A PENHORA DE BENS E SEUS EFEITOS À LUZ DO NOVO CPC – AVANÇOS, RETROCESSOS E A DERROCADA DE ALGUNS MITOS
Iuri Pereira Pinheiro
Sumário: 1. Breves Considerações sobre a Execução e Penhora de Bens; 2. Noções conceituais e efeitos da penhora; 2.1 Garantia do Juízo; 2.2 Individualização dos bens e direito de preferência; 2.3 Perda da posse direta e investidura na condição de depositário; 2.4 hipótese excepcional de investidura do executado como depositário infiel e suas consequências; 2.5 Ineficácia dos atos de alienação ou oneração dos bens (Fraude à Execução); 3. Intimação da penhora; 4. Ordem de Penhora; 5. Bens Impenhoráveis – A derrocada de alguns mitos; 5.1. Penhora de salário; 5.2 Penhora de valores em caderneta de poupança; 5.3 Impenhorabilidade do bem de família; 5.4 penhora de bem com alienação fiduciária; 5.5 Penhora da restituição do imposto de renda? 5.6 penhora de bens de terceiros? 6. RESTRIÇÕES À PENHORA DE DINHEIRO; 7. CONCLUSÃO.
1 Breves Considerações sobre a Execução e Penhora de Bens
Em tempos bem mais remotos, a execução incidia sobre a pessoa do devedor, revestindo-se de caráter pessoal e não patrimonial, o que apenas foi modificado com a “Lex Poetelia Papiria”, em Roma, em 326 aC2.
Consagrou-se, assim, o Princípio da Patrimonialidade ou Natureza Real da Execução, enunciativo de que o cumprimento da decisão judicial recai sobre o patrimônio do executado, conforme previsão do art. 789 do Novo Código de Processo Civil, de teor assemelhado ao que já constava no art. 591 do Código de Processo Civil de 1973.
Cumpre esclarecer que a possibilidade excepcional de prisão civil por dívida para o devedor de prestação alimentícia (art. 5º, LXVII, da CF/88) não constitui exceção a tal postulado, já que é apenas medida de coerção indireta, não satisfazendo o débito, o qual continua a existir.
Ao lado da natureza real da execução, também não se pode descurar que, hodiernamente, o processo deve ser enfocado por uma visão holística, em que todas as fases processuais sejam efetivamente realizadas e em que a obrigação consagrada no título executivo deixe de ser uma mera declaração para ser um direito regularmente fruído por ser titular.
Exatamente em função disso é que já se reconhece a existência do direito fundamental à tutela executiva como corolário do direito de ação em sua concepção ampla (3ª onda de acesso à Justiça), o que impõe até mesmo a revisão do conceito clássico de jurisdição, de modo a deixar de enxergá-lo como o mero ato de dizer o direito (“juris-dictio”) para assimilá-lo como a sua efetiva satisfação (juris-satisfação). Nesse sentido, transcreve-se a lição de Cassio Scarpinella Bueno3:
O processo Civil deve ser lido e relido à luz da Constituição Federal. Há uma correlação necessária entre ambos e uma inegável dependência daquele nesta. Tutela jurisdicional não é só dizer o direito, é também realizá-lo. Ao lado de uma ‘jurisdição’ tem que haver uma ‘juris-satisfação’.
Diante da patrimonialidade da execução e da crise de satisfação cada vez mais recorrente nos processos judiciais é que se mostra necessário refletir sobre a penhorabilidade dos bens e o seu tratamento no Novo CPC, já que a CLT determina a observância direta da ordem de constrição do diploma processual civil (art. 882 da CLT).
Além disso, ainda que a CLT proclame a Lei de Execuções Fiscais como fonte subsidiária preferencial na execução (art. 889 da CLT), o seu regramento é deveras lacônico em vários aspectos, não sendo objeto de atualização legislativa há considerável tempo, o que potencializa o estudo do diálogo das fontes com o Código de Processo Civil.
Nesse contexto de possível heterointegração, uma das temáticas que borbulham no âmbito laboral diz respeito ao art. 15 do Novo CPC, que determina a sua aplicação supletiva e subsidiária ao processo do trabalho diante de mera lacuna normativa: Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.
Não se pode olvidar que o direito processual do trabalho constitui ramo dotado de autonomia científica, tendo se desgarrado do direito processual comum para adquirir vida própria, informada e permeada por princípios e regramentos peculiares para bem regular as especificidades do seu campo de atuação.
