A PENHORA DOS FRUTOS DO BEM IMÓVEL DEVE CONSTAR NO AUTO DE PENHORA, SOB PENA DE NULIDADE
Ricardo Prates Dutra
Penhora significa garantia. Logo, a sua finalidade precípua é servir de instrumento útil para assegurar ao credor o recebimento do crédito que lhe é devido.
A penhora, por sua vez, decorre de ato judicial e somente se faz presente em processos de execução. Nesse sentido, destaca-se que a ordem judicial de penhora é direcionada contra o acervo patrimonial – créditos e bens – do executado (devedor), a ser constrito em favor do exequente (credor).
Mestre PONTES DE MIRANDA conceitua a penhora como ato processual de expropriação (retirar), não do bem do devedor, mas da eficácia do poder de livre disposição deste (MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil, Tomo X: arts. 612 a 735. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002, p. 193).
Observa-se, assim, que a penhora, por si só, não retira a propriedade do bem imóvel do devedor e tampouco retira a sua posse, mas apenas limita a autonomia do devedor em dispor livremente do imóvel.
O saudoso professor gaúcho, OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA, apresenta três efeitos que advém da penhora, são eles (SILVA. Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil: execução obrigacional, execução real, ações mandamentais. Vol. 2. 5ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, 90):
Individuação do bem penhorado, ou seja, o imóvel nomeado à garantia torna-se responsável à quitação do débito executado;
A penhora cria um direito de preferência sobre o bem garantido, sendo que eventuais credores que, sucessivamente, efetivarem penhoras sobre o mesmo imóvel, receberão seus créditos somente depois da satisfação completa da penhora primária; logo, havendo o concurso de penhoras, as últimas correm o risco de serem ineficazes.
Uma vez penhorado o imóvel, caso o devedor o aliene (ex. venda), tal transferência será ineficaz contra o credor, pois os atos processuais de execução continuarão sobre o imóvel, ainda que alienado.
Ressalta-se que a penhora de bem imóvel se perfectibiliza com a lavratura do auto de penhora, conforme disposição expressa do artigo 838 do Código de Processo Civil.
Todavia, para ser reconhecida a presunção absoluta do conhecimento da penhora por terceiros, é fundamental que o credor providencie a averbação da aludida restrição judicial na respectiva matrícula do bem junto ao Registro Imobiliário, nos termos do disposto no artigo 844 do Código de Processo Civil.
Assim, a penhora de bem imóvel e a segurança da eficácia dos seus efeitos, desdobram-se em dois momentos distintos e sucessivos (a lavratura do auto e o seu respectivo registro).
O conteúdo do que foi lavrado no auto de penhora é de relevantíssima importância para que atinja os seus efeitos. Isso porque não se admite interpretação extensiva ou indireta do que consta no mandado de penhora.
A tradicional jurisprudência dos tribunais brasileiros afasta os eventuais excessos de penhora, quando cometidos:
“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA SOBRE ALUGUÉIS DE BEM IMÓVEL. ADQUIRENTE DE BOA-FÉ. 1. ACOLHEM-SE EMBARGOS DE TERCEIRO PARA DESCONSTITUIR A PENHORA EFETUADA SOBRE ALUGUÉIS DE IMÓVEL PERTENCENTE A ADQUIRENTE DE BOA-FÉ, EIS QUE NÃO HOUVE O RESPECTIVO REGISTRO, PARA OS EFEITOS DO QUE DISPÕE O § 4º DO ART. 659 DO CPC, NÃO SE DEMONSTRANDO NOS AUTOS O CONHECIMENTO PRÉVIO DO ATO CONSTRITIVO SOBRE O BEM NEGOCIADO. 2. RECURSO IMPROVIDO. (Tribunal de Justiça do Distrito Federal – AC: 20030710115219 DF, Des. Relator: CRUZ MACEDO, julgamento: 13/09/2004, 4ª Turma Cível, Publicação: DJU 25/11/2004).”
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. CARTA PRECATÓRIA. PENHORA DE BEM IMÓVEL. DELIMITAÇÃO DO CAMPO DE ATUAÇÃO DO JUÍZO DEPRECADO. 1. A carta precatória delimita o campo de atuação do juízo deprecado. 2. No caso, a carta precatória tem por objeto a penhora de bem imóvel. Assim, o juízo deprecado, ao determinar também a penhora dos alugueres, extrapolou os seus estritos limites. (TRF-4 – AG: 2968 RS 2003.04.01.002968-1, Relator: CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Data de Julgamento: 28/11/2007, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: D.E. 11/12/2007).”
Lembra-se que a penhora é ato judicial de restrição de direitos de disposição do imóvel; logo, em atenção ao princípio da boa-fé, deve-se ter a precisão exata acerca de quais os direitos que restaram limitados.
Assim, para se saber se a penhora é relativa à indisponibilidade apenas do direito de transmissão ou se, também, abrange à indisponibilidade dos frutos que advêm da renda por uma eventual locação do imóvel, é uma dúvida que, somente, pode e deve ser sanada a partir da leitura do exato conteúdo descrito no auto de penhora, não havendo espaço para interpretações.
