (Súmulas nºs 30 e 296 do STJ). De igual modo, por já estar embutido no preço do imóvel a assessoria imobiliária necessária ao negócio, especialmente tendo em vista ser dever do vendedor a prestação de informações claras, o STJ declarou a nulidade da cláusula relativa ao pagamento de Sati (Serviço de Assessoria Técnico-Imobiliária)[22].
A cláusula que prevê o direito de uma das partes dizer ao longo do contrato a quantidade a ser prestada pelo outro pode eventualmente se revelar abusiva, porém cabe a quem se sentir prejudicado comprovar que havia uma expectativa legítima de que haveria determinada demanda que restou frustrada, arcando, assim, com o prejuízo da ociosidade do quanto investido para bem cumprir o programa contratual. Havendo previsão expressa no sentido de que a prestação será conforme a demanda apresentada ao longo do prazo contratual e que ela poderá sequer existir, revelando-se a eventualidade da necessidade, então inexistirá abuso a ser declarado.
Outra manifestação do princípio do equilíbrio contratual – e esta vem ganhando força e adesão jurisprudencial – é o da eficácia dúplice da cláusula. Assim, cada cláusula que vale para um valerá igualmente para o outro, mesmo com disposição contratual prevendo o caráter unilateral dela. Trata-se de uma perspectiva interessante e promissora, inclusive para promover a lealdade prescrita pelo princípio da boa-fé objetiva. A aplicação mais conhecida da tese consiste na aplicação contra as construtoras da cláusula penal por inadimplemento relativo, pois tal sanção prevista em desfavor do adquirente mostra-se igualmente aplicável contra o atraso na entrega do imóvel. De precedente do STJ (Recurso Especial nº 1.536.354) colhe-se: “A cláusula penal inserta em contratos bilaterais, onerosos e comutativos deve voltar-se aos contratantes indistintamente, ainda que redigida apenas em favor de uma das partes“.
Entretanto, casos há nos quais a aplicação da cláusula somente faz sentido em uma direção – e não na outra. Exemplo conhecido nessa linha era o da garantia hipotecária na interpretação do STJ, tendo em vista o art. 655, § 1º, do CPC/1973, entendendo-se que favorecia ao credor a excussão do bem, sendo vedado ao devedor exigir que o imóvel dado em garantia fosse executado em detrimento de outros bens do patrimônio do inadimplente. Hoje o NCPC estabeleceu em sentido diverso, transformando a hipoteca em garantia dúplice (art. 835, § 3º, do NCPC) e retomando a tradição de que a execução hipotecária é ação diversa da execução de pagar quantia certa.
O caráter unilateral da cláusula e sua justificativa somente podem ser compreendidos e justificados observando-se a racionalidade econômica que move o pacto. É somente diante das circunstâncias do caso e da espécie de negócio que se pode verificar a (i)legalidade da previsão contratual unidirecional, cumprindo ainda observar se a interpretação que afirma ser a cláusula específica uma via de mão dupla não acaba por gerar um resultado absurdo ou um desequilíbrio contratual sério e inesperado. É boa diretriz hermenêutico-contratual aquela que preconiza o caráter dúplice da cláusula, salvo prova de que somente se revela razoável a interpretação de que a estipulação contratual reveste-se de caráter unilateral.
Exemplo bastante comum, especialmente no mercado imobiliário, de cláusula em descompasso com o princípio do equilíbrio consiste naquela previsão de perda das parcelas pagas no caso de inadimplência ou desistência do negócio. É evidente que alguém não pode perder tudo que já pagou quando o montante já se mostra expressivo. Por outro lado, é justificável a retenção de parte do valor; afinal, o contrato tem força obrigatória e a desistência no curso dele equivale ao inadimplemento se não há previsão de abdicação no curso do processo obrigacional, devendo o investimento da outra parte ser remunerado, assim como os riscos experimentados. Desse modo, a depender das circunstâncias do caso, a perda de 10{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}, 20{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} do valor pago e a devolução do restante pode revelar-se a solução mais justa.
