A POSSIBILIDADE DE CASAMENTO HOMOAFETIVO: AS DECISÕES DAS CORTES CONSTITUCIONAIS BRASILEIRA E NORTE-AMERICANA
Ulisses Simões da Silva
Flavio Bizzo Grossi
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Sobre a Decisão do Supremo Tribunal Federal (ADI 4.277) – Mudando a Interpretação do Conceito de Família. 3 Obergefell v. Hodges – A Decisão da Suprema Corte Norte-Americana. 4 Conclusão. Referências Bibliográficas.
1 Introdução
Em julho do presente ano, a Suprema Corte dos Estados Unidos da América, em decisão emblemática, tornou legal o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo em todos os 50 Estados daquele país. A decisão teve grande repercussão: foi amplamente noticiada, as redes sociais foram inundadas com mensagens de apoio à comunidade LGBT e ativistas foram até a sede da Suprema Corte para festejar a vitória.
Referida decisão vem na esteira no neoconstitucionalismo presente nos principais países democráticos, nos quais as Constituições têm assumido papel preponderante na efetivação de direitos das minorias, por vezes deixadas à margem de sua cidadania, aplicando-se os princípios e as normas constitucionais de forma ampla e irrestrita, visando suprir lacunas legislativas ou dar nova interpretação a uma norma, visando sempre a conquista e/ou a garantia de direitos.
No Brasil, a união entre pessoas do mesmo sexo foi reconhecida em decisão paradigma de nossa Suprema Corte em maio de 2011. No julgamento da ADI 4.277, o Supremo Tribunal Federal (STF) tratou de dar interpretação conforme a Constituição ao art. 1.723 do Código Civil, excluindo da inteligência deste qualquer entendimento cerceador ou limitador de direitos. Em suma, o STF equiparou a entidade familiar formada por pessoas do mesmo sexo àquela formada por pessoas de sexos distintos. Posteriormente, esse acórdão ensejou a edição de resolução pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), obrigando os cartórios a celebrarem o casamento civil de pessoas do mesmo sexo, além da conversão de união estável homoafetiva em casamento.
Neste estudo, são analisados alguns dos fundamentos das duas decisões paradigmáticas. Apesar de os sistemas jurídicos serem diferentes (civil law e common law), as decisões apresentam diversos pontos de intersecção, em especial no que tange à universalização e à positivação de direitos a partir de hermenêutica constitucional ampliativa. Além disso, o direito de família das duas nações sofreu consideráveis alterações a partir de tais julgamentos, demonstrando ser ramo do direito a ser moldado aos novos anseios da sociedade, refutando qualquer posição estática.
2 Sobre a Decisão do Supremo Tribunal Federal (ADI 4.277) – Mudando a Interpretação do Conceito de Família
Em nosso ordenamento jurídico, a ação direta de inconstitucionalidade é um dos principais mecanismos de controle de constitucionalidade, tendo função ímpar para a manutenção da ordem constitucional, garantia da democracia e, em alguns casos, garantia de direitos. No caso em tela, a reconfiguração do conceito de família, visto que cabe às instituições jurídicas moldarem-se às novas e constantemente mutáveis necessidades de um povo.
No caso em análise, foi ajuizada a ADI 4.277 visando, em sua essência, reconhecer e efetivar direitos de uma parcela da sociedade brasileira, os homossexuais, a quem era negado o reconhecimento jurídico de suas uniões afetivas, sob o pretexto de que a Constituição Federal, em seu art. 226, § 3º, reconhecia como entidade familiar apenas a união formada entre homem e mulher.
No entanto, a própria Carta Maior da República possui princípios e dispositivos positivados que são incompatíveis com a referida exclusão. Dessa forma, o STF conseguiu aferir nova interpretação ao supramencionado dispositivo constitucional e ao Código Civil através da própria Constituição.
Com efeito, a nossa Suprema Corte vem adotando, há tempos, posição garantidora de direitos com base no neoconstitucionalismo. Por meio deste novo paradigma jurídico, observamos o reconhecimento da força normativa dos princípios jurídicos, estejam eles positivados ou não na Carta Magna; temos a constitucionalização do direito, com a incidência de normas, valores e princípios constitucionais sobre todos os ramos do direito; ampliação do pensamento jurídico utilizando-se de filosofia e sociologia jurídicas, de teoria da argumentação; dentre outras consequências[1]. No entanto, a principal força causada pelo movimento é a mudança da cultura jurídica relacionada a temas polêmicos.