Logo, não constando no auto de penhora a descrição expressa para a penhora dos frutos do imóvel, não há como presumi-los penhorados; ao contrário, resta evidente que os mesmos não foram alvo da restrição judicial, como sói ocorrer em dois conhecidos casos: (a) a pessoa física não habita no imóvel penhorado, mas a renda auferida através de aluguel permanece livre para atender a uma necessidade econômica de sobrevivência do devedor; (b) a pessoa jurídica tem a sede do imóvel penhorado, porém os frutos não o foram, já que a penhora do prédio é suficiente à garantia da dívida.
Imperioso ressaltar, nada impede que, ao invés da penhora do direito de transmissão, seja determinada a penhora apenas do direito aos frutos do imóvel, desde que, assim, conste do respectivo auto de penhora.
Inclusive, o Código de Processo Civil, precisamente no artigo 867, refere que: “o juiz pode ordenar a penhora de frutos e rendimentos de coisa móvel ou imóvel quando a considerar mais eficiente para o recebimento do crédito e menos gravosa ao executado”.
Fica claro, destarte, que a penhora de direito sobre o bem principal não se estende automaticamente à penhora de direito do bem acessório, tanto que o juiz pode determinar, separadamente, a penhora do acessório, se entender pertinente.
Nessa esteira, Cândido Rangel Dinamarco (DINAMARCO, Cândido Rangel, Instituições de Direito Processual Civil IV. Editora Malheiros, 2009 p. 182.), adverte que:
“a penhora de uma coisa não inclui por si própria a de seus frutos ou rendimentos. Esses acessórios só serão incluídos quando a própria coisa não for suficiente para satisfazer integralmente o crédito, realizando-se então duas penhoras: a da coisa produtiva e a dos frutos ou rendimentos; inversamente, podem ser penhorados somente estes, sem que a coisa produtiva o seja, tudo depende sempre das necessidades de cada caso”.
Com efeito, a expressão “o acessório segue o principal” não é tecnicamente aplicável ao instituto da penhora, já que os direitos e seus efeitos, não se confundem; logo, tentar forçar interpretações extensivas, diante de eventuais omissões (as quais devem ser entendidas como exclusões propositais) do auto de penhora, põe em risco uma das mais valiosas normas do Direito: o princípio da segurança jurídica.
Sublinha-se, no azo, a doutrina do eminente processualista ARAKEN DE ASSIS (ASSIS, Araken de. Manual de Execução, 11ª edição revista e ampliada e atualizada com a Reforma Processual – 2006/2007 – 2ª tiragem. São Paulo: Editora RT, 2008, p. 599), ao destacar uma exceção prevista em Lei própria quanto a abrangência dos efeitos da penhora:
“A extensão concreta da penhora dependerá do constante no respectivo auto (art. 665, III), salvo no caso do art. 34 da Lei 10.931/2004. Tanto o executado, quanto o credor, conforme o caso, podem nomear a coisa principal e seus acessórios, em conjunto ou separadamente.”
Outrossim, a sempre atual lição de mestre PONTES DE MIRANDA (MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo civil, tomo X: arts. 612 a 735. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002, p. 212.), recomenda atenção ao teor do mandato de penhora, se houve menção ou não, também, à penhora dos frutos.
Destaca-se que o colendo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, fazendo eco ao entendimento do aludido mestre e, sobretudo, servindo de base norteadora às demais cortes do Brasil, determina que a restrição de direitos deve estritamente obedecer ao conteúdo lavrado no auto de penhora, a saber:
“HABEAS CORPUS. DENEGAÇÃO DA ORDEM NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PENHORA DE IMÓVEL. DEPÓSITO. ALEGAÇÃO NO SENTIDO DE QUE A CONSTRIÇÃO JUDICIAL RECAI APENAS SOBRE O PODER DE DISPOR DO BEM, NÃO ABRANGENDO, NA OMISSÃO DO AUTO, OS FRUTOS RESPECTIVOS. Omisso o auto de penhora quanto à abrangência da constrição, não se pode entender alcançados os frutos obtidos com os alugueres. Apesar de restringir o poder de disposição sobre o bem constrito, a penhora não paralisa o direito de propriedade do executado, permanecendo intactos os demais poderes inerentes ao domínio, não havendo, in casu, gravame algum no ato de locar o imóvel. A penhora deve constranger patrimonialmente o devedor na medida necessária da satisfação do crédito, razão pela qual, se o valor do bem já é suficiente, a sua eventual locação não transgride os condicionamentos legais impostos pelo gravame .” (Grifamos). (HC 84382, Supremo Tribunal Federal, Relator Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 16.11.2004).
Depreende-se, assim, que a penhora de direitos do bem imóvel é medida judicial impositiva à garantia do pagamento da dívida, a partir do ingresso do credor na esfera patrimonial do devedor, sendo imprescindível ter a exata noção de que somente os direitos descritos no auto de penhora devem ser objeto da constrição judicial.
Finalmente, é definitiva a conclusão de que a retenção dos recebíveis advindos de alugueres do imóvel penhorado, deve ser declarada nula de pleno direito, caso não conste expressamente no conteúdo do auto de penhora a determinação da penhora dos direitos aos frutos do bem imóvel.