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A PERDA DA NACIONALIDADE E EXTRADIÇÃO DE BRASILEIRO(A) NATO(A) SOB A ÓTICA CONSTITUCIONAL E ANÁLISE DO CASO CLÁUDIA CRISTINA SOBRAL

A PERDA DA NACIONALIDADE E EXTRADIÇÃO DE BRASILEIRO(A) NATO(A) SOB A ÓTICA CONSTITUCIONAL E ANÁLISE DO CASO CLÁUDIA CRISTINA SOBRAL

Francieli Michalski da Silva

SUMÁRIO: Introdução; 1 Nacionalidade como direito humano fundamental; 1.1 Soberania estatal frente ao direito à nacionalidade e pedido de extradição; 1.2 Aquisição e perda da nacionalidade brasileira; 2 Procedimento de perda da nacionalidade brasileira; 2.1 Extradição como resultado da perda da nacionalidade; 2.2 A fundamentação do STF no julgamento do Mandado de Segurança nº 33.864/DF (caso Cláudia Cristina Sobral); 3 Análise da extradição de Cláudia Cristina Sobral em decorrência da perda da nacionalidade primária; 3.1 Exame da Extradição nº 1.462/DF frente ao princípio da extraterritorialidade da lei penal brasileira; 3.2 Ilegalidade na perda da nacionalidade de Cláudia Cristina Sobral; Considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo a investigação do caso de extradição de Cláudia Cristina Sobral, ex-brasileira que perdeu a nacionalidade originária em detrimento de aquisição de nacionalidade norte-americana e, posteriormente, foi extraditada para responder por crime supostamente cometido contra seu cônjuge Karl Hoering.

Tem-se, então, como principais objetos de pesquisa as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Mandado de Segurança (MS) nº 33.864/DF e no Pedido de Extradição nº 1.462/DF. Com isso, busca-se fazer análise dos fundamentos que caracterizam a perda da nacionalidade brasileira à luz da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988) e legislação infraconstitucional. Bem como demonstrar se o procedimento administrativo foi devidamente respeitado no caso de Cláudia, a fim de esclarecer se a perda da nacionalidade se concretiza de forma automática, quando um nacional do Brasil se naturaliza em outro país, ou existe um procedimento legal a ser seguido. E, ainda, verificar se na época do cometimento do crime em Estado estrangeiro Cláudia era nacional do Brasil ou do Estado norte-americano. Concluindo, com base nisso, se o STF agiu conforme os parâmetros legais ao mandar extraditá-la.

Percebe-se, a partir disso, a grande relevância científica que o estudo traz para os campos jurídico e acadêmico, já que o presente artigo chega em conclusões importantes e delicadas relativas ao direito à nacionalidade e extradição.

Seguiu-se, para tanto, o método dedutivo, em decorrência da análise dos preceitos jurídicos já existentes e sua aplicação no presente objeto estudado, bem como em casos análogos que possam surgir futuramente, onde um nacional se naturaliza em Estado estrangeiro, comete crime naquele território e retorna ao Brasil, tendo início o procedimento de perda de nacionalidade, e sua declaração, e, consequentemente, é submetido a processo de extradição. Realizou-se, para tanto, estudo sob a perspectiva ontológica do direito, com pesquisa teórica e bibliográfica, tendo como fonte primária a análise documental do Mandado de Segurança nº 33.864/DF e do Pedido de Extradição nº 1.462/DF, bem como investigação em meio às literaturas e legislação nacionais com abordagens gerais e específicas pertinentes ao tema “perda de nacionalidade e extradição“.

1 NACIONALIDADE COMO DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL

Por muito tempo perpetuou-se a ideia de que nacionalidade é assunto que deve ser tratado exclusivamente no âmbito interno das legislações dos países. Contudo, partindo da premissa que nacionalidade constitui direito fundamental do homem, tal discussão passou a ganhar força também no âmbito de Direito Internacional (Marco, 2015, p. 17), tanto que possui até mesmo regulamentação na Declaração Universal dos Direitos Humanos, ao dispor que: 1. “Todo homem tem direito a uma nacionalidade“; 2. “Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade[1], e constitui, para tanto, além de direito fundamental, direito humano.

Partindo desta análise, percebe-se que todos têm direito à nacionalidade, bem como podem mudá-la sempre que tiverem interesse e for possível pelas vias jurídicas. Nesse sentido, entende-se que nacionalidade confere laço de fidelidade e acompanha o nacional onde quer que esteja no mundo (Lopes, 2018, p. 29). E, para que o vínculo entre a pessoa e o ente estatal se concretize, existe a norma que regulamenta a relação jurídica e é tida como ponte que liga a necessidade do indivíduo de ter protegidos seus direitos fundamentais e do Estado como ente que disponibiliza meios para que tais direitos sejam assegurados (Priule; Silva, 2017, p. 250). Nisso, quando a Constituição apresenta os direitos fundamentais, o objetivo almejado é a proteção do indivíduo contra lesões ou ameaças de lesões aos direitos tidos como inerentes à pessoa humana. Tem-se, então, que nacionalidade é direito humano fundamental disponível que confere vínculo jurídico entre o nacional e o Estado.

1.1 Soberania estatal frente ao direito à nacionalidade e pedido de extradição

Nacionalidade “é definida como sendo o vínculo jurídico entre determinada pessoa, denominada nacional, e um Estado, pelo qual são estabelecidos direitos e deveres recíprocos” (Ramos, 2014, capítulo 2.5.3).

