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 A PENHORA DE QUOTAS DE SOCIEDADE LIMITADA POR DÍVIDA CONTRAÍDA POR SÓCIO PERANTE TERCEIROS NÃO INTEGRANTES DO QUADRO SOCIETÁRIO

Erick da Silva Regis

 

SUMÁRIO: Introdução; 1 A sociedade limitada; 2 Os sócios e as quotas sociais; 3 Penhora de quotas de sociedade limitada; 3.1 Da companhia das Índias Ocidentais até o CPC/1939; 3.2 Do acórdão paradigmático (RE 24.118/SP) até o CPC/1973; 3.3 O Código Civil de 2002 e a penhora de quotas de sociedades limitadas; 3.4 A penhora de quotas sociais à luz da Lei nº 11.382/2006 e do CPC/1973; 3.5 A penhora de quotas no CPC/2015; 3.6 A posição do Superior Tribunal de Justiça; 4 Aplicação da penhora de quotas sociais a partir do binômio: (i) caso concreto e (ii) decisão fundamentada; Conclusão; Referências.

 

INTRODUÇÃO

Busca-se, no presente estudo, debater questão objeto de discussões intermináveis no Direito Privado e no Direito Processual Civil: a penhora de quotas de sócio, em sociedade organizada pelo tipo societário de responsabilidade limitada, por dívida contraída perante terceiros que não integram o quadro social da pessoa jurídica.

Pretende-se, nessa sede, sugerir uma possível solução para a dinâmica de incidência desse meio executivo, com vistas a demonstrar que a aplicação do Direito deve respeitar, sobremaneira, o seu encadeamento lógico-integrativo. Significa dizer: a atuação do operador do Direito não pode lhe franquear uma análise conveniente e avulsa dos enunciados normativos restritos a uma única área do saber jurídico.

A interpretação normativa deve ocorrer, na verdade, de maneira sistemática, a permitir a aplicação efetiva e coesa do ordenamento jurídico pátrio.

Propõe-se, dessa maneira, que a questão seja analisada considerando-se, especialmente, a existência de uma zona de interseção entre o Direito Empresarial/Societário, as bases da matéria no Direito Processual Civil (em pleitos executórios e no alcance do direito material de natureza creditícia em face do credor) e o institutos do Direito Civil (em especial, em relação ao direito das obrigações).

Mais: almeja-se estabelecer uma zona de plena eficácia sem mitigação de direitos entre o credor, o devedor, a sociedade e todos os elementos envolvidos na sociedade, como a mão de obra, o recolhimento de impostos, o exercício de atividade de circulação de bens e serviços úteis à sociedade, o emprego, entre outros aspectos comerciais e sociais relevantes.

Para a proposta apresentada, será realizado um voo panorâmico sobre o teor de diplomas normativos infraconstitucionais relevantes para a matéria, notadamente: (i) o Código Comercial de 1850; (ii) O Decreto nº 3.708/1919; (iii) o Código de Processo Civil de 1939; (iv) o Código de Processo Civil de 1973; (v) o Código Civil de 2002; (vi) a Lei nº 11.382/2006; e (vii) o Código de Processo Civil de 2015.

Considerar-se-á, ainda, o que restou decidido no emblemático acórdão proferido nos autos do Recurso Extraordinário nº 24.118/SP, de relatoria do Ministro Nelson Hungria, e a evolução jurisprudencial que enverniza, hodiernamente, a matéria.

O objetivo é, com olhos no passado, e na busca pela efetividade normativa no futuro, demonstrar que a penhora de quotas sociais deve considerar o binômio: (i) decisão judicial devidamente fundamentada e (ii) análise efetiva do caso concreto[1], à luz do que já foi aventado em artigo recente, elaborado pelo Professor Gerson Luiz Carlos Branco[2], ao qual se alinha o presente estudo, na busca pela superação da dogmática simplória – e muitas vezes até sofismática – da subsunção.

Pretende-se, assim, demonstrar que há, notoriamente, de ser resguardado o direito de crédito, não se podendo admitir, contudo, que uma pessoa jurídica alheia à relação creditícia venha a, de qualquer forma, sofrer limitações ao desempenho de suas atividades.

Sob esse jaez, admite-se que a penhora de quotas de sociedade limitada seja realizada nas hipóteses em que: (i) demais bens do devedor sejam insuficientes para arcar com a dívida, ou na impossibilidade de localização de outros bens; (ii) essa for a maneira mais eficaz para se materializar o crédito perquirido em Juízo; (iii) a sociedade puder prosseguir, a despeito da penhora realizada, com o exercício de sua atividade; (iv) a penhora recaia, primordialmente, sobre os efeitos patrimoniais das quotas: (iv.a) seus lucros e (iv.b) o produto de sua liquidação.

A harmonização normativa e o resguardo da atividade empresarial são imperativos, na espécie, e a sua chancela é a pedra fundamental do presente estudo.

1 A SOCIEDADE LIMITADA

A sociedade limitada representa um dos mais recentes tipos societários existentes no ordenamento jurídico brasileiro. Trata-se de forma societária que, surgida na Alemanha em 1892, passou a Portugal (1901), a cujo modelo se filiou o Decreto nº 3.708, de 10 de janeiro de 1919, que a adotou no Brasil sob o nome de “sociedade por cotas de responsabilidade limitada[3].

O Código Civil de 2002 passou a regulamentar integralmente esse tipo societário, revogando o Decreto nº 3.708/1919, alterando, inclusive, a denominação de outrora, para a singela expressão “sociedade limitada“.

De acordo com a doutrina especializada, o número de sociedades organizadas com base nesse tipo societário “ultrapassa a casa de cinco milhões de empresas registradas nas juntas comerciais, solidificando o seu modelo[4][5].

A normatização da sociedade limitada, tal qual prevista no direito material brasileiro, é bastante robusta e abrangente. Há, inclusive, previsão de aplicação subsidiária, em hipóteses de omissão normativa, das regras próprias da tipologia simples pura (art. 1.053 do CC/2002), admitindo-se, ainda, a aplicabilidade supletiva da legislação das sociedades anônimas (art. 1.053, parágrafo único, do CC/2002).

Quanto ao mais, o Código Civil de 2002 é claro em dispor, nos termos de seu art. 1.052, que, “na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas cotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social”, de modo que, uma vez integralizada a totalidade do capital social, por todos os sócios, a responsabilidade de todos eles se limitará às suas cotas[6]. Por outro lado, caso algum sócio não efetue a integralização, todos os demais passarão a responder, solidariamente, por esse montante.

2 OS SÓCIOS E AS QUOTAS SOCIAIS

Pode-se dizer que “a quota é a entrada ou o contingente de bens, coisas ou valores com o qual cada um dos sócios contribui para a formação do capital social[7]. É essa a linha seguida pelo art. 1.055 do Código Civil, certo, ainda, de que as quotas passarão a integrar o patrimônio dos sócios, possuindo, estes, uma relação de direitos e deveres com a sociedade. Mais do que isso:

No âmbito do direito societário, o termo quota assume tríplice acepção. Ora designa menor fração em que se divide o capital social, ora o percentual de participação dos sócios no patrimônio social, ora a participação jurídica dos sócios na sociedade, isto é, o conjunto de direitos e vinculações a eles assegurado. As duas primeiras representam espécies do gênero quota de capital, enquanto a terceira é espécie única do gênero quota de participação. O CC emprega o termo nas duas acepções, cabendo ao intérprete estabelecer quando se trata de uma ou de outra. Deve-se considerar quota social como fração numérica do capital social, através da qual se define (a) a participação de cada sócio no capital social; (b) a obrigação individual e a responsabilidade solidária dos sócios na formação e integralização do capital social; (c) a distribuição de lucros e perdas da sociedade entre os sócios; (d) os direitos, poderes, obrigações, deveres e responsabilidades dos sócios.[8]

O art. 997, IV, do Código Civil é claro em dispor que “a sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la“. A norma é expressa ao consignar que a quota pertence a cada sócio.

