PETIÇÃO INICIAL
Rénan Kfuri Lopes
INTRODUÇÃO
Para que a atividade jurisdicional contenciosa [composição de lide] seja exercida é necessário que o interessado provoque-a, pois prevalece o “princípio da inércia”.
A petição inicial é o instrumento pelo qual o interessado invoca a atividade jurisdicional, fazendo surgir o processo. Nela, o interessado formula sua pretensão, o que acaba por limitar a atividade jurisdicional, pois o juiz não pode proferir sentença de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do demandado.
REQUISITOS DA PETIÇÃO [CPC,art. 319]
a) Indicação do juízo a que é dirigida
A petição inicial é dirigida ao Estado, vez que a ele é formulada a tutela jurisdicional.
Se o juízo for absolutamente incompetente, no qual todos os atos decisórios são nulos [art. 64, § 2°/CPC], o magistrado poderá encaminhá-lo ao competente; mas se deixar de fazê-lo ao despachar a petição inicial, caberá ao réu suscitar a incompetência absoluta [art. 337, II/CPC]. A qualquer tempo, o réu ou o autor poderão suscitar o problema, bem como o juiz reconhecer sua própria incompetência [art. 64, §1°, CPC].
Se o juízo for relativamente incompetente, a petição só poderá ser encaminhada ao juízo competente após o acolhimento da exceção de incompetência oposta pelo réu [art. 64/CPC]; se a exceção não for oposta pelo réu, o juízo relativamente incompetente terá a competência prorrogada; se dela o juiz não declinar a nulidade da cláusula de eleição de foro, em contrato de adesão, poderá ser declarada de ofício pelo juiz, que declinará de competência para o juízo de domicílio do réu, ou o réu não opuser exceção declinatória nos casos e prazos legais [art. 65/CPC].
b) Indicação dos nomes, prenomes, estado civil, existência de união estável, profissão, domicílio e residência do autor e do réu
É necessário analisar a legitimidade do autor e do réu para serem partes, bem como individualizar e distinguir as pessoas físicas e jurídicas das demais. O estado civil faz-se necessário para verificar a regularidade da petição inicial nos casos em que o autor precisa de outorga uxória. O endereço é imprescindível para determinar a competência territorial e a citação do réu.
c) Indicação do fato e dos fundamentos jurídicos do pedido
São as causas de pedir.
Fato [causa de pedir remota]: todo direito ou interesse a ser tutelado surge em razão de um fato ou um conjunto deles, por isso eles são necessários na petição inicial. Ex: direito de rescindir o contrato de locação [fato gerador do direito] em razão do não pagamento dos aluguéis [fato gerador da obrigação do réu].
Fundamentos jurídicos [causa de pedir próxima]: que não é a indicação do dispositivo legal que protege o interesse do autor.
d) Indicação do pedido com as suas especificações
Ela limita a atuação jurisdicional.
– Pedido Imediato: é sempre certo e determinado. É o pedido de uma providência jurisdicional do Estado [Ex: sentença condenatória, declaratória, constitutiva, cautelar, executória etc].
– Pedido Mediato: pode ser genérico nas hipóteses previstas na lei. É um bem que o autor pretende conseguir com essa providência.
– Pedido Alternativo: [art. 325/CPC] Ex: peço anulação do casamento ou separação judicial.
– Pedido Cumulativo: [art. 397/CPC] desde que conexos os pedidos podem ser cumulados.
Porém, nem sempre o autor pode definir o seu pedido. Nas ações universais, o autor não pode definir o pedido porque há uma universalidade de bens. Ex: petição de herança. Em algumas ações não se pode definir o quantum debeatur. Ex: indenização de danos que estão sucedendo.
e) Audiência de Conciliação ou Mediação
A parte autora deve declarar sua opção pela realização – ou não – da audiência de conciliação ou mediação [art. 319, VII, CPC]. Este requisito decorre do princípio da promoção da autocomposição, que abrange também os representantes das partes [art. 3º, § 3º, do CPC]. Assim, o momento adequado para a parte autora manifestar sua vontade sobre a realização da audiência é a petição inicial. O uso da expressão “pela realização ou não” no inciso VII do art. 319 gera polêmica: o autor deve se manifestar pela concordância, sob pena de emenda [e eventual indeferimento], ou deve se manifestar apenas quando quiser expressar a sua discordância?
Em suma, se o autor descumprir o requisito, existem duas soluções possíveis:
(a) o juiz determina a emenda da petição inicial, sob pena de indeferimento;
(b) ou considera o silêncio do autor como concordância com a realização da audiência.