Por isso é que a colmatação de lacunas no campo trabalhista impõe sempre uma compatibilidade ideológica, tal qual proclama o art. 769 da CLT, no que refere à fase cognitiva, e o art. 889 da CLT, no que toca à fase executiva.
Assim, a despeito da previsão simplista do Novo CPC, a sua aplicação ao processo trabalhista irá se operar apenas diante de sintonia principiológica, sob pena de mácula à autonomia do ramo processual especializado.
Ademais, as disposições especiais dos arts. 769 e 889 da CLT prevalecem sobre a regra geral do art. 15 do CPC, na conformidade do art. 2, § 2º, da LINDB.
Pelos debates legislativos, percebe-se que a intenção de inclusão do termo “supletiva” seria a de aplicar a norma processual civil mesmo nos casos em que houvesse tratamento da matéria, caso o regramento fosse considerado insuficiente.
É certo, contudo, que o intérprete não se condiciona à intenção dos legisladores, devendo realizar a análise teleológica e finalística.
Supletivo segundo o vernáculo traz a ideia de suplemento, complementação de sentido. Como não é possível complementar com sentido de contrariedade, é lícito concluir que a aplicação supletiva demanda a compatibilidade.
Desse modo, a bem da verdade, não há antinomia, já que a regra do CPC traz a previsão de aplicação subsidiária (lacuna) e supletiva (compatibilidade), guardando perfeita sintonia com a regra do art. 769 da CLT.
De qualquer forma, conforme destacou o Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Manoel Carlos Toledo Filho, em palestra promovida naquele Sodalício, devemos destacar que estamos diante de um importante marco referencial. A legislação processual civil pela primeira vez reconheceu de forma expressa a autonomia do processo trabalhista, já que previu que o CPC a ele se aplica subsidiariamente.
2 Noções conceituais e efeitos da penhora.
A penhora de bens representa o ato material que o Estado realiza com o objetivo de ensejar a expropriação e a consequente satisfação do direito do exequente. É um típico ato de império do juízo da execução e que produz efeitos processuais e materiais.
Como efeitos processuais, podemos elencar: I – Garantia do juízo; II – Individualização dos bens; III – Instituição do direito de preferência.
Por sua vez, como efeitos materiais, temos: I – Possibilidade de perda da posse direta (ressalvada a hipótese do devedor constar como depositário dos bens); II – Ineficácia dos atos de alienação ou oneração dos bens penhorados (controvérsia acerca da necessidade registro da penhora, conforme diretriz da Súmula 375 do STJ).
2.1. Garantia do Juízo
No que concerne ao efeito processual da penhora como garantia do juízo e pressuposto para apresentação de embargos à execução (art. 475-J do CPC), esta característica deixa de existir no cumprimento de sentença de título judicial no novo CPC, conforme previsão do seu art. 525.
Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver.
[…]
Art. 525. Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação.
[…]
6º A apresentação de impugnação não impede a prática dos atos executivos, inclusive os de expropriação, podendo o juiz, a requerimento do executado e desde que garantido o juízo com penhora, caução ou depósito suficientes, atribuir-lhe efeito suspensivo, se seus fundamentos forem relevantes e se o prosseguimento da execução for manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação.
[…]
11º As questões relativas a fato superveniente ao fim do prazo para apresentação da impugnação, assim como aquelas relativas à validade e à adequação da penhora, da avaliação e dos atos executivos subsequentes, podem ser arguidas pelo executado por simples petição. Em qualquer dos casos, o executado tem o prazo de quinze dias para formular esta arguição, contado da comprovada ciência do fato ou da intimação do ato.
É certo que a desnecessidade de realização da penhora para apresentação de impugnação (antigos embargos à execução) pode, de certo modo, desburocratizar e acelerar a resolução da fase executiva, evitando a utilização adicional em certas ocasiões do instituto da exceção de preexecutividade, concebido por Pontes de Miranda justamente para impugnar a execução sem necessidade de garantia do juízo.
Sucede que, no âmbito do direito processual do trabalho, existe regra própria (art. 884 da CLT), que protege o credor trabalhista de forma mais satisfatória. Isso porque é exigida a garantia da execução para que o executado possa se insurgir contra a execução e renovar irresignações de decisões interlocutórias anteriores de modo a vê-las reapreciadas pelo segundo grau de jurisdição, como as questões relacionadas à conta de liquidação e que não são recorríveis de imediato, salvo em casos excepcionais em que estejamos diante de decisão revestida de caráter terminativo, tal qual na hipótese de liquidação de valor igual a zero.
