PODERES DO ASSISTENTE SIMPLES NO NOVO CPC: NOTAS AOS ARTS. 121 E 122 DO PROJETO, NA VERSÃO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
Fredie Didier Jr.
Tema velho, mas de especial predileção do homenageado, é o da delimitação dos poderes processuais do assistente simples – assistência adesiva simples, como preferia chamá-la o professor[1].
O projeto de novo Código de Processo Civil traz pequenas, mas importantes, novidades sobre o assunto, regulado pelos seus arts. 121 e 122, conforme a redação final aprovada pela Câmara dos Deputados em 26.03.2014.
O objetivo deste pequeno ensaio, escrito em homenagem a Ovídio Baptista, é apontar essas novidades e examiná-las; há no cabeçalho do texto um quadro comparativo, para facilitar a compreensão do quanto se dirá.
Há quatro mudanças, todas dignas de nota.
a) A primeira, bem sutil, é o esclarecimento de que os arts. 121 e 122 do NCPC (correspondentes aos arts. 52-52 do CPC/1973) somente dizem respeito à assistência simples. O CPC/1973 reunia todos os dispositivos sobre a assistência, simples e litisconsorcial, em um mesmo capítulo, sem fazer a devida separação entre aqueles aplicáveis às duas espécies de assistência e os somente aplicáveis a cada uma delas. O NCPC faz essa divisão, e o faz corretamente: já se entendia, realmente, que os arts. 52-53 do CPC/1973 (arts. 121-122 do NCPC) somente se referiam à assistência simples, já que a assistência litisconsorcial é regida pelas regras do litisconsórcio unitário[2].
b) A segunda mudança é, também, singela: no rol das condutas dispositivas do assistido que vinculam o assistente simples se acrescenta a renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação (art. 122, NCPC). O CPC/1973, inexplicavelmente, não a mencionava no art. 53, certamente misturando desistência da ação, expressamente referida, com renúncia do direito sobre o que se funda a ação, conduta ignorada, nada obstante ainda mais gravosa ao assistido. Esse erro se repetia no inciso VIII do art. 485, hipótese de ação rescisória, que também não mencionava a renúncia, embora cuidasse da desistência. O curioso é que, tanto para o CPC/1973 como para o NCPC, são atos dispositivos bem diferentes, inconfundíveis: o primeiro leva a uma decisão sem resolução de mérito (art. 267, VIII, CPC/1973; art. 495, VIII, NCPC) e a segunda, a uma decisão com resolução de mérito (art. 267, II, CPC/1973). O NCPC corrige a omissão.
c) A terceira e a quarta mudanças estão juntas, no mesmo dispositivo, e pelo menos a primeira é muito mais significativa, além de muito menos sutil.
O par. ún. do art. 52, CPC/1973 determina que, sendo revel o assistido, o assistente seria considerado seu gestor de negócios.
A revelia do assistido não produz efeitos ante a atuação do assistente simples, que cumpre, exatamente, o seu papel de parte auxiliar, evitando as consequências dessa conduta omissiva.
Como se sabe, o assistente simples atua no processo como legitimado extraordinário – pois, em nome próprio, auxilia a defesa de direito alheio. Trata-se de legitimação extraordinária subordinada, já que a presença do titular da situação jurídica controvertida é essencial para a regularidade do contraditório.[3] Além disso, a assistência simples não obsta a que o assistido reconheça a procedência do pedido, desista da ação, transija ou renuncie ao direito sobre o que se funda a ação etc. (art. 53, CPC1973; art. 122 do NCPC). O assistente simples fica, então, submetido à vontade do assistido.
É preciso conciliar essas duas regras, aparentemente contraditórias: a primeira, que autoriza o assistente simples a suprir a omissão do assistido, evitando os efeitos da revelia; a segunda, que subordina o assistente simples à vontade do assistido.
A solução do problema parte de uma premissa: o assistente fica vinculado à vontade do assistido. O art. 53 do CPC/1973 (art. 122 do NCPC) é claro ao subordinar a atuação do assistente aos negócios jurídicos processuais realizados pelo assistido (todos eles negócios jurídicos processuais dispositivos e expressos).