A impossibilidade de exigir-se o cumprimento de todo o programa contratual quando desaparece o objetivo prático que lhe dava sustentação também vem sendo considerado como meio de coibir convenções abusivas. Assim, na linha do princípio do equilíbrio entre as prestações, o STJ declarou nula a cláusula de contrato de prestação de serviços advocatícios que previa o pagamento integral mesmo em casos de desistência ou acordo, impondo o pagamento proporcional dos honorários contratuais [23]. De igual modo, entendeu-se que, retomado o veículo, não se computam as prestações vincendas, resolvendo-se o negócio tendo em vista as parcelas vencidas [24]
Tal como dito acima, a respeito do caráter dúplice da cláusula contratual, quando se enfatizou a necessidade de atenção ao contexto negocial, cumpre observar que há algumas cláusulas abusivas à luz do CDC que são normais nas relações civis. A venda de imóvel com a inclusão de cláusula que prevê que diferença de até 5{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} não será complementada ou indenizada foi tida como abusiva pelo STJ (votação por maioria) [25], sendo que tal ditame é expressamente avalizado pelo do Código Civil que consagra a venda ad corpus. Acabou o STJ por entender que, na prática, a venda ao consumidor é sempre ad mensuram. É que no regime do CDC é nula a cláusula que atenue a responsabilidade do fornecedor (art. 51, I, do CDC).
Outro precedente importante, valendo-se expressamente da noção de sinalagma contratual, é o do julgamento pelo STJ do pedido dos autores que demandaram plano de saúde para que houvesse o reembolso das despesas médicas de emergência e de urgência despendidas com a prestação de serviço do Hospital Israelita Albert Einstein. Entendeu a Alta Corte que a cobertura do plano de saúde existiu e foi correta, reembolsando-se pelo uso de nosocômio fora da rede conveniada, mas no valor correspondente daquele prestado em unidade parceira do fornecedor-demandado. Veja-se a ementa do aresto:
Recurso especial. Ação destinada à obtenção de reembolso pelas despesas médicas expendidas em hospital e equipe médica não credenciados/conveniados, em virtude de acidente aéreo. 1. Tratamento em situação de emergência e urgência. Dever legal de reembolso, limitado, no mínimo, aos preços do produto contratado à época do evento. Dever legal. Inteligência do art. 12, VI, da Lei nº 9.656/1998. Hospital de alto custo. Irrelevância. Prosseguimento do tratamento médico, após alta hospitalar e cessação da situação emergencial, no hospital não credenciado. Cobertura. Exclusão. 2. Pretensão de anular a declaração de quitação, assinada pelo recorrente, então curatelado. Irrelevância da questão. Reconhecimento. Curatela requerida por enfermo, nos termos do art. 1.780 do Código Civil, que não pressupõe, necessariamente, a perda de discernimento do curatelado e, por conseguinte, a completa incapacidade para os atos civis. Recurso improvido. 1. O contrato de plano de assistência à saúde, por definição, tem por objeto propiciar, mediante o pagamento de um preço, a cobertura de custos de tratamento médico e atendimentos médico, hospitalar e laboratorial perante profissionais e rede de hospitais e laboratórios próprios ou credenciados. A estipulação contratual que vincula a cobertura contratada aos médicos e hospitais de sua rede ou conveniados é inerente a esta espécie contratual e, como tal, não encerra, em si, qualquer abusividade. Aliás, o sinalagma deste contrato está justamente no rol – de diferentes níveis de qualificação – de profissionais, hospitais e laboratórios próprios ou credenciados postos à disposição do consumido, devidamente especificados no contrato, o qual será determinante para definir o valor da contraprestação a ser assumida pelo aderente. Por consectário, quanto maior a quantidade de profissionais e hospitais renomados, maior será a prestação periódica expendida pelo consumidor, decorrência lógica, ressalta-se, dos contratos bilaterais sinalagmáticos. 1.1. Excepcionalmente, nos casos de urgência e emergência, em que não se afigurar possível a utilização dos serviços médicos, próprios, credenciados ou conveniados, a empresa de plano de saúde, mediante reembolso, responsabiliza-se pelos custos e despesas médicas expendidos pelo contratante em tais condições, limitada, no mínimo, aos preços de serviços médicos e hospitalares praticados pelo respectivo produto. 1.2. Afigura-se absolutamente eivada de nulidade a disposição contratual que excepciona o dever de reembolsar, mesmo nos casos de urgência ou de emergência, as despesas médicas efetuadas em hospital de tabela própria (compreendido como de alto custo). A lei de regência não restringe o reembolso nessas condições (de urgência ou emergência), levando-se em conta o padrão do hospital em que o atendimento/tratamento fora efetuado, até porque, como visto, a responsabilidade é limitada, em princípio, justamente aos preços praticados pelo produto contratado. 