POLÊMICAS SUPRESSÕES ENCARTADAS PELO NOVO CPC
Fernando Rubin
SUMÁRIO:I – Apresentação: do rol de supressões encartadas pelo novo CPC;
II – Do efeito translativo do recurso de apelação; III – Da definição das diferenciações entre prazo peremptório e prazo dilatório; IV – Do princípio da identidade física do juiz; V – Da aplicação da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do Direito; VI – Notas conclusivas; Referências.
I – APRESENTAÇÃO: DO ROL DE SUPRESSÕES ENCARTADAS PELO NOVO CPC
Já chegamos ao estágio de estruturarmos como adequada – e até mesmo necessária – a formatação de um atualizado sistema processual, de acordo com as disposições constitucionais pátrias [1], garantidoras – e balanceadoras – de efetividade e segurança jurídica para uma suficiente tutela jurisdicional [2].
Agora, não podemos olvidar que foram encaminhadas supressões de determinados dispositivos contidos no Código Buzaid que não encontram razoável justificativa, podendo até mesmo vir a causar eventual prejuízo à obtenção da aludida suficiente tutela jurisdicional [3].
Dentro desse rol de supressões poderíamos apontar a do art. 132, caput, do CPC/1973, a tratar o princípio da identidade física do juiz; a do art. 126, parágrafo único, a tratar da referência à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de Direito, como recursos utilizáveis pelo magistrado à falta de normais legais; a dos arts. 181 e 182, a destacar as diferenças conceituais entre os prazos peremptórios e dilatórios; a do art. 516 do Código Buzaid, a reger os efeitos translativos do recurso de apelação; a do art. 188, a tratar da supressão do prazo em quádruplo para a contestação da Fazenda Pública e do Ministério Público; e a do art. 518, parágrafo único, a reger a exigência de juízo de admissibilidade pelo órgão de primeiro grau.
Com relação às duas últimas novidades, pensamos que podem sem compreendidas sem maiores digressões: a primeira pelo fato de, em geral, os prazos para a Fazenda Pública e para o Ministério Público serem dobrados pelo novo CPC, o que estabelece certo ajuste no sistema de supressão de prazo em quádruplo, exclusivamente para contestar; e a segunda pelo fato de o juízo de admissibilidade ser matéria de ordem pública, inclusive pelo sistema ainda em vigência, o que já determinava a possibilidade de reexame oficioso do juízo de admissibilidade recursal pelo Tribunal ad quem, operando-se, assim, pelo novel diploma, tão somente uma simplificação de formas, evitando-se retrabalho.
No entanto, nos demais pontos acreditamos que as supressões entabuladas devam ser desconsideradas pelo operador do Direito quando da aplicação do novo sistema adjetivo, a entrar em vigor a partir de 18 de março de 2016.
Passemos, pois, à análise de cada um dos pontos tormentosos, em pormenor.
II – DO EFEITO TRANSLATIVO DO RECURSO DE APELAÇÃO
O ato judicial, mesmo não podendo fazer coisa julgada material, não fica sujeito a ser, livremente, desfeito ou ignorado pelo seu prolator ou por outros juízes, não se podendo decidir novamente questões já decididas relativas à mesma lide, conforme comando contido no art. 471 do Código Buzaid.
Diversamente da preclusão temporal, dirigida unicamente às partes, a preclusão consumativa pode vincular o magistrado, que, nos termos do dispositivo infraconstitucional supramencionado, está impedido, por regra, e fora das vias recursais, quando estritamente admitidas [4], de voltar ao reexame e rejulgamento das mesmas questões já decididas, em novos pronunciamentos no processo.
Mas se a parte interpuser recurso, e a modalidade irresignatória não admitir a reconsideração do prolator, teríamos preclusão da questão para este, mas não para o Poder Judiciário, que reapreciará a discussão via juízo hierarquicamente superior. Há, de fato, situações que configuram a regra, nas quais o recurso à superior instância não permite que, concomitantemente, o juízo a quo se retrate; nesse caso, teríamos, na hipótese de manejo do recurso, uma preclusão de instância (do primeiro grau), mas não da matéria (para o segundo grau) [5].