E, em relação à extradição, esta é tida como uma projeção da atividade jurídica soberana do Estado, em meio ao campo internacional. Trata-se de procedimento complexo por meio do qual um Estado requer a outro uma pessoa para que seja enviada a seu território e possivelmente julgada conforme suas leis, sustentando, para isso, o vínculo jurídico existente entre o nacional e o Estado requerente. Existe, portanto, um encontro de direitos em que um Estado se diz competente para julgar em seu território alguém conforme suas leis, e o outro Estado, onde a pessoa se encontra, que também possui normas próprias em seu ordenamento jurídico para deter tal pessoa e enviá-la ou não ao país requerente. Com isso, vê-se que extradição é mecanismo utilizado por um Estado soberano em território nacional de outro (Lopes, 2018, p. 14).

Vale dizer que, apesar de a extradição estar ligada a um plano internacional de cooperação jurídica entre Estados soberanos, não existe um dever propriamente dito de um país entregar a pessoa pleiteada pelo Estado estrangeiro, podendo, com isso, dar resposta negativa ao pedido de extradição (Lopes, 2018, p. 15).

Tem-se, então, que o Estado não irá simplesmente entregar uma pessoa a outro somente em nome da solidariedade internacional, pois haverá um juízo de valor, em relação à fundamentação por parte do país requerente, bem como a observância do processo legal interno do país requerido para concluir se é possível ou não proceder com a extradição (Lopes, 2018, p. 15).

Nesse ínterim, após o Estado requerente fazer o pedido, caberá ao Estado requerido analisar se irá ou não entregar a pessoa suspeita de cometimento de crime, bem como estipulará a forma que o processo de extração se efetivará (Lopes, 2018, p. 22), podendo, ainda, impor condições específicas em caso de condenação pelo Estado requerente à pessoa suspeita, como ocorreu no caso da extradição de Cláudia Cristina, onde foram estabelecidos critérios específicos para concessão da extradição, tais como a não aplicabilidade de penas proibidas pelo ordenamento pátrio nacional e a detração penal do tempo que ficou presa no Brasil (Brasil, 2017, p. 1).

A partir disso, percebe-se que o Estado tem jurisdição para fazer valer suas normas em seu espaço territorial, sendo que as pessoas que ali se encontram estão submetidas ao seu ordenamento jurídico, e o mesmo vale para seus nacionais que se encontram no exterior, pois, como dito, o vínculo de nacionalidade acompanha o nacional onde quer que esteja, e isso faz com que o Estado brasileiro se torne responsável por ele. Quanto à questão da extradição, como visto, esta tem caráter de cooperação internacional, onde o Estado requerente solicita ao requerido a entrega de pessoa que tem vínculo de nacionalidade. Desse modo, fala-se no respeito mútuo que deve coexistir entre Estados soberanos, pois, ao tratar do quesito extradição, um ente estatal deve submeter-se ao sistema jurídico de outro, que poderá ou não ensejar a entrega da pessoa requisitada após análise de tal possibilidade e observância do devido processo legal, podendo impor até mesmo condições específicas para entregar o extraditando.

1.2 Aquisição e perda da nacionalidade brasileira

Cabe ao Estado dizer quem são seus nacionais. No Brasil, o tema vem regulamentado de forma geral na própria Constituição Federal (Silva, 2013, p. 319). E dispõe que a forma de aquisição de nacionalidade primária/originária de brasileiro nato resulta do processo natural advindo do nascimento no território brasileiro ou quando houver ligação de parentesco com nacional caso o nascimento se efetive em Estado estrangeiro e estiver amparado por algum dos quesitos contidos no texto legal[2]. Já a aquisição de nacionalidade pelo naturalizado denomina-se secundária/adquirida e ocorre quando o estrangeiro, de forma voluntária, após o nascimento, manifesta desejo de adquirir nacionalidade diferente da que possui[3] (Silva, 2013, p. 320-321).

Existem ainda, além da Constituição Federal, outros diplomas legais que regulamentam o conteúdo quanto ao modo de aquisição e perda de nacionalidade. São eles: Lei nº 13.445, de 2017, que trata de questões atinentes à migração; Decreto-Lei nº 389, de 1938, que trata da nacionalidade; e, ainda, Decreto nº 9.199, de 2017, que regulamenta a Lei nº 13.445/2017.

Em relação à perda da nacionalidade do brasileiro, essa somente se efetivará se estiver presente algum dos requisitos do art. 12, § 4º, da CRFB/1988. No caso do inciso I do § 4º em relação à perda da nacionalidade de brasileiro naturalizado que desenvolva atividade nociva ao interesse nacional, esse terá sua naturalização cancelada por meio de sentença judicial transitada em julgado e o efeito será personalíssimo com característica ex nunc, trata-se, portanto, de cancelamento de naturalização, e não de constatação de nulidade ou anulabilidade. No inciso II do § 4º da CRFB/1988 encontra-se disposta outra hipótese que pode ensejar a perda da nacionalidade, seja ela nata ou naturalizada, que a priori se dá por meio de ato volitivo de exteriorização de vontade, onde o agente deve possuir capacidade civil e, de fato, adquirir nacionalidade estrangeira, observadas as exceções trazidas nas alíneas a e b do § 4º da CRFB/1988, quais sejam, de ter reconhecida outra nacionalidade originária por Estado estrangeiro, ou, ainda, se o processo de naturalização no estrangeiro tiver sido requisito de permanência e exercício de direitos civis do brasileiro naquele território, não havendo, portanto, um real exaurimento de vontade (Fernandes, 2016, p. 705-706; Silva, 2013, p. 333). Ante o exposto, percebe-se que nacionalidade é um direito disponível, pois, sempre que melhor convier para a pessoa, esta pode renunciar a sua nacionalidade em detrimento de outra (Priule; Silva, 2017, p. 259).