Neste contexto, o Supremo Tribunal Federal colocou ponto final em questão de repercussão geral para a sociedade brasileira e de principal incidência, mas não somente no direito de família, ao dar guarida ao pedido formulado na ADI 4.277.
No magnífico acórdão proferido pela Suprema Corte brasileira, o Ministro Ayres Britto analisou, preliminarmente, a vedação explícita de tratamento discriminatório ou preconceituoso em razão do sexo dos seres humanos, de acordo com o art. 3º, IV, da Constituição, dispositivo que elenca os objetivos fundamentais da nossa República, dentre eles a construção de uma sociedade justa e livre, a erradicação da pobreza e, o mais importante para a análise a que se dispõe este artigo, a promoção do bem de todos, eliminando o preconceito de qualquer natureza.
Em outras palavras, o referido dispositivo legal impõe um princípio de antidiscriminação; refere-se, portanto, à vedação de preconceito por “sexo” de maneira abrangente, não apenas à orientação sexual ou à identidade de gênero, o que causava, até então, dúvidas acerca de sua interpretação. Ora, o emprego do termo “sexo” refere-se a homens e mulheres de maneira generalizada; dicotomia humana decorrente da reprodução da espécie, cada uma com suas peculiaridades psico e morfofisiológicas. É objetivo do nosso país, expresso na Constituição, o estabelecimento de uma igualdade jurídica, civil e moral entre os seres humanos, além de todas as outras formas de expressão do pluralismo humano, incluindo-se dentro de sexo os indivíduos homoafetivos.
É possível ir ainda mais longe na interpretação feita ao art. 3º: ele impõe a obrigatória e necessária convivência respeitosa entre os discordantes. Ou seja, mesmo que a maioria da sociedade seja heterossexual e as entidades familiares, em sua maioria, ainda possuam estrutura patriarcal, centrada no relacionamento afetivo entre sexos díspares, constitucionalmente impossível e ilógico o ordenamento jurídico brasileiro não reconhecer como família a entidade formada por casais do mesmo sexo ou por quaisquer composições distintas do conceito dito tradicional. Se a união homoafetiva continuasse sendo discriminada e não reconhecida pelo Estado, haveria violação expressa à Constituição Federal em seu art. 3º.
Em suma, ao fazer a análise do já referido dispositivo constitucional, o Supremo Tribunal Federal entendeu que é um objetivo da República brasileira promover o bem geral de seus cidadãos; dessa maneira, vedado está o preconceito de qualquer ordem, inclusive contra gênero e orientação sexual. Ou seja, a palavra “sexo” recebeu uma hermenêutica ampliativa e asseguradora de direitos.
Apesar de termos um sistema jurídico pautado pelo positivismo kelseniano, a nova hermenêutica constitucional busca encontrar a real vontade do legislador e construir novas bases teóricas e interpretativas do ordenamento jurídico. Nesse sentido, os Ministros do STF adentraram duas questões extremamente importantes para um Estado Democrático de Direito: a liberdade individual e o princípio da legalidade, que apesar de juridicamente semelhantes têm diferentes pesos neste julgamento.
O princípio da legalidade, consagrado no art. 5º, II, da Constituição, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei“, advém da norma geral negativa de Kelsen, como bem apontado pelo Ministro Ayres Britto em seu voto; ou seja, o não juridicamente proibido está juridicamente permitido.
Colocando a união homoafetiva debaixo da luz desse princípio, percebe-se a total ausência de proibição! Ora, como já comentado supra, se o Estado brasileiro tem como objetivo erradicar o preconceito e não proíbe a união homoafetiva por lei, não há óbice ao seu reconhecimento jurídico e a sua equiparação às uniões heteroafetivas.
O Ministro vai ainda mais além ao dizer que a Constituição Federal não rege como cada pessoa deva usar seu aparelho sexual, seja com pessoa de mesmo sexo ou diferente, deixando isso à livre escolha do indivíduo. O silêncio normativo implica, em um primeiro plano, no total respeito ao instinto sexual mais íntimo de cada ser humano; já em uma segunda análise, é o início da influência da liberdade individual, também no mesmo dispositivo constitucional.
A liberdade consagrada no caput do art. 5º da Carta Maior é direito fundamental e um dos alicerces da dignidade da pessoa humana, sendo princípio basilar do Estado Democrático de Direito. A orientação sexual é um dos expoentes afetados pela liberdade de cada indivíduo, através de sua autonomia da vontade mais íntima.