Se, por expressa disposição de lei, a oposição de recurso à superior instância normalmente veda a reconsideração pelo juízo a quo, também o resultado definitivo apontado pelo Tribunal ad quem imporá que o tema não volte a ser enfrentado no primeiro grau em ulteriores oportunidades do procedimento ainda sob o seu comando, já que aqui estar-se-ia configurada, conforme o art. 512 do CPC, uma preclusão em razão da hierarquia judiciária (preclusão hierárquica) [6].
Por sua vez, situação que mais importa nessa passagem do presente ensaio, a instância superior está obviamente impedida de modificar a decisão a quo de que não cabe mais recursos, salvo se relacionado ao efeito translativo recursal. Caso típico de preclusão de questões atingindo o juízo superior, que pode conhecer, em apelação, da matéria de fato e de direito impugnada em face dos termos da sentença (efeito devolutivo, art. 515 CPC), mas não pode conhecer das questões decididas pelo juízo de primeiro grau, v.g., no despacho saneador, que acabaram restando inimpugnadas pela parte interessada/prejudicada (art. 331, § 2º, c/c o art. 516, ambos do CPC) [7].
Moniz de Aragão [8], interpretando mais especificamente o teor do art. 516 do CPC, refere que, fora as imperfeições do dispositivo, ressai do texto a regra geral de ficarem subtraídas ao conhecimento do tribunal as questões preclusas em decorrência de a parte não lhes ter dado competente combate por meio de recurso contra a decisão (interlocutória) que as solucionou: “Nenhum juiz, pois, poderá revê-las, nem mesmo o tribunal“. De fato, conforme comentam Amir José F. Sarti [9] e Teresa Arruda Alvim Wambier [10], o efeito translativo do recurso de apelação de que trata o aludido dispositivo processual não envolve toda e qualquer matéria desenvolvida antes da sentença, mas tão somente as (excepcionais) de ordem pública.
A ressalva quanto à possibilidade de reexame da decisão no que diz respeito às matérias de ordem pública (como a prescrição, as nulidades e a matéria probatória), seja pelo mesmo julgador (quando mantém jurisdição), seja pela instância superior (em caso de recurso, com efeito devolutivo), reside na impossibilidade de, nesses casos, se operar a preclusão, tendo-se em conta que as referidas matérias imperativas, por serem notadamente de interesse suprapartes (para usarmos a concepção consagrada por Galeno Lacerda [11]), podem ser reavaliadas ulteriormente. Mas, mesmo nessas situações excepcionais, a melhor doutrina, encabeçada por Vittorio Denti [12] em seu ensaio específico a respeito das questioni rilevabili d’ufficio e contradittorio, indica a necessidade do estabelecimento de um contraditório prévio entre as partes, sob pena de nulidade da decisão (tomada de ofício) – tudo a resguardar o direito constitucional de defesa e a exigência, mais atual do processo, de colaboração [13] (cuja orientação encontra-se expressa no novo CPC, arts. 6º e 10).
Enfim, o efeito translativo, regulado no art. 516 do Código Buzaid, garante, portanto, ao Tribunal ad quem examinar matérias de ordem pública, mesmo que não invocadas ao longo da tramitação da lide, desde que evidentemente venham a favorecer a parte recorrente [14], sob pena de infringência ao princípio da reformatio in pejus[15].
Registra o comentado art. 516 que ficam também submetidas ao Tribunal as questões anteriores à sentença, ainda não decididas. Ocorre que, ao tratar da temática, o novo CPC registra tão só no art. 1.013, §. 1º, que serão objeto de apreciação e julgamento pelo Tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado [16].
O ponto polêmico circunscreve-se exatamente à parte final, já que, s.m.j., vincula o exame da matéria pelo Tribunal ad quem ao efeito devolutivo, relacionado ao ponto impugnado da sentença. Não entendemos como adequada essa restrição, o que pode criar no futuro certo embaraço à tradicional aplicação do efeito translativo do recurso de apelação.
