A POSSIBILIDADE DE INSTAURAÇÃO EX OFFICIO DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA PREVISTO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Eduardo Santos Pozza[1]
SUMÁRIO: Introdução; 1 A positivação do procedimento de desconsideração da personalidade jurídica pelo novo Código de Processo Civil; 2 O papel do juiz na condução do processo em um modelo cooperativo de direito processual; 3 A possibilidade de o incidente de desconsideração da personalidade jurídica ser instaurado de ofício; 3.1 O formalismo processual e a busca pela efetividade do processo; 3.2 A instauração ex officio do incidente de desconsideração da personalidade jurídica; Considerações finais; Referências.
INTRODUÇÃO
Fruto de um ativismo jurisprudencial, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica está consolidado há muito tempo no Direito brasileiro no campo do direito material. Todavia, a falta de regras procedimentais sobre a sua aplicação ainda gerava uma desconfortável insegurança. Assim sendo, o novo Código de Processo Civil (CPC/2015) inova ao trazer a positivação procedimental da desconsideração da personalidade jurídica e, com isso, preencher uma lacuna no nosso ordenamento jurídico.
A nova codificação processual, nesse sentido, traz em seus arts. 133 a 137 a normatização procedimental da desconsideração, inserindo-a como incidente entre as formas de intervenção de terceiros. Entretanto, como toda novidade no Direito, as regras processuais trazidas pelo CPC/2015 merecem um maior debate e estudo pela comunidade jurídica, pois ainda existem muitas áreas nebulosas para serem examinadas.
Este artigo, portanto, objetiva uma análise mais profunda entre as novidades trazidas por esta processualização da disregard doctrine, o disposto no caput do art. 133 da referida lei, em que são mencionadas as formas de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Assim, diante da relevância com que a temática se apresenta, o presente estudo abordará a possibilidade de o magistrado instaurar de ofício este incidente, debatendo a atuação do juiz em um processo civil cooperativo entre respeitar o formalismo processual e a busca da efetividade de suas decisões.
1 A POSITIVAÇÃO DO PROCEDIMENTO DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA PELO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
A personificação de entes coletivos como sujeitos de direitos dotados de autonomia é uma criação jurídica que visa a regulamentar e proteger o patrimônio do sócio, tornando possível mitigar os riscos de empreender[2], limitando a responsabilidade e, principalmente, separando o patrimônio da pessoa jurídica do patrimônio particular dos seus investidores. No entanto, diante desse regime de limitação, algumas pessoas aproveitam esse véu de proteção para fraudar credores, prejudicando gravemente o mercado, o Estado e toda a sociedade[3].
A desconsideração da personalidade jurídica[4], dessa forma, surge com o intuito de coibir o uso indevido da empresa pelos seus administradores e sócios, evitando práticas ilícitas, como o abuso do direito e a fraude aos credores. Tal teoria tem seu cerne no Direito estrangeiro na common law, a qual foi posteriormente estudada e sistematizada pela civil law. No Brasil, por meio de trabalhos doutrinários e de sua aplicação em casos concretos pelos nossos Tribunais, a disregard doctrine começou a aparecer gradualmente na legislação brasileira: o Código de Defesa do Consumidor[5], a Lei Antitruste[6], a Lei de Crimes Ambientais[7], o novo Código Civil de 2002[8] e a Lei Anticorrupção[9].
Como podemos observar, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica começou a aparecer cada vez mais em nosso ordenamento jurídico, principalmente a partir do Código Civil de 2002, e, consequentemente, a sua utilização nos Tribunais foi ampliada. Porém, a falta de um regramento específico dos aspectos processuais sobre a matéria gerava uma insegurança jurídica, até porque a efetividade processual é inerente à existência de mecanismos instrumentais aptos para concretizar os direitos materiais positivados[10].
Desse modo, o regramento dos aspectos processuais da teoria da disregard doctrine foi, enfim, disciplinado pelo novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) nos arts. 133 ao 137[11]. Portanto, ao preencher uma lacuna no ordenamento jurídico brasileiro, o nosso legislador traz diversas inovações que acabam por mitigar a insegurança jurídica antes presente. Contudo, como qualquer inovação legislativa, existem alguns pontos em aberto trazidos pela nova lei que merecem um maior debate.