Diante da existência de regramento próprio e mais benéfico no processo trabalhista, inexiste lacuna apta a legitimar a aplicação supletiva da regra do CPC, até mesmo sob o viés axiológico e ontológico, subsistindo em nossa seara processual a garantia do juízo como efeito processual da penhora.
2.2. Individualização dos bens e direito de preferência
Os efeitos processuais da individualização dos bens e instituição de direito de preferência pela penhora (art. 612 do CPC de 1973) remanesce na mesma conformidade, a teor do art. 797 do Novo CPC:
Art. 797. Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal, realiza-se a execução no interesse do exequente que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados.
2.3. Perda da posse direta e investidura na condição de depositári
O efeito material da possibilidade de perda da posse direta, antes disciplinado no art. 666 do CPC de 1973, é objeto de ampliação no novel art. 840, II, do Novo CPC, que agora traz a perda da posse também para os imóveis urbanos, antes assegurada ao executado.
Por oportuno, transcreve-se o novo texto:
Art. 840. Serão preferencialmente depositados:
I – as quantias em dinheiro, os papéis de crédito e as pedras e os metais preciosos, no Banco do Brasil, na Caixa Econômica Federal ou em banco do qual o Estado ou o Distrito Federal possua mais da metade do capital social integralizado, ou, na falta desses estabelecimentos, em qualquer instituição de crédito designada pelo juiz;
II – os móveis, os semoventes, os imóveis urbanos e os direitos aquisitivos sobre imóveis urbanos, em poder do depositário judicial;
III – os imóveis rurais, os direitos aquisitivos sobre imóveis rurais, as máquinas, os utensílios e os instrumentos necessários ou úteis à atividade agrícola, mediante caução idônea, em poder do executado
1º No caso do inciso II do caput, se não houver depositário judicial, os bens ficarão em poder do exequente.
2º Os bens poderão ser depositados em poder do executado nos casos de difícil remoção ou quando anuir o exequente.
3º As joias, as pedras e os objetos preciosos deverão ser depositados com registro do valor estimado de resgate.
Como se infere da leitura do dispositivo, importante destacar que agora o depósito de bens na pessoa do executado se limita aos casos de anuência do exequente ou dificuldades de remoção, além da hipótese excepcional enfocada abaixo.
2.4. Hipótese EXCEPCIONAL de investidura do executado como depositário infiel e suas consequências
Interessante novidade é a determinação de elaboração de lista de bens eventualmente não penhorados e que deverão ter o executado como depositário provisório.
Cuida-se do art. 836 do Novo CPC:
Art. 836. Não se levará a efeito a penhora quando ficar evidente que o produto da execução dos bens encontrados será totalmente absorvido pelo pagamento das custas da execução.
1º Quando não encontrar bens penhoráveis, independentemente de determinação judicial expressa, o oficial de justiça descreverá na certidão os bens que guarnecem a residência ou o estabelecimento do executado, quando este for pessoa jurídica.
2º Elaborada a lista, o executado ou seu representante legal será nomeado depositário provisório de tais bens até ulterior determinação do juiz.
Referida disposição tem o salutar propósito de evitar a ocultação de bens que posteriormente possam vir a ser úteis para o processo em conjunto com outros bens que venham a ser encontrados.
Isso porque, ao investir o executado na condição de depositário, o sumiço de tais bens poderá trazer as consequências processuais de ato atentatório à dignidade da justiça, o qual foi, de certa maneira, repaginado para sanar algumas controvérsias e incertezas que pairavam na comunidade jurídica, conforme art. 774 do Novo CPC:
Art. 774. Considera-se atentatória à dignidade da justiça a conduta comissiva ou omissiva do executado que
I – frauda a execução;
II – se opõe maliciosamente à execução, empregando ardis e meios artificiosos;
III – dificulta ou embaraça a realização da penhora;
IV – resiste injustificadamente às ordens judiciais;
V – intimado, não indica ao juiz quais são e onde estão os bens sujeitos à penhora e seus respectivos valores, não exibe prova de sua propriedade e, se for o caso, certidão negativa de ônus.
Parágrafo único. Nos casos previstos neste artigo, o juiz fixará multa ao executado em montante não superior a vinte por cento do valor atualizado do débito em execução, a qual será revertida em proveito do exequente, exigível na própria execução, sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material
Como se vê, é disposto de forma expressa que a multa do ato atentatório à dignidade da justiça é revertida ao exequente e exigível na própria execução.
