PENHORA NO NOVO CPC. REGISTRO OU AVERBAÇÃO?
Gucio Coelho
Não é necessária uma leitura mais atenta do novo CPC para constatar que o legislador ali optou por definir a averbação junto ao registro imobiliário, como forma de exteriorizar, publicizar a existência da constrição. É o que consta escrito nos arts. 792, 799, 837, 844 e 860.
Desde as últimas alterações pontuais no CPC anterior, essa tendência já se vinha firmando, mas quase sempre era tomada por mera “imprecisão terminológica”, como se viu acontecer quando da alteração do § 4º do art. 659 do CPC de 1973, ditada pela lei 11.382/2006.
CPC 1973 –
Art. 659. (…)
4º A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, cabendo ao exequente, sem prejuízo da imediata intimação do executado (art. 669), providenciar, para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, o respectivo registrono ofício imobiliário, mediante apresentação de certidão de inteiro teor do ato e independentemente de mandado judicial. (Redação dada pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)
4º A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, cabendo ao exequente, sem prejuízo da imediata intimação do executado (art. 652, § 4º), providenciar, para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, a respectiva averbação no ofício imobiliário, mediante a apresentação de certidão de inteiro teor do ato, independentemente de mandado judicial. (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006). (…)
Tanto que já vigente a última alteração do § 4º do art. 659 do CPC antigo, ao editar a Sumula 375, que data de 30/09/2009, o Colendo STJ manteve-se fiel à dicção terminológica tradicional da LRP: “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.” Data de Publicação – DJe 30-3-2009
No novo CPC, a reiteração sistemática do termo averbação, indiscutivelmente como espécie e não gênero de registro, faz insustentável a afirmação de imprecisão, reclamando enfrentar-se o aparente conflito da nova norma com o que se lê no art. 167, I, 5, da Lei de Registros Públicos.
Destaque-se ainda que o novo CPC, ao referir-se à promessa de compra e venda, quando impõe providências para o escorreito manejo da execução, no mesmo art. 799 (incisos III e IV), reverencia a terminologia exata da LRP (art. 167, I, 9, 18 e 20), revelando indiscutível ânimo refletido de mudança em relação ao anterior proceder quanto à anotação da penhora no Registro Imobiliário.
Desde o já distante ano de 1975, com a redação da lei 6.216/1975, resolveu-se o legislador pelo registro da penhora (art. 167, I, 5), assento declaradamente tomado como espécie, distanciando-se em definitivo da ambiguidade decorrente da utilização do termo inscrição, que constava na redação primitiva da Lei de Registros Públicos.
Em dois artigos seguintes, na LRP (arts. 239 e 240), ainda disciplinando penhora, reitera-se a necessidade do registro.
Visível a mudança, de registro para averbação, cumpre questionar porque razão não teria o CPC expressamente revogado ou mesmo alterado a LRP, no que tange à penhora ou se tal revogação tem-se por tacitamente resultada (DL 4.657/42 – art. 2º, § 1º, parte final) ou, por fim, se mudança alguma deva-se ter por havida, tomando-se por letra morta a iniciativa do inovador processualista, cumprindo seguir ainda a forma vazada na LRP, registro, face ao princípio da especialidade.
Penso que a observância da nova sistemática vinda no CPC de 2015 não importa, necessariamente em revogação expressa ou tácita da LRP ou sequer existência do conflito que aparentemente se apresenta. Quando muito, a conclusão de que, a adoção de nova forma indiscutivelmente mais simples e igualmente eficaz de publicização da penhora, pela mera averbação no registro imobiliário, ditada no novo CPC, torna desnecessária e por via de consequência relegada ao esquecimento e desuso, a complexa via do registro eleita como regra na LRP.
É preciso lembrar que desde antes mesmo de qualquer discussão sobre o assunto, e após a edição da Lei 10.444/2002, já se tinha por pacificado na doutrina e jurisprudência que, diferente da hipoteca judicial ou judiciária, o registro não era essencial à penhora, tida como perfeita e acabada em si após a assinatura do termo ou do auto.
Nesse exato sentido Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery: “o exequente pode providenciar o registro da penhora de bens imóveis, no cartório do registro imobiliário, independentemente de autorização ou de mandado judicial. O registro da penhora no registro de imóveis caracteriza presunção absoluta (juris et de jure) de que o ato da penhora chegou ao conhecimento de terceiros, dada a publicidade dos registros imobiliários. Esse registro não é condição para a existência, validade e eficácia do ato da penhora. Sua finalidade é dar conhecimento da penhora a terceiros”.
Também sustenta ARAKEN DE ASSIS: “dessa disposição surge uma conclusão firme: os efeitos que descendem da penhora, nesta classe de bens, inter partes decorrem da constrição em si; e, perante terceiros, dependem do complemento registral”.
O registro da penhora, contemplado no art. 167, I, 5 da Lei 6.015/73, complemento do ato, tem por indisfarçável propósito dar a terceiros conhecimento da penhora, presunção absoluta e sem dúvida o complexo registro bem cumpre esse desiderato, mas de igual modo, é preciso dizer que, desnecessário tal assento para constituição da penhora, porque, como disse antes, sua existência materializa-se com a assinatura do auto ou do termo.
Diferente do registro, a averbação é o ato que não cria ou transfere direito real, simplesmente repercute em seu conteúdo e por isso sempre se teve a certeza de que o rol de atos sujeitos a averbação do art. 167, II da Lei 6.015/73, não é exaustivo, mas exemplificativo, admitindo-se a averbação de situações inominadas, por autorização do art. 246 da LRP.
