PARTILHA E SUCESSÃO DAS QUOTAS EMPRESARIAIS
Douglas Phillips Freitas
A atividade empresarial tem se tornado, nos últimos tempos, cada vez mais complexa e a correlação com os direitos de família dos sócios mais íntima a cada ano. Outrora a jurisprudência e doutrina pátria pouco discorriam sobre direitos dos cônjuges (e até herdeiros, por vezes) nos casos de divórcio e falecimento do sócio de uma empresa limitada.
As sociedades anônimas e as firmas individuais são mais fáceis, por assim dizer, visualizar e efetivar a partilha e sucessão de tal patrimônio, pois no primeiro caso, as ações, de regra, titularizadas e endossáveis são transmissíveis e, no segundo, o patrimônio da pessoa jurídica confunde-se com o da física.
Nas sociedades limitadas a situação torna-se mais complexa, pois, pela natureza desta forma de constituição empresarial há terceiros (sócios) envolvidos e, não necessariamente há possibilidade de inclusão destes cônjuges e herdeiros serem incluídos na sociedade em casos de divórcio ou morte, pois a regra vigente no caso concreto é àquele regulado pelo contrato social, a disposição de vontade e lei entre as partes – sócios envolvidos.
1. PARTILHA DAS QUOTAS EMPRESARIAIS
Como informado, antigamente a atividade empresarial era tido, nos casos de divórcio, como patrimônio particular e indivisível do cônjuge/sócio, sendo objeto de discussão (justificação) na fixação da pensão, mas, raras vezes, de partilha, até por conta das disposições – e estrutura – contratuais proibitivas do ingresso de terceiros (mesmo cônjuge) na sociedade sem a autorização dos demais sócios.
Este entendimento, de certa forma equivocado – ou minorado em sua realidade – perdurou até alguns anos, quando passaram a ser arrolado o patrimônio empresarial como patrimônio do cônjuge (sócio) a ser partilhado (ou, pelo menos, indenizado), a fim de constituir a meação.
Este novo enfoque trouxe o tema a discussão, que num primeiro momento, como sempre, houve certos equívocos, mas, hoje, mantem certa homogeneidade nas decisões, cada vez mais ampliativas e galgando novas teses e discussões concernentes que, boa parte, se analisará mais a frente.
1.1. Da natureza das quotas sociais em relação à meação
As quotas sociais de uma sociedade limitada concernem ao sócio um percentual sobre a totalidade da empresa. Este contrato, de outro lado, traz o regramento sobre a correlação entre os sócios e, geralmente, veda o ingresso de terceiros.
Neste contexto, dependendo do regime de bens do casal, quando um deles constitui uma empresa ou acresce suas cotas em empresa pré-existente, há um crescimento patrimonial de um dos cônjuges ou companheiro, e, como dito, dependendo do regime de bens, havendo meação, ao cônjuge ou companheiro não sócio, surgem direitos.
O fato é que a meação das quotas sociais não podem – salvo expressa previsão no contrato social – permitir a titularização das mesmas ao cônjuge/companheiro não sócio quando a sociedade é limitada, ao contrário do que acontece numa firma individual ou sociedade anônima.
Por tais razoes, ao cônjuge;/companheiro não sócio, o valor decorrente das quotas sociais que teria direito – mas por vedação do contrato social não pode se titularizar – deverão ser indenizadas – ou compensadas em outros bens particulares do casal.
1.2. Da subsociedade
A indenização do valor resultante das quotas sociais adquiridas ou acrescidas pelo cônjuge/companheiro sócio a ser pago à cônjuge/companheira não sócia se dará numa relação de subsociedade, onde, aquele que não integra a sociedade é sócio de seu cônjuge/companheiro por força da meação, mas não o é em face aos demais sócios que integram a sociedade. Neste sentido:
AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE COMERCIAL C/C PEDIDO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS E HAVERES. MULHER CASADA QUE PRETENDE A MEAÇÃO DAS COTAS SOCIAIS DO VARÃO. ILEGITIMIDADE ATIVA CARACTERIZADA. PARTILHA DE BENS COMO VIA ADEQUADA. Não tem legitimidade ativa para pedir a dissolução da sociedade comercial a esposa de um de seus sócios que não tem participação societária direta na empresa. A pretendida meação das cotas sociais do marido deve ser incluída na partilha de bens do casal, até porque poderá ser sócia do marido, em suas cotas, mas não da sociedade (TJSC. AC 878659-SC. Rel.: Carlos Prudencio. DJ 9/6/1998).