Dessas novidades destaco o dispositivo que inspira este trabalho, o caput do art. 133 do CPC/2015: “O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo“. Esse comando legal nos permite debater sobre a possibilidade de o julgador, de ofício, instaurar a desconsideração da personalidade jurídica. Em uma primeira análise mais superficial, parece clara a impossibilidade dessa determinação ex officio, visão esta a qual muitos doutrinadores se filiam, como é o caso de Elpídio Donizetti:
Não há possibilidade de atuação jurisdicional sem o requerimento da parte ou do Ministério Público; ou seja, é vedado ao juiz, de ofício, determinar a inclusão do sócio ou do administrador no polo passivo da demanda, para fins de desconsideração da personalidade jurídica. O art. 133 do CPC/2015 está em consonância com o art. 50 do Código Civil, que também prevê o expresso requerimento do interessado ou do Ministério Público, não se podendo cogitar de atuação ex officio.[12]
Por outro lado, em uma visão mais profunda sobre esse dispositivo, existe a faculdade de o juiz, em alguns casos, determinar a desconsideração da personalidade jurídica de ofício. Para os doutrinadores que se posicionam dessa forma, a questão da desconsideração da personalidade jurídica deve ser analisada com base na natureza do direito material envolvido na lide, o que afastaria uma solução única para todos os casos, pois a sua possibilidade de invocação ex officio estará atrelada ao objeto envolvido na demanda[13]. Esse é o entendimento de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero: “O incidente de desconsideração da personalidade jurídica depende, em regra, de pedido da parte interessada ou do Ministério Público quando esse participe do processo. Pode o legislador expressamente excepcionar a necessidade de requerimento para tanto – como o faz, por exemplo, o art. 28 do CDC”[14]. Assim sendo, no caso de o objeto material da lide representar uma norma de ordem pública e interesse social, como é o caso da legislação consumerista, o juiz poderia aplicar a desconsideração da personalidade de ofício. Entre tantas novidades trazidas pelo CPC/2015 que merecem um maior debate acadêmico, vamos nos aprofundar nessa questão da possibilidade de o julgador instaurar, de ofício, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
2 O PAPEL DO JUIZ NA CONDUÇÃO DO PROCESSO EM UM MODELO COOPERATIVO DE DIREITO PROCESSUAL
O novo Código de Processo Civil nos traz diversos debates doutrinários a respeito dos poderes do juiz na direção e na instrução do processo. Até porque, dependendo do método adotado, é possível verificar um juiz com atitudes mais passivas, de mero espectador, ou com uma postura mais ativa, buscando a efetividade da tutela[15].
A organização do processo nos leva, necessariamente, a uma distribuição de funções que devem ser exercidas pelos sujeitos que participam da relação processual. Assim sendo, cada um deles exerce um papel na instauração, no desenvolvimento e na conclusão do processo[16]. Atualmente, a doutrina identifica três modelos de estruturação do direito processual[17]: o inquisitivo, o adversarial e o cooperativo. Consequentemente, a partir dessas diferentes maneiras de conceber o formalismo processual obteremos modos diversos de atuação das partes e do juiz no processo[18].
O modelo adotado pelo novo Código de Processo Civil é o cooperativo, ou seja, modelo processual que redimensiona o princípio do contraditório, com a inclusão do julgador no rol dos sujeitos do diálogo processual, e não mais como um mero espectador do duelo das partes[19]. Portanto, a condução do processo, nesse modelo, deixa de ser determinada pela vontade das partes e pela atuação inquisitorial do juiz, e sim pela condução cooperativa do processo, sem destaque para algum dos sujeitos processuais, transformando o processo em uma verdadeira comunidade de trabalho entre juiz e partes[20]. Contudo, vale destacar que não há paridade no momento da decisão, pois esta é uma atribuição exclusiva do órgão julgador. Nesse sentido, explica Daniel Mitidiero que “o modelo de processo civil pautado pela colaboração visa outorgar nova dimensão ao papel do juiz na condução do processo. O juiz do processo cooperativo é juiz isonômico na sua condução e assimétrico apenas quando impõe suas decisões. Desempenha duplo papel: é paritário no diálogo e assimétrico na decisão“[21]. A colaboração no processo civil, em suma, é um modelo que visa a dar novos contornos ao formalismo do processo[22], dividindo, de forma equilibrada, o trabalho entre todos os seus participantes. Logo, o atual papel atribuído para o magistrado, ratificado pelo novo Código de Processo Civil, em seu art. 6º[23], nos direciona para um modelo processual fortemente permeado pelo princípio da cooperação[24], que nada mais é do que uma conjugação de outros princípios, que são o devido processo legal[25], a boa-fé processual e o contraditório[26].
O processo pautado pela colaboração, portanto, é um processo orientado pela busca da verdade, já que exige de seus participantes, inclusive o juiz, a observância da boa-fé subjetiva e objetiva[27]. Em um processo civil cooperativo, surge, então, a necessidade de dar novos contornos aos poderes das partes e do juiz ao longo do arco processual, pois eles deverão atuar de forma mais equilibrada. Por conseguinte, esse modelo processual implica em uma nova organização do formalismo processual, forçando a uma melhor distribuição das posições jurídicas das partes e do juízo no processo, de modo a torná-lo mais cooperativo e menos rígido para efetivação da justiça no caso concreto[28].