No aspecto da administração da sociedade, prevê o art. 1.010 do Código Civil que “as deliberações serão tomadas por maioria de votos, contados segundo o valor das quotas de cada um“. Também nesse enunciado normativo é atribuída aos sócios a propriedade sobre as quotas sociais.

No mesmo sentido, a norma prevista no art. 1.052 do Código Civil, por sua vez, enfatiza que, “na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social“.

As quotas sociais são, portanto, à luz da norma legal, propriedade dos sócios, e não da sociedade. A relação entre as quotas e a sociedade traduz-se em uma espécie de vínculo material, uma ponte entre sócios e sociedade; lastro nodal para atribuição de direitos e obrigações atinentes à condição de sócio.

Quanto à natureza, entende-se, no presente estudo – enfatizando, por oportuno, a existência de controvérsia doutrinária a respeito -, que as quotas sociais vestem a túnica de bens móveis e incorpóreos (art. 83, inciso III, do Código Civil).

É de bom alvitre destacar, ainda, que, por sua vertente pessoal e patrimonial, as quotas assumem, dentro da esfera de bens dos sócios, essência econômico-financeira. É dizer: “A quota adquire uma peculiar individualidade, afeta ao patrimônio do sócio, consubstanciando um bem incorpóreo (coisa quae in jure consistunt), ou bem imaterial como hoje se fala, porém com conteúdo econômico e importância jurídica”[9].

Esse aspecto é relevante para o tema proposto, uma vez que, “sendo a quota representativa de parcela do capital social, conta ela com expressão econômica, e sua valorização está diretamente ligada ao desempenho da sociedade, razão pela qual pode ser de interesse dos credores de seu detentor utilizá-la como garantia para o pagamento de dívidas por ele assumidas[10]. É nesse ponto que se debruça a análise ora em voga.

3 PENHORA DE QUOTAS DE SOCIEDADE LIMITADA

A penhora de quotas de sociedade limitada é meio processual-executivo permeado por uma finalidade tripartite, notadamente: (i) a quitação de crédito na esfera processual executiva, em favor do credor; (ii) permitir que seja dado cumprimento a uma obrigação de pagar quantia, extinguindo-se essa obrigação em favor do credor; (iii) e materializar essa questão no âmbito do Direito Societário.

O diálogo entre as fontes de Direito Empresarial/Societário, Direito Civil e Direito Processual Civil, na espécie, torna-se cristalina, a ensejar, para o tema proposto, uma solução que não se debruce, exclusivamente, sobre normas atinentes a uma dessas ciências jurídicas autônomas; ao revés, é imprescindível que materialização da penhora de quotas tenha o condão de atender, a um só tempo, às três disciplinas jurídicas, permitindo a satisfação do crédito e a menor onerosidade possível, sem que se atinja, contudo, por efeito ricochete e de maneira nociva, a sociedade respectiva.

Essa análise deve ser realizada, ainda, à luz dos termos expressos do CPC/2015, que veio regular, de maneira bastante exauriente, a matéria.

Antes do mais, passa-se a um breve exercício digressivo: a uma imprescindível reminiscência teórico-normativa sobre o tema.

3.1 Da Companhia das Índias Ocidentais até o CPC/1939

As primeiras referências, no Direito brasileiro, sobre a penhora de participações sociais não se referem, propriamente, às quotas sociais. Os primeiros registros são referentes às ações das Companhias das Índias Ocidentais, nos termos do alvará de 10.03.1649, que, em seu Capítulo XXXIII, continha previsão no sentido de que “o dinheiro com que se entrar nesta Companhia não possa ser penhorado nem executado por dívida civil ou crime, sem primeiro o credor haver executado os bens do seu devedor e, então, em último lugar, poderá executar o dito dinheiro ou avanços dele ficando succedendo no lugar do executado” [sic].

O aludido alvará estabeleceu uma regra de responsabilidade patrimonial (responsabilidade civil), criando uma relação de subsidiariedade em relação à possibilidade de excussão patrimonial das participações sociais. Foi criada, assim, uma blindagem patrimonial para a sociedade, com a finalidade de que as dívidas do sócio, por si, não afetassem, diretamente, a sociedade. Mas, noutro giro, esta, em troca da proteção patrimonial, deveria aceitar o credor na condição de sócio.

Estavam, assim, fincadas as raízes da diferenciação patrimonial entre o patrimônio do sócio e o da sociedade. Mais do que isso: ficou clara a possibilidade de afetação própria da participação social do devedor em determinada sociedade.

Dessa maneira, no ano de 1850 outros tipos societários foram diretamente abordados, recebendo tratamento legal sobre essa matéria, com o advento do Código Comercial, em especial consoante o disposto em seu art. 292, segundo o qual “o credor particular de um sócio só pode executar os fundos líquidos que o devedor possuir na companhia ou sociedade, não tendo, este, outros bens desembargados, ou se, depois de executados, os que tiver não forem suficientes para o pagamento“.

Esse dispositivo enfatizou a existência de patrimônios autônomos, considerando a ausência de similitude entre o patrimônio do sócio e o da sociedade.

Como bem colocado em artigo específico, de autoria de Gerson Luiz Carlos Branco,

não se tratava, ainda, de uma disciplina completa e autônoma do estabelecimento comercial, como um patrimônio em separado, porém um germe desse conceito, mediante a exigência de que os credores particulares do falido não disputassem os mesmos bens com os credores de uma determinada casa de comércio.[11]

Buscava-se, assim, proteger o comércio, impedindo que comerciantes fossem prejudicados por credores titulares de créditos de natureza “não comercial“.

De todo modo, a norma legal era clara em vetar a penhora de quotas. Estavam aptos a garantir a dívida particular do sócio apenas os fundos líquidos que o devedor possuísse na companhia ou sociedade[12][13].

Significa dizer: o Código Comercial não permitia que, antes da liquidação de uma sociedade, fosse atingida a participação do sócio devedor. A doutrina da época nem sequer admitia a possibilidade de penhora dos fundos sociais, que consistiam na totalidade dos ativos da sociedade[14].

A promulgação do Decreto nº 3.708/1919, que trazia regramento específico para as sociedades de responsabilidade limitada, introduzindo o tipo societário no País, fez com que a jurisprudência se posicionasse sobre o ponto.

O diploma normativo, contudo, não trouxe avanços significativos à questão, vez que foi incapaz de promover alterações na dinâmica legal do Código Comercial. Até então, o entendimento em vigor era no sentido de que o credor deveria aguardar a liquidação da participação social, criando, assim, uma redoma de “irresponsabilidade” para os comerciantes, que, notoriamente, com esse verniz, preferiam injetar seu patrimônio pessoal integralmente na sociedade, com vistas a torná-lo sistematicamente intocável[15].

Ainda assim, o Decreto nº 3.708/1919, embora não tenha imposto uma guinada normativa, trouxe à baila dúvidas sobre a possibilidade de se afastar, para o tipo societário de responsabilidade limitada, a dicção da norma prevista no art. 292 do Código Comercial. Nesse aspecto, o Professor Alexandre Assumpção teceu as seguintes considerações:

A sociedade por quotas de responsabilidade limitada foi introduzida pelo Decreto nº 3.708, de 10 de janeiro de 1919, portanto, não se encontrava disciplinada no Código Comercial. Tal constatação é importante para o exame da possibilidade de penhora de quotas por dívidas do sócio. Diante da previsão da sociedade por quotas, em lei especial, seria possível afastar o art. 292 do Código Comercial para admitir que a quota pudesse ser penhorada? A resposta não era fácil, diante do laconismo do Decreto sobre o tema e das disposições dos arts. 2º e 18. O Decreto determinava que fossem observadas as disposições do Código Comercial quanto aos requisitos do contrato, mas também dispunha que se observasse supletivamente ao contrato as disposições da lei das sociedades anônimas, desde que compatíveis com ele. Diante das disposições dos arts. 2º e art. 18, qual diploma seria aplicado supletivamente ao Decreto nº 3.708/1919?[16]

Em razão das características inerentes à sociedade limitada, como a sua administração por sócios e a solidariedade na integralização do capital, ou seja, diante de um condão de pessoalidade, entendeu, parte da doutrina, encampada por Waldemar Ferreira, em um primeiro momento, que, nas hipóteses de omissão do Decreto nº 3.708/1919 e do contrato social, não poderiam ser aplicadas as normas atinentes às sociedades anônimas.

