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PARA ALÉM DO DISPOSITIVO E DA TRÍPLICE IDENTIDADE: OS NOVOS LIMITES DA COISA JULGADA E A IMPOSSIBILIDADE DE NOVO PLEITO COM BASE NOS MESMOS FUNDAMENTOS JÁ CONHECIDOS E APRECIADOS

PARA ALÉM DO DISPOSITIVO E DA TRÍPLICE IDENTIDADE: OS NOVOS LIMITES DA COISA JULGADA E A IMPOSSIBILIDADE DE NOVO PLEITO COM BASE NOS MESMOS FUNDAMENTOS JÁ CONHECIDOS E APRECIADOS

PARA ALÉM DO DISPOSITIVO E DA TRÍPLICE IDENTIDADE: OS NOVOS LIMITES DA COISA JULGADA E A IMPOSSIBILIDADE DE NOVO PLEITO COM BASE NOS MESMOS FUNDAMENTOS JÁ CONHECIDOS E APRECIADOS

Tiago Bitencourt De David

SUMÁRIO: Introdução; 1 A crise da tríplice identidade; 2 A expansão dos limites objetivos da coisa julgada no novo Código de Processo Civil; Conclusão.

  

INTRODUÇÃO

O presente ensaio tem por escopo abordar os limites objetivos da coisa julgada, mostrando como a segurança jurídica impõe que se extrapole a imutabilidade também a determinados aspectos da fundamentação, sob pena da mera modificação do pedido em uma segunda demanda revelar-se hábil a fraudar o resultado do processo anterior. Assim, busca traçar-se delimitação que promova, na prática, o respeito aos princípios do acesso à justiça, contraditório, ampla defesa e fundamentação das decisões judiciais, sem que haja burla ao já assentado em julgamento anterior, respeitando-se a coisa julgada material e repudiando-se a tentativa de fraudá-la.

Para tanto, principia-se pela demonstração da insuficiência do critério da tríplice identidade, perpassam-se contribuições doutrinárias e jurisprudenciais e desemboca-se na análise do novo e promissor regime jurídico dado ao tema dos limites objetivos da coisa julgado no novo Código de Processo Civil (NCPC). 

 

1 A CRISE DA TRÍPLICE IDENTIDADE

Na linha muito bem trilhada por Alexandre Freitas Câmara, Antonio do Passo Cabral [1], Luiz Guilherme Marinoni, Sergio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero [2], pode-se dizer com tranquilidade que a tríplice identidade – de partes, causa de pedir e pedido – revela a existência de impedimento ao conhecimento da segunda demanda, pois assenta a ocorrência de coisa julgada. Entretanto, tal critério é um identificador mínimo para a aferição da coisa julgada, de forma que, sempre que houver tríplice identidade, haverá o óbice para a cognição, mas ainda haverá a impossibilidade de conhecer o pleito, mesmo ausente a identidade dos elementos do processo, também na hipótese na qual as partes e a causa de pedir sejam a mesma, ainda que diversos os pedidos [3]. Como bem asseveram Marinoni, Arenhart e Mitidiero [4]:

[…] é preciso perceber que, embora o critério da tríplice identidade tenha sido positivado entre nós, é possível ainda cotejar ações pelo critério da relação jurídica base para chegar-se à conclusão de que há litispendência ou coisa julgada entre duas ações sem que essas tenham as mesmas partes, causa de pedir e pedido. […]

[…] Isso porque o critério fornecido pelos tria eadem pode ser insuficiente para resolver problemas atinentes à identificação e semelhança entre as ações em determinadas situações. Nesses casos, além de empregar-se o critério da tríplice identidade, pode-se recorrer subsidiariamente ao critério da relação jurídica base a fim de se saber se há ou não ação repetida em determinado contexto litigioso.

Assim, a tríplice identidade é um critério, mas não o único, para a aferição do fenômeno da coisa julgada, pressuposto processual negativo que também existirá no caso de modificação do pleito anterior lastreado nos mesmos fatos e fundamentos jurídicos. Sempre que houver a tríplice identidade, haverá coisa julgada, mas nem sempre que houver coisa julgada haverá tríplice identidade [5].