Persistimos entendendo que, diante da importância do reconhecimento de tais matérias, mesmo que não tenham sido objeto direto de recurso, cabe ao Tribunal enfrentá-las, em preliminar recursal, determinando, se for o caso, o retorno dos autos à origem para os ajustes no procedimento – é o caso, por exemplo, de reconhecimento oficioso pela instância superior da necessidade de complementação de prova ou sanação de vício grave, a ser realizada na origem, com a desconstituição de plano da sentença já proferida.
Mesmo que não tenha sido reeditado o art. 516 do CPC, cremos que há outros dispositivos na Lei nº 13.105/2015 que garantem serem determinadas matérias de ordem pública (com direito ao reconhecimento ex officio pelo julgador), o que deverá colmatar a imprecisão legislativa no ponto.
Há de se reconhecer, por fim, que já há na doutrina entendimento no sentido de que a redação do novo CPC acaba, ao fim e ao cabo, por manter o efeito translativo da apelação [17], o que nos conforta, mas sem que se torne inócua, ao menos por ora, a crítica a redação do novel dispositivo e a supressão do antigo.
III – DA DEFINIÇÃO DAS DIFERENCIAÇÕES ENTRE PRAZO PEREMPTÓRIO E PRAZO DILATÓRIO
A mais usual das modalidades, a preclusão temporal, consiste na perda do direito de praticar determinado ato processual pelo decurso do prazo fixado para o seu exercício. Esse aludido “direito de praticar um ato processual” representa uma faculdade conferida às partes de se manifestarem ao longo do processo, desde o ingresso com a petição inicial (com a sua causa petendi próxima e remota, e o pedido), passando pela contestação (com a apresentação necessária de toda possível matéria preliminar, prejudicial e de mérito), ingressando na ativa produção probatória, e inclusive chegando à previsão do manejo de recursos, sempre na busca da defesa dos seus interesses, sob pena dos ônus decorrentes da sua inércia, em todos esses casos [18].
A regra, esculpida no art. 183 do CPC/1973, é de que, decorrido o prazo, extingue-se o direito de praticar o ato, independentemente de manifestação judicial; assim, a natureza da decisão judicial que declarar a perda de uma faculdade processual certamente não é constitutiva [19] – daí reconhecer-se que a preclusão normalmente se opera ipso iure[20].
Além disso, é defeso às partes, nos termos do art. 182, ainda que todas estejam de acordo, reduzir ou prorrogar os prazos peremptórios; tão só admitindo a lei, de acordo com o art. 181, a alteração dos prazos dilatórios, e desde que ambos os litigantes estejam de acordo – o que está em sintonia com a letra do art. 265, II, que prevê a suspensão do processo em face da convenção de ambas as partes. Seriam peremptórios, entre outros, o prazo para resposta do réu (arts. 241 e 297), para excepcionar (arts. 304 e 305) e para recorrer (art. 508); sendo dilatório o prazo, v.g., para falar nos autos, mesmo fixando a lei prazo para a manifestação da parte contrária, como nos arts. 398 e 327 [21].
Tratando dos prazos peremptórios (art. 182 do CPC) sobre os quais realmente não se deve discutir quanto à relativização da preclusão posta, Humberto Theodoro Jr. apresenta sucinta e adequada concepção ao compará-los aos prazos dilatórios (art. 181 do CPC), embora deixe claro a dificuldade prática de distingui-los – o que ainda hoje é objeto de discussão e dúvidas, mesmo entre os juristas de escol[22]:
Não determinou o código um critério especial para identificar, dentro dos prazos legais, quais são os peremptórios e quais os dilatórios. Caberá pois à jurisprudência a seleção casuística dos prazos de uma e outra espécie. Há alguns prazos, todavia, que têm sua natureza já assentada dentro de um consenso mais ou menos uniforme da doutrina processualística. Com efeito, os prazos para contestar, para oferecer exceções e reconvenção, bem como o de recorrer, são tidos como peremptórios. [23]
Vê-se que os comandos contidos nos arts. 181 e 182 do CPC (cópias, respectivamente, dos arts. 153 e 154 do CPC italiano), como expressamente consta, são dirigidos estritamente às partes, não se dirigindo ao magistrado. Realmente, o juiz não incorre em preclusão temporal, por exceder os prazos que lhe sejam prefixados – daí dizer-se que recaem sobre o diretor do processo os prazos impróprios (que são normalmente tidos como “dilatórios” ou “não peremptórios” ou, ainda, “não preclusivos“) [24].