Para outros doutrinadores, como João Eunápio Borges, a sociedade de responsabilidade limitada possuía, na verdade, características de sociedade de capital, e não de pessoas, ao lado das sociedades anônimas.

De acordo com a segunda corrente, na omissão do contrato social sobre a possibilidade de cessão de quotas, deveria ser utilizada a Lei das Sociedades Anônimas, por força do art. 18 do Decreto nº 3.708/1919, que dispunha: “Serão observadas, quanto às sociedades por quotas de responsabilidade limitada, no que não for regulado no estatuto social, e na parte aplicável, as disposições da lei das sociedades anonymas” [sic]. Fosse proibida a cessão das quotas no contrato social, por outro lado, não se poderia proceder, tampouco, à sua penhora.

O Decreto nº 1.608/1939, posterior ao diploma legal especial das sociedades limitadas, por sua vez, instituiu o Código de Processo Civil (o CPC/1939), que, a despeito de ter revogado as disposições do Código Comercial de 1850, notadamente no que pertine ao “processo comercial” (art. 1º), também não foi capaz de alterar o entendimento até então vigente. A orientação com base no art. 292 daquele Códex restou, portanto, mantida.

Fato é que a legislação processual vigente à época (Decreto nº 737), e a posterior (CPC de 1939), somente admitiam a penhora dos fundos líquidos, em consonância com o art. 292 do Código Comercial. Assim sendo, não se podia extrair, dos diplomas legais vigentes até aquele recorte cronológico, uma conclusão segura e positiva acerca da possibilidade de penhora das quotas de sociedades limitadas.

3.2 Do acórdão paradigmático (RE 24.118/SP) até o CPC/1973

A matéria passou a ser objeto de grande discussão jurisprudencial, culminando na prolação do emblemático acórdão do RE 24.118/SP, pelo STF, de relatoria do Ministro Nelson Hungria, no dia 08.10.1953, do qual cabe transcrever o seguinte trecho:

O nosso direito positivo, ao contrário do Direito francês, não exige o consentimento da maioria absoluta dos quotistas para que um destes ceda a terceiro sua respectiva quota. Embora não se trate de sociedade somente de capital, pois nela não se deixa de influir o intuito personae, o nosso legislador não cuidou de criar semelhante restrição. A não ser que o contrato ou o estatuto social explicitamente o proíba, o quotista pode fazer cessão de sua quota a estranhos. E assim é, segue-se, logicamente, que as quotas são penhoráveis. O legislador pátrio evitou a incongruência da lei francesa de não permitir, em face de terceiro, a transmissão inter vivos, e admitir a transmissão causa mortis, bem como a estranha solução jurisprudencial ou doutrinária de, no caso da adjudicação judicial, subordinar a validade desta à aprovação dos demais quotistas, a qual, se vem a falar, reduzirá o direito do credor do quotista executado, que continuará dono da quota, tão somente aos lucros que lhe tenham sido ou forem sendo distribuí­dos. […] não se trata de penhorar os fundos sociais das recorrentes, desfalcando-lhe o capital, nem coisa que exceda os fundos líquidos do quotista executado, mas, sim, como bem acentuou a sentença de primeira instância, o direito de tal quotista à sua quota, da qual passará a ser titular o credor exequente.

Repercutiu na doutrina e na jurisprudência o voto do Ministro Nelson Hungria, especialmente por divergir da orientação anterior no STF, para, então, passar a admitir a penhora de quotas sociais, utilizando-se como fundamento:

(i) o fato de o Decreto nº 3.708/1919 não cuidar da transferência das quotas, devendo ser observada a Lei das Sociedades Anônimas, por força do art. 18 do primeiro diploma; (ii) a aplicação do art. 127, § 1º, do Decreto-Lei nº 2.627 (lei das sociedades por ações vigente), que autorizava a transferência de ações mediante registro da operação em livro próprio; (iii) o caráter personalista da sociedade limitada não impede a penhora da quota por inexistir restrição na legislação do tipo societário, portanto, afastou a incidência do art. 292 do Código Comercial; (iv) a penhora da quota não implica penhora de fundos líquidos do sócio e sim na penhora do “direito” de sócio, numa clara analogia à ação; (v) salvo se houver proibição à cessão de quotas a estranhos no contrato é que estará prejudicada a penhora, pois o que é alienável é penhorável.[17]

Diversas críticas foram feitas ao referido acórdão, cabendo, nesse sentido, prosseguir na análise realizada pelo Professor Alexandre Assumpção:

A decisão da Primeira Turma é criticável à luz do direito vigente à época, porque:

  1. a) o fato de a lei do anonimato autorizar a transferência das ações nominativas não pode ser aplicado às quotas, haja vista a ausência de obrigatoriedade da escrituração de livro para registro de propriedade e/ou transferência no Decreto nº 3.708/1919. Reitera-se que a lei de sociedades por ações não é supletiva ao Decreto e sim o contrário. Ainda que o fosse, não se operaria a transferência das quotas na ausência do livro próprio; portanto, nas sociedades limitadas em que não houvesse tal livro a cessão não seria admitida, por contrariar a lei;
  1. b) o Ministro Relator não enfrenta o fato de a quota ser parte do capital social e esse ser integrante do patrimônio da sociedade. Ademais, o art. 942, XII, do CPC vigente à época, considerava absolutamente impenhoráveis os fundos sociais por dívidas particulares do sócio;
  1. c) o argumento de que a penhora da quota não se confunde com a penhora dos fundos líquidos, embora correto, não pode conduzir ao ingresso compulsório do credor exequente na titularidade dos direitos de sócio se se reconhece a presença de affectio societatis na sociedade limitada. Se a lei das sociedades anônimas fosse aplicável supletivamente à sociedade por quotas para permitir a livre negociação das quotas, a propriedade só se transmitiria com a averbação do documento no livro de registro de quotas nominativas, exigência da lei do anonimato; e
  2. d) a tese de que a quota não integra o patrimônio da sociedade e, portanto, o sócio pode dela dispor livremente ofende a autonomia patrimonial da sociedade.[18]

O advento de uma nova norma processual civil brasileira, em 1973, tampouco foi capaz de dar uma solução estanque para a matéria, muito embora a possibilidade de penhora de quotas sociais tenha sido ratificada, na sequência, pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos do acórdão proferido no RE 90.910/PR.

Ainda de acordo com o Professor Alexandre Assumpção, no CPC/1973 “não existia dispositivo que considerasse as quotas suscetíveis de penhora, tanto de sociedades comerciais quanto civis[19]. Portanto, “permanecia a divergência se a quota era de titularidade da sociedade, por integrar o fundo social, ou seria reputada bem com individualidade própria e existência distinta dentro do patrimônio social”[20].

Mesmo assim, o acórdão em questão trouxe à baila “importantes considerações sobre as alterações promovidas pelo CPC/1973. […] A tese baseia-se no fato de o CPC autorizar o usufruto do quinhão do sócio em seu art. 720, portanto sua realização somente poderia ser efetivada se a quota fosse penhorada, pois ela é o ‘quinhão do sócio na empresa’[21].

Com efeito, o ponto nevrálgico para definição acerca da possibilidade de penhora de quotas de sociedades limitadas, à luz da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial, chegou a estar centralizado na seguinte definição: “Se o sócio, ao ingressar na sociedade e receber quotas representativas do capital, tem sobre elas propriedade e disponibilidade ou se, ao contrário, tem apenas um direito de crédito eventual, além dos fundos líquidos em caso de liquidação da sociedade[22]. Ou seja, a discussão volta-se, então, para o art. 292 do Código Comercial e a sua incidência, antes e após a vigência do CPC de 1973[23].