Mas não é só. A investidura na condição de depositário fiel atrai também a possibilidade de responsabilidade criminal. Muito se fala que com o reconhecimento da natureza supralegal do Pacto de São José da Costa Rica pelo Pretório Excelso não haveria mais a possibilidade de prisão do depositário infiel.
Ocorre que a Constituição Federal (art. 5º, LXVII) e o referido Pacto Internacional disciplinam a prisão civil do depositário infiel, não atingindo as prisões criminais:
LXVII – não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;
E a configuração da condição de depositário infiel pode implicar a caracterização do crime de apropriação indébita ou de peculato, a depender das condições e da natureza do bem, conforme se extrai do Código Penal Brasileiro
Apropriação indébita
Art. 168. Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. (Redação alterada para adequar-se ao disposto no art. 2º da Lei nº 7.209, de 11.7.1984, DOU 13.7.1984, em vigor seis meses após a data da publicação
Aumento de pena
1º A pena é aumentada de um terço, quando o agente recebeu a coisa:
I – em depósito necessário;
II – na qualidade de tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial;
III – em razão de ofício, emprego ou profissão.
Percebe-se que o § 1º do art. 168 do Código Penal expressamente prevê como aumento de pena a apropriação de bem recebido na qualidade de depositário judicial.
É certo que a caracterização de um crime depende de vários fatores e elementos, mas não há como se negar a possibilidade jurídica de cometimento de crime em tal hipótese, sob pena de fazer tábula rasa da expressa dicção do Código Penal.
A hipótese do peculato também pode ser caracterizada no caso concreto, senão vejamos:
Peculato
Art. 312. Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa. (Redação alterada para adequar-se ao disposto no art. 2º da Lei nº 7.209, de 11.7.1984, DOU 13.7.1984, em vigor seis meses após a data da publicação)
1º Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.
[…]
Funcionário público
Art. 327. Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
Embora, inicialmente, possa causar estranheza o enquadramento no crime de peculato, por ser restrito aos funcionários públicos, não se pode olvidar que o art. 327 do Código Penal equipara para esses fins qualquer pessoa que exerça função pública, ainda que transitoriamente ou sem remuneração. E esse é o caso do depositário judicial, já que é legalmente considerado um auxiliar da justiça, conforme previsão do art. 139 do CPC de 1973, disposição mantida no Novo CPC (art. 149).
Nesse contexto, importante destacar que o legislador parece ter atentado na reforma processual para a diferença de natureza das infrações, eis que o parágrafo único do art. 161 do Novo CPC expressamente diferencia o aspecto civil da responsabilidade criminal do depositário infiel:
Art. 161. O depositário ou o administrador responde pelos prejuízos que, por dolo ou culpa, causar à parte, perdendo a remuneração que lhe foi arbitrada, mas tem o direito a haver o que legitimamente despendeu no exercício do encargo.
Parágrafo único. O depositário infiel responde civilmente pelos prejuízos causados, sem prejuízo de sua responsabilidade penal e da imposição de sanção por ato atentatório à dignidade da justiça.
É certo que o magistrado trabalhista não é investido de competência penal, mas a prática de intimação para apresentação de bens, sob pena de envio de ofício ao órgão policial competente e/ou ao Ministério Público vem se revelando exitosa por parte de alguns colegas da judicatura.
Não se pode conceber uma igualdade de tratamento entre um depósito particular de bens, comuns nos recorrentes contratos de alienação fiduciária e arrendamento mercantil, com o depósito judicial, em que há a investidura de um “múnus” público.
Não se trata de ofensa privada, mas de profundo desrespeito ao Poder Judiciário enquanto instituição depositária das expectativas sociais de pacificação dos conflitos, configurando muitas vezes um deboche à função jurisdicional, verdadeiro desrespeito à corte (“contempt ou court”).
2.5. Ineficácia dos atos de alienação ou oneração dos bens (Fraude à Execução)
A última consequência material da penhora (ineficácia dos atos de alienação ou oneração dos bens penhorados) também é temática de relevante incursão, disciplinando controvérsias que pairavam no cenário jurídico.
Assim restou consagrada a nova conformação legal:
Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:
I – quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver;
II – quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828;
III – quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude;
IV – quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência;
V – nos demais casos expressos em lei.
1º A alienação em fraude à execução é ineficaz em relação ao exequente.
2º No caso de aquisição de bem não sujeito a registro, o terceiro adquirente tem o ônus de provar que adotou as cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem.
3º Nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar.
