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PARTILHA DOS RENDIMENTOS OBTIDOS PELA POSSE EXCLUSIVA DE BENS COMUNS APÓS O DIVÓRCIO: ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS PATRIMONIAIS

PARTILHA DOS RENDIMENTOS OBTIDOS PELA POSSE EXCLUSIVA DE BENS COMUNS APÓS O DIVÓRCIO: ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS PATRIMONIAIS

Amanda de Paula Chaves

Ao longo dos anos, os arranjos familiares se reinventaram, provocando mudanças substanciais na organização de cada entidade familiar, especialmente, no modo de aquisição de patrimônio e eventual partilha de bens no ato do divórcio. Consoante a isso, cabe trazer luz ao conceito de esforço comum para aquisição de bens no intuito de compreender as suas consequências patrimoniais no divórcio.

O esforço comum não se restringe à prova do efetivo aporte de dinheiro na aquisição em conjunto de bens titulados somente em nome de um dos cônjuges. Abrange, inclusive, trabalhos invisíveis e indiretos, como, por exemplo, a organização da vida doméstica para criar condições de ascensão profissional do outro cônjuge, razão pela qual a evolução patrimonial do casal deve corresponder, o máximo possível, às condições de afeto.

Não há dúvidas de que todo fim de relacionamento implica na redução do padrão de vida, entretanto, existem institutos jurídicos que se destinam a mitigar a queda repentina do padrão de vida e reduzir os efeitos deletérios da separação mediante a fixação de alimentos compensatórios. Nesse sentido, o ilustre doutrinador Rolf Madaleno [1] elenca duas vertentes de alimentos compensatórios destinados à reparação dos prejuízos econômicos derivados da ruptura da vida conjugal:

A pensão compensatória pela perda, pelo não exercício, ou pela retenção por somente um dos cônjuges da posse e administração dos bens conjugais comuns e que geram qualquer forma de renda, como aluguéis, arrendamentos, frutos naturais, sociedades empresárias, cuja retenção o consorte ou companheiro mantém com exclusividade até a efetiva partilha desses bens comuns e comunicáveis;

A pensão compensatória pela queda brusca do padrão econômico e financeiro, especialmente quando quem os reclama tampouco possui bens conjugais ou convivenciais em razão do regime obrigatório ou convencional de separação de bens.

No que concerne à primeira hipótese, alimentos compensatórios patrimoniais – objeto de estudo deste artigo -, entende-se que, sendo dois os titulares e estando somente um usufruindo do bem, torna-se impositiva a divisão de lucros ou o pagamento pelo uso e posse exclusivos por apenas uma das partes.

Quanto à segunda hipótese, alimentos compensatórios humanitários – em comento apenas à título elucidativo -, entende-se como uma espécie de indenização decorrente da repentina redução do padrão socioeconômico em razão do divórcio, sendo indiferente o regime de bens adotado pelo casal, uma vez que as benesses são desfrutadas naturalmente em um único e compartilhado ambiente de convivência durante o matrimônio.

Neste caso, o propósito não é manter o padrão de vida desfrutado durante o casamento, mas sim de corrigir o desnível econômico advindo da ruptura do casal, aproximando os alimentos compensatórios dos gastos aos quais o consorte foi acostumado e que ele por si só não tem condições de atingir com o resultado de sua atividade profissional.

Primando-se pela clareza e objetividade do texto, retorna-se aos alimentos compensatórios patrimoniais, a fim de adentrar com mais profundidade ao assunto. Como bem se sabe, após o divórcio, muitas vezes, as partes entram numa espécie de digladiação eterna quanto à partilha de bens, pois utilizam o patrimônio como mecanismo de vingança pelas “dores” sofridas durante o relacionamento.

Ocorre que a postergação da partilha dos bens comunicáveis cria um cenário em que apenas uma das partes se mantem na posse e administração dos bens, usufruindo individualmente dos rendimentos proporcionados pela massa patrimonial que, na verdade, pertence aos dois litigantes. Consoante a isso, o Superior Tribunal de Justiça reputa regular a exigibilidade do pagamento de parte da renda líquida decorrente do usufruto ou da administração unilateral dos bens comuns.

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. ADMINISTRAÇÃO EXCLUSIVA DE PATRIMÔNIO COMUM BILIONÁRIO. ALIMENTOS RESSARCITÓRIOS. CABIMENTO. DECISÃO EXTRA PETITA. INEXISTÊNCIA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E DESPROVIDO.

O Tribunal de origem analisou todas as questões relevantes para a solução da lide de forma fundamentada, não havendo falar em negativa de prestação jurisdicional.

Os alimentos compensatórios são fruto de construção doutrinária e jurisprudencial, fundada na dignidade da pessoa humana, na solidariedade familiar e na vedação ao abuso de direito. De natureza indenizatória e excepcional, destinam-se a mitigar uma queda repentina do padrão de vida do ex-cônjuge ou ex-companheiro que, com o fim do relacionamento, possuirá patrimônio irrisório se comparado ao do outro consorte, sem, contudo, pretender a igualdade econômica do ex-casal, apenas reduzindo os efeitos deletérios oriundos da carência social.

