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PARTILHA DOS LUCROS DA EMPRESA NO DIVÓRCIO- IMPORTÂNCIA DO PACTO ANTENUPCIAL

PARTILHA DOS LUCROS DA EMPRESA NO DIVÓRCIO- IMPORTÂNCIA DO PACTO ANTENUPCIAL

Rénan Kfuri Lopes

         A regra geral do art. 1.027 do Código Civil prescreve que o cônjuge de sócio que se separou judicialmente, não pode exigir desde logo a parte que lhes couber na quota social, mas sim concorrer à divisão periódica dos lucros, até que se liquide a sociedade.

         Casais sob o regime parcial de bens terão direito aos lucros da empresa, ainda que as quotas empresariais sejam incomunicáveis e mesmo que a empresa tenha sua constituição anterior ao casamento, pois nos termos do art. 1.660 do Código Civil, tantos os frutos dos bens comuns, quanto os particulares, se foram adquiridos na constância do casamento são comunicáveis[1]. O mesmo raciocínio se aplica ao regime universal, ex vi art. 1.669 do Código Civil.

         Os casais sob o regime de separação obrigatória, sob a luz da súmula 377 do STF, em tese, partilham os bens adquiridos onerosamente durante o casamento, desde que haja prova do esforço comum[2]. Entretanto, como quem está sob esse regime não pode constituir sociedade, o que provaria o esforço comum, o entendimento majoritário é que nesse regime o ex-cônjuge não terá direito aos lucros da empresa.

         Noutra hipótese, no caso de reversão dos lucros líquidos, ou seja, o sócio da empresa reaplica os lucros/dividendos na própria sociedade, aumentando, assim, o valor das suas cotas ou ações, nesse caso o lucro será partilhável. Independentemente de o lucro ser distribuído através de pagamento em dinheiro ou pela incorporação direta na sociedade, em ambos os casos, os lucros auferidos devem ser considerados como percebidos a título oneroso sendo, portanto, comunicáveis.

         Entretanto, se foi utilizado a reserva legal da empresa para fazer a aplicação dos lucros, esses devem se excluídos da partilha, porque dizem respeito à parcela do lucro líquido que a empresa decidiu utilizar para a valorização do capital social. No caso que o lucro tenha sido distribuído ao sócio e esse resolveu reinvestir na empresa, será considerado acréscimo, é a reversão do lucro líquido; portanto, o lucro será partilhado com o ex-cônjuge.

         A capitalização com reserva de lucros a constituir produto da sociedade e não do sócio tem a finalidade de incrementar “o capital social com o remanejamento dos valores contábeis da empresa, em consequência da própria atividade empresarial. Portanto, não constituem frutos do bem particular do consorte, motivo pelo qual, não integram o rol de bens comunicáveis quando da dissolução da sociedade familiar”.[3]

         Importante acrescer que a simples valorização econômica da ação não será partilhada. A valorização das quotas sociais não é partilhável por se tratar de mero fenômeno econômico que independe da atuação de qualquer dos cônjuges.

         Nessa toada, as sociedades simples, que prestam serviços de natureza intelectual, artística ou científica (médico/advogado /arquiteto) ou cooperativa, que não tenha o elemento empresa, via de regra, os lucros não serão partilhados com o ex-cônjuge, apenas quando configurado desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. No entanto, o tema não é pacífico, há tribunais que decidiram que os lucros são partilháveis.

         Importante consignar que o cônjuge não será sócio, e para não ficar em uma situação ad eternum, participando dos lucros da empresa, o aconselhável é indenizar ou compensar em outros bens particulares do casal.

         Resume o Prof. GUSTAVO SAAD DINIZ que estariam fora de uma partilha de sobrevalor das participações societárias: (a) bem imóvel integralizado antes do vínculo conjugal e que teve mera valorização de mercado; (b) valores destinados à formação de reservas de capital e de lucros, por ser fenômeno contábil para contenção de prejuízos e não compor o patrimônio do sócio [STJ, REsp 1.595.775], ressalvadas transferências simuladas com objetivo de fraudar a partilha; (c) dentro do patrimônio líquido do art. 178, III, da LSA, também se ressalvam ajustes de avaliação patrimonial e ações em tesouraria, porque não se transferem ao patrimônio do sócio. Nessas hipóteses, a atividade econômica desempenhada pela sociedade gerou os resultados e as valorizações de mercado não correspondem a acréscimos derivados de incorporações patrimoniais feitas pelo sócio.

         Por outro lado, comporiam a valorização da participação societária: (a) os aumentos de capital feitos pelo cônjuge posteriormente ao vínculo matrimonial ou de união estável — ainda decorram com incorporação de lucros distribuídos ao sócio— ou que feitos sob a forma simulada de mútuo; (b) integralização de capital feita com bens adquiridos pela sociedade; (c) criação de filiais; (d) identificação de aumentos no  ativo [circulante, realizável a longo prazo, investimentos e somas ao ativo imobilizado – art. 179, I a IV, da LSA]; (e) aumento de valor de intangíveis [art. 179, VI, da LSA]. De tais valores, deve ser abatido o passivo [art. 184 da LSA] para identificação do patrimônio líquido. Já a avaliação dos intangíveis deve ser feita conforme o contrato de sociedade, acordo de acionistas ou de acordo com determinação do juiz.

         Daí a importância de se elaborar pacto antenupcial, contrato de convivência, acordo de sócios, situações da dissolução matrimonial dos sócios, especificando bens e direitos que não se comunicarão e assim pacificar os conflitos quando do casamento; “precaução e caldo de galinha não faz mal para ninguém”.

[1] EMENTA: APELAÇÕES CIVEIS – AÇÃO DE DIVÓRCIO – REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS – PARTILHA DOS LUCROS DAS EMPRESAS DISTRIBUÍDOS – CABIMENTO. 1. No regime de comunhão parcial de bens (regime legal), comunicam-se apenas os bens que sobrevierem aos companheiros na constância da união estável, presumindo-se a aquisição pelo esforço comum das partes, devendo haver, contudo, prova efetiva dessa aquisição, no período da união, além da inexistência de uma das hipóteses excepcionais legais, na esteira dos artigos 1.658, 1.659 e 1.725 do CC/02.  2. Não se estende ao ex-cônjuge a condição de sócio, por inexistir o affectio societatis, ao que se acresce que, em razão do princípio da preservação da empresa, não se admite a partilha de cotas sociais decorrente da extinção do vínculo conjugal, até que se liquide a sociedade. Contudo, tem direito o ex-cônjuge à divisão periódica dos lucros auferidos no curso da união, ainda que as cotas tenham sido adquiridas antes do casamento, uma vez que se trata de frutos de bem particular que entram na comunhão, arts. 1.027 c/c 1.660, V, CC/02 [TJMG, Apel. Cível 10000180848442007 MG, DJe 23.06.2022].

[2] REsp n. 2.017.064/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 14/4/2023.

[3] STJ, Resp 1.595.775, Rel. Min. Villas Bôas Cueva, DJe 16/08/2016.