Mais: a discussão se mantinha viva sobre um pilar central das sociedades de responsabilidade limitada: a definição de sua natureza jurídica enquanto sociedade de pessoas (com affectio societatis) ou como sociedade de capital (focada no esforço impessoal comum visando ao lucro).

No ano de 1994, quando a competência para julgamento de questões de natureza infraconstitucional foi transferida ao Superior Tribunal de Justiça (em substituição ao Supremo Tribunal Federal, que passou a limitar seu crivo a matérias de natureza exclusivamente constitucional), o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Relator do REsp 30.854/SP, trouxe inovações lapidares para a matéria, em acórdão específico.

Em explicação aos termos do referido acórdão, fornecida, ainda, pela obra do Professor Alexandre Assumpção, vê-se que “o Ministro Sálvio propôs a confrontação e interação das normas processuais, de interesse público, com as normas de direito comercial, de interesse privado, apresentando os seguintes argumentos para a penhora irrestrita de quotas[24], notadamente:

  1. a) a impenhorabilidade só pode ser fixada ou autorizada por lei, e não por convenção privada (contrato), em respeito ao direito de terceiros. Não se pode considerar a quota bem absolutamente impenhorável quando o contrato proibir sua cessão, sendo inaplicável o art. 649, I, do CPC [1973], para motivar vedação à penhora. Se o sócio aceita a cláusula contratual que restringe a negociação da quota, ou a proíbe, tal limitação voluntária ao direito de propriedade não pode afastar a quota do cumprimento de suas obrigações;
  2. b) com suporte na doutrina de Carlos Henrique Abrão, o Ministro ponderou que não se pode deixar de considerar a quota como direito, bem incorpóreo dotado de conteúdo econômico, e, portanto, suscetível de penhora, nos ternos do inciso X do art. 655 do CPC [1973];
  1. c) a penhora deve ocorrer mesmo que o contrato proíba sua cessão, porém o credor não adquirirá necessariamente o status de sócio porque a sociedade tem mecanismos para evitar esta situação; e
  1. d) ainda apoiado em Carlos Henrique Abrão, o julgador invocou o art. 651 do CPC [1973], interpretando-o extensivamente para considerar a sociedade – ainda que não seja devedora – legitimada na condição de terceiro interessado para remir a execução e evitar o ingresso de estranho em seu seio. A sociedade também poderia efetuar a liquidação da quota e, se necessário, reduzir o capital. Alternativamente a sociedade poderia remir o bem ou exercer, juntamente com os sócios, o direito de preferência à aquisição das quotas, respectivamente, com base nos arts. 787 e 1.117 a 1.119 do CPC [73].[25]

Nessa linha, ainda de acordo com o magistério de Alexandre Assumpção, “a grande contribuição do STJ para a evolução da intepretação e aplicação do instituto da penhora sobre a quota está centrada em dois aspectos[26], notadamente:

  1. a) admissibilidade da penhora irrestrita, mesmo que a cessão seja proibida pelo contrato, afirmando a prevalência da disposição do art. 591 do CPC [de 1973] sobre qualquer convenção privada; b) concepção de alternativas para evitar a arrematação ou adjudicação da quota por estranho ao quadro societário, que abalariam o caráter intuito personae da sociedade e o princípio da affectio societatis.[27]

3.3 O Código Civil de 2002 e a penhora de quotas de sociedades limitadas

O novo Código Civil de 2002, em seu art. 1.026, passou a permitir que credor particular de sócio pudesse fazer a execução recair sobre o que a este coubesse nos lucros ou na parte que lhe tocasse em liquidação, depois de constatada a insuficiência de outros bens. Também se concedeu ao credor o direito de pedir a liquidação da quota, obrigando a sociedade a depositar o valor correspondente à disposição do juízo, sem necessidade de designação de hasta pública.

O caput do art. 1.026 não trouxe inovações. Na verdade, muito antes, o Código Comercial (art. 292), o Decreto nº 737 (art. 498) e o Código de Processo Civil de 1939 (art. 943, II) já dispunham que poderiam ser executados (penhorados), na falta de outros bens “desembargados“, os fundos líquidos que o devedor possuísse na sociedade comercial.

No entanto, o parágrafo único do art. 1.026, esse sim, trouxe novidades, ao dispor: “Fica o credor autorizado a requerer a liquidação da quota do devedor, cujo valor, apurado a princípio mediante levantamento de balanço especial, será depositado em dinheiro pela sociedade, no juízo da execução, até noventa dias após aquela liquidação[28].

Nesse ponto, ao se autorizar a liquidação da própria quota, houve inovação normativa, uma vez que, de acordo com o Código Comercial de 1850, somente seria possível (i) liquidar a sociedade, para receber o produto específico dos haveres, ou (ii) comprovar que o devedor tinha saldos da sociedade a seu favor, ainda pendentes de pagamento, para que houvesse a transferência desses valores ao credor.

Portanto, pode-se concluir que o Código Civil de 2002 conduziu a tese da impenhorabilidade relativa da quota social, sob o pálio da proteção ao caráter personalista da sociedade (affectio societatis), à derrocada.

O legislador também considerou a possibilidade de ingresso compulsório de terceiro, estranho ao quadro social, por via de arrematação da quota ou sua adjudicação por credor não sócio, e os problemas internos a comprometer a continuidade da sociedade, quiçá conduzindo à sua dissolução em situações extremas. Desse modo, para preservar o caráter intuito personae, a dicção normativa foi clara em dispor que o exequente fica impedido de ingressar na sociedade e que a quota não será levada à hasta pública, cabendo à sociedade realizar o pagamento ao credor por meio da liquidação da quota.

Nos termos do art. 1.030 da norma de direito material, “será de pleno direito excluído da sociedade o sócio declarado falido, ou aquele cuja quota tenha sido liquidada nos termos do parágrafo único do art. 1.026“. Também consta do art. 1.031 do Código Civil que a liquidação ocorrerá “com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado“.

No mais, “o capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota” (art. 1.031, § 1º). Por fim, aduz-se, ainda, que “a quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo ou estipulação contratual em contrário” (art. 1.031, § 2º).

3.4 A penhora de quotas sociais à luz da Lei nº 11.382/2006 e do CPC/1973

No final do ano de 2006, foi promulgada a Lei nº 11.382/2006. A primeira grande alteração proposta pela referida norma legal, ao escopo normativo então preconizado no Código de Processo Civil de 1973, à época vigente, foi a modificação do inciso VI do art. 655, que abordava a ordem de penhora sobre os bens do devedor.

Introduziu-se, expressamente, no referido artigo, a possibilidade de penhora de “quotas sociais de sociedades empresárias“. Essa norma, com o advento do CPC/2015, passou a ser prevista em seu art. 835, IX.

Mais do que isso, também foi introduzido, na norma processual, o art. 685-A, que autorizava a adjudicação dos bens penhorados pelo próprio credor, prevendo, ainda, no § 4º, o direito de preferência dos sócios na aquisição das quotas sociais constritas, quando o credor fosse terceiro alheio ao quadro societário.

Outro aspecto que possibilitava a penhora de quotas sociais, independentemente de sua previsão expressa, nos termos do novel inciso VI do art. 655 do CPC/1973, era a ausência de qualquer óbice normativo expresso. É que o art. 649 do CPC/1973 trazia, em seu escopo, o rol de bens “absolutamente impenhoráveis“, não constando, no mesmo, qualquer alusão às quotas sociais, não se podendo extrair, sob qualquer dinâmica interpretativa, que essas seriam, portanto, impenhoráveis.

A lei processual, por ser o berço normativo da tutela jurisdicional estatal, possui natureza de ordem pública e, portanto, eficácia cogente, não podendo ser relativizada em razão de silogismos interpretativos decorrentes de eventuais omissões normativas.

De mais a mais, a norma prevista no art. 591 do CPC/1973, por sua vez, já dispunha que “o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei“.

De todo modo, a nova previsão legal trazida pela Lei nº 11.382/2006 foi deveras relevante, para tornar incontroversa a matéria.

