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PODERES DO JUIZ E PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE

PODERES DO JUIZ E PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE

Simone Figueiredo [1]

A imparcialidade do juiz é pressuposto de validade do processo, devendo o juiz colocar-se entre as partes e acima delas, sendo essa a primeira condição para que possa o Magistrado exercer sua função jurisdicional. Referido pressuposto, dada sua importância, tem caráter universal e consta da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. X:

Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.

A imparcialidade do juiz é uma garantia de justiça para as partes e, embora não esteja expressa, é uma garantia constitucional. Por isso, têm as partes o direito de exigir um juiz imparcial; e o Estado, que reservou para si o exercício da função jurisdicional, tem o correspondente dever de agir com imparcialidade na solução das causas que lhe são submetidas.

A doutrina tradicional, visando impor limites à participação do juiz no processo, costuma afirmar que, na medida em que este pudesse atuar ex officio (seja determinando provas, seja concedendo uma medida antecipatória, seja condenando uma das partes nas penas previstas para o litigante de má-fé, impondo multas coercitivas e de apoio às medidas executivas e mandamentais), estaria abrindo mão de sua imparcialidade, já que, fazendo isso, estaria privilegiando uma parte em detrimento da outra. Por essa razão, aqueles que são contrários ao ativismo judicial afirmam que o juiz não deve ter uma atuação muito ativa porque estaria a comprometer o princípio da imparcialidade.

Com efeito. Imparcial é o juiz que não tenha interesse no objeto do processo nem queira favorecer uma das partes, mas isso não quer dizer que não tenha o Magistrado interesse (dever) que sua sentença seja justa e que atue com esse compromisso.

Assim, a atuação ativa do juiz não é motivo de sua imparcialidade. Se o juiz se expõe à censura da parcialidade por ter agido ativamente no rigor da lógica, também ficaria exposto à mesma censura na hipótese de ficar inerte, posto que a sua inércia poderia favorecer a outra parte.

O juiz deve ser imparcial, mas isso não significa que deva ser neutro. Imparcialidade não significa neutralidade diante dos valores a serem salvaguardados por meio do processo. Não há violação ao dever de imparcialidade quando o juiz se empenha que seja dada razão àquela parte que efetivamente agiu segundo o ordenamento jurídico. Aliás, o que deve importar ao juiz é conduzir o processo de tal modo que seja efetivo instrumento de justiça, que vença quem realmente tem razão.

Ser imparcial também não significa que deva o juiz ser desinteressado, pois o juiz é interessado no sentido de que deve tomar todas as providências legais a seu alcance para que, a final, o vencedor seja aquele que esteja realmente amparado pelo direito material em discussão. Assim, não pode ser inerte.

Entendo que vislumbrar parcialidade na conduta do juiz ativo, atento ao desenrolar da relação processual, e que busca, sempre, a verdade, para que, a final, se faça a justiça possível, é defender a visão privatista do processo (processo é direito público), de ultrapassada visão individualista e orientada pelo liberalismo, e, por óbvio, não vivemos mais essa fase.

O processo não tem por escopo apenas a atuação do direito ao caso concreto, posto que, além do objetivo jurídico, deve-se visar aos fins sociais, políticos e filosóficos.

Processo efetivo é somente aquele que atinge todos os seus objetivos, o que não acontece se o juiz está tolhido e tem as mãos amarradas, condenado a ser mero expectador de uma batalha muitas vezes desigual e que, sem sua intervenção, pode resultar na vitória de quem nenhum direito material tinha naquela hipótese.

O juiz moderno não é expectador inerte ou convidado de pedra, como ensina a literatura, mas está munido de faculdades que permitem imiscuir-se no comando de diligências que favoreçam a persuasão, sem ficar refém da apatia dos litigantes.

Ao observarmos o princípio do contraditório, constatamos que existe um dever de ampla participação das partes e do próprio juiz na busca da efetividade da tutela, de modo que qualquer ato que determine a produção de uma determinada prova ou que permita ao juiz combater a desídia processual, muito ao contrário de tornar o juiz parcial, estaria colocando-o na vanguarda do sistema, na busca da verdade real e da maior efetividade da tutela. Até porque, se o juiz manda produzir esta ou aquela prova, por exemplo, ele não tem como saber de antemão o seu resultado.

As objeções ao fortalecimento dos poderes do juiz só encontram explicação entre os que não desejam a autonomia do Poder Judiciário ou ignoram que esses poderes, em última análise, beneficiarão a própria coletividade.

Como se vê, não assiste razão aos argumentos contrários à maior participação do Magistrado no processo, posto que, em verdade, a negação a tal situação justifica-se pela falta de confiança no juiz, no apego ao liberalismo e ao formalismo processual.

[1]  É autora e coordenadora de obras jurídicas em coleções preparatórias para o exame de ordem e concursos públicos, todas pela Editora Saraiva.