1.3. Na espécie, em que pese a nulidade da estipulação contratual acima destacada, a recorrida, em estrita observância à lei de regência – e não por mera liberalidade como chegou a argumentar e as instâncias precedentes, de certo modo, a reconhecer – procedeu ao reembolso, no limite dos preços do respectivo produto, à época do evento, como seria de rigor. 1.4. O tratamento médico percebido pelos demandantes no hospital de alto custo, com renomada e especializada equipe médica, após a alta hospitalar – e, portanto, quando não mais presente a situação de emergência ou de urgência do atendimento/tratamento -, ainda que indiscutivelmente importante e necessário a sua recuperação, não se encontrava, nos termos legitimamente ajustados, coberto pelo plano de assistência à saúde em comento. Improcede, por conseguinte, a pretensão de ressarcimento da totalidade da despesas expendidas. 2. Verifica-se a própria ausência de proveito prático do provimento ora perseguido (qual seja, o de anular a própria declaração de quitação), pois as instâncias precedentes, ao julgarem improcedente o pedido vertido na inicial, em momento algum, adotaram como razão de decidir o fundamento de que a quitação, concebida como transação extrajudicial, obstaria, supostamente, a propositura da presente ação destinada a obter o integral ressarcimento, caso em que se justificaria o interesse dos recorrentes em discutir a questão. Diversamente, a improcedência, como visto, encontrou-se calcada, exclusivamente, no reconhecimento de que a recorrida não tem obrigação legal e contratual de reembolsar as despesas médicas remanescentes, entendimento que ora se ratifica, in totum. Constata-se, pois, a própria ausência de interesse dos recorrentes de discutir a validade da declaração de quitação, não se olvidando, inclusive, que, seus termos os beneficiaram, indiscutivelmente. 3. Nos termos do art. 1.780 do Código Civil, possível ao enfermo ou portador de deficiência física requerer a sua interdição, para que lhe seja nomeado um curador, a fim de cuidar de todos ou alguns de seus negócios ou bens. Esta peculiar espécie de curatela, que, segundo doutrina autorizada, aproxima-se do instituto do mandato, não pressupõe a perda de discernimento do curatelado e, por conseguinte, a completa incapacidade para os atos civis. 4. Recurso especial improvido.
Em princípio, o plano de saúde sequer reembolsaria qualquer gasto. Assim havia sido estipulado em cláusula contratual. Entretanto, depois do infortúnio e diante do atrito com os segurados, a empresa decidiu pagar o reembolso no mesmo patamar dos hospitais conveniados.
A questão em última análise é saber se a responsabilidade é limitada ou não, pois há casos nos quais determinado procedimento sequer existe na rede conveniada, inexistindo paralelo para reembolso. Se o plano de saúde não estivesse obrigado a reembolsar ou se as pessoas comprovadamente não pudessem pagar pelo tratamento existente em um único hospital, deveria o SUS custeá-lo? Enfim, trata-se de tema delicadíssimo e que extrapola o âmbito do presente estudo.
Ainda dentro da aferição do sinalagma, os tribunais vêm se deparando com tortuosas questões a respeito da cobertura securitária. Carlos Harten [26] fez uma análise detida e exaustiva do enfrentamento de diversas questões relativa ao tema, chamando nossa atenção o quão difícil é julgar se a cláusula é abusiva ou não por extrapolar o que se legitimamente espera da proteção decorrente da espécie de seguro contratada. Ao mesmo tempo que o STJ entende possível a restrição da cobertura, consagrando a legalidade das cláusulas que preveem a cobertura somente de capacidade permanente e irreversível, que afastam o amparo diante de incapacidade parcial, que exclui a proteção em face de acidente causado por segurado embriagado ou por ato culposo de empregado da segurada. Também entende a Alta Corte que é inválido o afastamento de cobertura de lesão por esforço repetitivo (LER), da exigência de incapacidade para toda e qualquer atividade (omniprofissional) e da exclusão de amparo diante de acidente ocasionado por defeito do veículo. O tema é tormentoso e interessante e evoca o problema acerca de o seguro ser em face do risco de perecimento da coisa, de proteção de pessoa, ou se, diferentemente, a proteção é contratada em face de determinados riscos. Isso tem relação, inclusive, com a responsabilidade civil, pois a responsabilidade objetiva e a restrição contínua da possibilidade de invocação de causas interruptivas do nexo causal acabam por impor a necessidade prática da possibilidade de contratação de seguros não mais diante de riscos conhecidos, mas igualmente diante de ameaças sequer conhecidas (p. ex., responsabilidade da empresa farmacêutica pelos riscos do desenvolvimento).