4º Antes de declarar a fraude à execução, o juiz deverá intimar o terceiro adquirente, que, se quiser, poderá opor embargos de terceiro, no prazo de 15 (quinze) dias.
Em tal dispositivo, encontramos alguns avanços e outros retrocessos.
Inicialmente, é necessário revisitar as noções conceituais da fraude à execução, que constitui criação genuinamente brasileira e que representa uma das espécies de alienação fraudulenta de bens prevista na ordem jurídica.
Trata-se de instituto de direito processual, que sempre trouxe como requisitos a existência de demanda judicial, fundada em direito real ou não, cognitiva ou executória, que corra contra o devedor ao tempo da alienação ou oneração de bens e que seja capaz de levá-lo à insolvência, a luz do art. 593 do Código “Buzaid” (CPC de 1973).
Diferentemente da fraude contra credores (art. 158 e seguintes do Código Civil), que se traduz em vício do negócio jurídico e que deve ser objeto de anulação por intermédio de ação pauliana (homenagem ao Pretor Paulus, seu criador no Direito Justiniano), a fraude à execução pode ser reconhecida no processo em curso e não necessita da anulação do próprio negócio jurídico, reconhecendo-se, simplesmente, a ineficácia da alienação para aquele processo.
O tratamento especial conferido ao presente instituto em relação à fraude contra credores se justifica pela circunstância de que o prejuízo não se limita apenas ao credor, mas também ao Poder Judiciário, eis que a conduta do devedor conduz à inutilidade da função jurisdicional, comprometendo a tutela do bem da vida almejado e a própria efetividade processual como um todo.
Por tal razão é que Cândido Rangel Dinamarco4 o define como sendo “ato de rebeldia à autoridade estatal exercida pelo juiz no curso do processo”.
Também como decorrência de tais circunstâncias é que a conduta é enquadrada como ato atentatório à dignidade da Justiça, conforme dispositivo já transcrito e, a depender da constatação de requisitos próprios ao Direito Penal, como delito (art. 179 do Código Penal).
À luz de tais premissas, infere-se que a fraude à execução demandava apenas a ocorrência de evento danoso com processo em curso, não sendo necessária a conjugação do requisito do conluio fraudulento. Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça vinha entendendo que o reconhecimento da fraude à execução dependia do registro da penhora do bem alienado ou prova da má-fé do terceiro adquirente, a teor da sua Súmula 375:
Súmula nº 375. O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente. (DJe 30/3/2009)
Conquanto a eticidade, materializada sobretudo pela boa fé objetiva e deveres laterais de conduta (doutrina germânica do “treu und glauben” absorvida no art. 113 do Código Civil Brasileiro), se constitua em um dos pilares da atual ordem jurídica, a fraude à execução é um instituto que classicamente nunca demandou a prova de má-fé do terceiro, ante suas características especiais, máxime a dificuldade do credor para provar referida má-fé e a extensão do dano para além deste, atingindo a credibilidade do Estado-Juiz.
Nesse contexto, o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça findava por reformular a conceituação doutrinária clássica da fraude à execução, exigindo a comprovação da má-fé ou registro da penhora, introduzindo o requisito da “scientia fraudis“, ou seja, a presunção de que a potencialidade de insolvência era ou pelo menos deveria ser de conhecimento do terceiro adquirente.
Diante disso, após intensos debates, o texto final do CPC de 2015 acabou por manter a possibilidade de configuração da fraude à execução mesmo sem o registro da penhora (art. 792, IV, CPC 2015), o que se harmoniza com o processo trabalhista em que a vulnerabilidade do credor, em regra, impede a efetivação de averbações, sejam premonitórias (averbação de execução extrajudicial – art. 615-A do CPC de 1973 e art. 828 do CPC de 2015), de hipoteca judiciária (art. 466 do CPC de 1973 e art. 495 do CPC de 2015) ou da própria penhora, dado que retratam procedimentos extremamente burocratizados e custosos.
Importante registrar que diante da falta de precisão categórica do art. 792 também há espaço para a defesa do entendimento consagrado na Súmula 375 do STJ, eis que o § 2º daquele dispositivo prevê que o terceiro deve exibir certidões pertinentes no caso de bem não sujeito a registro.
De toda sorte, deve-se louvar a delimitação de que é ônus do terceiro adquirente provar sua boa-fé, já que a Súmula 375 do STJ indicava inclinação contrária.