Quanto à possibilidade de reaquisição de nacionalidade, em relação ao estrangeiro que teve sua naturalização cancelada, o ato pode ser desfeito por meio de ação rescisória. Já o brasileiro nato que perdeu a nacionalidade em decorrência de naturalização voluntária em Estado estrangeiro poderá recuperá-la por meio de Decreto Presidencial, se o interessado estiver com domicílio fixo no Brasil (Silva, 2013, p. 333). Nisso, no que concerne o ato de reaquisição de nacionalidade, este não retroage[4], operando seus efeitos (ex nunc) a partir do decreto concedente (Lopes, 2018, p. 36-37), pois o período que a pessoa viveu com nacionalidade estrangeira não pode simplesmente ser desconsiderado, sendo que, de fato, nesse tempo, para todos os efeitos, a pessoa era estrangeira diante do ordenamento jurídico brasileiro. No entanto, vale dizer que, se antes a pessoa era brasileira nata, assim voltará a ser[5], e se era naturalizada retornará a essa qualidade, tanto que este é o entendimento trazido pelo disposto no art. 76 da Lei de Migrações (observados os requisitos dos arts. 254 e seguintes do Decreto nº 9.199/2017), que estipula a possibilidade de reaquisição da nacionalidade brasileira.

2 PROCEDIMENTO DE PERDA DA NACIONALIDADE BRASILEIRA

A competência para conhecer e decidir quanto ao processo de perda de nacionalidade é da Justiça Federal[6], e tem início em decorrência de representação pelo Ministro da Justiça, ou de solicitação por qualquer cidadão (Mazzuoli, 2007, p. 583). Quanto ao procedimento, este é meramente administrativo e poderá ou não acarretar a perda da nacionalidade. Nesse sentido, sustenta Bernardo Gonçalves Fernandes (2016, p. 708):

A partir do momento em que o brasileiro nato ou naturalizado deseja adquirir a naturalização em outro país, o Ministério das Relações exteriores comunicará ao Ministério da Justiça a solicitação de aquisição de nacionalidade em outro país, Porém, é importante deixar consignado que não ocorre a perda da nacionalidade apenas com a mera solicitação de outra nacionalidade pelo brasileiro. Nesses termos, somente após adquirida a nacionalidade em outro país o Ministério da Justiça deflagrará o procedimento administrativo, e após o processo instruído e finalizado, o Presidente da República dará a decisão por meio de decreto, determinando a perda da nacionalidade. (grifo nosso)

Quanto aos efeitos advindos do decreto presidencial referente à perda de nacionalidade, diz-se que não retroagem (ex nunc) e constitui ato personalíssimo, não alcançando, portanto, os familiares (Fernandes, 2016, p. 708), ou seja, não existem consequências pretéritas conforme aduz Valério Mazzuoli (2007, p. 583), ao dizer que possui natureza sancionatória, tanto no caso de perda da nacionalidade advinda do cancelamento da naturalização de estrangeiro[7] quanto naquela derivada da naturalização de brasileiro em Estado alienígena[8], ou seja, começa a surtir efeito a partir da declaração pelo Presidente da República.

Já Francisco Rezek (2011, p. 222-223) sustenta que o ato presidencial é meramente declaratório, haja vista a perda da nacionalidade ter se concretizado com a naturalização, não tendo, portanto, caráter constitutivo, restringindo a atuação do Chefe do Executivo somente a dar publicidade, a posteriori, do fato consumado.

Tal fundamentação mostra-se equivocada, ao passo que, segundo o autor, pouco importaria a instauração de procedimento administrativo, haja vista a perda da nacionalidade já ter se efetivado no ato da naturalização.

A pergunta que fica é a seguinte: Qual a necessidade então de instauração de processo administrativo no Brasil? A resposta é óbvia, para evitar ilegalidades e apreciar se, de fato, o nacional brasileiro tinha intenção de cortar laços com o Brasil, principalmente se for brasileiro nato. A próxima pergunta a ser feita é: Caso fosse verificado algum vício no processo de naturalização de brasileiro no estrangeiro, a exemplo, a exceção constitucional referente à necessidade de naturalização para desenvolver atos da vida civil, que efeitos teria o procedimento no Brasil se o fato já se consumou? Teria efeito retroativo com força vinculante? Segundo o entendimento de Rezek não, pois a naturalização já ocorreu quando o ex-brasileiro manifestou vontade de se naturalizar em outro Estado, e o ato do Presidente no Brasil, como dito, é meramente declaratório e objetiva tão somente dar publicidade.

Destarte, não é precipitado falar-se a partir do entendimento de Rezek, em ato um tanto esquizofrênico, onde supostamente a lei brasileira se submete à lei estrangeira, aceitando a perda de nacionalidade de brasileiro em decorrência somente de reconhecimento de nova nacionalidade pela lei alienígena, e depois, mesmo que se instaure procedimento administrativo no Brasil para constatar a perda da nacionalidade, o resultado terá caráter constitutivo, pois a perda já se deu anteriormente com a naturalização.

Nesse sentido, melhor se faz o entendimento de que a perda da nacionalidade brasileira se dá com a conclusão do procedimento administrativo, e tem efeito a partir da publicação de tal decisão. Sendo que, até este momento, apesar do reconhecimento da naturalização em Estado estrangeiro, a pessoa ainda terá vínculo com o Estado brasileiro, até que se conclua o processo específico no Brasil.

Quanto ao procedimento que declara a perda de nacionalidade, esse tem caráter administrativo, e, conforme sustentado por Bernardo Gonçalves Fernandes, a perda da nacionalidade brasileira não se consolida somente em decorrência de solicitação de outra nacionalidade, pois o nacional deve antes se naturalizar em Estado estrangeiro, e, após isso, será deflagrado o processo administrativo pelo Ministro da Justiça no Brasil que constatará a perda de nacionalidade, se esse for o caso.