A noção de equilíbrio também deu o tom acerca do restabelecimento da situação de fato após o reconhecimento da nulidade do ingresso de servidores públicos. O desfazimento dos efeitos da nomeação não é simples, pois o trabalho foi realizado, não podendo a Administração Pública locupletar-se indevidamente com o esforço alheio. Por isso o STJ preserva a remuneração no caso:
Direito administrativo. Contratação de servidores. Nulidade. Serviço efetivamente prestado. Existência de boa-fé. Prestígio à confiança e segurança jurídica. Efeitos patrimoniais restritos podem advir do contrato nulo. Ao reconhecer a nulidade da contratação de servidores públicos, não se deve exigir que as partes retornem a sua situação patrimonial anterior, com a devolução da remuneração auferida, desde que o servidor, agindo de boa-fé, tenha efetivamente prestado serviços à Administração Pública. Se a Administração Pública recebe de volta a remuneração que pagou a seus servidores e ainda aufere os benefícios dos serviços que lhe foram prestados, experimenta claro enriquecimento sem causa. A eficácia do contrato nulo fica adstrita à manutenção das consequências patrimoniais do sinalagma que não pode ser desfeito sem violação aos princípios da segurança jurídica, boa-fé e confiança. Essas considerações não impedem que o agente público responsável pela nulidade venha a responder nas esferas administrativa, cível e criminal caso sua conduta revele improbidade e lesividade particulares. Se a Administração Pública contratou, mesmo que irregularmente, serviços dos quais necessitava, por preço justo e efetivamente recebeu a prestação avençada, daí não se extrai prejuízo cujo ressarcimento deva ser imposto ao agente responsável pela nulidade. Embargos de divergência aos quais se nega provimento. (STJ, EREsp 575551, J. 01.04.2009)
O julgado acima é especialmente importante para que se compreenda o modo de aplicação do regime da nulidade, pois a eficácia desconstitutiva emanada do art. 182 do CC/2002 impõe a restituição do que foi recebido, tendo em vista a efetiva possibilidade da contraparte igualmente devolver o que foi percebido. Ainda que tecnicamente no caso de nulidade haja a declaração da invalidade e na anulabilidade ocorra a desconstituição do negócio jurídico, seja caso de nulidade ou de anulabilidade, em ambos casos a desconstituição retroage no campo dos fatos, ou seja, a eficácia prática do reconhecimento assume caráter ex tunc, mas preservando-se o que se assentou ao longo do tempo, prestigiando-se o caráter irrepetível das verbas de natureza alimentar e compelindo-se a devolver algo tendo em vista a equivalente restituição da contraprestação. Por isso, a devolução de imóvel por culpa do adquirente com pedido de devolução da quantia já paga deve contemplar, inclusive, o pagamento pelo uso dele, sob pena de a pessoa ter morado de graça. De igual modo, inexistindo culpa de qualquer das partes, a deterioração da coisa devolvida deve ser reparada ou abatida da quantia restituída. Pelas mesmas razões, quem alega a incapacidade do mutuário para postular a nulidade do mútuo deve, conjuntamente, entregar a quantia ou coisa objeto do mútuo, sob pena de odioso enriquecimento sem causa.
Por fim, uma questão pouco discutida no Brasil [27] é a correlação entre adesão, relação de consumo, abusividade e interpretação.
Primeiramente, tanto relações civis quanto consumeristas podem decorrer de contratos de adesão. A interpretação do pacto, na dúvida, será favorável ao aderente, seja aplicável o regime do CDC ou o do Código Civil. Até mesmo em contratos administrativos existe o benefício da dúvida em favor do aderente [28]. Por isso, às vezes o esforço do litigante para convencer o Magistrado da incidência do CDC sequer é necessário, revelando-se muito mais eficaz a boa advocacia da aplicação dos arts. 423 e 424 do Código Civil.