Assim sendo, por possuir, a quota, valor patrimonial e, portanto, quantificação econômico-financeira, figurando, pois, como ativo do devedor, poderá esta, nos termos expressos da norma processual civil brasileira, vir a ser penhorada[29]. E para encerrar com uma pá de cal sobre a matéria, a questão foi abordada, especificamente, pelo CPC/2015.

3.5 A penhora de quotas no CPC/2015

A novel norma adjetiva brasileira, promulgada no ano de 2015, trouxe inovações relevantes e uma maior didática à penhora de quotas sociais.

O Código de 2015 prevê, em seu art. 779, I, que, em casos de dívidas reconhecidas por título executivo próprio – seja ele judicial ou extrajudicial -, “a execução pode ser movida contra o devedor, reconhecido como tal no título executivo“.

Mais: dispõe o art. 789 do CPC/2015 (em dicção similar ao disposto no art. 591 do CPC/1973) que “o devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei“.

Para tanto, o CPC/2015, em seu art. 831, dispõe que, para fins de quitação do débito reconhecido no título executivo, “a penhora deverá recair sobre tantos bens quanto bastem“, considerando-se “o pagamento do principal atualizado, dos juros, das custas e dos honorários advocatícios“.

Nessa toada, dispõe-se, ainda, no art. 832, que somente “não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis“, consignando, o art. 833, os bens que se enquadram na condição de bens “impenhoráveis“, entre os quais, assim como no CPC/1973, as quotas sociais não estão incluídas.

A novel norma adjetiva reconhece, expressamente, em seu art. 835, inciso IX, na ordem preferencial de penhora (em substituição ao art. 655, VI, do CPC/73), a possibilidade de penhora de “ações e quotas de sociedades simples e empresárias“.

O novo Códex Processual Civil também trouxe, em seu art. 861, procedimento próprio a ser observado na efetivação da penhora de quotas sociais.

Nos termos da referida norma legal, uma vez “penhoradas as quotas […], o juiz assinará prazo razoável, não superior a 3 (três) meses” – que poderá, nos termos do § 4º do art. 861, ser ampliado, se o pagamento das quotas: (I) superar o valor do saldo de lucros ou reservas, exceto a legal, e sem diminuição do capital social, ou por doação; ou (II) colocar em risco a estabilidade financeira da sociedade simples ou empresária -, para que a sociedade: (i) “apresente balanço especial, na forma da lei“; (ii) “ofereça as quotas ou as ações aos demais sócios, observado o direito de preferência legal ou contratual“.

Não havendo, assim, “interesse dos sócios na aquisição das ações“, deve a sociedade proceder “à liquidação das quotas […], depositando em juízo o valor apurado, em dinheiro“.

A sociedade pode, ainda, evitar a liquidação, adquirindo as quotas sem redução do capital social e com utilização de reservas, para manutenção em tesouraria. É o que dispõe o § 1º do art. 861 do CPC/2015.

Com a finalidade de promover a liquidação da quota, nos termos do inciso III, dispõe o § 3º do art. 861 que “o juiz poderá, a requerimento do exequente ou da sociedade, nomear administrador, que deverá submeter à aprovação judicial a forma de liquidação“.

Nesse ponto, a novel norma processual não foi imune a críticas. Para Tavares Borba[30], essa norma é de “impossível compreensão, posto que prevê a designação, pelo juiz, de um administrador, que submeterá à apreciação judicial a forma de liquidação”. Segundo o doutrinador, “trata-se, como se percebe, de uma indevida interferência na gestão interna da sociedade, que não está sendo liquidada“. Isso porque “o objeto da liquidação restringe-se às cotas que foram penhoradas, tendo-se, assim, uma simples apuração de haveres, que poderá ser desenvolvida sob supervisão judicial, inclusive com a designação de peritos“.

Em arremate, o Professor afirma, categoricamente: “A nomeação, nesse caso, de um administrador, representaria uma excrescência manifestamente incompatível com a natureza do resultado que se pretende alcançar“. A crítica é relevante e torna ainda mais evidente a necessidade de compatibilização normativa[31].

O § 5º do art. 861 do CPC/2015, por sua vez, dispõe que, caso não haja interesse dos demais sócios, no exercício do direito de preferência, caso não ocorra a aquisição das quotas e caso a liquidação do inciso III do caput seja excessivamente onerosa para a sociedade, o juiz poderá determinar o leilão judicial das quotas, que, pela ausência de interessados, poderá, eventualmente, vir a ser frustrado.

Por fim, dispõe o CPC/2015, em seu art. 876, § 7º, que, “no caso de penhora de quota social […] realizada em favor de exequente alheio à sociedade, esta será intimada, ficando responsável por informar aos sócios a ocorrência da penhora, assegurando-se a estes a preferência”.

Conclui-se, portanto, que, “a penhora de quotas e ações de sociedades, embora sempre circundada por controvérsias, já era prevista no CPC/1973, não tendo, no entanto, merecido disciplina própria e detalhada, como fez o CPC/2015[32][33].

3.6 A posição do Superior Tribunal de Justiça

São relevantes, ainda, algumas observações acerca do posicionamento do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria.

Antes da promulgação do Código Civil de 2002, a jurisprudência majoritária do Superior Tribunal de Justiça havia se alinhado no sentido de que, diante de eventuais vedações contidas no contrato social das sociedades limitadas, deveria ser respeitada a vontade societária. Portanto, com a vedação expressa dos atos constitutivos, as quotas seriam, então, impenhoráveis.

É o que se observa do REsp 148.947/MG, de relatoria do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, julgado no ano 2000, do qual se extrai que “as quotas, em princípio, são penhoráveis. Havendo, entretanto, cláusula impediente, cumpre respeitar a vontade societária, preservando-se a affectio societatis, que restaria comprometida com a participação de um estranho não desejado“.

Com o advento do Código Civil de 2002, no entanto, houve uma alteração no entendimento da Corte Superior. A guinada jurisprudencial se deu no sentido de que, na verdade, não existe qualquer proibição legal à penhora de quotas sociais, mesmo quando o contrato social da respectiva sociedade possuir cláusula de vedação à cessão de quotas. Isso porque a referida cláusula produz efeitos limitados à sociedade e aos seus sócios, não se aplicando a terceiros que, em execuções, quando titulares de crédito, têm como garantia a integralidade dos bens do credor-sócio, à luz do disposto no art. 789 do CPC/2015 (cujos termos são similares na norma processual pregressa, de 1973, vigente à época)[34].

Significa dizer: uma convenção particular não poderia impor uma limitação que a lei não estabelece. E vai além: não seria dado ao credor blindar seu patrimônio na sociedade.

Daí a dizer que, mesmo diante de cláusula de vedação expressa no contrato social respectivo, pacificou-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que “é possível a penhora de quota social, inclusive, quando há previsão contratual de proibição à livre alienação“. É o que se extrai do disposto no Ag Rg-AREsp 636.875/MS, de relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, proferido no dia 13.06.2017.

Convém enfatizar, ainda, na ilustração do tema, com uma situação possível no dia a dia dos Tribunais: a jurisprudência do STJ reconhece como fraude à execução a hipótese em que é deflagrada “a venda de bem imóvel de vulto, na pendência de penhora de cota de sociedade por cotas de responsabilidade limitada, com transferência imediata, por esta, do numerário aos sócios“, por implicar em “esvaziamento do valor das cotas e, consequentemente, da penhora, devidamente registrada, que sobre elas se realizou“.

Isso porque, nesse caso, restaria “patente a malícia da venda, em proveito dos sócios, pela sociedade, com prévio alerta da adquirente, devidamente notificada da existência do débito e da penhora registrada“, de modo que “não há como reconhecer boa fé por parte da adquirente, impondo-se o reconhecimento de alienação em fraude de execução“.

É o que se extrai, expressamente, do acórdão proferido no REsp 1.355.828/SP, sob a relatoria do Ministro Sidnei Beneti, no dia 07.03.2013.