Pelo novo CPC, os arts. 181 e 182 não são reeditados na íntegra, havendo tão só disposição contida no art. 222, § 1º, da Lei nº 13.105/2015 registrando que ao juiz é vedado reduzir prazos peremptórios sem anuência das partes. Ora, tal “novidade” é absolutamente despicienda, já que se sabe que será raro cenário de acordo das partes para reduzir prazo peremptório [25].
Por outro lado, o art. 139, VI, do novo CPC disciplina que o juiz, como diretor do processo, poderá prorrogar os prazos, especialmente na situação de requerimento pela parte interessada. Ora, evidente que nem todos os prazos serão passíveis de prorrogação, mas tão somente os prazos dilatórios [26]. Os consagrados prazos peremptórios, como de apresentar defesa e recurso, devem, a seu turno, seguir sendo impossíveis de prorrogação pelo juízo, sob pena de restarmos sem organização nenhuma do procedimento, limite de formalismo necessário ao qual a preclusão se presta [27].
Portanto, segue sendo necessário distinguirmos os efeitos dos prazos peremptórios e dos prazos dilatórios, que aparecem em maior número no processo e podem ser prorrogados pelo juiz, a requerimento da parte interessada, mesmo que com oposição da parte litigante contrária.
O fato de o novo CPC não reiterar todos os dispositivos de diferenciação conceitual dos prazos não determina que a distinção simplesmente tenha desaparecido, sendo necessária a manutenção da distinção, inclusive para que possamos realmente reconhecer que a maioria dos dispositivos do Codex que estabelecem prazos sejam passíveis de prorrogação, salvo manifestas exceções em que o prazo deve ser compreendido como peremptório.
IV – DO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ
O novo CPC, Lei nº 13.105/2015, causa ainda maior perplexidade ao suprimir do sistema o art. 132, caput, do Código Buzaid, a explicitar o princípio da identidade física do juiz, in verbis: “O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor“.
Entendemos que se trata de verdadeiro princípio, a favor da oralidade, da colaboração e da aproximação do julgador da realidade da causa concreta, razão pela qual não pode simplesmente ser afastado, pelo operador do Direito, em face de inexistência de previsão legal.
Fica evidenciada, pela letra do Código de 1973, a existência de diversas ocasiões em que o princípio da identidade física do juiz poderá e necessariamente virá a ser excepcionado, mas, como bem observam Sérgio Porto e Guilherme Porto, tal situação não retira a sua importância, já que, como regra, deve-se primar pela manutenção do magistrado na causa, pois aquele que instruiu a demanda possui, sem dúvidas, melhores condições fáticas para julgar o feito [28].
Repara-se, nesse mesmo diapasão, que a ratio do novo sistema se coloca, em linhas gerais, justamente no sentido de nivelamento e aproximação do magistrado para com as partes, sugerindo, inclusive, a realização de três audiências antes da prolação de sentença: (a) audiência inicial, para acordo e contestação; (b) audiência de saneamento, para prosseguimento da lide nos termos ajustados; e (c) audiência de instrução e julgamento, para coleta, especialmente, da prova oral.
Mais adequado, assim, que o mesmo magistrado realize tais movimentos em busca da cognição exauriente da causa, mantendo-se no controle do feito (ao menos a partir do saneamento), com postura ativa, até a prolação da decisão final e o encerramento da sua jurisdição.