Após essa fase, compete, então, ao Presidente da República, por meio de decreto, declarar a perda da nacionalidade brasileira, sendo que os efeitos advindos de tal declaração não retroagem, ou seja, passarão a ter validade a partir da publicação do ato presidencial. E durante todo o procedimento de perda da nacionalidade a pessoa ainda será brasileira, não importando que a lei estrangeira já tenha reconhecido sua nacionalidade ao brasileiro.

2.1 Extradição como resultado da perda da nacionalidade

A extradição em si trata-se de cooperação entre entes estatais com finalidade exclusiva para fazer valer o direito processual penal (Rodrigues, 2017, p. 8). Nisso, uma pessoa somente poderá sofrer processo de extradição se estiver sendo processada ou já tiver condenação criminal, e, ainda, o fato criminoso imputado for punível não só no país requerido onde originou-se o procedimento investigativo, mas também no país requerente (Lopes, 2018, p. 19).

Quanto ao pedido de extradição feito ao Estado brasileiro, primeiramente esse deve ser direcionado ao Poder Executivo na figura do Presidente da República, por meio do Ministério das Relações Exteriores. Sendo que, após formalização de tal pedido, o Governo brasileiro, em caso de existência de Tratado que aduz sobre a matéria de extradição entre ambos os países ou existindo promessa de reciprocidade, aceita o pedido e o remete ao Poder Judiciário[9] para analisar e julgar as prerrogativas atinentes aos requisitos de extradição com base nos parâmetros legais, a fim de verificar a existência suficiente de pressupostos capazes de ensejar a concessão da extradição (Lopes, 2018, p. 25-26).

E caso o STF entenda pela denegação da ordem de extradição, não mais poderá ser analisado novo pedido em relação ao mesmo fato já julgado[10], o que impede que a pessoa seja extraditada. No entanto, não impede que ela não seja processada e julgada conforme as leis nacionais, pois o que analisou-se foi somente o pedido de extradição, e não o fato criminoso em si. Nisso, caberá ao Presidente da República comunicar tal decisão ao país requerente, não importando a existência de compromisso político entre ambos (Lopes, 2018, p. 26-27). Nesse mesmo viés, se o STF decidir favorável ao pedido extradição, o Poder Executivo procederá com a entrega do extraditando, conforme anunciado pelo art. 92 da Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017).

Vale dizer que o Brasil somente tem dever jurídico de extraditar estrangeiro requerido por Estado que tem vínculo de nacionalidade com o extraditando, se tiver assinado com tal país tratado internacional, sendo que, nesse caso, a extradição será vinculada conforme termos e limites do tratado, haja vista a prevalência deste sobre as normas infraconstitucionais que serão mitigadas no que se refere à extradição (Lopes, 2018, p. 39-40). Contudo, apesar disso, a Constituição Federal veda a extradição de brasileiro nato, bem como de naturalizado em casos específicos[11]. E a partir de análise constitucional das hipóteses que são capazes ou não de ensejar a extradição, o Estado brasileiro pode utilizar-se da fundamentação de ausência de competência pelo Estado brasileiro no caso específico e conceder a extradição (Lopes, 2018, p. 41), ou, ainda, pode pegar para si a responsabilidade de julgar determinados atos criminosos (Rodrigues, 2017, p. 9).

Observa-se, então, que, apesar da prevalência das normas internacionais em relação às normas infraconstitucionais, e apesar da existência de tratados regulando a matéria de extradição, estas não se sobrepõem às normas constitucionais, que devem ser respeitadas com base no princípio da soberania estatal.

Levando tal entendimento para a vertente do caso de Cláudia Cristina, apesar da existência de tratado entre Brasil e EUA, por tratar-se de tema delicado envolvendo a perda da nacionalidade de brasileira nata, sendo matéria constitucionalmente estabelecida, não poderia o Estado brasileiro, como ente requerido, entregar Cláudia aos EUA com fundamento somente no tratado firmado entre ambos.

Em face do exposto, com base na leitura lógica e literal da norma constitucional, sobretudo o art. 5º, LI, da CRFB/1988, conclui-se que um brasileiro, após perder a nacionalidade, seja ela originária ou derivada, poderá sofrer procedimento de extradição para outro Estado após findado o rito processual-legal.

2.2 A fundamentação do STF no julgamento do Mandado de Segurança nº 33.864/DF (caso Cláudia Cristina Sobral)

Cláudia Cristina Sobral optou pela nacionalidade estrangeira, abdicando, em tese, do direito fundamental à nacionalidade brasileira. E com a presente pesquisa buscou-se averiguar se houve ou não ilegalidade na aplicação da norma brasileira em relação à troca de nacionalidade de Cláudia.

Este é um tema um tanto quanto delicado que teve divergências de entendimentos até mesmo no STF, no julgamento do Mandado de Segurança nº 33.864/DF, em que o Ministro Relator Luís Roberto Barroso votou no sentido de que Cláudia havia perdido a nacionalidade, pois sua situação não se enquadrava em nenhuma das exceções constitucionalmente previstas[12] (Brasil, 2016, p. 9). Exarou entendimento de que houve manifestação de vontade na naturalização (1999), pois a mesma já possuía o green card que dava direitos de permanência e trabalho no solo americano, e, por isso, não necessitava se naturalizar para continuar a trabalhar e manter residência no solo norte-americano (Brasil, 2016, p. 10). Salientou, ainda, que o processo de naturalização ocorrido no Estado estrangeiro incluiu juramento formal, onde disse que abdicou da nacionalidade anterior e expressou por meio de ato jurídico personalíssimo o desejo de integrar a comunidade estrangeira (Brasil, 2016, p. 11-12).