Na mesma linha, o art. 131, 5, do Código Comercial, ainda que revogado, fornece boa diretriz hermenêutica ao estipular que a dúvida favorece o devedor, ou seja, constitui o princípio do favor debitoris, confluindo, assim, com a pronúncia da solução favorável ao aderente (art. 423 do CC/2002) e ao consumidor (art. 47 do CDC).
Entretanto, as prescrições acerca do modo de compreender a pactuação ambígua somente são aplicáveis aos casos nos quais haja fundado impasse a respeito da avença, devendo antes ser perquirida a racionalidade própria do pacto, interpretando-se as cláusulas umas pelas outras e todas em face das expectativas das partes. A interpretação em favor do aderente e contra o estipulante, bem como em benefício do devedor, não se constituem no primeiro recurso hermenêutico, mas nos últimos [29], equivalendo no processo penal ao in dubio pro reo.
Em segundo lugar, da adesão não emerge necessariamente o abuso. É claro que será mais fácil praticar-se abuso por meio da estipulação unilateral de vantagem exagerada. A contratação por adesão já revela que o aderente exerce a liberdade de contratar, mas não a de pactuar os termos da avença.
Entretanto, no Brasil, ao contrário do ocorrido na França por meio da recente reforma do Code Civil, não se tem o desequilíbrio entre as prestações como defeito inaplicável nos contratos paritários (art. 1.168) [30] e aplicável no de adesão (art. 1.171) [31]. Aqui, em ambos os tipos de contratação, é possível a aplicação da lesão, da excessiva onerosidade/teoria da imprevisão [32] e do princípio do equilíbrio contratual de forma ampla, mas, mesmo no contrato de adesão, o desequilíbrio puro e simples, sem mais nem menos, não torna ineficaz a cláusula, ao contrário do que ocorre na França. Assim, a disciplina francesa acabou por submeter o contrato de adesão civil ao regime aplicável aqui no Brasil nas relações regidas pelo CDC, bastando o desequilíbrio puro e simples para fulminar que da avença nasça obrigação. Registre-se que a resistência francesa à revisão contratual por violação do sinalagma é histórica, tendo o art. 1.171 representado uma mudança significativa na dogmática contratual elaboradas na volta do Sena.
Ainda, recurso interessantíssimo de uso especialmente viável nos contratos paritários é o da explicitação em um preâmbulo acerca da motivação dos contratantes. Desse modo, as razões que moveram a avença poderão mais facilmente ser expostas, influenciando assim na interpretação contratual, especialmente no caso de litígio. A revelação dos motivos e intenções que moveram o pacto pode, inclusive, auxiliar no esclarecimento de ilícito tributário (p. ex., planejamento tributário lastreado em negócio real ou simulado) e criminal (p. ex., ocorrência ou não de lavagem de dinheiro), sendo indiciário de fraude a dissonância entre o móvel declarado e o revelado cabalmente por outras provas.
A análise da racionalidade econômica subjacente ao contrato é importante tanto nos contratos escritos quanto nos verbais e a relevância prática disso é evidente mesmo quando não há expressivo vulto pecuniário, bastando pensar no caso de dois colegas de faculdade que sofrem acidente com o óbito do carona que custeava a gasolina. Dada a ausência de intuito lucrativo e a inexistência de atividade empresarial, descabe submeter o infortúnio ao regime gravoso do contrato de transporte oneroso, devendo ser entendida a parceria como transporte de mera cortesia, ainda que haja alguma forma de custeio pelo transportado [33]. O pagamento de pedágio, gasolina ou outra ajuda não caracteriza a vantagem indireta prevista no art. 736, parágrafo único, do Código Civil, sendo a hipótese legal aquela decorrente da correlação entre o transporte oferecido como facilidade para venda ou prestação de serviço (p. ex., churrascaria oferece van que leva e traz do restaurante).