O princípio da cooperação, portanto, afeta diretamente a atuação do juiz no processo, na medida em que ele passa a ter deveres de esclarecimento, de prevenção, de diálogo e de auxílio para com os litigantes[29]. O dever de esclarecimento constitui o dever de o Tribunal esclarecer dúvidas sobre alegações, pedidos ou posições em juízo[30]. O dever de prevenção é o dever de o órgão jurisdicional prevenir que as partes sejam frustradas em seus pedidos pelo uso inadequado do processo[31]. O dever de diálogo é o dever de o magistrado consultar as partes antes de decidir sobre qualquer questão do processo[32]. Por fim, o dever de auxílio é aquele em que o juiz deve ajudar as partes na superação de eventuais dificuldades que as impeçam o exercício de direitos ou faculdades ou o cumprimento de ônus processuais[33].
Conforme podemos perceber, em um processo civil em que se faz presente o princípio da cooperação, o juiz deve permitir uma maior e efetiva participação dos demais sujeitos processuais na busca de seu convencimento para as tomadas de decisões. Ou seja, as decisões judiciais passam a ser fruto de uma atividade conjunta, em que todos são responsabilizados pela efetividade do resultado[34]. Dessa forma, o princípio da cooperação tem eficácia normativa direta, independente da falta de regras que o concretizam. Essa eficácia normativa não fica limitada pela inexistência de regras jurídicas expressas, pois o princípio da cooperação torna devidos os comportamentos necessários à obtenção de um processo leal e cooperativo[35]. Além disso, ao integrar o sistema jurídico, esse princípio garante o meio necessário para alcançar o fim desejado, ao passo que combate o formalismo excessivo no trâmite do processo, permitindo a adequada realização do direito material e dos valores constitucionais[36]. É preciso, portanto, que o órgão julgador esteja ciente da importância do seu papel e não fique inerte para a realidade que o cerca[37]. Assim sendo, neste cenário estabelecido de um processo cooperativo trazido pelo CPC/2015, passemos a analisar a possibilidade de o magistrado instaurar ex officio o incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
3 A POSSIBILIDADE DE O INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA SER INSTAURADO DE OFÍCIO
3.1 O formalismo processual e a busca pela efetividade do processo
Como podemos verificar, é constante a preocupação trazida pela nova codificação processual brasileira no intuito de se obter um processo verdadeiramente efetivo. Nesse sentido, a noção de efetividade do processo[38] tem como premissa basilar a concepção de um Poder Judiciário com a missão de possibilitar aos demandantes uma adequada, tempestiva e eficiente solução de controvérsias, a fim de que se concretize a realização do direito material tutelado. Logo, o princípio da efetividade do processo torna-se verdadeira essência da jurisdição, até porque um processo tardio, ineficaz e sem real impacto no mundo dos fatos, fracassando na tutela da realização do direito material, não proporcionará nem a paz social e nem terá de fato resolvido o conflito[39]. Por isso, o Judiciário não pode ficar preso em um sistema processual rígido, formal, distante e pouco preocupado com a eficaz solução da lide[40].
Um Código de Processo Civil não deve, neste contexto, limitar-se a criar simples regras técnicas, pois ele deve se organizar para cumprir a missão que lhe destinou a Constituição[41], segundo a estrutura de um processo justo[42], o que equivale a um processo adequado à efetiva realização dos direitos subjetivos, segundo a fiel observância dos direitos fundamentais. Todavia, não se propõe com tudo isso o esquecimento do princípio dispositivo, mas sim uma leitura equilibrada dele, visando a um magistrado mais participativo, próximo das partes e do objeto da lide, com o pleno exercício dos poderes que lhe são conferidos.