Já o Ministro Edson Fachin salientou que o suposto crime cometido por Cláudia já era de conhecimento das autoridades brasileiras, bem como do Ministério Público no Brasil. Fachin baseou seu voto sob o parâmetro legal do art. 5º, LI, da CRFB/1988, que sustenta que nenhum brasileiro nato será extraditado (Brasil, 2016, p. 15). Citou o entendimento anteriormente trazido pelo Ministro Celso de Mello no Habeas Corpus nº 83.113/DF, onde sustentou que o brasileiro nato não será extraditado, sob quaisquer que sejam as circunstâncias e a natureza do delito, haja vista a vedação constitucional em cláusula que não abarca exceção. Não podendo, com isso, a nacionalidade brasileira ser destituída somente em razão do Estado estrangeiro, por meio de sua lei interna, conceder sua nacionalidade ao cidadão brasileiro. Reforçou que a não entrega do extraditando não ocasiona sua impunidade quanto ao cometimento de crime no exterior, sendo este julgado com base na extraterritorialidade da lei penal (Brasil, 2016, p. 16). Fez menção, ainda, em relação à existência de tratado de extradição existente entre Brasil e EUA, concernente à persecutio criminis que não era a hipótese para o caso em análise, já que o julgamento de Cláudia poderia ser realizado conforme as leis brasileiras (Brasil, 2016, p. 17).

Tal entendimento expressado pelo Ministro Fachin foi rebatido pelo Ministro Relator Barroso, no sentido de que o enunciado trazido no art. 5º, LI, da CRFB/1988 não se aplica ao caso de Cláudia, pois ela perdeu a nacionalidade brasileira ao adquirir por “livre e espontânea vontade” outra nacionalidade, o que incide na “automática renúncia à nacionalidade brasileira que deve ser decretada, de ofício, pelo Ministro da Justiça” (Brasil, 2016, p. 18).

A Ministra Rosa Weber votou nos mesmos termos que o Relator Ministro Barroso (Brasil, 2016, p. 19). Assim como o Ministro Luiz Fux, que complementou dizendo que a Constituição veda a extradição de brasileiro; contudo, se este brasileiro perde a nacionalidade, não há mais o que se falar em extradição de brasileiro, mas sim de estrangeiro, como seria o caso de Cláudia, que adquiriu, de forma voluntária, outra nacionalidade, nisso, segundo o Ministro, presume-se que tal pessoa se submete ao regime jurídico do Estado onde se naturalizou (Brasil, 2016, p. 20).

Já o Ministro Marco Aurélio enfatizou a premissa de que a ordem constitucional brasileira não se submete ao regime jurídico estrangeiro que vem a reconhecer sua nacionalidade em detrimento da nacionalidade primária, e que somente isso não pode ensejar a perda da nacionalidade brasileira (Brasil, 2016, p. 23). Nesse sentido, o Ministro se manifestou contra a declaração de perda de nacionalidade brasileira de Cláudia (Brasil, 2016, p. 24).

Por fim, o resumo dos votos na decisão proferida no Mandado de Segurança nº 33.864/DF (2016, p. 27) foi o seguinte:

Por maioria de votos, a Turma denegou a segurança e revogou a liminar deferida, nos termos do voto do Relator, vencidos os Senhores Ministros Edson Fachin e Marco Aurélio. Falou o Dr. Edson Oliveira de Almeida, Subprocurador-Geral da República, pelo Ministério Público Federal. Presidência do Senhor Ministro Luís Roberto Barroso. 1ª Turma, 19.04.2016.

Com isso, vê-se que os Ministros Edson Fachin e Marco Aurélio tiveram votos vencidos por três a dois no Mandado de Segurança nº 33.864/DF, e prevaleceu o entendimento de que Cláudia Cristina deixou de ser brasileira ao se naturalizar norte-americana, e, ainda, mesmo que iniciado e findado o procedimento administrativo no Brasil anos depois, tendo terminado somente com o trânsito em julgado do Mandado de Segurança nº 33.864/DF, a maioria dos Ministros entendeu que os efeitos retroagem na data da naturalização em Estado estrangeiro.

3 ANÁLISE DA EXTRADIÇÃO DE CLÁUDIA CRISTINA SOBRAL EM DECORRÊNCIA DA PERDA DA NACIONALIDADE PRIMÁRIA

O § 3º do art. 82 da Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017) dispõe que, para que um brasileiro nato que perdeu a nacionalidade possa ser extraditado, deve-se observar a “anterioridade do fato gerador da extradição“, em outras palavras, a anterioridade em relação ao crime que embasa o pedido de extradição e ao vínculo existente entre o extraditando e o Estado requerente, para, então, constatar se o crime cometido no estrangeiro foi antes ou depois da perda de nacionalidade. A partir dessa constatação, pode verificar se o Brasil é ou não competente para julgar o crime em questão, se for um caso onde a conduta delitiva foi cometida por brasileiro antes da naturalização (Lopes, 2018, p. 69), levando à aplicabilidade prática do princípio da extraterritorialidade penal brasileira[13] e fazendo valer, para tanto, o dispositivo legal do art. 82, inciso III, da Lei de Migração.

Percebe-se que, apesar dos acordos internacionais entre Estados, existem, ainda, critérios tênues a serem observados quando o assunto é extradição; sobretudo, deve-se prosseguir com análise pormenorizada do caso concreto, a fim de que não sejam cometidos atos ilegais. Como, por exemplo, o que poderia ocorrer no caso onde dois Estados soberanos reconhecem sua nacionalidade e se dizem legitimados para julgar o mesmo crime imputado ao extraditando. Nisso, quando se fala em mais de um legitimado, deve-se levar em consideração o local onde a pessoa se encontra (Lopes, 2018, p. 74).