Se se trata realmente de princípio, como acreditamos [29], e não de uma mera técnica processual, como pode ser simplesmente suprimido do sistema processual? O instituto da identidade física é relevante para o regular fechamento da atividade jurisdicional de primeiro grau e por isso, então, deve ser confirmado como verdadeiro princípio processual, ao passo que considerado não em si mesmo, mas no seu complexo, organizado em sistema dentro da estrutura processual, decorrente de uma evolução (processual) histórica, com vista ao direito e precípuo funcionamento desta estrutura, garantindo às partes uma solução razoavelmente rápida e coerente da causa posta [30].
A surpresa com a exclusão do conhecido art. 132 do Código Buzaid vem sendo anunciada pela doutrina, a qual indica, ao menos, que é possível extrair do art. 366 do novo Codex fundamento para a sua manutenção no ordenamento infraconstitucional. Trata-se de comando que prevê que, encerrados os debates na audiência de instrução, deve o juiz proferir sentença imediatamente ou em trinta dias[31].
Por derradeiro, interessante reparar que o art. 132, parágrafo único, também não foi repisado pela Lei nº 13.105/2015, mesmo assim é evidente que o juiz poderá repetir as provas que entender necessário, conforme regula o aludido dispositivo infraconstitucional do modelo de 1973 – diante do fato de a matéria ser de ordem pública, de acordo com o que já colocamos neste ensaio, e de acordo com o art. 130, ab initio, do Código Buzaid, repetido, aqui sim, no art. 370 do novo CPC.
V – DA APLICAÇÃO DA ANALOGIA, DOS COSTUMES E DOS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO
Da mesma forma, causa certa espécie a supressão pelo novo CPC do art. 126 do Código Buzaid, in verbis: “O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de Direito“.
Trata-se de meio subsidiário de julgamento em razão do princípio do non liquet; impõe evidentemente que haja suficiente motivação judicial e se relaciona, mais proximamente ainda, com o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional e o princípio dispositivo [32].
Em outros termos, o magistrado deve proferir sentença de acordo com o ordenamento jurídico, mesmo que não encontre amparo específico no texto da lei, fundamentando a sua decisão a contento, devolvendo aos jurisdicionados legítimo decisum com o selo do Estado, de acordo com a realidade espaço-temporal da comunidade e de acordo também com o que foi pleiteado perante o agente político.
Também é consagrada, no ordenamento jurídico pátrio, a aplicação subsidiária da analogia, dos costumes e dos princípios gerais ao menos desde a Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) de 1942, atualmente em vigência com a designação de Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (art. 4º), razão pela qual não parece que deva ser simplesmente afastada a partir da entrada em vigor do novo diploma adjetivo.
Veja-se, por outro lado, que o novo CPC exige do magistrado ainda maior rigor na ampla fundamentação de suas decisões, sendo reforçado o comando constitucional contido no art. 93, IX, da CF/1988, a partir da previsão especialmente do art. 489 da Lei nº 13.105/2015 – parecendo, assim, ir na contramão deste modelo, a supressão de dispositivo processual que desenvolve formas alternativas, mas perfeitamente aceitas, de julgamento.
Ademais, consagrada é no campo processual a aplicação do “costume” quando da interpretação da prova judicial, ao tempo de prolação da sentença – juízo de valoração probatória[33]. Estamos aqui no campo das máximas de experiência, previstas no art. 335 do CPC/1973, repetido, aqui sim, no art. 375 do novo CPC com leve alteração [34].
Trata-se de regra de aplicação do bom senso, regra de experiência comum, espécie de válvula de escape para o julgador considerar o conjunto probatório, ao tempo de decidir, aplicando o que ordinariamente acontece. Regra, na parte geral da teoria das provas, que estabelece um vínculo entre o julgador e a comunidade em que se irá aplicar o Direito.
Estabelece o art. 335 do CPC, ao regular o tópico, que, em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial.
De fato, embora o dispositivo infraconstitucional, ao tratar das máximas de experiência, não indique com clareza se o momento oportuno de sua utilização é ao tempo de admissão ou ao tempo de valoração da prova, hodiernamente, de acordo com a exposição contida no parágrafo supra, parece-nos que cabe a sua aplicação ao tempo de o julgador proferir a sua decisão em cognição exauriente [35].