Nesse ínterim, a adoção de um processo civil de cooperação, em que os poderes e deveres do juiz se equilibram com os direitos e deveres das partes, propicia uma visão social e democrática da tutela jurisdicional, uma vez que a conduta das partes e do magistrado deve ser norteada pela boa-fé e lealdade. Portanto, pode o juiz cooperar com a parte débil ou mal assistida tecnicamente na superação de defeitos ou omissões de defesa, quando sanáveis, e de embaraços à demonstração da verdade e ao exercício de direitos e faculdades, ônus e deveres processuais[43]. Conforme ensina Humberto Theodoro Junior,
Reconhece a moderna doutrina processual civil que, no Estado Democrático de Direito, a ideia de colaboração do juiz para com as partes é inafastável do propósito de impregnar a atividade jurisdicional de um cunho verdadeiramente democrático. Não é preciso que um artigo do Código o diga literalmente. É o sistema do processo que a Constituição projetou para ser justo que exige o juiz cooperativo e comprometido com proporcionar condições para a melhor tutela possível aos direitos lesados ou ameaçados.[44]
A partir dessa compreensão sobre o processo civil cooperativo e da atuação do juiz buscando a efetividade da tutela jurisdicional frente ao formalismo processual, passemos a analisar a possibilidade de ele instaurar, de ofício, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
3.2 A instauração ex officio do incidente de desconsideração da personalidade jurídica
Como podemos verificar, o formalismo do processo deve adequar-se às peculiaridades dos direitos, pretensões e ações do plano do direito material e às suas respectivas tutelas, a fim de outorgar com justiça proteção efetiva ao direito material[45]. Dessa forma, analisemos a redação do art. 133, que consigna que “o incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo“. Sinaliza, portanto, que não pode ser a questão suscitada de ofício pelo magistrado. Essa análise literal é defendida por alguns doutrinadores[46]. Por outro lado, apesar dessa redação, existem juristas, como Flávio Tartuce[47], que defendem a possibilidade de ser analisada a desconsideração da pessoa jurídica ex officio nos casos envolvendo consumidores ou nas situações de danos ambientais.
Com isso, nos posicionamos junto a essa parcela da doutrina, pois acreditamos que a questão deva ser focada na natureza do direito material envolvido na lide, afastando a interpretação literal e planificada do artigo[48]. Nesse sentido também é o entendimento de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero:
A lei só alude ao incidente feito a requerimento da parte ou do Ministério Público. Nada impede, porém, que o juiz dê início ao incidente também de ofício, sempre que o direito material não exigir a iniciativa da parte para essa desconsideração. O fundamental é a observância da desconsideração, já que essa é a finalidade essencial do incidente.[49]
Essa linha de pensamento se coaduna com toda a ideia de um processo civil cooperativo e sua verdadeira efetividade, tendo em vista que deverá o aplicador do Direito verificar, no caso concreto, qual conduta que melhor atenda aos interesses protegidos pela norma, ainda que tal solução não lhe seja entregue pronta pela norma jurídica. Em verdade, o órgão julgador deve sempre se ater à realidade social existente à sua volta e julgar de acordo com essa realidade. Precisa avaliar os conflitos sociais existentes a respeito da demanda que lhe foi submetida e resolver a questão como se resolvesse o próprio conflito social, levando em consideração os mais consagrados direitos que preservam a dignidade da pessoa humana e a paz social, que todos buscam[50]. Nesse sentido observa Marcos Afonso Borges: “O juiz tem por obrigação atuar com o direito objetivo, não por meio de uma interpretação literal e formalista, mas atendendo aos fins sociais da lei, às exigências do bem comum e, em não havendo norma específica, mediante aplicação da analogia, dos costumes e princípios gerais do direito“[51].
No caso do direto do consumidor, por exemplo, na Constituição Federal, no inciso XXXII do art. 5º[52], é elencado como um direito fundamental e um princípio orientador da ordem econômica[53]. O Código de Defesa do Consumidor, por conseguinte, representa uma norma de relevante interesse social e de ordem pública. Por essa importância, se aplica no código consumerista a teoria objetiva de desconsideração da personalidade jurídica, possibilitando ao juiz, em seu art. 28, aplicar o incidente de desconsideração para a defesa dos direitos dos consumidores, não necessitando da postulação do interessado ou do MP. Ou seja, em uma visão mais hermenêutica do processo, existindo dúvida quanto à interpretação entre o Código de Defesa do Consumidor e o novo Código de Processo Civil, aplica-se aquela que melhor alcance a satisfação da tutela do consumidor lesado[54].
Entendemos, nesse diapasão, que a instauração de ofício da desconsideração da personalidade jurídica pode ser utilizada, além da situação do direito consumerista, em casos de dano ambiental e nas relações laborais[55], visto que o juiz possui autorização nessas legislações de direito material para atuar de ofício mesmo que no novo Código de Processo Civil não mencione essa possibilidade expressamente. Até porque o processo e o procedimento e seus princípios tomam feição distinta, conforme o direito material que se pretende proteger. Consequentemente, cada subsistema jurídico conforma o respectivo procedimento com peculiaridades próprias ao direito material correspondente, pois o processo é um instrumento para a realização do direito material[56].