Já, sob a análise do caso de Cláudia Cristina Sobral, se o Brasil tomasse para si a responsabilidade de processar e julgá-la, bem como o Estado americano, e levando em consideração que Cláudia já se encontrava no território brasileiro, na época da solicitação feita pelos EUA, entende-se que a competência precípua seria do Brasil[14], o que excluiria o caráter de impunidade em casos onde o nacional vai para o exterior, comete crime e volta para o Brasil, haja vista que o brasileiro há de ser igualmente processado e julgado se o crime por ele cometido no estrangeiro também for ato ilícito no Brasil. Nesse sentido já decidiu o STF no Habeas Corpus nº 83.113/DF em relação à impossibilidade de entrega de nacional para responder por crime supostamente cometido no exterior, em face da legitimidade extraterritorial do Brasil.

3.1 Exame da Extradição nº 1.462/DF frente ao princípio da extraterritorialidade da lei penal brasileira

O processo de extradição de Cláudia Cristina Sobral se deu em decorrência da perda da nacionalidade brasileira, bem como do pedido formulado por Estado estrangeiro, onde ela se naturalizou e cometeu crime contra seu cônjuge nos EUA, entendendo o Estado requerido que o julgamento do crime cometido por Cláudia deveria ser conforme a jurisdição norte-americana.

Durante o trâmite do processo de extradição, a defesa de Cláudia sustentou que ela adentrou no território nacional de forma regular, com seu passaporte brasileiro renovado, bem como sustentou que a mesma não perdeu a nacionalidade, pois não preencheu formulário constante no site do Ministério das Relações Exteriores Defendeu, ainda, que a naturalização norte-americana se fez necessária para que Cláudia desenvolvesse atividade laboral de contadora, haja vista, naquele território, haver a exigência de nacionalidade norte-americana para o exercício pleno da carreira (Brasil, 2017, p. 6). Sustentou, ainda, a existência de pressão política que o Estado brasileiro estaria sofrendo por parte dos EUA no sentido de que fosse deferida a extradição de Cláudia, haja vista a apresentação de projeto de lei no Congresso dos EUA que objetivava suspender a assistência norte-americana ao Brasil, bem como a concessão de vistos aos brasileiros até que fosse modificada a legislação pátria que veda a extradição de brasileiro (Brasil, 2017, p. 7).

Após análise da defesa de Cláudia, o Ministro Relator Luís Roberto Barroso votou a favor do deferimento do pedido de extradição, desde que não fossem aplicadas penas proibidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, tais como pena de morte, pena superior a trinta anos de prisão, bem como que o tempo de prisão cumprido de forma cautelar no Estado brasileiro fosse detraído da prisão em definitivo (Brasil, 2017, p. 15). A Ministra Rosa Weber acompanhou o voto do Relator, assim como o Ministro Alexandre de Moraes (Brasil, 2017, p. 22), que sustentou que o princípio da extraterritorialidade da lei penal brasileira não poderia ser aplicado ao caso de Cláudia, pois exige-se o fator nacional que comete crime em território alienígena, e o mesmo não foi caracterizado, segundo seu entendimento, e, ainda, mesmo que houvesse concurso de competência para julgar Cláudia por crime cometido nos EUA, por não ter tido início nenhuma persecutio criminis no Brasil, a legitimidade seria de igual modo do Estado estrangeiro, o que ensejaria o deferimento de pedido de extradição de toda forma (Brasil, 2017, p. 29).

O Ministro Luiz Fux votou a favor da concessão da extradição de Cláudia, ao sustentar que, se o brasileiro vai para o exterior e abdica de forma voluntária de sua nacionalidade brasileira, abdica também dos direitos e das garantias trazidos na Constituição, e que “quem tem amor ao seu País não abre mão da sua nacionalidade” (Brasil, 2017, p. 38). Comparou a perda da nacionalidade brasileira nos mesmos termos de uma empresa jurídica que firma compromisso arbitral no exterior e “depois vem se esconder por detrás da Justiça brasileira, dizendo que não pode cumprir aquele compromisso arbitral, porque fere a ordem pública” (Brasil, 2017, p. 39). Sustentou, ainda, que o Código Penal dispõe que o brasileiro que comete crime no estrangeiro pode responder aqui no Brasil. Só que ele, brasileiro, responde perante a Justiça brasileira por crime cometido no estrangeiro desde que ele não tenha optado por outra nacionalidade; porque, se ele optar por outra nacionalidade, ele não cumpre a pena no Brasil, ele é extraditável. E é assim que os penalistas analisam a situação dos brasileiros que cometem o crime no exterior. (grifo nosso)

O Ministro afirmou expressamente que o brasileiro somente será processado e julgado no Brasil, por crime cometido no exterior, se este não tiver optado por outra nacionalidade, não analisando as nuances que cercam os casos concretos, esquecendo-se que o direito deve se amoldar ao caso concreto, analisando as peculiaridades que cercam cada ato humano, senão não haveria necessidade de a composição do Judiciário ser feita por humanos, pois, tão somente, uma máquina seria capaz de fazer tal analogia de forma leviana e superficial.

Por fim, o Ministro Marco Aurélio votou pelo indeferimento da extradição. Entendeu ser inviável a extradição de brasileiro nato por reconhecimento de nacionalidade por Estado alienígena (Brasil, 2017, p. 44). Manifestou, ainda, indignação quanto à entrega de brasileiro nato a um governo requerente para que responda a uma persecução criminal naquele território, sendo que deve ser superado em um caso como o de Cláudia o princípio da reciprocidade e até mesmo os Tratados entre países requerente e requerido. Sendo que nada impede a remessa de peças ao Ministério Público no Brasil para que seja a pessoa processada e julgada por crime cometido no estrangeiro (Brasil, 2017, p. 43). Nesses termos, a decisão foi a seguinte: “Por maioria de votos, a Turma assentou a possibilidade de entrega da Extraditanda ao Governo requerente, nos termos do voto do Relator, vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio, Presidente. Falou o Dr. Adilson Vieira Macabu, pela Extraditanda. Primeira Turma, 28.03.2017“.