A revelia não é um negócio processual; ela é um ato-fato processual[4], em cujo suporte fático é irrelevante a presença ou não da “vontade de ser revel”. Na revelia, não há manifestação de vontade do revel. Quando não houver manifestação de vontade do assistido, que praticou ato-fato processual, a atuação do assistente será eficaz, salvo expressa manifestação contrária do assistido – caso em que estaremos diante de um negócio processual dispositivo expresso. Exatamente porque se trata de um ato-fato processual, em que a vontade é irrelevante para a configuração da hipótese normativa, não se pode constatar o contraste entre a vontade do assistente simples e a vontade do assistido; esse contraste não é permitido, na forma do art. 53 do CPC/1973 (art. 122 do NCPC), por isso que, quando houver ato negocial dispositivo praticado pelo assistido, a vontade do assistente simples não poderá ser em sentido contrário[5].
Enfim, se há negócio jurídico dispositivo realizado pelo assistido, o assistente a ele se subordina; essa subordinação não se dá, porém, em relação aos atos-fatos processuais praticados pelo assistido, justamente porque neles não há vontade (ou, se houver, isso é irrelevante para o Direito) que possa ser contrastada pela atuação do assistente.
O par. ún. do art. 121 NCPC traz duas novidades, que embora resolvam alguns problemas, podem criar outros. Diz a redação do dispositivo que “sendo revel ou, de qualquer outro modo, omisso o assistido, o assistente será considerado seu substituto processual”.
A troca de “gestor de negócios” por “substituto processual” é um aperfeiçoamento técnico, pois, de fato, o assistente simples atuará, em nome próprio, na defesa de interesses do assistido – e, assim, será seu substituto processual[6].
A principal mudança, porém, foi o acréscimo do texto “ou, de qualquer outro modo, omisso”. Com o acréscimo, deixa-se claro que o assistente simples pode suprir qualquer omissão do assistido, e não apenas a revelia.
Com essa alteração, resolve-se antiga questão jurisprudencial: a sobrevivência do recurso do assistente, no caso de o assistido não ter recorrido. Havia precedentes do STJ no sentido de que o recurso interposto apenas pelo assistente simples não poderia ser conhecido, tendo em vista a circunstância de a atuação do assistente simples estar subordinada à vontade do assistido. Já que o assistido não havia recorrido, o recurso do assistente simples não poderia seguir autonomamente, pois seria “contrariar” a vontade do assistido, que não recorreu[7]. Havia, claramente, um equívoco na premissa: é possível que apenas o assistente simples recorra. Na verdade, é exatamente esse o seu papel: ajudar o assistido. Pode acontecer de o assistido perder o prazo do recurso; o recurso do assistente estará lá para evitar a preclusão[8]. Ora, o par. ún. do art. 52 do CPC/1973 já poderia ser aplicado aos demais casos de condutas omissivas do assistido, e não apenas à revelia. A nova redação do NCPC resolve essa questão, definitivamente.
Com o novo Código, se o assistido expressamente tiver manifestado a vontade de não recorrer, renunciando ao recurso ou desistindo do recurso já interposto, o recurso do assistente não poderá, efetivamente, ser conhecido, pois a atuação do assistente simples fica vinculada à manifestação de vontade do assistido (art. 53 do CPC; art. 122 do NCPC)[9].
Mas o texto novo não apenas resolve problemas. Ele também traz perplexidades.
É que há omissões processuais negociais. Nem toda omissão processual é um ato-fato – a revelia sempre o é, mas o novo texto especifica a revelia, mas generaliza para outras omissões do assistido. O próprio NCPC traz alguns exemplos de omissões processuais negociais: a renúncia tácita à convenção de arbitragem (art. 350, NCPC), a aceitação tácita da decisão (art. 1.013, NCPC), a aceitação da proposta de foro feita pelo demandante (art. 65, NCPC)[10] e o consentimento tácito do cônjuge para a propositura de ação real imobiliária (art. 73, §4º, NCPC). Renúncia, aceitação e consentimento são negócios jurídicos unilaterais dispositivos. O silêncio do assistido é, no caso, manifestação de sua vontade[11].