Seja como for, por certo então a existência da previsão da matéria no novo CPC ao menos em parte desqualifica a exclusão do art. 126 do Código de 1973 no novel diploma.
Por fim, entendemos que pela desqualificação ampla, da exclusão noticiada, em razão do art. 1º da Lei nº 13.105/2015, ao prever que o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado não só de acordo com base na lei, mas também em valores e normas fundamentais estabelecidas na CF/1988, o que nos faz crer que na prática será plenamente possível ao magistrado seguir aplicando a analogia, os costumes e, principalmente, os princípios gerais do Direito, como aliás sempre fez, com ou sem base em previsão de código processual [36].
E mesmo que assim não fosse, compactuamos com a posição de Marinoni e Arenhart no sentido de que, atualmente, não se deve pretender limitar o poder do juiz, mas sim controlá-lo, sendo que isso não pode ser feito mediante uma previsão legal da conduta judicial, como se a lei pudesse dizer sempre o que o juiz deve fazer para prestar a adequada tutela jurisdicional diante de todas as situações concretas: como as situações de direito material são várias, deve-se procurar a justiça do caso concreto, o que repele as teses de que a lei poderia controlar o poder do juiz [37].
VI – NOTAS CONCLUSIVAS
Defendendo a entrada em vigor do novo diploma adjetivo (Lei nº 13.105/2015), por certo não estamos de forma alguma pleiteando a sua não aplicação, ao passo em que examinada criticamente algumas supressões realizadas.
Antes de qualquer outra coisa, devemos procurar a ratio das exclusões realizadas pelo novo CPC, vindo a enfrentá-las criticamente se não encontrarmos nada convincente. Foi o que procuramos realizar, mesmo que de maneira incipiente.
Dessa forma, repetimos, não estamos pregando o inconformismo leviano e superficialista, buscando aplicar no futuro e ad aeternum o Código/1973, que sabidamente perderá a sua validade, ultrapassado o período de vacatio legis.
Estamos defendendo, isso sim, que algumas específicas disposições do Código Buzaid foram suprimidas sem que, s.m.j., melhores considerações fossem efetuadas, o que pode desembocar, logo ali, em atividade jurisdicional deficiente na prática do foro; situação que evidentemente deve ser evitada, sendo aplicadas as disposições consagradas, as quais realmente se apresentam relevantes ao regular andamento do processo judicial, como o amplo efeito translativo do recurso de apelação (nas matérias de ordem pública), a distinção entre os prazos peremptórios (minoria dos prazos processuais) e os prazos dilatórios (maioria dos prazos processuais), o princípio da identidade física do juiz (condutor do iter até prolação de sentença), e a aplicação da analogia, dos costumes (máximas de experiência, inclusive) e dos princípios gerais do Direito.
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[1] RUBIN, Fernando. A preclusão na dinâmica do processo civil, de acordo com o projeto do novo CPC. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
[2] RUBIN, Fernando. Efetividade versus segurança jurídica: cenários de concretização dos dois macro-princípios processuais no novo CPC. Páginas de Direito, v. 1, 2015.
[3] A respeito do rol de supressões, Costa Machado trata de “40 figuras que desaparecem com o novo CPC”; entendemos que o estudo não teve a profundidade necessária, nem mesmo sendo examinados com ampliação outros casos, mas mesmo assim é obra propedêutica interessante a ser consultada: Novo CPC – Sistematizado e resumido. São Paulo: Atlas, 2015.
[4] V.g., reconsideração de decisão pelo próprio prolator no agravo, na apelação de petição inepta e, a partir da Lei nº 11.277/2006, na apelação em face de sentença que julga de plano improcedente a demanda estritamente de direito sem citação do réu.
[5] É o que ocorre com o juízo originário, diante de recurso de apelação interposto contra a sentença por ele prolatada, na forma determinada pelo art. 463 do Código Processual.