Derredor o assunto leciona Maria Helena Diniz: “Surge, ao lado do registro stricto sensu, um ato específico – a averbação –, ante a necessidade de se fazerem exarar, na história da propriedade imobiliária, todas as ocorrências ou atos que, embora não sendo constitutivos de domínio, de ônus reais ou de encargos, venham a atingir o direito real ou as pessoas nele interessadas e, consequentemente, o registro, alterando-o, por modificarem, esclarecerem ou extinguirem os elementos dele constantes, anotando-os à margem da matrícula ou do registro.” DINIZ, Maria Helena. Sistemas de registros de imóveis. 4. Ed. Rev. Aum. E atual. De acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406/2002). São Paulo: Saraiva, 2003. Pág. 410.
No mesmo sentido, Regnoberto Marques de Melo Jr.: “Como fito imediato da averbação sobressai o de estabelecer a publicidade da alteração no objeto da matrícula. No aspecto mediato, colima a segurança jurídica. A cabeça do art. 246 da LRP encerra a referenciada regra geral: qualquer ato ou fato jurídico que altere o assento anterior (qualquer que seja ele: registro, averbação ou cancelamento), será averbável no SRI.” [4]MELO JR., Regnoberto Marques de. Lei de registros publicos comentada. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2003. Pág. 586.0,
Cumpre lembrar que tecnicamente a penhora não pode ser considerada espécie de direito de garantia real, como bem afirma Araken de Assis, “é ato executivo e não compartilha a natureza do penhor e do arresto”, opinião que também de vê na obra de Pontes de Miranda: “não é penhor, nem arresto, nem uma das medidas cautelares. O que nela há é expropriação da eficácia do poder de dispor que não há no arresto”. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil, tomo X. 2. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 193.
Com sobrada razão esclarece Libman que pela penhora “o órgão judiciário submete a seu poder imediato determinados bens do executado, fixando sobre eles a destinação de servirem à satisfação do direito do exeqüente. Tem, pois, natureza de ato executório”.
Consequência da penhora que se aperfeiçoa com a lavratura e assinatura do auto ou do termo, é a dita mitigação do poder de disponibilidade do bem pelo proprietário/executado, porque não subtrai dele o poder de disposição, quando muito, gera um vínculo de indisponibilidade, como prefere Ovídio Batista, que “decorre da particular destinação do bem penhorado, para satisfazer à pretensão executiva”. Tanto que a eventual alienação do bem, firmada entre executado e terceiro, será tida como válida e eficaz se o produto do negócio for utilizado para pagamento do débito excutido (CPC – art. 826), situação em que desaparece a ineficácia, por isso relativa.
Difícil é não comungar do pensamento externado por Marcelo Rodrigues, ao abordar o assunto aqui em debate, em artigo escrito após a alteração do antigo CPC pela Lei 11.382/06, em que terce abalizada crítica à opção do legislador ao editar a Lei 6.015/73, de lançar a penhora no rol de atos sujeitos a registro, com único propósito de publicização da constrição, porque mais se quadra à providência, a simplificada averbação: “Neste contexto, a par de não sinalizarem qualquer mutação jurídico-real, as constrições judiciais do arresto, penhora e sequestro, foram incluídas desavisadamente pelo legislador de 1973 no rol dos títulos ensejadores a registro em sentido estrito, não-conformidade replicada na legislação especial da execução fiscal (lei 6.830/80, art. 7., IV). Contudo, mostra-se mais coerente com o sistema que tais atos processuais, bem como aqueles outros de natureza premonitória, quando concretizados sobre bens imóveis, sejam publicizados perante terceiros por simples averbações no Registro de Imóveis. Neste sentido, a denominada reforma da reforma simplificou o procedimento, ao acrescentar os parágrafos 4. E 5. Ao art. 659 do CPC, moldando novo perfil para a mais frequente das constrições judiciais perante os registros imobiliários brasileiros: a penhora”.
Penso e concluo que incensurável a opção do legislador processualista ao estabelecer, como competia fazê-lo, um modo, um procedimento diferente para publicização da penhora, a mera averbação da constrição junto ao registro imobiliário, não se justificando senão por desmedido apego à forma e à complexidade, insistir-se em resistir à expedita solução que prestigia o interesse do credor exequente, sem sacrifício de direitos do devedor/executado, com a necessária segurança jurídica e simplificação dos atos, conferindo assim maior celeridade e racionalidade ao processo.
NOTAS:
1. RESP 420303/SP; Recurso Especial 2002/0031425-0, DJ12/08/2002, PG:00223, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4ª Turma). No mesmo sentido: Resp. 151343/SC; Resp 214287/SP.
2.NERY Junior, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado, 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p 1042.
3.ASSIS, Araken. Manual da Execução, 11ª ed. Rev. Ampl. E atual. Com a Reforma Processual – 2006/2007. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pág. 592.
4.Manual do processo de execução. 8. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 603.
5.LIEBMAN, Enrico Túlio. Processo de execução.4. Ed. São Paulo: Saraiva, 1946, n. 56, p. 95.
6.BAPTISTA DA SILVA, Ovídio Araújo. Doutrina e prática do arresto ou embargo, Rio de Janeiro: Forense, 1976, § 16, p. 78.