Devemos ressaltar que a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica de ofício não significa que o magistrado deva decidir sobre a matéria sem antes ouvir as partes, respeitando, assim, o princípio do contraditório. Por isso, vale a ressalva que, embora o CPC/2015 crie procedimentos para alterar o polo passivo da demanda e, por conseguinte, estenda a responsabilidade patrimonial promovendo no risco de constrição judicial do patrimônio daquele que passa a integrar a lide, ele assegura o contraditório e a ampla defesa para este terceiro[57]. Aliás, essa é uma tônica presente em todo o Código, já que ele procura equacionar os princípios constitucionais e processuais colidentes, prestigiando a efetividade e a duração razoável do processo, sem, contudo, deixar de observar o efetivo contraditório em sede de incidente cognitivo[58]. Então, mesmo que o juiz traga a questão de ofício, é dever ouvir as partes antes de decidir sobre o incidente. Procura-se, com isso, apenas que a desconsideração da personalidade ocorra de forma mais célere, sob pena de ineficácia do provimento judicial, o que se insere com toda a ideia apresentada do dever de cooperação que transforma o juiz em um agente colaborador do processo, participando do contraditório, e não mais se limitando ao papel de mero fiscal de regras, na busca da verdadeira efetividade processual[59].
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A positivação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, conforme foi demonstrado neste artigo, revela-se um importante passo para a sedimentação desse instituto no nosso ordenamento jurídico. O novo Código de Processo Civil, portanto, preenche uma importante lacuna do nosso Direito pátrio, ao nos trazer regras procedimentais para a aplicação da disregard doctrine.
A processualizacão da desconsideração da personalidade jurídica, porquanto acaba com a insegurança jurídica, também traz à tona diversos debates e pontos de divergência sobre a sua aplicação, o que é normal em toda novidade no campo jurídico. Diante disso, procuramos enfrentar, neste estudo, a possibilidade de instauração da disregard doctrine de ofício pelo magistrado, mesmo que não seja mencionada literalmente na nova codificação processual.
Com isso, fugimos de uma leitura superficial da lei e passamos a examinar o objetivo desse instituto e, principalmente, analisar o atual papel do juiz no processo cooperativo. Como visto, embora existam críticas quanto ao seu uso, o princípio da cooperação, se bem observado e aplicado, evita abusos de autoridade e de poder, além de propiciar a observância do princípio do dispositivo, pois garante o contraditório e procura realmente efetivar a tutela do direito postulado. Entendemos, portanto, que é possível a aplicação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica ex officio pelo magistrado em alguns casos.
Indubitavelmente, o tema da processualização da disregard doctrine é muito fértil para discussões doutrinárias e seu entendimento pacífico ainda levará alguns anos após inúmeros trabalhos acadêmicos e diversas decisões judiciais. Nessa perspectiva, esperamos ter contribuído para fomentar este debate sobre esse instituto, apresentando um ponto de vista sobre a utilização desse procedimento de ofício.
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[1] Endereço eletrônico: eduardopozza.adv@hotmail.com.
[2] SILVA, Gladston Gomes Mamede da. Manual de direito empresarial. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 243: “A pessoa jurídica é um artifício jurídico criado ao longo da evolução jurídica da humanidade, com a finalidade de estimular e facilitar o empreendedorismo, bem como a concretização de empreitadas úteis à sociedade”.
[3] NADAIS, Carlos da Fonseca. Desconsideração da personalidade jurídica: um estudo doutrinário, normativo e jurisprudencial atualizado (incluindo o novo Código de Processo Civil). Revista SÍNTESE de Direito Empresarial, São Paulo, v. 8, n. 45, p. 122-155, jul./ago. 2015. p. 4.
[4] REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica (disregard doctrine). Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 803, p. 751-764 (republicação), set. 2002. p. 14: “O mais curioso é que a disregard doctrine não visa a anular a personalidade jurídica, mas somente objetiva desconsiderar no caso concreto, dentro de seus limites, a pessoa jurídica, em relação às pessoas e os bens que atrás dela se escondem. É caso de declaração de ineficácia especial da personalidade jurídica para determinados efeitos, prosseguindo todavia a mesma incólume para seus outros fins legítimos”.
[5] Art. 28, § 5º: “Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”.
[6] Atualmente, tal texto normativo encontra-se revogado, tendo sido sucedido pela Lei nº 12.529, que mantém a possibilidade de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica como sanção para as práticas de infração à ordem econômica.
[7] “Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.”
[8] “Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”
[9] “Art. 14. A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa.”
[10] XAVIER, José Tadeu Neves. A processualização da desconsideração da personalidade jurídica. Revista de Processo, São Paulo, v. 41, n. 254, p. 151-191, abr. 2016. p. 155: “A efetividade processual deve ser a tônica de toda a instrumentalização da prestação jurisdicional, o que passa necessariamente pela existência de mecanismos processuais aptos a realizarem os direitos materiais existentes no ordenamento jurídico”.