[6] Caso típico em que há prolação de acórdão, em face de agravo de instrumento manejado contra decisão interlocutória gravosa, que passa a substituir o teor desta e impede o magistrado de posteriormente reabrir o tema na instância inferior – mas, como não poderia deixar de ser, tal vedação se estabelece nos estritos limites da matéria objeto de recurso, não se cogitando de alteração da situação fática e/ou probatória (como no caso das liminares).
[7] MARINONI, Tereza Cristina. Sobre o pedido de reconsideração (sucedâneo de recurso?). Revista de Processo, n. 62 (1991): 299/306.
[8] ARAGÃO, E. D. Moniz. Preclusão (processo civil). In: OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de (Coord.). Estudos em homenagem ao Professor Galeno Lacerda. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1989. p. 177.
[9] SARTI, Amir José Finocchiaro. Apelação: efeito devolutivo e preclusão das questões processuais. Ajuris, n. 70 (1997): 240/249.
[10] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Omissão judicial e embargos de declaração. São Paulo: RT, 2005. p. 189.
[11] LACERDA, Galeno. Do despacho saneador. Porto Alegre: La Salle, 1953.
[12] DENTI, Vittorio. Questioni rilevabili d’ufficio e contradittorio. Rivista de Diritto Processuale, n. 23 (1968): 217/231.
[13] MITIDIERO, Daniel. A colaboração no processo civil. São Paulo: RT, 2009.
[14] Em sentido contrário, Luis Eduardo Simardi Fernandes expõe que não se entende violada a proibição da reformatio in pejus quando o Judiciário, ao apreciar o recurso, conhece de questão de ordem pública, que pode ser examinada de ofício, a qualquer tempo e grau de jurisdição (Embargos de declaração – Efeitos infringentes, prequestionamento e outros aspectos polêmicos. 4. ed. São Paulo: RT, 2015. p. 146).
[15] Esta solução, por nós defendida, parece ter sido muito bem captada por Vicente Greco Filho: “Se é certo que há decisões irrecorríveis e que, portanto, não precluem no curso do processo, bem como decisões que, por tratarem de ordem pública, podem ser sempre reexaminadas enquanto não transitar em julgado a sentença que provoca a preclusão máxima, cabe ao recurso (da parte a ser beneficiada) manter a decisão em condições de ser modificada” (Direito processual civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2 v., 1984. p. 261).
[16] ROQUE, André; GAJARDONI, Fernando; TOMITA, Ivo Shigueru; DELLORE, Luiz; DUARTE, Zulmar (Org.). Novo CPC: anotado e comparado. São Paulo: Foco Jurídico, 2015. p. 180 e 264.
[17] DONIZETTI, Elpídio. Novo código de processo civil comentado. São Paulo: Atlas, 2015. p. 770.
[18] Igualmente, na seara executória, até a sentença de extinção da execução opera-se com robustez o fenômeno, sendo inúmeros os prazos preclusivos que movem avante o feito para satisfação do crédito.
[19] FERREIRA FILHO, Manoel Caetano. A preclusão no direito processual civil. Curitiba: Juruá, 1991. p. 81.
[20] Vale ainda, para fins de reforço do entendimento, a transcrição da posição de Barrios de Angelis: “De ahí que los impulsores del proceso sean las partes, el tribunal y la ley; que haya un impulso de parte, del oficio y ex lege. Este último se efectúa mediante el decurso automático de los prazos, y la determinación de las correspondientes preclusiones” (El proceso civil – Código General del proceso. Montevidéo: Idea, 1989. p. 224).
[21] ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: RT, v. 1, 1997.
- 454/457.
[22] É a posição compartilhada por Barbosa Moreira: “Apesar de propenso à formulação de definições, houve por bem o Código, justamente aqui, silenciar quanto aos conceitos de ‘prazo dilatório’ e ‘prazo peremptório’. Isso tem dificultado a sistematização da matéria e gerado perplexidades entre os intérpretes e aplicadores da lei” (Sobre prazos peremptórios e dilatórios. In: Temas de direito processual. 2. sér. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 49/60). Sobre o ponto ainda interessante a manifestação de Alcides Mendonça de Lima, que exemplifica alguns dos mais importantes prazos peremptórios: “Como o Código não classificou os prazos dilatórios e os peremptórios em dispositivos especiais, não podem os mesmos ser agrupados arbitrariamente, pela influência que decorre da aplicação dos
arts. 181 e 182, pela índole do prazo de recurso, o mesmo é peremptório, como a da contestação, dos embargos do devedor, etc.” (Introdução aos recursos cíveis. 2. ed. São Paulo: RT, 1976. p. 283).