Assim, não basta dizer-se que o pedido em uma demanda era um e nesta é outro – o que ainda resta dúbio no presente caso -, devendo ser os fatos deste feito diversos daqueles já conhecidos na primeira demanda. Do contrário, teria de admitir-se que fatos assentados como inexistentes em uma demanda pudessem em outra ser debatidos simplesmente porque os pedidos veiculados nas ações judiciais são diversos, criando-se um nefasto sistema de burla à litispendência e à coisa julgada. Por isso, o STJ reconheceu a coisa julgada no seguinte julgado:

ADMINISTRATIVO – RECURSO ESPECIAL – SERVIDOR PÚBLICO – EX-CELETISTA – ATIVIDADE INSALUBRE – AVERBAÇÃO DO TEMPO DE SERVIÇO – POSSIBILIDADE – COISA JULGADA EM RELAÇÃO A DETERMINADO PERÍODO REQUERIDO – RESTABELECIMENTO DA R. SENTENÇA MONOCRÁTICA – 1. O servidor público que, quando ainda celetista, laborava em condições insalubres tem o direito de averbar o tempo de serviço com aposentadoria especial, na forma da legislação anterior, posto que já foi incorporado ao seu patrimônio jurídico. 2. Precedentes (REsps 321.108/PB, 292.734/RS e 307.670/PB). 3. Todavia, já tendo sido apreciado o período compreendido entre 12.07.1976 a 28.06.1991, através de mandado de segurança apreciado pelo mérito, cuja decisão transitou em julgado, impossível sua reapreciação pela via eleita, uma vez que encontra-se acobertado pelo manto da coisa julgada. Correta, desta forma, a r. sentença monocrática que somente considerou o período de 17.12.1974 a 11.07.1976 e 01.09.1991 a 28.02.1995. 4. Recurso conhecido, nos termos acima expostos, e, neste aspecto, provido para, reformando o v. acórdão de origem, restabelecer a r. sentença monocrática em todos os seus termos.” (STJ, Recurso Especial nº 425506, Julgado em 05.08.2003)

Em outros julgados, também pode ser percebida a atribuição de maior extensão ao fenômeno da coisa julgada e a insuficiência da tríplice identidade:

Coisa julgada. Motivos. Questão já decidida. I – Tendo sido decidida a inaplicabilidade da Lei nº 8.009/1990 no acórdão de embargos de terceiro, não pode ser ela discutida novamente, sob pena de afronta à autoridade da coisa julgada. II – Embora os motivos do julgamento não se revistam da condição de imutabilidade e indiscutibilidade, muitas vezes esses motivos nada mais são que questões levantadas pelas partes e decididas, sobre as quais incide a preclusão máxima.” (STJ, REsp 63.654, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, J. 24.10.1995)

PREVIDENCIÁRIO – AGRAVO RETIDO – PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL – LABOR RURAL – COISA JULGADA – ATIVIDADE ESPECIAL – CONVERSÃO – LEI Nº 9.711/1998 – DECRETO Nº 3.048/1999 – CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO – 1. Conforme preceitua o art. 130 do CPC, ao juiz compete dizer quais as provas que entende necessárias ao deslinde da questão, bem como indeferir aquelas que julgar desnecessárias ou inúteis à apreciação do caso. 2. A fim de se verificar a coisa julgada, não se deve analisar apenas a parte dispositiva, mas o decisum como um todo. Dessa forma, é certo que faz coisa julgada o indeferimento do pedido de reconhecimento do tempo de serviço rural analisado naqueles autos, o qual é idêntico ao versado nestes. A procedência ou improcedência da demanda, independentemente dos motivos fáticos ou jurídicos versados na decisão, importa em resolução de mérito, fazendo, assim, coisa julgada material. Não há se falar, em ação desta natureza, em coisa julgada secundum litis e secundum eventum probationis. 3. A Lei nº 9.711/1998 e o Regulamento Geral da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048/1999, resguardam o direito adquirido de os segurados terem convertido o tempo de serviço especial em comum, ainda que posterior a 28.05.1998, observada, para fins de enquadramento, a legislação vigente à época da prestação do serviço. 4. Até 28.04.1995, é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, aceitando-se qualquer meio de prova (exceto para ruído); a partir de 29.04.1995, não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, devendo existir comprovação da sujeição a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05.03.1997 e, a partir de então, por meio de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica. 5. Comprovado o exercício de atividade especial, devem os períodos respectivos ser convertidos pelo fator 1,40 e somados aos interstícios campesinos observados, além dos intervalos já reconhecidos na órbita administrativa pelo INSS, o que assegura à parte autora o direito à concessão do benefício de aposentadoria integral, conforme opção mais vantajosa, a contar da data do requerimento administrativo.” (TRF4, AC 0009890-33.2013.404.9999, 5ª T., Rel. Des. Fed. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DE 08.04.2014)