Apesar da corriqueira confusão conceitual, a prestação compensatória não se confunde com os alimentos ressarcitórios, os quais configuram um pagamento ao ex-consorte por aquele que fica na administração exclusiva do patrimônio, enquanto não há partilha dos bens comuns, tendo como fundamento a vedação ao enriquecimento sem causa, ou seja, trata-se de uma verba de antecipação de renda líquida decorrente do usufruto ou da administração unilateral dos bens comuns.

O alimentante está na administração exclusiva dos bens comuns do ex-casal desde o fim do relacionamento, haja vista que a partilha do patrimônio bilionário depende do fim da ação de separação litigiosa que já se arrasta por quase 20 (vinte) anos, o que justifica a fixação dos alimentos ressarcitórios.

Não existe decisão fora dos limites da demanda quando o julgador, mediante interpretação lógico-sistemática da petição inicial, examina a pretensão deduzida em juízo como um todo, afastando-se a alegação de ofensa ao princípio da adstrição ou congruência. As instâncias ordinárias apreciaram o pedido em concordância com a causa de pedir remota, dentro dos limites postulados na exordial, não havendo falar em decisão extra petita.

Recurso especial conhecido e desprovido.

(REsp n. 1.954.452/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 13/6/2023, DJe de 22/6/2023.)

Os alimentos compensatórios patrimoniais fundamenta-se no parágrafo único do artigo 4º da Lei 5.478/1968[2], de modo que, o consorte ou companheiro que se encontra na administração isolada dos bens comuns, nos regimes da comunhão universal, comunhão parcial, participação final nos aquestos ou separação obrigatória[3] – neste último caso, desde que haja prova do esforço comum -, e que detém a integralidade da renda líquida dos bens comuns, pode ser compelido a repassar parte da renda líquida para a pessoa da qual está se separando.

Ressalta-se que a queda no padrão de vida, neste caso, é irrelevante. O fator primordial é a existência de bens comuns que geram renda, mas que se encontram sobre a livre e unilateral administração de apenas uma das partes. Não se trata, portanto, de indenização, mas sim da justa partilha dos rendimentos líquidos de bens que pertencem na verdade à ambos os cônjuges.

A título explicativo informa-se que no momento da partilha desses rendimentos – locação, arrendamento, aplicações financeiras, dividendo de ações, créditos de poupança, lucros de sociedade empresária – leva-se em consideração os custos de manutenção, administração, conservação e tributação incidente sobre as rendas auferidas, por isso, são partilhados os valores líquidos e não brutos.

Por outro lado, o célebre doutrinador Rolf Madaleno sustenta que, na hipótese de os bens conjugais não produzirem rendimentos, admite-se o arbitramento de locativos até a realização da partilha. Entretanto, deixa claro que tal entendimento é controverso perante os Tribunais.

Pode ser pleiteado em juízo o arbitramento de um valor a título de aluguel pelo uso exclusivo da meação do outro e enquanto não realizada a partilha, o que não tem sido acatado pela majoritária jurisprudência que não encontra respaldo legal no arbitramento de locativos sobre bens ainda em estado de indivisão, o que só seria factível depois de promovida a partilha oficial dos bens conjugais  e em cuja hipótese, sim, os bens deixarão de ser identificados como meras meações, passando os ex-cônjuges ou ex-conviventes a ser condôminos diante da formal e efetiva divisão de suas meações (2023. p 230).

A finalidade dos alimentos compensatórios patrimoniais, portanto, é equalizar os rendimentos que são comuns a ambos os consortes, independentemente de quem esteja na posse do bem. Todavia, quem se encontra na posse dos bens, por óbvio, buscará procrastinar o desfecho do divórcio, mediante discussões tolas e infundadas, com o único propósito de continuar se beneficiando das rendas obtidas por intermédio da posse e administração exclusivas dos bens. Afinal, se quem permanece usando o bem comum não se sujeita a qualquer ônus, dificilmente terá interesse em proceder à divisão do patrimônio.

Por essa e todas as outras razões expostas, a partilha dos lucros obtidos a partir dos bens comuns representa um direito verossímil, justamente pelo fato dos rendimentos serem provenientes do direito de meação. Dessa forma, torna-se praticamente escassa a margem de eventual erro ou de precipitação do julgador ao conceder uma tutela antecipada no intuito de compelir a entrega da metade líquida dos rendimentos comuns e, por consequência, evitar o enriquecimento ilícito daquele que se encontra na posse exclusiva dos bens comunicáveis.

 

 

[1] MADALENO, Rolf. Alimentos Compensatórios: patrimoniais humanitários. 1. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023.

[2] Art. 4º As despachar o pedido, o juiz fixará desde logo alimentos provisórios a serem pagos pelo devedor, salvo se o credor expressamente declarar que deles não necessita.

Parágrafo único. Se se tratar de alimentos provisórios pedidos pelo cônjuge, casado pelo regime da comunhão universal de bens, o juiz determinará igualmente que seja entregue ao credor, mensalmente, parte da renda líquida dos bens comuns, administrados pelo devedor.

[3] Súmula 377 STF: No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.