E,
AÇÃO DE SEPARAÇÃO CONSENSUAL – PARTILHA DE QUOTAS DE SOCIEDADE DE RESPONSABILIDADE LIMITADA – DETERMINAÇÃO DE TRANSFERÊNCIA DA METADE DAS QUOTAS PERTENCENTES AO VARÃO PARA A MULHER – INADMISSIBILIDADE – FORMAÇÃO APENAS DE UMA SUBSOCIEDADE – SITUAÇÃO QUE NÃO AUTORIZA A INCLUSÃO DA ADQUIRENTE COMO SÓCIA DA EMPRESA – EXISTÊNCIA DE CLÁUSULA CONTRATUAL QUE PROÍBE OS SÓCIOS DE TRANSFERIR SUAS QUOTAS SEM A EXPRESSA CONCORDÂNCIA DOS DEMAIS – INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 334, DO CÓDIGO COMERCIAL E 1.388, DO CÓDIGO CIVIL (TJSC, AI. Relator: Des. Carlos Prudêncio)
Tais situações discutidas denotam que a responsabilidade pelo cumprimento das obrigações na partilha e efeitos dela decorrentes é exclusivamente do cônjuge/companheiro sócio e não da sociedade, embora, como se verá mais a frente, poderá haver efeitos contra a sociedade, desde a prestação de informações como, também, ao repasse de lucros àquele não sócio. De forma didática, é entendimento jurisprudencial sobre o caso:
Diante das novas disposições introduzidas pelo Código Civil de 2002, fica evidente que a “meeira das cotas” não pode obrigar a sociedade, quer a aceitá-la em seus quadros, em face de ineficácia da transação perante a pessoa jurídica nos termos do art. 1.003 do CC/2002, quer a apurar e consequentemente pagar os direitos societários que aquela adquiriu perante o ex-cônjuge (art. 1.027 do CC/2002), devendo aguardar a liquidação integral da sociedade ou das cotas titularizadas pelo último.
De todo modo, tal entendimento não constitui óbice ao levantamento do efetivo valor patrimonial das cotas partilhadas e titularizadas pela ex-mulher do sócio, pois a ela, inegavelmente, compete o direito de apurar o quantum correspondente aos direitos que adquiriu.
E, apurada a quantia, embora a meeira nada possa exigir das sociedades, poderá postular o adimplemento pelo ex-marido, ou, ainda, alienar os aludidos direitos a terceiros, eventualmente interessados na respectiva aquisição (TJSC. AI 2006.025470-4. Des. Rel.: Marco Aurélio Gastaldi Buzzi. DJ 22.11.2007)
1.3. Valor da indenização:
O valor da indenização que o cônjuge/companheiro que é sócio deverá pagar ao cônjuge/companheiro não sócio será, primeiramente, calculado sobre o valor REAL equivalente a sua participação societária à época da separação de fatos. O valor de sua participação na empresa deverá ser auferido e, o quantum resultante deverá ser pago aquele não sócio.
Para a apuração deste quantum pode aquele não sócio praticar atos de investigação sobre o patrimônio da empresa, com acesso, inclusive a dados bancários, livros, entre outros tipos de documentos e fatos, pois, não raras vezes, o valor real da empresa é muito superior aos valores declarados ou contabilizados. Neste sentido eis julgado:
MANDADO DE SEGURANÇA REQUERIDO POR SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA, NA QUALIDADE DE TERCEIRO PREJUDICADO, VISANDO A CASSAR DECISÃO QUE, EM MEDIDA LIMINAR, DETERMINOU A VERIFICAÇÃO CONTABIL DE LIVROS E DOCUMENTOS FISCAIS DA IMPETRANTE.- EXAME CONTABIL QUE TEM ASSENTO NO ART. 382 DO CPC, CUJO OBJETIVO E A SEGURANÇA DA PARTILHA DE BENS DECORRENTE DA DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE CONJUGAL. LEGALIDADE DA MEDIDA. – RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO (STJ, RMS 2618/SP, Rel. Ministro ANTONIO TORREÃO BRAZ, QUARTA TURMA, julgado em 24.05.1994, DJ 01.08.1994 p. 18650).
A prática de tais atos se dá da forma como se o sócio buscasse a sua retirada da empresa (apuração de haveres) e com o quantum recebido, pagasse ao cônjuge/companheiro não sócio o valor equivalente a meação. Sobre a apuração de haveres, é dito da lei:
Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo:
I – se o contrato dispuser diferentemente;
II – se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;
III – se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido.
E,
Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.
1º O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota.
2º A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário.
A utilização das regras pertinentes a apuração dos haveres para alcançar o valor real – e não ficto – da participação societário cônjuge/companheiro sócio poderá ser feito por cônjuge/companheiro – que tem legitimo interesse na investigação de tal valor – mesmo nos casos de sócio minoritário, motivo pelo qual, não é estranho ver contratos sociais admitindo tais cônjuges/companheiros na sociedade após o fim da união conjugal a fim de evitar que as informações e realidade da empresa – muitas vezes com “caixa dois”, por exemplo – sejam descortinados no judiciário, levando para o seio empresarial a discussão ao invés das varas de família.