Percebe-se, então, que teve voto vencido o Ministro Marco Aurélio, em relação aos votos dos demais Ministros da 1ª Turma do STF, que entenderam, no julgamento do Mandado de Segurança nº 33.864/DF, que Cláudia Cristina não mais ostentava nacionalidade brasileira, pois adquiriu voluntariamente nacionalidade estrangeira, e verificada a dupla tipicidade da conduta delitiva por ela praticada no Estado norte-americano (punível tanto no EUA quanto no Brasil), a extradição foi deferida nos termos do voto do Ministro Relator Luís Roberto Barroso.

Firmou-se, ainda, condição para se proceder com a extradição, sendo que o Estado requerente não deveria aplicar penas vedadas pelo ordenamento jurídico brasileiro, bem como deveria firmar compromisso de detrair o tempo de prisão cumprido por Cláudia no Brasil.

3.2 Ilegalidade na perda da nacionalidade de Cláudia Cristina Sobral

Antes de apreciar o pedido de extradição, foi julgado pela 1ª Turma do STF, na data de 19.04.2016, o Mandado de Segurança nº 33.864/DF, em que reconheceu a perda da nacionalidade brasileira nata de Cláudia. Após essa decisão, passou-se, então, à análise do pedido de extradição, em que o STF, por maioria dos votos de seus membros, entendeu que Cláudia deveria ser extraditada (Lopes, 2018, p. 59-60). Nisso, foi concedida a Extradição nº 1.462/DF aos Estados Unidos da América, para processar criminalmente Cláudia Cristina Sobral Alves Barbosa em decorrência de investigação de cometimento de crime doloso contra seu marido Karl Hoering.

Vale dizer, a princípio, que o procedimento de perda de nacionalidade brasileira tem caráter administrativo, não chegando às vias judiciais. Excepcionalmente ocorreu no caso de Cláudia, pois ela não concordou com a perda de sua nacionalidade, e, com isso, recorreu.

E ainda, em regra, a competência para julgar mandado de segurança contra ato do Ministro do Estado da Justiça é do STJ[15]; no entanto, em decorrência da complexidade do caso de Cláudia, haja vista que o resultado da decisão no mandado de segurança incidiria diretamente na análise do posterior pedido de extradição formulado pelos EUA, o STF entendeu ser de sua competência a análise e o julgamento do MS (Brasil, 2016, p. 1).

E com a impetração do mandado de segurança, Cláudia buscava a revogação da Portaria Ministerial nº 2.465/2013, que declarou que a mesma não era mais considerada brasileira nata, e, em sua defesa, a impetrante sustentou que estava amparada nos termos do art. 12, § 4º, inciso II, alínea a, da CRFB/1988. Contudo, prevaleceu entendimento pelos Ministros da 1ª Turma do STF que o caso de Cláudia não condizia com a exceção constitucional, nisso, foi mantida a Portaria do Ministério da Justiça que reconheceu a perda do vínculo jurídico de Cláudia com o Estado brasileiro (Lopes, 2018, p. 61).

Percebe-se, então, no caso de Cláudia Cristina, o entendimento que prevaleceu foi aquele apresentado pelo Ministro Luís Roberto Barroso de que, ao se naturalizar no Estado estrangeiro, Cláudia manifestou sua vontade de forma expressa, conforme determina o procedimento de naturalização americano, e, com isso, ela renunciou à nacionalidade brasileira, dispensando-se, dessa forma, a necessidade de pedido expresso ao Ministério da Justiça (Rodrigues, 2017, p. 6).

Firmou-se, então, entendimento no STF de que não há necessidade de formulação de pedido de perda da nacionalidade para que esta ocorra. Fala-se, ainda, na suficiência da presença do quesito naturalização em Estado estrangeiro, e não mais o preenchimento do formulário que manifesta interesse na perda da nacionalidade brasileira em prol de outra.

Contudo, vale dizer que tal entendimento apenas se convalesceu após o julgamento de Cláudia Cristina Sobral, sendo que, até então, seguia-se o entendimento de que os efeitos da perda da nacionalidade brasileira surgem com a publicação da portaria no Diário Oficial da União pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, sendo, a partir disso, a pessoa considerada para todos os efeitos estrangeira perante o Estado brasileiro, tanto que essa é a disposição no Portal Consular (Perda, [2019?]): “A perda da nacionalidade brasileira surtirá efeitos a partir da publicação da portaria declaratória do Ministro da Justiça e Segurança Pública no Diário Oficial da União. Após a publicação do ato, o interessado será considerado, para todos os efeitos, estrangeiro perante o Estado brasileiro“.

Verifica-se, então, o ato de ilegalidade no procedimento de perda de nacionalidade de Cláudia Cristina Sobral, pois as decisões proferidas pelos membros do STF foram contra os princípios da legalidade, extraterritorialidade da Lei Penal Brasileira e in dubio pro réu, haja vista o novo entendimento trazido a partir do julgamento tanto do Mandado de Segurança nº 33.864/DF quanto da Extradição nº 1.462/DF, que contrariou expressamente a disposição contida no Portal Consular que, em tese, existe para esclarecer a forma como se concretiza a perda da nacionalidade e quais os caminhos a serem seguidos. Contudo, a partir desse novo entendimento trazido pelo STF, baseado em um conceito onde supostamente o ordenamento jurídico brasileiro se submete ao regramento de outro Estado soberano que irá dizer quando o nacional do Brasil assim o deixa de ser, gera incertezas e insegurança jurídica aos detentores da nacionalidade brasileira.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Viu-se que a nacionalidade é tida como direito básico do ser humano que gera vínculo jurídico entre o nacional e o Estado. Portanto, com base na premissa de ser um direito a ter direitos, entende-se que não se almeja aferir prejuízos aos cidadãos, mas sim ajudá-los da melhor forma a alcançarem os demais direitos. Nessa mesma vertente, quanto ao dever de julgar e punir o nacional, isso caberá ao Estado com o qual a pessoa tem vínculo, pois cabe ao Estado julgar seu nacional, e não entregá-lo a outro país que para que assim o faça.