Como afirmado acima, ainda que a boa-fé seja um dos parâmetros da atual ordem jurídica, a fraude à execução é um instituto de direito processual e sua comprovação deve levar em consideração a viabilidade prática desoneração dos ônus processuais, sendo extremamente dificultoso, senão impossível, que o autor comprove um estado subjetivo fraudulento de terceiro, situação que conduziria praticamente ao estado da prova diabólica.
Ao revés, ao terceiro é plenamente factível a demonstração de condutas positivas suas que revelem indícios de boa-fé, atraindo os influxos do Princípio da Aptidão da Prova.
Destaca-se como novidade a necessidade intimação prévia do terceiro adquirente antes da declaração de ineficácia (art. 792, § 4º, do CPC de 2015), o que se mostra afinado com os ideais de segurança jurídica e ampla defesa.
Importante questão, disciplinada de forma inédita, é o marco definidor da fraude à execução por alienação de bens dos sócios.
Havia quem sustentasse que a alienação dos seus bens caracterizava fraude à execução no processo trabalhista desde quando já houvesse ação contra a sociedade, já que a desconsideração da personalidade jurídica da empresa em nossa seara é decorrente do simples inadimplemento da empresa (teoria menor – art. 28, § 5º, do CDC).
Contudo, o entendimento majoritário, inclusive no C. TST, era no sentido de que apenas com a desconsideração, redirecionamento da execução em face dos sócios e inclusão no polo passivo é que se poderia cogitar da fraude à execução.
Isso porque, a desconsideração é que faria o sócio passar a compor o polo passivo e ser incluído como executado nos registros processuais, de maneira que o pedido de certidão negativa do terceiro adquirente diligente não o apontaria, antes disso, como devedor, consoante se infere da Consolidação dos Provimentos da Corregedoria Geral do TST:
Art. 46. As Secretarias das Varas do Trabalho providenciarão, quando necessário, a retificação das informações cadastrais dos processos, bem como as referentes às partes e procuradores, observados os critérios estabelecidos no art. 45.
1º Nos casos em que for desconsiderada a personalidade jurídica da parte executada, proceder-se-á à inclusão dos nomes de eventuais sócios no polo passivo da ação, na autuação e nos respectivos registros do sistema informatizado de dados.
Assim, não haveria como se exigir que o terceiro adquirente tivesse ciência da demanda, já que eventual pedido de certidão nesta Justiça apontaria como devedor apenas a sociedade empresária, que possui personalidade jurídica própria e autonomia patrimonial, não se confundindo com a pessoa de seus sócios.
Exigir do terceiro a ciência de que o alienante era sócio de determinada empresa e que esta não cumpriria com suas obrigações equivaleria, de certo modo, a presumir a má-fé, atentando, ainda, contra a segurança das relações jurídicas e causando intranquilidade social
Nesse sentido, caminhava a jurisprudência do C. TST:
“RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. PROTEÇÃO AOS ADQUIRENTES TERCEIROS DE BOA-FÉ. ALIENAÇÃO DO IMÓVEL CONSTRITO ANTES DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA EMPRESA EXECUTADA FRAUDE À EXECUÇÃO NÃO CONFIGURADA. Não há dúvida de que a alienação de bens pelo devedor, podendo reduzi-lo à insolvência, pode gerar a presunção de fraude. No entanto, o direito não desconsidera a posição jurídica do terceiro de boa-fé, devendo ser reputado válido e eficaz o negócio jurídico celebrado entre as partes. Em não provada a existência de constrição judicial sobre o imóvel ou ação em nome do proprietário vendedor e considerando que os terceiros-embargantes adquiriram o bem perante o ex-sócio da pessoa jurídica em data anterior à decisão judicial que desconsiderou a personalidade jurídica da empresa executada, impossível presumir a fraude. Portanto, restando comprovado documentalmente que os embargantes de terceiro alienaram a posse do imóvel, e que as condições para a cessão do seu domínio ao adquirente foram implementadas antes da desconsideração da personalidade jurídica, bem assim da penhora realizada, o reconhecimento de que se tratou de ato jurídico perfeito e com efeitos válidos é medida que se impõe, motivo pelo qual deve ser levantado o gravame judicial da penhora. Recurso de revista conhecido e provido.” (Tribunal Superior do Trabalho TST; RR 0002539-93.2010.5.02.0005; Sétima Turma; Rel. Des. Vieira de Mello Filho; DEJT 13/09/2013; Pág. 1823)
Sucede que o CPC de 2015 adotou a tese de que a fraude à execução ocorre desde a citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar:
Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:
[…]
3º Nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar.
