A PARTILHA EM VIDA COMO INSTRUMENTO DE PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO
Alessandro Amadeu da Fonseca
Nicole Najjar Prado de Oliveira
Beatriz de Almeida Borges e Silva
Em tempos de pandemia, instrumento jurídico ganha destaque pela garantia de previsibilidade do futuro
O cenário de incertezas, pelo qual estamos passando em virtude da pandemia causada pelo novo coronavírus, reaviva a importância da discussão sobre buscar alguma previsibilidade para o futuro, trazendo de volta à pauta do dia a reflexão sobre os instrumentos jurídicos tendentes a assegurar o planejamento do imponderável
Nesse contexto, desponta como um instrumento jurídico de planejamento sucessório, desconhecido pelo público em geral, inclusive por grande parte dos juristas, a chamada partilha em vida – mecanismo que possibilita de imediato a transferência em vida da totalidade dos bens detidos por uma pessoa física a seus herdeiros necessários, desburocratizando e facilitando a sucessão de ativos da família ao dispensar a necessidade de testamento e, até mesmo, da abertura de processo de inventário no momento do falecimento.
Diferentemente do que muitos podem pensar em um primeiro momento, não se trata de um contrato versando sobre a herança de pessoa viva – o vedado pacta corvina –, mas de instituto próprio, legalmente previsto, por meio do qual antecipa-se para o momento atual os efeitos patrimoniais do falecimento.
A partilha em vida pressupõe que o ascendente transfira, por meio de escritura pública lavrada em um tabelionato de notas, a totalidade de seus bens aos herdeiros, reservando para si somente o usufruto relativo a determinados bens e/ou patrimônio suficiente para a sua subsistência.
Deve-se considerar, para essa finalidade, a necessidade de manutenção dos padrões de vida então experimentados pelo autor da partilha no momento da formalização da transferência de ativos.
De igual forma, a validade da partilha em vida requer que a divisão do patrimônio contemple todos os herdeiros necessários, pois se algum deles for lesado na porção legítima da herança, seja pelo nascimento de um novo filho ou reconhecimento de paternidade, a divisão de ativos deverá ser obrigatoriamente corrigida.
Como decorrência da partilha em vida, quando do falecimento do ascendente, não será a princípio necessária a abertura de processo de inventário, em virtude da inexistência de ativos remanescentes a serem partilhados entre os herdeiros.
E, mesmo sendo a partilha necessária com relação ao patrimônio reservado para subsistência do ascendente ou posteriormente adquirido, tal partilha se mostrará bastante simplificada e livre de discussões de valores e proporções de divisões, reduzindo as chances de conflitos entre os herdeiros.
É importante destacar que, apesar de a partilha em vida se assemelhar à doação, inclusive para fins fiscais, com ela não se confunde, visto que os herdeiros necessários por ela beneficiados – tais como o cônjuge e os descendentes – não terão que futuramente rediscutir o patrimônio antecipadamente recebido pelo ascendente, tal como aconteceria em caso de doação, pois estarão dispensados de trazer os bens recebidos nesse contexto à colação.
Em termos práticos, tomemos como exemplo uma situação em que o pai doa a um de seus dois filhos um imóvel e, ao outro, uma parcela de sua participação societária junto a uma empresa.
No caso de uma doação, a diferença da natureza dos bens e uma possível variação de seus valores ao longo dos anos poderia, no momento do falecimento do ascendente, gerar uma discussão a respeito da equivalência do patrimônio recebido.
Por outro lado, a escolha pela partilha em vida evita esse questionamento futuro pelos herdeiros, pois traz para o momento presente os efeitos e o consentimento de todas as partes que, em outros cenários, só poderiam ocorrer anos depois, no momento do falecimento do ascendente.
Mas é importante ter em mente que como consequência da realização da partilha em vida, os bens se transferirão imediata e definitivamente aos novos titulares, não sendo possível a revogação ou o arrependimento por parte de seu autor.
Inclusive, na hipótese de falecimento de um dos beneficiados antes da morte do ascendente, os bens por ele recebidos na partilha em vida serão normalmente transmitidos a seus sucessores, visto que perfeitamente integrados ao seu patrimônio.
Por tudo isso, ao consagrar a plena antecipação dos efeitos sucessórios e viabilizar o planejamento patrimonial familiar de forma eficiente, o instituto da partilha em vida possibilita ao seu autor trazer ao mundo dos fatos – tanto quanto possível – a desejada previsibilidade do futuro.
No entanto, tendo em vista seu caráter imediato e irrevogável, mostra-se fundamental aos planejadores e assessores envolvidos que realizem uma análise sólida da estrutura de ativos e da configuração familiar.