Ora, se o princípio da legalidade não veda a sexualidade humana de se manifestar através de suas inúmeras formas, o princípio da liberdade consolida que há possibilidade de sua manifestação. Em seu voto, a Ministra Cármen Lúcia afirma que a união homoafetiva é proveniente do mais íntimo sentimento de duas pessoas, sendo manifestação clara da liberdade individual.
Imperativo lembrar que a liberdade constitucional é desdobrada em diversos planos, sendo o mais importante ao assunto sob análise o da intimidade. Além disso, o próprio texto constitucional protege expressamente a intimidade em seu art. 5º, X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (…)“. Em decorrência, pode-se interpretar que não há nada tão íntimo quanto a expressão livre da sexualidade de cada pessoa, sem limitações e julgamentos e, além de sua manifestação, a concretização biológica da orientação sexual de um indivíduo no âmbito de sua vida privada.
Com efeito, ao analisar a liberdade, o Ministro Ayres Britto ressalta em seu voto:
“(…) nada mais íntimo e mais privado para os indivíduos do que a prática da sua própria sexualidade. Implicando o silêncio normativo da nossa Lei Maior, quanto a essa prática, um lógico encaixe do livre uso da sexualidade humana nos escaninhos jurídico-fundamentais da intimidade e da privacidade das pessoas naturais.”
Diante de todos esses fundamentos e princípios constitucionais, um importante direito decorre deles: o direito à igualdade. No voto do Ministro-Relator Ayres Britto, a análise do princípio da igualdade surgiu ao final, quando se conclui que “há um direito constitucional líquido e certo à isonomia entre homem e mulher” [2]. Nesse contexto, embora os fundamentos constitucionais apontados na decisão incidam, de forma independente, sobre o tema sub judice, fato é que todos se concentram no princípio da igualdade.
A proibição de discriminação, que foi a primeira matéria analisada, advém em parte da isonomia a ser aplicada a todos os cidadãos: a Carta da República exige que homens e mulheres sejam tratados igualitariamente; a liberdade de cada um exercer a plenitude de sua sexualidade, sem distinção entre heterossexuais e homossexuais; a proibição de heterossexuais serem contemplados por uma gama de direitos pelo fato de serem heterossexuais, sendo estes mesmos direitos negados aos homossexuais pela divergência de sexualidade.
Portanto, o princípio da isonomia consolida todos os argumentos, de maneira a transformar a atual interpretação do conceito de família.
No entanto, o julgamento da ADI 4.277 levou a discussão dos direitos homoafetivos a outro nível. Não permaneceu adstrito ao plano da isonomia e ventilou novos fundamentos jurídicos e fáticos que embasam toda a efetivação desses direitos. O Supremo Tribunal Federal entrou em questões muito complexas, como a função que cada indivíduo dá livremente a seu órgão sexual, a maneira como cada um escolhe viver plenamente sua personalidade, além de analisar a proibição à discriminação por sexo e orientação sexual e o fomento ao bem-estar da população.
Dessa maneira, deu-se “interpretação conforme a Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil e introduziu-se uma mudança radical no direito de família: a palavra “família” deve ser interpretada ampliativamente, de maneira a abarcar e tutelar todas as uniões de pessoas de mesmos ou diferentes sexos.
3 Obergefell v. Hodges – A Decisão da Suprema Corte Norte-Americana
Antes de se iniciar a análise da decisão proferida pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América, cabe lembrar que aquele país adota o sistema da common law: o direito é baseado muito mais em precedentes jurisprudenciais que na letra escrita da lei. Dessa forma, a atuação de juiz é de extrema importância, posto que sua interpretação sobre determinado tema e lei gera precedente para ser aplicado em diversos outros casos.
Diante dessa perspectiva, 14 casais do mesmo sexo e dois homens viúvos recorreram à Suprema Corte norte-americana, alegando violação à 14ª Emenda Constitucional (14th Amendment) ao lhes ser negado, em certos Estados, o direito ao casamento ou ao reconhecimento do casamento celebrado em outro Estado Norte-Americano que permitia o casamento civil homoafetivo.