Na mesma linha, a utilização de um glossário para definir os termos utilizados também pode ser de considerável valia para evitar questionamentos futuros, especialmente os termos em línguas estrangeiras, inclusive as expressões jurídicas em latim. Ainda a respeito da delimitação do significado das palavras, cumpre usar o verbo poder exclusivamente como faculdade jurídica do beneficiário e o verbo dever como lídima obrigação jurídica à qual corresponde um direito da contraparte. Quando qualquer número ou data é aposto no pacto, revela-se importantíssimo utilizar expressões que confiram precisão, como inclusive, no mínimo, no máximo. Importante, ainda, indicar qual o endereço físico e/ou o e-mail para comunicações relativas à execução do contrato, inclusive sendo aconselhável que se indique, inclusive, qual(ais) as pessoas responsáveis pela gestão contratual.
Por fim, a violação do equilíbrio contratual pode consistir não na convenção de determinada cláusula ou de um negócio como um todo. O desequilíbrio que coloca determinada parte em vantagem exagerada e/ou enseja à outra parte uma desvantagem anormal pode resultar de um comportamento que viole a função limitadora da boa-fé objetiva emanada do art. 187 do Código Civil. O exercício de determinado direito pode estar formalmente subsumido à lei e à letra do instrumento contratual e, ao mesmo tempo, revelar-se na prática como absolutamente injusta, sendo tal conduta repulsiva ao Direito, independentemente de ânimo emulativo [34]. Exemplo conhecido disso é a adoção da teoria do adimplemento substancial que suprime o direito à resolução do contrato quando já se está na iminência do integral adimplemento, caracterizando aquele fenômeno apontado por António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro [35] consistente na promissora figura da desproporção entre a vantagem auferida e o sacrifício imposto, espécie de exercício inadmissível de posições jurídicas.
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[1] DAVID, Tiago Bitencourt de. Justiça contratual e o instituto da lesão no Direito brasileiro. Revista dos Tribunais, São Paulo: RT, 913, p. 85-133, nov. 2011. p. 85-133.
[2] A questão em si não é despropositada e a investigação justifica-se não apenas pela relevância do tema, mas igualmente por força da carência de estudos sobre o assunto no Brasil, ao contrário do que vem ocorrendo em outros países nos quais a polêmica já faz parte do debate acadêmico tradicional. Da bibliografia nacional destaca-se: LOPES, José Reinaldo de Lima. O aspecto distributivo do direito do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, v. 41, 2002; ZANITELLI, Leandro Martins. Efeitos distributivos da regulação dos planos de saúde. Revista Direito FGV, v. 3, jan./jun. 2007; TIMM, Luciano Benetti. Ainda sobre a função social do direito contratual no Código Civil brasileiro: justiça distributiva versus eficiência econômica. Disponível em: <http://direitorio.fgv.br/sites/direitorio.fgv.br/files/file/Semin{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}C3{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}A1rios{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}20de{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}20Pesquisa{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}20-{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}20Luciano{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}20Timm.pdf>. No exterior, dentre outros tantos: GORDLEY, James. Contract law in the aristotelian tradition. In: BENSON, Peter. The theory of contract law: nem essays. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. p. 265-334. O debate é extremamente complexo e o desacordo é geral, a começar pelos diferentes entendimentos a respeito do que é justiça distributiva. É preciso, inclusive, analisar se por trás do resgate de justiça distributiva não existe a defesa do solidarismo contratual apenas sob outra roupagem e o mesmo deve ser feito em relação ao direito civil-constitucional, devendo a discussão começar pela enunciação clara das premissas de cada movimento. É o mesmo que ocorre com a law and economics, que tem postulados próprios, sem dúvida alguma, mas que tem sobre si o eterno peso do pragmatismo e do utilitarismo.
[3] AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado, direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento, função social do contrato e responsabilidade aquiliana do terceiro que contribui para inadimplemento contratual. Revista dos Tribunais, São Paulo: RT, v. 750,
- 113-120, abr. 1998. p. 115.
[4] Idem, ibidem.
[5] AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Op. cit., p. 116; NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 105-267.
[6] ROPPO, Enzo. O contrato. Trad. Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes. Coimbra: Almedina, 2009. p. 5.
[7] Sobre a diferença dos regimes jurídicos do CDC e do Código Civil, veja-se a excelente distinção feita por Otávio Luiz Rodrigues Júnior (A revisão judicial dos contratos de consumo no Brasil. In: GOUVEIA, Jorge Bacelar; SILVA, Heraldo de Oliveira (Coord.).
