PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO E A COMISSÃO DE REPRESENTANTES
Matheus Xavier
Paloma Machado
A Lei n. 10.931, de 2 de agosto de 2004- LRETPA* instituiu o Regime Especial Tributário do Patrimônio de Afetação e acresceu vários dispositivos na Lei 4.591, de 16 de dezembro de 1964, sobremaneira no que concerne às incorporações imobiliárias.
A critério do incorporador em caráter opcional e irretratável, enquanto perdurarem direitos de créditos ou obrigações do incorporador junto aos compradores dos imóveis que compõem a incorporação podem ser submetidos ao de afetação, não se comunicando com os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio geral do incorporador ou de outros patrimônios de afetação por eles constituídos; só responde por dívidas e obrigações vinculadas à incorporação imobiliária respectiva[1]; o incorporador responde pelos prejuízos que causar ao patrimônio de afetação [LRETPA,art.1º e art. 31-A, §§ 1º e 2º da Lei 4.591/64].
A adesão por este regime será efetivada quando da entrega do termo de opção junto a Secretaria da Receita Federal pelo incorporador/ proprietário do lote e da afetação do terreno e das acessões constantes do processo de incorporação. Será averbada a afetação na Matrícula do Imóvel por ocasião do registro da incorporação (memorial). No caso de incorporação já existente, em documento apartado poderá ser feita a opção – pelo incorporador – pelo regime especial de tributação [LRETPA, art. 2º c.c. Lei 4.591/64, arts. 31-A a 31-E).
A partir de então, o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária sujeitos ao regime especial de tributação, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados manter-se-ão apartados da seara patrimonial do incorporador, não se comunicando; constituindo, portanto, um patrimônio separado, independente, destinado à efetiva consecução da obra e a entrega das unidades aos respectivos compradores. Logo, não responderão por dívidas tributárias da incorporadora relativas ao Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas – IRPJ, à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, à Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS e à Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PIS/PASEP, exceto aquelas calculadas sobre as receitas auferidas no âmbito da incorporação [LRETPA, art. 3º].
O patrimônio de afetação que for objeto de garantia real em operação de crédito, o produto desta operação será integralmente destinado à consecução da edificação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes. E em caso de cessão, plena ou fiduciária, de direitos creditórios oriundos da comercialização das unidades imobiliárias da incorporação, também o produto da cessão integralizará o patrimônio de afetação [Lei 4.591/64, art. 31-A, §§ 3º, 4º e 6º]. O credor do financiamento com transferência da propriedade fiduciária das unidades, bem como a cessão, plena ou fiduciária, de direitos creditórios decorrentes da comercialização dessas unidades, não respondem pelas obrigações ou responsabilidades do cedente, ou incorporador ou do construtor pelas obrigações que lhe são imputáveis [Lei 4.591/64, art. 31-A, § 12].
A incorporadora pagará 4{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} (quatro por cento) da receita obtida para cada incorporação submetida ao regime especial de tributação na forma estabelecida nos arts. 4º, 5º e 8º da LRETPA. Esses créditos tributários devidos pela incorporadora não poderão ser objeto de parcelamento; sendo obrigatório manter escrituração segregada para cada incorporação, ex vi arts. 6º e 7º da LRETPA.
É permitida a constituição de uma “Comissão de Representantes” e a nomeação de pessoa física ou jurídica para fiscalizar e acompanhar o patrimônio de afetação; e para o desempenho desse mister terá acesso à obra, aos livros, contratos, movimentação da conta de depósito exclusiva, informações comerciais, tributárias e de qualquer natureza, devendo atuar com zelo, dedicação e sigilo [Lei 4.591/64, arts. 31-C e art. 31-D, VII].
Incumbe ao incorporador entregar à “Comissão de Representantes”, no mínimo a cada três meses, demonstrativo do estado da obra e de sua correspondência com o prazo pactuado ou com os recursos financeiros que integrem o patrimônio de afetação recebidos no período, entregar balancetes coincidentes com o trimestre civil, tudo relativo ao patrimônio de afetação, dentro do figurino legal do art. 31-D, IV, VI e VII.