Sob todo e qualquer aspecto, com vistas a impedir que a aplicação da penhora de quotas se dê a esmo, são relevantes algumas proposições. O que se pretende é impedir que a penhora de quotas sociais seja utilizada de maneira descontrolada, impingindo danos consideráveis às pessoas jurídicas de cujas quotas é titular o devedor. É o que se busca demonstrar nas breves nas linhas a seguir delineadas.

4 APLICAÇÃO DA PENHORA DE QUOTAS SOCIAIS A PARTIR DO BINÔMIO: (I) CASO CONCRETO E (II) DECISÃO FUNDAMENTADA 

Há pilares do ordenamento jurídico pátrio que precisam ser observados, para que se possa impor a penhora de quotas sociais, notadamente: a função social da referida sociedade e a necessidade de se impedir que a sociedade venha a, sob qualquer viés, ter o exercício de suas atividades mitigado pela dívida do sócio.

Para tanto, deve-se ter em mente que o conflito criado pela resistência à pretensão creditícia irá desaguar, caso se considere a constrição das quotas sociais de titularidade do devedor, em uma situação que passará a envolver interesses plurissubjetivos, e não apenas os interesses do credor e do devedor.

Como bem consignado por Gerson Luiz Carlos Branco, ter-se-á o conflito, “de um lado, entre a proteção dos interesses de diversas pessoas envolvidas em sua atividade econômica [da empresa] – empregados, outros sócios, fornecedores, fisco, e o pagamento do credor particular do sócio, de outro[35].

Portanto, considerando-se que “a incidência da penhora sobre as quotas de uma sociedade, devido à dívida particular de sócio, é uma medida que atinge o âmbito do exercício de direitos e realização econômica de uma sociedade, pessoa alheia à relação jurídica originária, entre devedor e credor[36], tem-se que “a penhora de quotas deve ser encarada como última ratio legis, isto é, deve ser a última medida a ser executada, sendo possível apenas depois de comprovada a insuficiência de outros bens[37].

Significa dizer: deve existir “ponderação sobre os efeitos da decisão sobre a sociedade e sobre a função que desempenha[38].

Propõe-se, desse modo, em primeiro lugar, que a análise seja feita a partir dos elementos do caso concreto, considerando-se os efeitos sobre a sociedade, à luz de seus elementos diversos, e de sua função social.

Com efeito, há vicissitudes, em cada caso específico, sob os mais variados matizes, para a sociedade e todos os seus elementos, sejam eles subjetivos ou objetivos, que podem tornar impossível ou dificultar o desempenho da atividade após a penhora das quotas sociais e de seus desdobramentos procedimentais. São essas especificidades que devem ser enfrentadas pelo julgador, ao deferir a penhora de quotas sociais.

Justamente nesse diapasão a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça se manifestou sobre a matéria:

[…] 2. No entanto, não se pode ignorar que o advento do art. 1.026 do Código Civil relativizou a penhorabilidade das quotas sociais, que só deve ser efetuada acaso superadas as demais possibilidades conferidas pelo dispositivo mencionado, consagrando o princípio da conservação da empresa ao restringir a adoção de solução que possa provocar a dissolução da sociedade empresária e maior onerosidade da execução, visto que a liquidação parcial da sociedade empresária, por débito estranho à empresa, implica sua descapitalização, afetando os interesses dos demais sócios, empregados, fornecedores e credores.

  1. Com efeito, tendo em vista o disposto no art. 1.026, combinado com o art. 1.053, ambos do Código Civil, e os princípios da conservação da empresa e da menor onerosidade da execução, cabia à exequente adotar as devidas cautelas impostas pela lei, requerendo a penhora dos lucros relativos às quotas sociais correspondentes à meação do devedor, conforme também a inteligência do art. 1.027 do Código Civil; não podendo ser deferida, de imediato, a penhora das cotas sociais de sociedade empresária que se encontra em plena atividade, em prejuízo de terceiros, por dívida estranha à referida pessoa jurídica.
  1. Recurso especial provido. (REsp 1284988/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, J. 19.03.2015, DJe 09.04.2015)

Entende-se, assim, à luz do referido comando judicial, que a penhora de quotas “só deve ser efetuada acaso superadas as demais possibilidades conferidas pelo dispositivo mencionado [art. 1.026, CC: (i) penhora de lucros; (ii) penhora sobre o que caberia ao sócio devedor, em apuração de haveres, pós liquidação de suas quotas], consagrando o princípio da conservação da empresa“.

Em segundo lugar, propõe-se, ainda, que, à luz do caso concreto, a decisão seja proferida em caráter estanque e exauriente, ou seja, que a decisão contemple uma fundamentação robusta e adequada – o dever de fundamentação das decisões judiciais, aliás, é uma garantia constitucional, prevista no art. 93, IX, da CF/1988, replicada nas normas fundamentais do processo, delineadas nos artigos iniciais do CPC/2015, em especial em seu art. 11 -, demonstrando a necessidade da penhora das quotas sociais, analisando os seus efeitos sobre a empresa e também a necessidade e utilidade da medida executiva.

Evidentemente, essa ponderação não terá o condão de impor qualquer óbice à plena aplicabilidade da penhora de quotas sociais, nos termos do art. 861 do CPC/2015, vez que “não há como afastar a importância que as quotas das sociedades limitadas têm no patrimônio privado das pessoas, não podendo tal patrimônio ser intocável[39].

Mesmo por isso, existe a flagrante necessidade de se contemporizar o interesse individual com o interesse social; de se ponderar os interesses do credor e a função social da empresa.

É o que se extrai, ainda, do Enunciado nº 387 da IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, que dispõe que “a opção entre fazer a execução recair sobre o que ao sócio couber no lucro da sociedade, ou na parte que lhe tocar em dissolução, orienta-se pelos princípios da menor onerosidade ao devedor e da função social da empresa“.

Por assim dizer, a penhora das quotas de sociedade limitada deve levar em conta que a possibilidade de concretização do dispositivo do art. 1.026 do CC/2002 depende de um exercício hermenêutico e de uma fundamentação que não é adequada ao método lógico-subsuntivo, pois tal disposição trata-se de uma cláusula geral que consagra de modo explícito e implícito um conjunto de pressupostos axiológicos cuja aplicação depende de fundamentação expressa e reconstrução da norma, tomando-se como parâmetro elementos que tenham em vista os fins que o ordenamento visou ao positivar a disposição legal.[40]

Nesse sentido, foi proferido, no dia 14.03.2017, acórdão no Ag Int-REsp 1.346.712/RJ, de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, no qual se dispõe o seguinte:

PROCESSO CIVIL – RECURSO ESPECIAL – PENHORA DE QUOTAS SOCIAIS – POSSIBILIDADE, TENDO EM VISTA O DISPOSTO NO ART. 655, VI, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973 – TODAVIA, É MEDIDA QUE, NOS MOLDES DO PREVISTO NO ART. 1.026, COMBINADO COM O ART. 1.053, AMBOS DO CÓDIGO CIVIL, SÓ PODE SER DEFERIDA EM ÚLTIMO CASO, SE NÃO HOUVER LUCRO A SER DISTRIBUÍDO AOS SÓCIOS – APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA CONSERVAÇÃO DA EMPRESA E DA MENOR ONEROSIDADE DA EXECUÇÃO

  1. Não se pode ignorar que o advento do art. 1.026 do Código Civil relativizou a penhorabilidade das quotas sociais, que só deve ser efetuada acaso superadas as demais possibilidades conferidas pelo dispositivo mencionado, consagrando o princípio da conservação da empresa ao restringir a adoção de solução que possa provocar a dissolução da sociedade empresária e maior onerosidade da execução, visto que a liquidação parcial da sociedade empresária, por débito estranho à empresa, implica sua descapitalização, afetando os interesses dos demais sócios, empregados, fornecedores e credores” (REsp 1284988/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, Julgado em 19.03.2015, DJe 09.04.2015),
  2. Dessarte, a opção entre fazer a execução recair sobre o que ao sócio couber no lucro da sociedade ou na parte em que lhe tocar em dissolução orienta-se pelos princípios da menor onerosidade e da função social da empresa. Enunciado nº 387 da IV Jornada de Direito Civil do CJF.
  1. Com efeito, tendo em vista o disposto no art. 1.026, combinado com o art. 1.053, ambos do Código Civil, e os princípios da conservação da empresa e da menor onerosidade da execução, cabia à exequente adotar as devidas cautelas impostas pela lei, requerendo a penhora dos lucros relativos às quotas sociais correspondentes à devedora, conforme também a inteligência do art. 1.027 do Código Civil; não podendo ser deferida, de imediato, a penhora das quotas sociais de sociedade empresária que se encontra em plena atividade, em prejuízo de terceiros, por dívida estranha à referida pessoa jurídica.
  2. Agravo interno não provido. (Ag Int-REsp 1346712/RJ, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, J. 14.03.2017, DJe 20.03.2017)