Se assim o é no âmbito do processo civil, com muito mais razão deve sê-lo na seara do processo laboral, em que se busca, como regra, a satisfação de créditos alimentares que carecem da maior amplitude de efetividade possível.
Dessarte, conquanto entendamos que até seria razoável a tese até então prestigiada na Justiça do Trabalho, deve ser respeitada a política legislativa adotada por bem cumprir a finalidade social subjacente ao processo trabalhista e por medida de razoabilidade no cotejo com o processo civil.
A citada previsão de que antes do reconhecimento da fraude à execução deve ser oportunizada a apresentação de embargos de terceiro pelo adquirente (§ 4º do art. 792 do CPC de 2015) para que este possa se desincumbir de que adotou as cautelas exigíveis do “homem médio” confere segurança jurídica ao processo e às relações sociais.
Nesse tocante de desconsideração da personalidade jurídica, não se pode deixar de censurar a instituição pelo Novo CPC do denominado incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 133), em relação ao qual entendemos pela inaplicabilidade ao processo do trabalho por absoluta incompatibilidade com a processualística laboral, que tem como vigas mestras a Informalidade, Simplicidade e Instrumentalidade.
Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.
1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.
2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.
Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.
1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.
2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.
3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2º.
4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.
Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de quinze dias.
Até se afigura possível que o legislador processual civil tenha pretendido fazer uma conexão entre a pretensão de desconsideração da personalidade já na fase de conhecimento (art. 134 do CPC de 2015) e a caracterização de fraude à execução dos bens dos sócios a partir da citação da pessoa jurídica, mas o fato é que na redação final do art. 792, § 4º não se fez a delimitação de que apenas se consideraria a alienação fraudulenta desde a citação da pessoa jurídica caso fosse pleiteada a desconsideração na fase cognitiva.
O aspecto positivo do citado incidente é o reconhecimento expresso da possibilidade de desconsideração inversa da personalidade jurídica (art. 133, § 2º, do CPC de 2015).
3 Intimação da Penhora
O Novo CPC traz importante medida de desburocratização ao consagrar a intimação da penhora por intermédio do advogado ou sociedade de advogados, sendo realizada a intimação postal apenas na hipótese de inexistência de causídico constituído e sendo considerada realizada a intimação no endereço do registro processual se promovida mudança sem comunicação nos autos.
Art. 841. Formalizada a penhora por qualquer dos meios legais, dela será imediatamente intimado o executado.
1º A intimação da penhora será feita ao advogado do executado ou à sociedade de advogados a que este pertença.
2º Se não houver constituído advogado nos autos, o executado será intimado pessoalmente, de preferência por via postal.
3º O disposto no § 1º não se aplica nos casos em que a penhora se tiver realizado na presença do executado, que se reputa intimado.
4º Considera-se realizada a intimação a que se refere o § 2º quando o executado houver mudado de endereço sem prévia comunicação ao juízo, observado o disposto no parágrafo único do art. 274.
Diferentemente da citação executória, em que existe regra celetista de cumprimento do ato por mandado (art. 880, § 2º, da CLT), inexiste no texto consolidado a previsão do modo de intimação da penhora, sendo plenamente aplicável a disposição do direito processual civil.
4 Ordem de Penhora
Na diretriz exposta nas linhas introdutórias, o art. 882 da CLT proclama expressamente a observância da ordem de penhora do CPC, que, sob a redação da codificação de 1973, tinha o seguinte teor
Art. 655. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006)
I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
II – veículos de via terrestre; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
III – bens móveis em geral; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
IV – bens imóveis; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
V – navios e aeronaves; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
VI – ações e quotas de sociedades empresárias; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
VII – percentual do faturamento de empresa devedora; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
VIII – pedras e metais preciosos; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
IX – títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal com cotação em mercado; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
X – títulos e valores mobiliários com cotação em mercado; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
XI – outros direitos. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).
1o Na execução de crédito com garantia hipotecária, pignoratícia ou anticrética, a penhora recairá, preferencialmente, sobre a coisa dada em garantia; se a coisa pertencer a terceiro garantidor, será também esse intimado da penhora. (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
2o Recaindo a penhora em bens imóveis, será intimado também o cônjuge do executado. (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
O novel art. 835 mantém o dinheiro como bem preferencialmente penhorável, mas promove alterações no restante da ordem de preferência:
Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:
I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;
II – títulos da dívida pública da União, dos Estados e do Distrito Federal com cotação em mercado;
III – títulos e valores mobiliários com cotação em mercado;
IV – veículos de via terrestre;
V – bens imóveis;
VI – bens móveis em geral;
VII – semoventes;
VIII – navios e aeronaves;
IX – ações e quotas de sociedades simples e empresárias;
X – percentual do faturamento de empresa devedora;
XI – pedras e metais preciosos;
XII – direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia;
XIII – outros direitos.