1.4. Rendimentos e alimentos:
Até a indenização do cônjuge/companheiro não sócio sobre o valor das quotas que possui decorrente da meação, as verbas assessórias decorrentes deste patrimônio – ora assessórias – como o juros de um capital, são devidos ao cônjuge/companheiro não sócio.
MEDIDA CAUTELAR INOMINADA – LIMINAR VISANDO O RECEBIMENTO DE METADE DOS LUCROS E DIVIDENDOS AUFERIDOS PELO REQUERIDO, OURIUNDOS DE SUA PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA EM EMPRESA – CABIMENTO – EMPRESA REQUERIDA QUE DEVE PROVIDENCIAR O DEPÓSITO DO VALOR CORRESPONDENTE À METADE DA RENDA QUE SERIA DESTINADA AO REQUERIDO – MEDIDA QUE VISA PRESERVAR EVENTUAIS INTERESSES PATRIMONIAIS DA AGRAVANTE. DECISÃO REFORMADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO (TJSP. AI 994090379411. Rel.: Neves Amorim. DJ 12/04/10)
Enquanto não há direito ou participação sobre o pró-labora de cônjuge/companheiro sócio, valor este que será base de cálculo para os alimentos – aos que necessitar – a participação nos lucros, por exemplo, é verba assessória decorrente da participação societária, assessória, logo, tal valor deverá ser repassado àquele não sócio.
2. SUCESSÃO DAS QUOTAS
No caso de falecimento do sócio, não há assunção imediata dos herdeiros na sociedade, pois assim como no fim da conjugalidade, os herdeiros e a esposa não fazem parte do contrato social e os demais sócios não são obrigados a aceita-los na sociedade.
Não é raro ver contratos sociais que trazem como regra de apuração de haveres – em caso de saída, expulsão ou morte do sócio – o pagamento de sua quota em parcelas, com próprios bens da empresa, estoque, entre outras formas, além de retirar da base de cálculo na apuração de haveres, nome da empresa, entre outras questões.
Tais previsões possuem o manto da força vinculante da vontade dos contratantes que, em vida – e após a morte – vinculam esta obrigação entre si e para com seus herdeiros. Afinal, sendo um patrimônio – ou recebível – o evento morte, não altera tal natureza.
Aos herdeiros quando o contrato social permite sua inclusão em caso de morte, há necessariamente o dever de obter sua anuência em serem sócios ou receberem a indenização decorrente de sua cota parte – não podendo ser compulsoriamente incluídos na sociedade.
Mas, não havendo tal previsão contratual, a regra é o da indenização – salvo anuência dos demais sócios – , logo, não há que se falar em trazer, como se vê muitas vezes na prática, o inventariante à gerencia ou funções da empresa, quando, respectivamente, o sócio falecido era o administrador ou praticava determinadas funções naquela sociedade.
A sociedade deve informações ao espólio na pessoa de seu representante, mas, o espólio, os herdeiros, não perfazem tal sociedade.
3. DA APURAÇÃO DE HAVERES COMPULSÓRIA (TOTAL OU PARCIAL):
Não é rara as vezes que o cônjuge;/companheiro sócio esconda-se atrás da empresa e de seus sócios no intuito de furtar direitos daquele não sócio, prática corrente, também na morte do sócio. Em situações assim, as práticas vão desde mascarando valores da empresa, quotas ou mesmo o repasse de valores a título de alimentos ou participação nos lucros, até omissão de bens da sociedade. Em todos os casos, muito comum, que a empresa seja o único patrimônio partilhável do casal.
Qual seja o caso, é entendimento que àquele não sócio, no intuito de efetivar seu direito, promova dissolver a sociedade a fim de que os sócios – se não terceiros, com a dissolução integral da empresa – promova o pagamento da empresa, se a mesma – único patrimônio – for necessária para honrar com tais obrigações, mesmo atingindo terceiros, pois, nestes casos, aplicam-se, de forma paralela as regras do condomínio, ressalvado, é claro, os direitos e deveres pertinentes as relações empresariais.
[…] E, apurada a quantia, embora a meeira nada possa exigir das sociedades, poderá postular o adimplemento pelo ex-marido, ou, ainda, alienar os aludidos direitos a terceiros, eventualmente interessados na respectiva aquisição (TJSC. AI 2006.025470-4. Des. Rel.: Marco Aurélio Gastaldi Buzzi. DJ 22.11.2007)
Tal alienação é última ratio, devendo, em todos os casos, primeiramente se buscar a compensação em outros bens particulares, pois, aos demais sócios, há, de regra, relação de boa-fé e não participação do litígio instaurado entre sócio e cônjuge/companheiro não sócio, mas com interesse e direito legítimo a tal patrimônio que é – por excelência – co-propriedade de terceiros (demais sócios).