Reconhece-se, portanto, que, diante dessa conjuntura, a interpretação sistemática do Código Civil e dos dispositivos aprovados no novo Código de Processo Civil conduz a alternativas que devem ser adotadas pelos nossos Tribunais. A começar pela fundamentação da decisão, a partir da análise dos elementos do caso concreto, tendo em vista, principalmente, o princípio da função social da empresa.[41]

Há de se enfatizar, ainda, que diversos artigos que normatizam, com o advento do CPC/2015, o modus operandi da penhora de quotas sociais chancelam a proteção à sociedade, na linha do presente estudo.

É o caso do § 4º, incisos I e II, do art. 861 do CPC/2015, que permite a majoração do prazo de 3 (três) meses, para que a sociedade apresente balanço especial, ofereça as quotas aos demais sócios, observando a preferência legal ou contratual, ou liquide suas quotas, em hipóteses em que o pagamento das quotas liquidadas: (i) supere o valor do saldo de lucros ou reservas, exceto a legal, e sem diminuição do capital social ou por doação, ou (ii) coloque em risco a estabilidade financeira da sociedade.

O § 5º da referida norma legal também admite que, não havendo interesse dos demais sócios no exercício do direito de preferência e não ocorrendo a aquisição das quotas ou das ações pela sociedade, bem como sendo excessivamente onerosa a liquidação para a sociedade, o juiz poderá levar as quotas a leilão judicial.

Veja-se que a própria sistemática normativa do CPC/2015 protege a sociedade. Com esse verniz, não há dúvida de que se deve considerar:

[…] também, que a incidência da penhora sobre as quotas de uma sociedade devido à dívida particular de sócios é uma medida que atinge o âmbito do exercício de direitos e realização econômica de uma sociedade, pessoa alheia à relação jurídica originária entre devedor e credor, e que a execução deve respeitar o princípio da menor onerosidade. A penhora sobre as quotas deve ser encarada como última ratio legis, como último recurso a ser adotado. Não havendo outros meios igualmente idôneos e possíveis para a satisfação do credor, procede-se, então, à penhora de quotas. Assim, na ausência de patrimônio do devedor para pagamento da dívida, o Código Civil, em seu art. 1.026, possibilitou ao credor particular de sócio fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros ou na parte que lhe tocar em liquidação […]. Portanto, toda solução para pagamento da dívida que perpassa pela penhora de quotas deve ser considerada a partir das circunstâncias concretas, da análise das possíveis consequências para a empresa e por um processo de adequação dos dispositivos do Código Civil e do Código de Processo Civil.[42]

Sob qualquer ótica, a penhora de quotas jamais poderá representar comprometimento à saúde econômico-financeira da sociedade e tampouco qualquer risco à atividade desenvolvida.

É nessa medida, à luz do binômio (i) caso concreto e (ii) decisão judicial fundamentada, atendida, ainda, a função social da empresa, aliada à necessidade de se viabilizar o crédito titularizado pelo credor, com a menor onerosidade possível, que deve ser aplicada, no entendimento do presente estudo, a penhora de quotas sociais.

CONCLUSÃO

O que se busca delinear no presente estudo é que a penhora de quotas de sociedades limitadas, de titularidade de um de seus sócios, por dívidas contraídas perante terceiros não integrantes do quadro social, é absolutamente possível, à luz da normatização hodierna, notadamente nos termos do Código de Processo Civil de 2015, em harmonização com a regra de direito material prevista no art. 1.026 do Código Civil brasileiro, bem como à luz das normas de Direito Empresarial, especialmente atinentes ao Direito Societário.

No entanto, a despeito de o ordenamento jurídico pátrio, hoje, expressamente admitir a penhora de quotas sociais de sociedades limitadas, ponto pacífico e sobre o qual não pairam dúvidas, o deferimento dessa constrição deve considerar, antes do mais, a plurissubjetividade que reside na atividade empresarial, em uma sinergia entre sócios, funcionários, bens, pagamento de impostos, viabilidade e desenvolvimento da economia nacional.

Ou seja, a penhora não pode significar, em hipótese alguma, para a empresa, qualquer limitação ou, quando menos, o fim do desenvolvimento de sua atividade, pois a atividade empresarial, mais do que atender aos sócios em busca de lucros, atende ao mercado como um todo e envolve agentes que dela dependem.

Propõe-se, dessa maneira, que a análise acerca da possibilidade de penhora de quotas de sociedades limitadas seja realizada a cada caso concreto, com base em uma decisão judicial fundamentada, da qual se permita inferir que, de fato, o julgador foi capaz de entender, naquela situação específica, que esse meio executivo permite, ao mesmo tempo, a quitação do crédito, em favor do credor, e a continuidade da atividade empresarial, chegando-se à plena efetividade para todas as partes envolvidas, em especial para a empresa, que nada tem a ver com a relação que conduziu à penhora das quotas, avençada apenas entre credor e devedor-sócio, da forma menos onerosa possível, tendo preservada, ainda, a sua função social.

Nesse sentido, foram trazidos à baila julgados do Superior Tribunal de Justiça que demonstram o zelo que deve ser empregado, na espécie, tendo se apurado, ainda, que há diversas normas, no próprio escopo do art. 861 do CPC/2015, que protegem a empresa, para evitar qualquer prejuízo à sociedade.

REFERÊNCIAS

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BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 9. ed. Revista dos Tribunais, 2015.

BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 15. ed. Atlas, 2017.

BRANCO, Gerson Luiz Carlos; DILL, Amanda Lemos. Penhora de quotas em sociedade limitada: limites e possibilidades interpretativas do artigo 1.026 do CC/2002 segundo o novo Código de Processo Civil. Revista de Direito Privado, v. 64, 2015.

DOZINETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 20. ed. GEN-Atlas, 2017.

NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. Revista dos Tribunais, 2015.

RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial esquematizado. 6. ed. Método, 2016.

SCHREIBER, Anderson. Direito civil e Constituição. Atlas, 2013.

STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro. Comentários ao Código de Processo Civil. Saraiva, 2017.

TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Renovar, v. III, 2011.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. Revista dos Tribunais, 2016.

[1] “Tamanho redirecionamento exige uma teoria da interpretação jurídica que, diferentemente da tradicional, não se limite a uma operação formalista, por meio da fria subsunção da situação fática à norma que a descreve de modo mais minucioso, mas que se mostre comprometida com a aplicação de todo o ordenamento jurídico a cada caso concreto […]” (SCHREIBER, Anderson. Direito civil e Constituição. Atlas, 2013. p. 15)

[2] BRANCO, Gerson Luiz Carlos; DILL, Amanda Lemos. Penhora de quotas em sociedade limitada: limites e possibildiades interpretativas do artigo 1.026 do CC/2002 segundo o novo Código de Processo Civil. Revista de Direito Privado, v. 64, p. 179/215, 2015.

[3] BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 15. ed. Atlas, 2017. p. 121.

[4] ABRÃO, Carlos Henrique. Penhora de quotas de sociedade limitada. 4. ed. Malheiros, 2013. p. 20.