1º É prioritária a penhora em dinheiro; nas demais hipóteses, o juiz pode alterar a ordem prevista no caput de acordo com as circunstâncias do caso concreto.
2º Para fim de substituição da penhora, equiparam-se a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, mais trinta por cento.
3º Na execução de crédito com garantia real, a penhora recairá sobre a coisa dada em garantia; se a coisa pertencer a terceiro garantidor, este também será intimado da penhora.
Inicialmente, merece destaque o caráter prioritário do dinheiro, prestigiando-se o Princípio da Máxima Efetividade da Execução em detrimento do Princípio da Menor Onerosidade, facultando-se, contudo, a alteração pontual da ordem quanto aos demais bens à luz do caso concreto.
Oportuno observar, também, que os veículos deixaram de ser elencados como o segundo bem preferencial, o que nos afigura acertado, já que são bens de alta depreciação e que muitas vezes acabam sendo dilacerados, enquanto os títulos da dívida pública e valores mobiliários muitas vezes possuem maior liquidez.
Digno de nota, ainda, a previsão de que a fiança bancária e o seguro garantia judicial são equiparados a dinheiro, mas desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido trinta por cento.
5 Bens Impenhoráveis – A derrocada de alguns mitos
Acerca da instigante temática da penhorabilidade de bens, o Novo CPC descortina um cenário de relativização de bens anteriormente erigidos praticamente à condição de dogmas inquebrantáveis.
Vejamos a redação do seu art. 832:
Art. 832. Não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis.
Art. 833. São impenhoráveis:
I – os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;
II – os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;
III – os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;
IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º;
V – os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado;
VI – o seguro de vida;
VII – os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;
VIII – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;
IX – os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;
X – a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;
XI – os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei;
XII – os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra.
1º A impenhorabilidade não é oponível à execução de dívida relativa ao próprio bem, inclusive àquela contraída para sua aquisição.
2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º.
3º Incluem-se na impenhorabilidade prevista no inciso V do caput os equipamentos, os implementos e as máquinas agrícolas pertencentes a pessoa física ou a empresa individual produtora rural, exceto quando tais bens tenham sido objeto de financiamento e estejam vinculados em garantia a negócio jurídico ou quando respondam por dívida de natureza alimentar, trabalhista ou previdenciária.
Art. 834. Podem ser penhorados, à falta de outros bens, os frutos e os rendimentos dos bens inalienáveis.
Em primeiro lugar, deve-se louvar a exclusão da expressão “absolutamente impenhoráveis” constante na redação do CPC de 1973, já que a noção relacional dos direitos e as constantes tensões entre os mais diversos bens jurídicos impõem o reconhecimento de que inexistem direitos absolutos, devendo o exegeta estar sempre preparado para uma harmonização e concordância prática por meio da técnica da ponderação de interesses no caso concreto.
Prova maior de que não se deve proclamar a existência de direitos absolutos é que até mesmo o mais sagrados dos direitos – direito à vida – é objeto de expressa relativização excepcional pelo Constituinte, no caso de guerra declarada (art. 5º, XLVII, a, CF/88).
Andou bem, portanto, o legislador ao suprimir referida expressão.
Passemos à análise individualizada do novo tratamento legal da impenhorabilidade.
5.1. Penhora de salário
Uma das mais acirradas controvérsias da tramitação do Novo CPC consistiu no debate acerca da possibilidade excepcional de penhora de salário fora da hipótese que já era consentida na legislação anterior (débitos de prestação alimentícia).
Trata-se, em verdade, de reflexão que vinha sendo amadurecida há bastante tempo pela comunidade jurídica, sendo farta e plurissignificativa a jurisprudência nesse tocante.
Até mesmo no seio da sociedade civil, o tema gerava certa inquietação, tendo sido aprovada pelo Congresso Nacional, em 2006, a Lei 11.382/2006, que promovia duas alterações no art. 649 do CPC de 1973. Uma modulando a proteção dos salários e outra do bem de família para permitir a penhora a partir de determinados patamares. Tais alterações foram aprovadas no Congresso, mas restaram vetadas pelo Presidente da República, que chegou a afirmar ser razoável, mas que a tradição jurídica brasileira era a da proteção absoluta do salário e do bem de família.