Na prática, prevalece a segunda alternativa, com a aplicação da instrumentalidade das formas. Tendo em vista que todos têm a obrigação de promover a autocomposição no processo, a omissão sobre o eventual desinteresse na realização da audiência leva a uma presunção de interesse. Assim, caso não se manifeste na petição inicial, reputa-se a concordância tácita do autor com a realização da audiência (sem a necessidade de emenda da inicial). É uma opção de o autor afirmar que não tem interesse na audiência, logo, não precisa se manifestar caso tenha interesse.
f) Valor da Causa
Toda causa deve ter um valor certo, ainda que não tenha conteúdo econômico [art. 291/CPC], pois tal valor presta a muitas finalidades, como:
– Base de cálculo para taxa judiciária ou das custas [Lei Est./SP 4.952/85, art. 4°]
– Definir a competência do órgão judicial [art. 44/CPC]
– Definir a competência dos Juizados Especiais [Lei 9.099/95, art. 3°, I]
– Base de multa imposta ao litigante de má-fé [art. 81/CPC]
– Base para o limite da indenização
Os art. 292 do CPC indicam qual o valor a ser atribuído a algumas causas, sob pena do juiz, de ofício, corrigir a petição inicial, determinando o recolhimento da diferença.
g) Indicação das provas pelo autor [art. 319 VI/CPC]
É praxe forense deixar de indicar as provas, apenas protestando na inicial “todas que sejam necessárias”. Em razão disso, surgiu um despacho inexistente no procedimento: “indiquem as partes as provas que efetivamente irão produzir”.
Tipos de provas:
a) Documental: fatos que são comprovados somente por escrito.
b) Pericial: fatos que dependem de parecer técnico.
c) Testemunhal: fatos demonstráveis por testemunhas.
d) Depoimento pessoal: fatos demonstráveis pelas partes.
e) Inspeção Judicial: fatos constatados pelo próprio juiz.
INSTRUÇÃO DA PETIÇÃO INICIAL
O art. 320 determina que a petição será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação, inclusive com a procuração, caso o autor esteja representado por um advogado. Porém, algumas vezes, o advogado obriga-se a apresentá-la posteriormente.
Há duas espécies de documentos que devem ser juntados à petição inicial:
a) substanciais: os expressamente exigidos por lei, por exemplo: art. 60 da Lei 8.245/91, in verbis,”Nas ações de despejo fundadas no inciso IV do art. 9º, inciso IV do art. 47 e inciso II do art. 53, a petição inicial deverá ser instruída com prova da propriedade do imóvel ou do compromisso registrado”.
b) fundamentais: os oferecidos pelo autor como fundamento de seu pedido, por exemplo: um contrato.
A Lei 1.060/50 [revogada tacitamente pelo novo CPC] regula a assistência judiciária aos necessitados que também deve ser requerida na inicial.
INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL
Ao receber a petição inicial, o juiz irá examinar se ela atende a todos os requisitos da lei. Se faltar qualquer um deles ou se a petição estiver insuficientemente instruída, o juiz apontará a falta e dará o prazo de 10 dias para que o autor a emende ou a complete [art. 321/CPC].
Vindo a emenda ou sendo completada a inicial, o juiz ordenará a citação [art. 334/CPC], caso contrário a inicial é indeferida.
Deve-se atentar para o art. 332 e §§: “Art. 332. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar: I – enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; II – acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; III – entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; IV – enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local. § 1o O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição. § 2o Não interposta a apelação, o réu será intimado do trânsito em julgado da sentença, nos termos do art. 241. § 3o Interposta a apelação, o juiz poderá retratar-se em 5 [cinco] dias. § 4o Se houver retratação, o juiz determinará o prosseguimento do processo, com a citação do réu, e, se não houver retratação, determinará a citação do réu para apresentar contrarrazões, no prazo de 15 [quinze] dias.”
O indeferimento pode ocorrer por:
a) inépcia: reconhecimento de que a petição inicial não tem aptidão para obter a prestação jurisdicional reclamada em razão de ocorrer uma das hipóteses do art. 330/CPC.
b) prescrição de direito patrimonial: art. 330/CPC.
c) falta de um dos requisitos da lei e pela petição não ter sido emendada no prazo estipulado.
d) estar insuficientemente instruída e não ter sido completada no prazo estipulado.
Indeferida a petição, põe-se fim à relação processual [art. 203, 1.009 e 331/CPC], mas o autor pode apelar no prazo de 15 dias [art. 1.003/CPC] e o juiz pode reformar sua decisão. Se não o fizer, manterá o indeferimento e encaminhará os autos ao tribunal [art. 331, §1°/CPC].
PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA
Possível a antecipação dos efeitos da sentença que é buscada através da ação.
Normalmente os efeitos da sentença somente irão ser produzidos com a sua prolação e, em alguns casos, desde que contra ela não seja interposto recurso com efeito suspensivo.
A antecipação deve ser requerida pela parte e deve haver prova inequívoca que convença o julgador da verossimilhança da alegação. Porém, não basta pedir a antecipação dos efeitos da tutela, é necessário que se demonstre tais requisitos.
Observa-se que a tutela antecipada diverge das medidas cautelares, pois aquela serve para proteger o direito violado, enquanto estas servem para proteger o processo. A antecipação da tutela é provisória, pois o juiz pode modificá-la ou revogá-la a qualquer momento [art. 296/CPC].