[5] “A sociedade limitada representa, com certeza, o tipo societário mais utilizado na praxe comercial brasileira, correspondendo a aproximadamente mais de 90{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} dos registros de sociedade no Brasil. A grande presença de sociedades limitadas no meio empresarial se deve basicamente ao fato de ela ostentar duas características específicas que a tornam um tipo societário bastante atrativo para os pequenos e médios empreendimentos: a contratualidade e a limitação de responsabilidade dos sócios.” (RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial esquematizado. 6. ed. Método, 2016. p. 300)

[6] “Todo o regime de responsabilidade dos sócios de sociedades limitadas repousa, portanto, na distinção entre capital subscrito e capital integralizado.” (TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Renovar, v. III, 2011. p. 151)

[7] ABRÃO, Carlos Henrique. Penhora de quotas de sociedade limitada. 4. ed. Malheiros, 2013. p. 28.

[8] Idem, ibidem.

[9] Ibidem, p. 31.

[10] BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso avançado de direito comercial. 9. ed. Revista dos Tribunais, 2015. p. 222.

[11] BRANCO, Gerson Luiz Carlos; DILL, Amanda Lemos. Op. cit.

[12] “Os fundos líquidos consistem no resultado dos aportes patrimoniais feitos pelo sócio em benefício da sociedade, deduzidas as perdas e acrescidos os lucros da atividade comercial, a serem apurados em um processo de liquidação.” (Idem)

[13] “O Direito Comercial protegia, com isso, os próprios comerciantes que atuavam na praça, pois os credores particulares do comerciante, tidos como o Fisco e os credores das dívidas de jogo, não poderiam excutir bens que garantiam os créditos dos demais comerciantes, que eram as pessoas com quem se mantinham as principais relações de mercado.” (Idem)

[14] “Embora o sócio seja titular de quota ou quotas, ele não tem direito de propriedade sobre o ‘fundo social’, ou seja, o patrimônio da sociedade, mas apenas um direito de crédito, ainda assim condicionado ao resultado positivo da liquidação, a ensejar a partilha do remanescente. Após a conferência do capital social através da subscrição das quotas, essas se ‘desintegram’ do patrimônio do sócio para integrar o patrimônio da sociedade, consectário do princípio do universitas distat a singulis. Ao sócio, portanto, não seria lícito dispor da quota, donde se conclui sua impenhorabilidade.” (ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção; RAMALHO, Matheus Sousa. Penhora de quotas por dívida pessoal de sócio: evolução histórico-legislativa e jurisprudencial. Revista Brasileira de Direito Empresarial, v. 2, n. 2, 2016)

[15] “A tese da impenhorabilidade da quota estimulava a transferência de bens do patrimônio particular do sócio para a sociedade, colocando os credores particulares numa posição de inferioridade ou “subserviência” aos credores desta. O legislador pretendeu estimular a atividade social e garantir primordialmente aos credores sociais a solução do crédito, relegando a segundo plano a atividade desenvolvida pelos sócios e os compromissos por eles firmados com terceiros.” (Idem)

[16] Idem.

[17] Idem.

[18] Idem.

[19] Idem.

[20] Idem.

[21] Idem.

[22] Idem.

[23] Idem.

[24] Idem.

[25] “O Ministro Sálvio deixa claro que, em qualquer hipótese, a quota pode ser penhorada, mas a solução será diversa dependendo da presença ou não de cláusula restritiva no contrato. Caso esse contenha tal cláusula, seriam aplicáveis as soluções de remição da execução, liquidação da quota em favor do credor, remição do bem ou direito de preferência. Ao contrário, diante da omissão no contrato ou previsão de livre cessão da quota não haveria nenhum inconveniente em se decretar a penhora e o arrematante passaria a exercer todos os direitos de sócio.” (Idem)

[26] Idem.

[27] Idem.

[28] Idem.

[29] “O CPC/1939 admitia a penhora de direitos e ações, dos quais o próprio Código dava como exemplos, entre outros, fundos líquidos que o executado pudesse terem sociedade comercial ou civil. A doutrina controvertia se essas disposições do CPC/1939 permitiam a penhora de quotas: o entendimento majoritário seguia pela impenhorabilidade, pois a quota faria parte do fundo social e não dos fundos líquidos. Porém, a quota tem apenas papel representativo do sócio, conferindo-lhe direitos e deveres; e o CPC/1973 já autorizava a penhora de direitos (Márcia Marinho. Penhora de quotas, p. 34-38). Com a redação dada pela Lei nº 11.382/2006 ao CPC/1973, art. 655, a penhora de quotas sociais passou a ser expressamente admitida pelo sistema processual.” (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. Revista dos Tribunais, 2015)

[30] BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 15. ed. Atlas, 2017. p. 86.

[31] “O que se observa é que o CPC, ao invadir uma seara que não é a sua, posto que própria do direito privado, complica e tumultua a disciplina das relações societárias em sua interface com os interesses dos credores do sócio. O direito desses credores resume-se, naturalmente, na prerrogativa de penhorar os bens que pertencem aos seus devedores. Como as cotas integram o patrimônio do sócio devedor, poderão ser objeto de penhora. Se a sociedade não admite a presença de terceiros em seus quadros, essas cotas serão objeto de uma apuração de haveres. Se transmissíveis, poderão ir a leilão, no qual os demais sócios da sociedade serão chamados a exercer o direito de preferência. Era esse o entendimento assente, que, por força da interpretação sistemática do complexo legislativo incidente, deverá permanecer aplicável, a despeito das impropriedades trazidas pelo CPC.” (Ibidem)

[32] “Trata-se de penhora perfeitamente válida ante a adoção, pelo sistema processual pátrio, da regra da responsabilidade patrimonial direta, que dispõe responder o devedor com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações (art. 789, CPC/2015). A penhora de quotas e ações de sociedades não incide apenas sobre ações das sociedades por ações, mas também sobre as quotas das limitadas, o que já entendiam a doutrina e a jurisprudência, por se inserirem no conceito de bens móveis, antes mesmo do advento da Lei nº 11.382/2006, que passou a prever, expressamente, a penhorabilidade de ações e quotas das sociedades empresárias, em sexto lugar na ordem de penhora (no CPC/2015, ela passou para o nono lugar – art. 835, IX).” (STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro. Comentários ao Código de Processo Civil. Saraiva, 2017. p. 1125)

[33] “O novo Código tem, então, a função de suprir a lacuna existente na legislação processual, propiciando a penhora das cotas sociais mediante a observância de regras mínimas que, ao mesmo tempo em que proporcionam condições para a recuperação do crédito, se harmonizam com os princípios societários. Por se tratar de dispositivos autoexplicativos, sugerimos a leitura do art. 861 do novo CPC.” (DOZINETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 20. ed. GEN-Atlas, 2017. p. 1321/1322)

[34] “Penhora diante de expressa proibição no contrato social. Antes de analisarmos as disposições do dispositivo legal sob discussão, impõe-se trazer uma questão: Seria possível a penhora de quotas, mesmo diante da expressa proibição, no contrato social da sociedade, de transferência de quota sem a anuência dos demais sócios? 3.1. O STJ entendia, majoritariamente até a promulgação do CC, que diante de tais limitações no contrato social, cumpria respeitar a vontade societária, de forma que tais quotas, nessa situação, seriam impenhoráveis. A partir da vigência do atual CC, a opinião da Corte Superior mudou, tornando-se dominante o entendimento – com o qual concordamos – de que não há proibição legal para a penhora, mesmo quando o contrato possui cláusula vedando a cessão das cotas, pois a cláusula contratual não poderia alcançar o direito do credor, sob pena de abrir-se possibilidade de uma convenção particular impor limitação que a lei não impõe e, com isso, criar um fácil instrumento de ‘blindagem de patrimônio’. 3.2. Dessa forma, mesmo que o contrato obste a transferência das quotas a terceiros estranhos ao quadro social, a penhora é cabível, visto que a impenhorabilidade das quotas somente pode resultar de lei, e não da vontade das partes.” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. Revista dos Tribunais, 2016)

[35] BRANCO, Gerson Luiz Carlos; DILL, Amanda Lemos. Op. cit.

[36] Idem.

[37] Idem.

[38] Idem.

[39] Idem.

[40] Idem.

[41] Idem.

[42] Idem.

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