Em relação ao caso de Cláudia Cristina Sobral, seguindo um liame temporal de que ela adquiriu a nacionalidade norte-americana em 1999, sendo que, em 2007, cometeu homicídio e regressou ao Brasil com seu passaporte brasileiro, e, em 2011, foi aberto de ofício, procedimento administrativo que declarou a perda de sua nacionalidade, e somente em 2013 foi requerido pelos EUA a prisão de Cláudia para fins de extradição, razão pela qual Cláudia impetrou mandado de segurança inicialmente no STJ, que declinou competência em favor do STF que julgou o caso no ano de 2016, constata-se, então, que, de fato, houve ilegalidade quanto ao processo de perda de nacionalidade e extradição de Cláudia Cristina Sobral, sendo que, mesmo que ela tenha se naturalizado norte-americana, abdicando, assim, da nacionalidade primária brasileira, nenhum processo administrativo de reconhecimento de perda de nacionalidade foi instaurado de imediato no Brasil, sendo que tão somente teve início anos depois do cometimento de crime no Estado estrangeiro.

E, apesar do posicionamento inovador firmado no STF, este não é o mais condizente com as questões de direito e proteção ao cidadão. Haja vista a precipitação em dizer que a perda da nacionalidade se concretiza de forma automática com a naturalização no estrangeiro. Pois, se assim fosse, o ordenamento jurídico brasileiro estaria se submetendo a regras de outro Estado que, no fim, é quem irá determinar até quando um brasileiro possui ou não vínculo com o Brasil. Portanto, apesar do entendimento exteriorizado no STF de que Cláudia perdeu a nacionalidade no ato da naturalização, percebe-se que este não era o entendimento trazido até o julgamento de Cláudia, sendo que, antes disso, e conforme ainda está disposto no Portal Consular (Anexo A), a perda da nacionalidade tem efeito após findado o processo administrativo, e, como visto, o processo de Cláudia terminou com o julgamento do Mandado de Segurança nº 33.864/DF, que teve trânsito em julgado no ano de 2017. Logo, Cláudia ainda era nacional na época do cometimento de crime em Estado estrangeiro, e, como já se encontrava em solo brasileiro, esta deveria ter sido julgada conforme as leis nacionais, e não ter sido extraditada para responder pela imputação criminosa no Estado alienígena.

Nisso, quanto ao entendimento trazido pelos membros do STF, pode-se dizer que foi um tanto esdrúxula a fundamentação utilizada como critério-chave para embasar o processo de extradição de Cláudia, qual seja, em relação aos efeitos da perda da nacionalidade, que de forma inovadora entendeu-se que tem início com a naturalização do brasileiro no Estado estrangeiro, e não com o fim do processo administrativo que declara e vincula a perda da nacionalidade no Brasil.

O STF entendeu que, apesar de ter processo administrativo no Estado brasileiro, este serve apenas para dar publicidade ao fato já consumado com a naturalização. Percebe-se, então, que, de certa forma, não necessitaria nem mesmo deste processo no Brasil, já que cabe ao Estado estrangeiro dizer quando foi que o brasileiro assim deixou de ser. Pois é isso que foi dito pelos Ministros do STF no julgamento do mandado de segurança e pedido de extradição de Cláudia Cristina Sobral. Sendo ainda, conforme defendido por Rezek e sustentado pelo Ministro Luís Roberto Barroso, o ato presidencial que reconhece a perda da nacionalidade brasileira é meramente declaratório, com efeito ex tunc retroativo à data da naturalização no exterior, e não com efeito ex nunc a partir da declaração pelo Presidente da República.

Assim, a conclusão desta pesquisa é que houve ilegalidade no processo de perda de nacionalidade e extradição de Cláudia Cristina Sobral Alves Barbosa. A falha apontada foi que o STF não julgou conforme o ordenamento jurídico brasileiro ao determinar a sua extradição para ser processada e julgada em Estado alienígena, uma vez que a mesma era brasileira nata ao tempo do evento criminoso no estrangeiro.

REFERÊNCIAS

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SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 37. ed. São Paulo:: Malheiros, 2013.

[1] Art. XV, itens 1 e 2, da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

[2] Art. 12, I, da CRFB/1988.

[3] Art. 12, II, da CRFB/1988.

[4] Art. 254, § 6º, do Decreto nº 9.199/2017.

[5] Art. 254, § 7º, do Decreto nº 9.199/2017.

[6] Art. 109, X, da CF/1988.

[7] Art. 12, § 4º, I, da CRFB/1988.

[8] Art. 12, § 4º, II, da CRFB/1988.

[9] Art. 102, I, g, da CRFB/1988.

[10] Art. 94 da Lei nº 13.445/2017.

[11] Art. 5º, LI e LII, da CRFB/1988.

[12] Art. 12, § 4º, II, a e b, da CRFB/1988

[13] Art. 7º, II, b, do CP.

[14] Art. 7º, II, b e § 2º, a, do CP.

[15] Art. 105, I, b, da CRFB/1988.