[11] “Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo. § 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei. § 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica. Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial. § 1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas. § 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica. § 3º Ainstauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2º. § 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica. Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias. Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória. Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno. Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.”
[12] DONIZETTI, Elpídio. Novo Código de Processo Civil comentado (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015): análise comparativa entre o novo CPC e o CPC/1973. São Paulo: Atlas, 2015. p. 112.
[13] XAVIER, José Tadeu Neves. A processualização da desconsideração da personalidade jurídica. Revista de Processo, São Paulo, v. 41, n. 254, p. 151-191, abr. 2016. p. 155.
[14] MARINONI, Luiz Guilherme Bittencourt; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel Francisco. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. 1145 p.
[15] AURELLI, Arlete Inês. A cooperação como alternativa ao antagonismo garantismo processual/ativismo judicial. Revista Brasileira de Direito Processual, Belo Horizonte, v. 23, n. 90, p. 73-85, abr./jun. 2015. p. 74.
[16] DIDIER JÚNIOR, Fredie Souza. Os três modelos de direito processual: inquisitivo, dispositivo e cooperativo. Revista de Processo, São Paulo, v. 36, n. 198, p. 213-225, ago. 2011. p. 214.
[17] Idem, p. 213-225.
[18] MITIDIERO, Daniel Francisco. Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 63.
[19] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Garantia do contraditório. Genesis: Revista de Direito Processual Civil, Curitiba, n. 10, p. 667-680, 1998.
[20] DIDIER JÚNIOR, Fredie Souza. Os três modelos de direito processual: inquisitivo, dispositivo e cooperativo. Revista de Processo, São Paulo, v. 36, n. 198, p. 213-225, ago. 2011. p. 218.
[21] MITIDIERO, Daniel Francisco. Colaboração no processo civil como prêt-à-porter? Um convite ao diálogo para Lenio Streck. Revista de Processo, São Paulo, v. 36, n. 194, p. 55-68, abr. 2011. p. 61.
[22] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil: proposta de um formalismo valorativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 28: “Por formalismo processual entenda-se a totalidade formal do processo, compreendendo não só a forma, ou as formalidades, mas especialmente a delimitação dos poderes, faculdades e deveres dos sujeitos processuais, coordenação de sua atividade, ordenação do procedimento e organização do processo, com vistas a que sejam atingidas as suas formalidades primordiais”.
[23] CPC/2015: “Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.
[24] DIDIER JÚNIOR, Fredie Souza. Os três modelos de direito processual: inquisitivo, dispositivo e cooperativo. Revista de Processo, São Paulo, v. 36, n. 198, p. 213-225, ago. 2011. p. 218-219.
[25] AURELLI, Arlete Inês. A cooperação como alternativa ao antagonismo garantismo processual/ativismo judicial. Revista Brasileira de Direito Processual, Belo Horizonte, v. 23, n. 90, p. 73-85, abr./jun. 2015. p. 78: “Em sentido processual, o princípio do devido processo legal é a linha mestra que engloba todas as outras garantias constitucionais insertas na Constituição Federal, como o contraditório e a ampla defesa, a igualdade entre as partes, o acesso à justiça, a imparcialidade, a fundamentação das decisões judiciais, razoável duração do processo, o princípio do juiz natural, a proibição de prova ilícita etc.”.
[26] RAMOS, Glauco Gumerato. Repensando a prova de ofício. Revista de Processo, São Paulo, v. 35, n. 190, dez. 2010. p. 318: “O princípio da cooperação reforça a importância do contraditório como técnica de concretização da dialética do processo e impõe um alto grau de comprometimento do juiz para com as partes, e destas em relação àquele, de modo a propiciar que o fruto da atividade desenvolvida pelo Poder Judiciário seja apto a resolver adequadamente o litígio que lhe foi submetido”.
[27] MITIDIERO, Daniel Francisco. Bases para a construção de um processo civil cooperativo: o direito processual civil no marco teórico do formalismo valorativo. Tese de Doutorado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2007. Disponível em: <www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/13221/000642773.pdf>. Acesso em: 6 set. 2016. p. 11-12: “O processo cooperativo, por derradeiro, é o processo do Estado Constitucional. O direito deixa de ser compreendido apenas como scentia juris e volta a assumir o caráter de juris prudentia, de modo que à cena judiciária vai convocada, novamente, uma racionalidade prática, do tipo material, cujo desiderato, precípuo está em alcançar a justiça no caso concreto sob discussão pautando-se o discurso e legitimando-se a decisão pela observância e promoção dos direitos fundamentais (tanto materiais quanto processuais). No plano da ética, a colaboração entre aqueles que participam do processo pressupõe absoluta e recíproca lealdade entre as partes, a fim de que se alcance a maior aproximação possível da verdade, tornando-se a boa fé pauta-de-conduta no processo civil do Estado Constitucional”.