Em apertadíssima síntese, os peticionários pleiteavam obter a liberdade de casarem com pessoa do mesmo sexo e obterem o reconhecimento jurídico do Estado sob essa união, da mesma maneira que casais de sexos opostos o têm. Importante explicitar que a 14ª Emenda Constitucional trata de direitos de cidadania e tratamento igualitário perante as leis norte-americanas (Equal Protection Clause); encontramos nela a base do principal argumento usado pelos peticionários/recorrentes: a violação à cláusula do devido processo legal (Due Process Clause).
Em sua conformação genérica, a 14ª Emenda incide em um oceano de possibilidades jurídicas. Sendo assim, entende-se que a limitação imposta pelos Estados do Tennessee, Kentucky, Ohio e Michigan, no sentido de simplesmente não reconhecerem o casamento civil homoafetivo celebrado em outro Estado, violava a Carta Maior dos EUA ao restringir direitos de parcela da população, sem um devido processo legal. Esses Estados entendiam não estarem obrigados a aprovar o casamento de pessoas do mesmo sexo. Para maior esclarecimento, vale a citação da referida norma:
“Section 1. All persons born or naturalized in the United States, and subject to the jurisdiction thereof, are citizens of the United States and of the State wherein they reside. No State shall make or enforce any law which shall abridge the privileges or immunities of citizens of the United States; nor shall any State deprive any person of life, liberty, or property, without due process of law; nor deny to any person within its jurisdiction the equal protection of the laws.” [3]
O primeiro fundamento usado pela Corte estadunidense para conceder o pedido dos peticionários foi ser o casamento uma questão de escolha pessoal, inerente à autonomia individual. Casar-se com pessoa do mesmo sexo é uma escolha tão íntima quanto o estabelecimento de relações familiares, a procriação e o uso de medidas contraceptivas.
A análise foi feita a partir de dois grandes julgamentos na história daquela Corte constitucional, que abriram precedentes na interpretação da instituição do casamento: Loving v. Virginia, que em 1967 conseguiu invalidar o banimento a casamento entre pessoas de raças diferentes. A Suprema Corte dos EUA entendeu ser o casamento um direito vital para a busca de felicidade e realização de uma pessoa. Aquele Tribunal reiterou esse entendimento, ainda, no caso Turner v. Safley, de 1987, ao estabelecer que as leis vigentes na época tolhiam o direito de presidiários ao casamento.
Em ambos os casos mencionados, usados como precedentes no julgamento da Suprema Corte, entendeu-se que a liberdade dos cidadãos americanos mencionada pela 14ª Emenda estaria restringida, pois limitou-se um direito sem o devido processo legal. Dessa maneira, viola-se a Due Process Clause, tornando-se a medida inconstitucional.
A Corte estadunidense ressalta, ainda, que o devido processo legal estabelecido na 14ª Emenda é protetor de quase todos os direitos enumerados pela Bill of Rights e, além desses, questões que são inerentes à autonomia, à intimidade e à privacidade humanas. Nesse contexto, uma das principais funções do Poder Judiciário é interpretar a Constituição de maneira a visar à proteção dos direitos fundamentais. E, em que pese a Constituição dos EUA ser uma das mais antigas do mundo ainda em vigor, as suas cláusulas são perfeitamente adaptáveis às mudanças de necessidade da sociedade, através da evolução jurisprudencial e da maturação de novos ideais jurídicos.
Nesse sentido, a própria evolução dos direitos de cidadãos gays e cidadãs lésbicas nos EUA serve de exemplo: até meados do século XX, a intimidade entre pessoas do mesmo sexo era criminalmente condenada. Homossexuais eram banidos do serviço público, proibidos de ingressarem no serviço militar, visados pela polícia e, além de tudo, considerados doentes mentais. O movimento LGBTT nos EUA teve papel fundamental na conquista de direitos a essa parcela da população e a instituição do casamento é um dos principais motivos que levaram a novas interpretações jurídicas.
Como exposto na decisão da Corte americana, a formação de famílias pela comunidade LGBTT é prova de que é faticamente possível que indivíduos do mesmo sexo contraiam o matrimônio e estabeleçam um compromisso a dois. Aqui entra o segundo quesito analisado pela Corte americana: o casamento é um direito fundamental de todos, pois ele embasa a união de duas pessoas de maneira única, diferente de qualquer outra. Dessa maneira, os casais do mesmo sexo têm o mesmo direito que os casais de sexos opostos de dignificar sua união.