As condutas omissivas do assistido a que se refere o par. ún. do art. 121 do NCPC pertencem à mesma natureza da revelia (não por acaso a única conduta expressamente mencionada, exatamente para indicar a natureza das demais): são atos-fatos processuais. O trecho “de qualquer modo omisso o assistido” deve ser compreendido como referente a uma omissão não-negocial, omissão como ato-fato processual, à semelhança da revelia. Omissões negociais do assistido estão fora do âmbito de incidência desse parágrafo único. Como negócios processuais dispositivos, subsomem-se, por analogia, à norma extraída do art. 122 do NCPC, que vincula o assistente simples à vontade do assistido. Em suma: o assistente não pode suprir a omissão do assistido se ela for uma omissão negocial.
[1] SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de processo civil. 5ª ed. São Paulo: RT, 2001, v. 1, p. 274-280.
[2]DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 16ª. Salvador: Editora Jus Podivm, 2014, v. 1, p. 375-379.
[3] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Apontamentos para um estudo sistemático da legitimação extraordinária. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, 1969, n. 404, p. 10-12; DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 2001, v. II, p. 311.
[4] Sobre os atos-fatos processuais, DIDIER Jr., Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos jurídicos processuais. 2ª Salvador: Editora Jus Podivm, 2013, p. 45-54.
[5] Nesse sentido, há decisão da 6ª Turma do mesmo STJ: “A regra inserta no art. 52 do CPC é expressa no sentido de que o assistente simples é auxiliar da parte principal, possuindo os mesmos poderes e sujeitando-se aos mesmos ônus processuais, não podendo, todavia, praticar atos contrários à vontade do assistido. – Segundo a melhor exegese deste preceito, pode o assistente interpor recurso, ainda que não o faça o assistido, desde que não haja por parte deste expressa manifestação em sentido contrário. – Precedentes – Recurso especial conhecido e provido.” (Resp n. 99.123/PR, rel. Min. Vicente Leal, j. em 3.6.2002, acórdão publicado no DJ de 1º.7.2002).
[6] Há muitos anos, Waldemar Mariz de Oliveira Jr. defendia que o gestor de negócios é um substituto processual daquele cujos interesses administra (Substituição processual. Sâo Paulo: RT, 1971, p. 157.)
[7] STJ, 2ª. T., REsp n. 535.937/SP, Rel. Min. Humberto Martins, j. em 26.09.2006, publicado no DJ de 10.10.2006, p. 293: “1. É nítido o caráter secundário do assistente que não propõe nova demanda tampouco modifica o objeto do litígio. O direito em litígio pertence ao assistido e não ao interveniente. 2. Não se conhece do recurso especial interposto, tão-somente, pelo assistente simples. Ausente o recurso especial da assistida”
[8] Assim, STJ, 4ª T., AgRg no REsp n. 1.217.004/SC, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. em 28.08.2012, publicado no DJe de 04.09.2012.
[9] Embora com uma fundamentação confusa, pois mistura situações muito díspares (não interposição do recurso e desistência do recurso pelo assistido, ato-fato e negócio jurídico processual, respectivamente), está correto o precedente do STJ de que não é possível o conhecimento do recurso do assistente simples, quando o contraste entre a vontade do assistido e a vontade do assistente se “verifica porque a União manifestou expressamente o seu desinteresse em recorrer, enquanto o Estado do Rio de Janeiro interpõe o presente recurso especial” (no caso, o Estado do Rio era assistente simples da União; STJ, 2ª. T., REsp n. 105.6127/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 19.08.2008, publicado no DJe de 16.09.2008).
[10] Expressamente defendendo que o assistente simples não pode oferecer alegação de incompetência relativa, SILVA, Ovídio Baptista da. Curso de processo civil. 5ª ed. São Paulo: RT, 2001, v. 1, p. 278.
[11] Sobre a eficácia negocial do silêncio, DIDIER Jr., Fredie; BOMFIM, Daniela. “Exercício tardio de situações jurídicas ativas. O silêncio como fato jurídico extintivo: renúncia tácita e supressio”. Pareceres. Salvador: Editora Jus Podivm, 2014, p. 266 e segs.