[28] MITIDIERO, Daniel Francisco. Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 92.
[29] SOUSA, Miguel Teixeira de. Estudos sobre o novo processo civil. 2. ed. Lisboa: Lex, 1997. p. 67.
[30] CPC/2015: “Art. 321. O juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado. Parágrafo único. Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial”.
[31] CPC/2015: “Art. 317. Antes de proferir decisão sem resolução de mérito, o juiz deverá conceder à parte oportunidade para, se possível, corrigir o vício”.
[32] CPC/2015: “Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”.
[33] CPC/2015: “Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: […] IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária; […]”.
[34] PERE, Alexey Süüsmann. O princípio da cooperação no projeto do novo Código de Processo Civil. Coleção Jornada de Estudos Esmaf, Brasília, v. 26, p. 17-28, maio 2015. p. 27.
[35] DIDIER JÚNIOR, Fredie Souza. Os três modelos de direito processual: inquisitivo, dispositivo e cooperativo. Revista de Processo, São Paulo, v. 36, n. 198, p. 213-225, ago. 2011. p. 219.
[36] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O formalismo valorativo no confronto com o formalismo excessivo. Revista de Processo, São Paulo, n. 137, p. 7-31, jul. 2006.
[37] ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia social da prestação jurisdicional. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Subsecretaria de Edições Técnicas do Senado Federal, v. 122, p. 291, 1994: “O Judiciário não poderá se eximir de sua fatia de responsabilidade, que consiste, essencialmente, em prestar jurisdição mediante pronunciamentos que extraiam do sistema normativo soluções as mais adequadas possíveis à produção dos resultados previstos pelo constituinte. […] A questão que se coloca, portanto, é a de saber que caminhos poderá trilhar o judiciário para que o exercício de sua missão constitucional resulte aprimoramento do grau de eficácia social das normas. Essa preocupação implica, por si só, uma tomada de posição: a do abandono das orientações segundo as quais a interpretação e a aplicação do Direito é simples operação mecânica, meramente silogística, calcada unicamente em fórmulas e formas positivamente estabelecidas Na verdade, os tempos atuais já não comportam juízes de costas para a realidade, […] a busca de decisões judiciais que levem à eficácia social do Direito deve ser empreendida exaurindo-se os mecanismos oferecidos pelo próprio sistema jurídico do Estado de Direito Constitucional”.
[38] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 49: “Processo efetivo é aquele que, observado o equilíbrio entre os valores segurança e celeridade, proporciona às partes o resultado desejado pelo direito material”.
[39] DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 319.
[40] MEDEIROS NETO, Elias Marques de. Efetividade processual, princípio da cooperação e poderes instrutórios. Revista Brasileira de Direito Processual, Belo Horizonte, v. 23, n. 90, p. 175-190, abr./jun. 2015. p. 183: “A eficaz proteção do direito material, conferindo-lhe os instrumentos necessários para a sua efetiva garantia e realização, é a diretriz da moderna ciência processual; é o verdadeiro desafio do Poder Judiciário e do processualista dos tempos modernos”.
[41] CPC/2015: “Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”.
[42] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Juiz e partes dentro de um processo fundado no princípio da cooperação. Revista Dialética de Direito Processual: RDDP, São Paulo, n. 102, p. 62-74, set. 2011. p. 63: “É a própria Constituição que traça as características do devido processo legal, impondo-lhe um conjunto de predicamentos capaz de torná-lo o que o atual constitucionalismo denomina processo justo”.
[43] Idem, p. 74.
[44] Idem, p. 64.
[45] MITIDIERO, Daniel Francisco. Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 144-145.
[46] NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil: novo CPC – Lei nº 13.105/2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 571. Apud XAVIER, José Tadeu Neves. A processualização da desconsideração da personalidade jurídica. Revista de Processo, São Paulo, v. 41, n. 254, p. 151-191, abr. 2016. p. 172: “Segundo o CPC, art. 133, o juiz só analisará a possibilidade de desconsiderar a personalidade jurídica caso a parte interessada ou o MP requerer a providência. Não pode, pois, aplicar a desconsideração ex officio”.
[47] SILVA, Flávio Murilo Tartuce. O novo CPC e o direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016.
[48] XAVIER, José Tadeu Neves. A processualização da desconsideração da personalidade jurídica. Revista de Processo, São Paulo, v. 41, n. 254, p. 151-191, abr. 2016. p. 172.
[49] MARINONI, Luiz Guilherme Bittencourt; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel Francisco. O novo processo civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 208.