I Congresso Luso-Brasileiro de Direito. Coimbra: Almedina, 2014. p. 41-77), que bem aponta a necessidade da imprevisibilidade e da vantagem exagerada à outra parte nas relações civis e da desnecessidade de tais requisitos sob a égide do CDC. Anoto, ainda, que o Brasil conheceu instituto relativo ao reequilíbrio do sinalagma funcional por razões de ordem pessoal ao tempo dos financiamentos imobiliários com PES (Plano de Equivalência Salarial) – sobre o assunto, vide Lei Federal nº 8.692/1993.
[8] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos contratos. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
- 174.
[9] VARELA, João de Matos Antunes. Das obrigações em geral. 10. ed. Coimbra: Almedina, v. I, 2003. p. 405.
[10] LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil.5. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, v. IV, 1999. p. 385.
[11] BECKER, Anelise. Teoria geral da lesão nos contratos.São Paulo: Saraiva, 2000. p. 94 e ss.
[12] SILVA, Jorge Cesar Ferreira da. Princípios de direito das obrigações no novo Código Civil. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). O novo Código Civil e a Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 99-127.
[13] REsp 1.155.200. Note-se que a questão não se resolve tranquilamente e integralmente por meio do instituto da lesão, sendo necessária a aplicação da regra específica do art. 50 do Novo Código de Ética e Disciplina da OAB.
[14] ALVES, José Carlos Moreira. A parte geral do projeto de Código Civil brasileiro (subsídios históricos para o novo Código Civil brasileiro). 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 120-122.
[15] ASSIS, Araken de. Resolução do contrato por inadimplemento. 4. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 88.
[16] A norma impositiva do máximo esforço para a manutenção do contrato é da espécie postulado normativo aplicativo, sendo aplicável como regulador da incidência de outras espécies normativas. A adoção dessa categoria normativa decorre da diferenciação entre ela e os princípios jurídicos nos termos explicitados por Humberto Ávila (Op. cit., especialmente p. 87-90). Aqueles que não admitem a ideia de postulado podem incluir a ideia de conservação dos pactos na categoria de princípio jurídico.
[17] Hoje a questão está bem assentada, nesse sentido, exemplificativamente: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao Novo Código Civil. Livro III – Dos fatos jurídicos: do negócio jurídico. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 3, t. 1, 2008. p. 238 e 239; Enunciado
nº 291 da IV Jornada de Direito Civil do CJF.
[18] Fábio Ulhoa Coelho (Curso…, p. 209) sustenta a possibilidade de anulação do contrato eivado de lesão em sede de relação de consumo. Rodrigo Toscano de Brito (Estado de perigo e lesão…, p. 71) defende a possibilidade de pedido de revisão – e não apenas de anulação – nas relações civis.
[19] Comentando referido diploma: BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Da lesão no Direito brasileiro atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 107.
[20] É o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça. Vide: <http://www.conjur.com.br/2017-fev-08/banco-cobrar-juros-juros-cliente-concordar>.
[21] Não é potestativa a condição que se revela decorrente da vontade em face de um acontecimento exterior, sobre o qual o beneficiário não poderia influenciar, diferenciando-
-se, assim, a condição potestativa simples (lícita) da ilícita (puramente potestativa –
art. 122 do Código Civil) submetida exclusivamente ao arbítrio da parte. Nesse sentido: GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: teoria geral das obrigações. 11. ed. São Paulo: Saraiva, v. 2, 2014. p. 202 e 203.
[22] Informativo nº 589, REsp 1.599.511/SP, 2ª S., Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por unanimidade, J. 24.08.2016, DJe 06.09.2016.
[23] Informativo nº 11, AgRg-Ag 192.738/MG, Rel. Min. Nilson Naves, J. 18.03.1999.
[24] Informativo nº 5, REsp 154.921/SP, Rel. Min. Waldemar Zveiter, J. 02.02.1999.
[25] Informativo nº 283, REsp 436.853/DF, Relª Min. Nancy Andrighi, J. 04.05.2006.
[26] HARTEN, Carlos. O contrato de seguro visto pelo Superior Tribunal de Justiça. São Paulo: ÕTE, 2009.