As funções da “Comissão de Representantes” são múltiplas, revelando a importância do órgão, e abrangendo “tudo o que interessar ao bom andamento da incorporação” (art. 50 da LII), com atuação, em especial, perante terceiros. Exercerá “todas as atribuições” e praticará “todos os atos que esta Lei e o contrato de construção lhe deferirem” (§ 1º do art. 50 da LII), merecendo destaque as seguintes atribuições:
(i) Representar os adquirentes junto ao construtor, e, conforme o artigo 50 da LII, na incorporação quando contratada a prazo e preços fixos, determinados ou determináveis (art. 43 da LII), perante o incorporador, “em tudo o que interessar ao bom andamento da incorporação, e, em especial, perante terceiros, para praticar os atos resultantes da aplicação dos artigos 31-A a 31-F da LII”, que são os atos relativos ao patrimônio de afetação, no que respeita à sua preservação e destinação exclusiva para a construção. Na verdade, não carecia que viesse a especificação, já que em qualquer tipo de incorporação se tem assegurado a função de representação;
(ii) acompanhar e fiscalizar o andamento da obra e a atuação do incorporador e do construtor, em todas as etapas, em especial no tocante à obediência ao Projeto e das especificações, exercendo as demais obrigações inerentes à sua função representativa dos contratantes e fiscalizadora da construção, consoante previsão do § 3º do artigo 55 da LII;
(iii) assumir a administração da incorporação, caso vier decretada a falência ou insolvência do incorporador, e também se operada a sua destituição por atraso ou paralisação injustificada das obras, com fulcro no artigo 31-F, § 1º, e artigo 43, inciso VI da LII;
(iv) para assegurar as medidas necessárias ao prosseguimento das obras ou à liquidação do patrimônio de afetação, a Comissão de Representantes, no prazo de sessenta dias, a contar da data de realização da assembleia geral, promoverá, em leilão público, com observância dos critérios estabelecidos pelo art. 63 da LII, a venda das frações ideais e respectivas acessões que, até a data da decretação da falência ou insolvência não tiverem sido alienadas pelo incorporador;
(v) a Comissão de Representantes terá poderes para, em nome de todos os contratantes e na forma prevista no contrato: a) examinar os balancetes organizados pelos construtores, dos recebimentos e despesas do condomínio dos contratantes, aprová-los ou impugná-los, examinando a documentação respectiva; b) fiscalizar concorrências relativas às compras dos materiais necessários à obra ou aos serviços a ela pertinentes; c) contratar, em nome do condomínio, com qualquer condômino, modificações por ele solicitadas em sua respectiva unidade, a serem administradas pelo construtor, desde que não prejudiquem unidade de outro condômino e não estejam em desacordo com o parecer técnico do construtor; d) fiscalizar a arrecadação das contribuições destinadas à construção; e) exercer as demais obrigações inerentes a sua função representativa dos contratantes e fiscalizadora da construção e praticar todos os atos necessários ao funcionamento regular do condomínio;
(vi) as revisões da estimativa de custo da obra serão efetuadas, pelo menos semestralmente, em comum entre a Comissão de Representantes e o construtor. O contrato poderá estipular que, em função das necessidades da obra sejam alteráveis os esquemas de contribuições quanto ao total, ao número, ao valor e à distribuição no tempo das prestações. Em caso de majoração de prestações, o novo esquema deverá ser comunicado aos contratantes, com antecedência mínima de 45 dias da data em que deverão ser efetuados os depósitos das primeiras prestações alteradas.
Se o patrimônio de afetação do adquirente não for suficiente para pagar as dívidas para com o incorporador, a separação patrimonial poder ser definida de duas formas: a) perfeita e absoluta [onde o patrimônio pessoal não pode ser atacado pelo fato de não existir responsabilidade subsidiária] ou, b) imperfeita e relativa [onde o patrimônio pessoal pode ser atingido pelos credores], sendo esta definição utilizada no caso das incorporações imobiliárias.
O patrimônio de afetação pode ser extinto de duas formas distintas, uma delas é através da própria conclusão, averbação e registro da construção em nome do adquirente correspondente. A outra forma de extinção se dá por revogação unilateral, mediante denúncia do incorporador no prazo de carência, porém, para que esta extinção seja efetiva, todos os valores pagos pelos adquirentes devem ser restituídos integralmente, também há a possibilidade da extinção pelo fato do incorporador ter declarado falência ou insolvência civil, esta extinção se dá através de deliberações nas assembleias gerais [podem ser votadas por maioria simples, 2/3 ou maioria absoluta dos adquirentes] em que os próprios adquirentes deliberam quanto a liquidação.
Em caso de falência ou insolvência do incorporador, para que os adquirentes continuem a obra com os efeitos do regime de afetação, terão o prazo de até um ano destas decisões judiciais para procederem aos pagamentos das obrigações tributárias, previdenciárias e trabalhistas, vinculadas ao respectivo patrimônio de afetação, como prescreve o art. 9º da LRETPA e art. 31-A, § 1º da Lei 4.591/64.
[1] Chama-se incorporação imobiliária, incorporação edilícia ou simplesmente incorporação o contrato pelo qual uma parte (o incorporador) obriga-se a fazer construir um edifício composto de unidades autônomas, alienando-as a outras partes (os adquirentes), em regime de condomínio, com as fraç̧ões ideais do terreno. A incorporação imobiliária não é disciplinada pelo Código Civil, sendo regulada pela Lei n. 4.591, de 16-12-1964, e posteriores alterações e regulamentações.