[50] AURELLI, Arlete Inês. A cooperação como alternativa ao antagonismo garantismo processual/ativismo judicial. Revista Brasileira de Direito Processual, Belo Horizonte, v. 23, n. 90, p. 73-85, abr./jun. 2015. p. 81.
[51] BORGES, Marcos Afonso. Os poderes, os deveres e as faculdades do juiz no processo. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 95, 1999. p. 200-202.
[52] CF/1988: “Art. 5º […] XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; […]”.
[53] CF/1988: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: […] V – defesa do consumidor; […]”.
[54] XAVIER, José Tadeu Neves. A processualização da desconsideração da personalidade jurídica. Revista de Processo, São Paulo, v. 41, n. 254, p. 151-191, abr. 2016. p. 172.
[55] Instrução Normativa nº 39/TST: “Art. 6º Aplica-se ao processo do trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica regulado no Código de Processo Civil (arts. 133 a 137), assegurada a iniciativa também do juiz do trabalho na fase de execução (CLT, art. 878)”.
[56] CLAUS, Ben-Hur Silveira. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no CPC 2015 e o direito processual do trabalho. Justiça do Trabalho, Porto Alegre, v. 32, n. 383, p. 7-40, nov. 2015. p. 8: “Diz–se que há uma relação ontológica entre o direito material e o respectivo direito processual porque as normas de procedimento guardam uma originária relação com o direito substancial correspondente, na medida em que as normas de procedimento têm por finalidade a aplicação das normas do direito substancial respectivo”.
[57] CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 514: “Importante, ainda, é registrar que este incidente – que não estava previsto expressamente na legislação processual anterior – vem assegurar o pleno respeito ao contraditório e ao devido processo legal no que diz respeito à desconsideração da personalidade jurídica. É que sem a realização desse incidente, o que se via era a apreensão de bens de sócios (ou da sociedade, no caso de desconsideração inversa) sem que fossem eles chamados a participar, em contraditório, do processo de formação da decisão que define sua responsabilidade patrimonial. O Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, ao tempo da legislação processual anterior, admitia a desconsideração da personalidade jurídica sem prévia citação daqueles que seriam atingidos pelos efeitos da decisão, diferindo-se o contraditório (STJ, REsp 1266666/SP, Relª Min. Nancy Andrighi, J. 09.08.2011). Este entendimento, porém, contraria frontalmente o modelo constitucional de processo brasileiro, já que admite a produção de uma decisão que afeta diretamente os interesses de alguém sem que lhe seja assegurada a possibilidade de participar com influência na formação do aludido pronunciamento judicial (o que só seria admitido, em caráter absolutamente excepcional, nas hipóteses em que se profere decisão concessiva de tutela de urgência, e mesmo assim somente nos casos nos quais não se pode aguardar pelo pronunciamento prévio do demandado). Ora, se ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal, então é absolutamente essencial que se permita àquele que está na iminência de ser privado de um bem que seja chamado a debater no processo se é ou não legítimo que seu patrimônio seja alcançado por força da desconsideração da personalidade jurídica”.
[58] SOUZA, André Pagani de. Código de Processo Civil anotado. Coordenado por José Rogério Cruz e Tucci, Manoel Caetano Ferreira Filho, Ricardo de Carvalho Aprigliano, Sandro Gilbert Martins e Rogéria Fagundes Dotti. Curitiba: AASP, OAB/PR, 2015. p. 227: “A utilização de um incidente cognitivo para desconsiderar a personalidade jurídica é prescrita pelos arts. 133 a 137 do CPC/2015 como forma de garantir que o princípio do contraditório seja observado sempre que, por determinação judicial, os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou dos sócios da pessoa jurídica. Com a instauração deste incidente, permite-se que seja estabelecido o contraditório entre aquele que pede a desconsideração da personalidade jurídica e aquele que poderá sofrer os seus efeitos, de maneira que o juiz realize a sua cognição e profira a sua decisão no curso de um processo pendente, sem prejudicar o direito de defesa do integrante da pessoa jurídica”.
[59] MEDEIROS NETO, Elias Marques de. Efetividade processual, princípio da cooperação e poderes instrutórios. Revista Brasileira de Direito Processual, Belo Horizonte, v. 23, n. 90, p. 175-190, abr./jun. 2015. p. 186: “Uma maior cooperação entre as partes, em soma com uma intensa participação do magistrado na relação com as partes e na busca da melhor e mais efetiva solução para a lide está inserida no NCPC; o qual nada mais objetiva do que traduzir o anseio de dar a cada ato processual o máximo de rendimento possível, possibilitando ao titular do direito material obter a realização deste último, em prazo razoável, dentro dos princípios da eficiência, economia processual, celeridade e devido processo legal”.