[27] Louvável, assim, o estudo de WERNER, José Guilherme Vasi. Adesão, abusividade e vulnerabilidade: uma vinculação necessária? In: LEAL, Fernando. Direito privado em perspectiva: teoria, dogmática e economia. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 187-200.
[28] Nada mais do que a consagração da sexta regra de interpretação contratual de Pothier. Interessante análise do tema foi feito por FORGIONI, Paula. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação. 2. ed. São Paulo: RT, 2016, especialmente o capítulo 8.
[29] Tanto que o art. 131, 5, do Código Comercial, era claro nesse sentido: “Art. 131. Sendo necessário interpretar as cláusulas do contrato, a interpretação, além das regras sobreditas, será regulada sobre as seguintes bases: […] 5 – nos casos duvidosos, que não possam resolver-se segundo as bases estabelecidas, decidir-se-á em favor do devedor”.
[30] “Art. 1.168.Dans les contrats synallagmatiques, le default d’équivalence des prestations n’est pas une cause de nullité du contrat, à moins que la loi n’em dispose autrement.”
[31] “Art. 1.171. Dans um contrat d’adhésion, toute clause qui crée um déséquilibre significatif entre les droits et obligations des parties au contrat est réputée non écrite. L’appréciation du déséquilibre significatif ne porte ni sur l’objet principal du contrat ni sur l’adéquation du prix à la prestation.”
[32] Vide nota de rodapé nº 7.
[33] Nesse sentido: AZEVEDO, André; DEMÉTRIO, Bruno; LOTT, Diana. Carona x contrato de transporte de pessoa. Disponível em: <http://direitocivilemdebate.blogspot.com.br/2010/09/carona-x-contrato-de-transporte-de.html>. Contra: SIMÃO, José Fernando. Quem tem medo de dar carona? Mobilidade urbana e o transporte gratuito. Disponível em: <http://damasioaracatuba.blogspot.com.br/2014/09/direito-civil-quem-tem-medo-
-de-dar.html>.
[34] O Código Civil não exige o elemento subjetivo para a caracterização do ilícito previsto no art. 187. A questão acerca da (des)necessidade de ocorrência de má-fé é antiga e parece-
-nos que o codificador brasileiro tomou partido no debate, afirmando o caráter objetivo da figura. O maior nome do abuso de direito, Louis Josserand (De l’esprit des droits e de leur relativité: theorie dire de l’abus des droits. Paris: Dalloz, 2006. p. 413, item 303), afirmava que o vício seria, ao mesmo tempo, objetivo e subjetivo, a depender do ângulo que se veja, de modo que o exercício de um direito em contrariedade com sua finalidade socialmente admitida seria reveladora da ausência de um motivo legítimo. Josserand, assim, não exigia a constatação de um ânimo emulativo, mas a ausência de um motivo legítimo. Há muito a intenção de prejudicar vinha sendo abandonada no exterior, ao contrário do que acontecia no Brasil que não acompanhou tal movimento, mas com o Código Civil tal movimento vem sendo alterado, alinhando-se o Brasil com o pensamento estrangeiro (SCHREIBER, Anderson. A proibição de comportamento contraditório: tutela da confiança e venire contra factum proprium. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. p. 109-111). A dispensa da intenção de prejudicar foi, inclusive, assentada no Enunciado nº 37 da I Jornada de Direito Civil do CJF. No abuso de direito acontece algo parecido com o que se observa na lesão, a saber, a dispensa pela lei do elemento subjetivo e a constatação na prática de que o beneficiário não era ingênuo. Aliás, o fenômeno da crescente objetivação do direito privado é notório e alcança todo o direito ocidental, bastando, dentre outros exemplos, a responsabilidade civil objetiva, baseada no risco, em oposição à responsabilidade subjetiva fundada na culpa, acrescentando-se aqui a supressão da causa como elemento de validade contratual na França, no Code Civil agora reformado (art. 1.131 suprimido pela Lei nº 2.015-177, de 16 de fevereiro de 2015, sendo esta a redação do dispositivo revogado – “Art. 1.131. L’obligation sans cause ou sur une fausse cause, ou sur une cause illicite, ne peut avoir aucun effet”).
[35] MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Da boa-fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2011. p. 857-860.