[23] THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual. 38. ed. Rio de Janeiro: Forense,
- 1, 2002. p. 220.
[24] Realmente, quanto à nomenclatura utilizada, assevera Dinamarco, que “peremptório, na linguagem do Código (art. 182) significa preclusivo (prazo próprio), e dilatório (art. 181) está por não preclusivo (prazo impróprio)”. E diz mais: “Voltemos agora aos arts. 153 e 154 do Código italiano e veremos que o nosso contém, nos arts. 181 e 182, dispositivos substancialmente idênticos àqueles: são suscetíveis de alteração entre nós os prazos (não-preclusivos) a que a lei chama dilatórios (lá, ordinatori) e são insuscetíveis os peremptórios (na Itália, perentori)” (Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros,
- I, 2000. p. 196).
[25] Também André Vasconcelos Roque destaca a sua “perplexidade” com relação à referência ao prazo peremptório, nos termos do art. 222, § 1º, do novo CPC (Teoria geral do processo – Comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2015. p. 696).
[26] Em outro recente escrito já havíamos alertado que seria forçoso restringir a novidade destacada no Projeto (art. 139, VI) à fase instrutória, em que vínhamos admitindo ser o espaço devido em que se poderia falar irrestritamente em prazos não sujeitos à imediata preclusão (prazos dilatórios). Sim, porque se passamos a falar no conceito de prazo fatal (peremptório), inegável reconhecer que o juiz não poderia dilatar tal prazo, como ocorre, por exemplo, com o prazo contestacional de quinze dias – inegável medida integrante da fase postulatória e sujeita à rígida regra preclusiva, como historicamente reconhecido pela jurisprudência (Grandes temas do novo CPC. Livraria do Advogado: Porto Alegre, maio 2015. p. 85/106).
[27] ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do formalismo no processo civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
[28] PORTO, Sérgio Gilberto; PORTO, Guilherme Athayde. Lições sobre teorias do processo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 62.
[29] Atrelado a outros princípios inerentes à prova, mantidos pelo novo CPC, como os seguintes mencionados por Bento Duarte e Zulmar de Oliveira Jr. – necessidade, ampla defesa e contraditório, unidade, oralidade, igualdade, imediação, proibição da prova ilícita, lealdade, legalidade e distribuição do ônus da prova (Princípios do processo civil, com remissões ao projeto do novo CPC. São Paulo: Método, 2012. p. 108/109).
[30] Tesoriere, na Itália, bem trabalhou os conceitos de diferenciação entre “técnica” e “princípio” processual (Contributo allo studio delle preclusioni nel processo civile. Padova: Cedam, 1983. p. 14).
[31] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil. Teoria do processo civil. São Paulo: RT, v. 1, 2015. p. 538.
[32] AMENDOEIRA JR., Sidnei. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2012. p. 71 e ss.
[33] RUBIN, Fernando. Teoria geral da prova: do conceito de prova aos modelos de constatação da verdade. Revista Jurídica (Porto Alegre. 1953), v. 424, p. 45-74, 2013.
[34] Art. 375 do novo CPC: “O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial”.
[35] ROSITO, Francisco. Direito probatório: as máximas de experiência em juízo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 134/148.
[36] O que estaria de acordo com a contemporânea linha de raciocínio processual que prevê a necessidade de técnicas abertas e atípicas para a tutela adequada, efetiva e tempestiva de direitos, na órbita da jurisdição do Estado Constitucional (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil. Teoria do processo civil. São Paulo: RT, v. 1, 2015. p. 99 e ss.).
[37] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de conhecimento. 11. ed. São Paulo: RT, 2013. p. 270.