O terceiro ponto analisado pela Corte americana é de que o casamento protege a formação e criação dos filhos oriundos de uma relação a dois, conforme ventilado no caso Pierce v. Society of Sisters, de 1925. Apesar de alguns Estados americanos ainda não reconhecerem o vínculo jurídico de casais do mesmo sexo, homossexuais já adotaram crianças e lhes promoveram lares saudáveis. Esse fato, segundo a Corte, confirma a ideia de que casais homoafetivos são plenamente capazes de formarem uma família! No entanto, apesar de a Corte entender que o direito ao casamento também está ligado ao fato da criação de descendentes, o matrimônio não está obrigatoriamente conectado a ele; ou seja, a criação de filhos é uma faculdade íntima do casal que, ao ter o reconhecimento de sua união, pode proporcionar a seus descendentes melhores situações, tendo em vista que o casamento leva a uma série de outros direitos civis.
O quarto e último argumento utilizado pela Suprema Corte é de que o casamento é uma das chaves para a formação da ordem social. Relacionado ao terceiro argumento supra analisado, infere-se que a sociedade está baseada por vínculos jurídico-afetivos, quanto mais consolidados eles estiverem, mais justa, igualitária e avançada será essa sociedade. Dessa forma, os direitos advindos de um casamento, por exemplo, serão facilmente exercidos e consagrados pela sociedade americana.
Este emblemático julgamento colocou fim a uma disparidade desnecessária que ocorria em determinados Estados nos Estados Unidos da América: a diferença entre casamentos de casais de sexos opostos em relação ao de casais do mesmo sexo. Toda a análise feita a partir da violação ao princípio do devido processo legal leva à consagração da Equal Rights Clause disposta na mesma 14ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América.
4 Conclusão
Para Norberto Bobbio, o século XXI não é o da consagração de direitos, mas, sim, o da efetivação dos direitos já conquistados anteriormente, da maturação de ideias já postas[4].
Neste contexto, o direito ao casamento é simplesmente parte da individualidade e da intimidade de cada pessoa; já estes são direitos fundamentais imprescindíveis em um Estado Democrático de Direito. A interpretação e a aplicação extensivas do regime jurídico do casamento faz parte da evolução do pensamento da sociedade, de maneira que ambos os julgamentos acima analisados levaram à efetivação desse direito.
Como já afirmado, embora os dois países (Brasil e Estados Unidos da América) tenham sistemas jurídicos diferentes, a semelhança entre as duas decisões paradigmáticas reside nas normas gerais interpretadas e nos princípios aplicados. No acórdão da nossa Suprema Corte é possível enxergar o peso que o princípio da igualdade teve sobre a decisão dos ministros, ao mesmo tempo que o processo norte-americano teve como causa de pedir justamente a violação expressa à igualdade.
Não se pode olvidar, também, que os direitos à intimidade e à privacidade analisados pelas Cortes de ambos os países estão proibidos de violação e é garantida a atuação judicial através de tratados internacionais dos quais o Brasil e os Estados Unidos da América são signatários, como, por exemplo, o Pacto de San José da Costa Rica. Por fim, sua aplicação pelo Poder Judiciário confirma o movimento de universalização dos direitos humanos.
Referências Bibliográficas
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Apresentação de Celso Lafer. 7. reimpr. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
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DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 3. ed. São Paulo: RT, 2006.
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Supreme Court of the United States. Obergefell v. Hodges, 2015. Disponível em: <http://www.supremecourt.gov/opinions/14pdf/14-556_3204.pdf>.
MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira; NASCIMENTO, Carlos Valder do (Coord.). Tratado de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 1.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 9. ed. atual. até a EC nº 71/2012. São Paulo: Atlas, 2013.
[1] SARMENTO, Daniel. O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. Disponível em: <http://www.editoraforum.com.br/sist/conteudo/lista_conteudo.asp?FIDT_CONTEUDO=56993>. Acesso em: 19 ago. 2015.
[2] ADI 4.277 – voto do Min. Rel. Ayres Britto, p. 24.
[3] Tradução livre: todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos, e sujeitas à jurisdição do mesmo, são cidadãs dos Estados Unidos e do Estado onde residem. Nenhum Estado deverá fazer ou cumprir lei que reduza os privilégios ou imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos; nem deverá, qualquer Estado, privar qualquer pessoa da vida, liberdade ou propriedade, sem o devido processo legal; nem negar a qualquer pessoa dentro de sua jurisdição a proteção igualitária pelas leis.
[4] BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Apresentação de Celso Lafer. Nova ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. 7ª reimpressão.