A coisa julgada alcança a parte dispositiva da sentença ou acórdão, e ainda o fato constitutivo do pedido (a causa petendi). As questões que se situam no âmbito da causa petendi igualmente se tornam imutáveis, no tocante à solução que lhes deu o julgamento, quando essas questões se integram no fato constitutivo do pedido. (TJSP, Apelação nº 55.477-2, Rel. Des. Salles Penteado, J. 29.03.1984)

Há muito Francisco Paula Batista já havia notado a insuficiência da atribuição do estado de coisa julgada apenas ao dispositivo e da identificação do fenômeno mediante a tríplice identidade. Por isso, assim manifestou-se Paula Batista [6]:

  • 167. A autoridade da coisa julgada é restrita à parte dispositiva do julgamento e aos pontos aí decididos, e fielmente compreendidos em relação aos seus motivos objetivos, e não abrange o que é simplesmente indicado em forma de enunciação.

[…]

  • 168. Na aplicação da autoridade da coisa julgada, não é necessário que a identidade do objeto seja absoluta ou integral, ou, como dizem os J. C. romanos, ela não deve ser entendida literalmente, bastando que o objeto da nova demanda seja parte integrante ou acessória do mesmo direito, sobre o qual fora estatuído o primeiro julgamento, ou esteja virtualmente compreendido nele. […]

Na doutrina, o que se vê aqui sendo defendido também vem sendo denominado como eficácia positiva da coisa julgada ou transcendência dos motivos determinantes [7]. Traz-se à colação ensinamento de Daniel Amorim Assumpção Neves [8], verbatim:

A imutabilidade da coisa julgada não se exaure em sua função negativa, compreendendo também uma função positiva, que diferentemente da primeira não impede o juiz de julgar o mérito da segunda demanda, apenas o vincula ao que já foi decidido em demanda anterior com decisão protegida pela coisa julgada material.

Como se nota com facilidade, a geração da função positiva da coisa julgada não ocorre na repetição de demandas em diferentes processos – campo para a aplicação da função negativa da coisa julgada -, mas em demandas diferentes, nas quais, entretanto, existe uma mesma relação jurídica que já foi decidida no primeiro processo e em razão disse está protegida pela coisa julgada. Em vez da teoria da tríplice identidade, aplica-se a teoria da identidade da relação jurídica.

Na função positiva da coisa julgada, portanto, inexiste obstáculo ao julgamento de mérito do segundo processo, mas nesse julgamento o juiz estará vinculado obrigatoriamente em sua fundamentação ao já resolvido em processo anterior e protegido pela coisa julgada material. Reconhecida como existente uma relação jurídica (por exemplo, paternidade) e sendo tal reconhecimento imutável em razão da coisa julgada, surgindo discussão incidental a respeito dessa relação jurídica em outra demanda (por exemplo, pedido de alimentos), o juiz estará obrigado a também reconhecê-la como existente, em respeito à coisa julgada.

Na mesma linha é o vaticínio de José Roberto dos Santos Bedaque [9]:

De qualquer modo, a influência da relação substancial é determinante na fixação dos limites objetivos, ao ver da doutrina italiana. Afirma-se, por exemplo, que, tratando-se de relações jurídicas complexas, a coisa julgada se estende sobre o contrato sempre que o direito deduzido em juízo seja parte de relação mais ampla. Toda ela seria abrangida pela imutabilidade.

Note-se, ainda, que não apenas um autor renitente em relação ao resultado adverso pode tentar burlar a coisa julgada por meio de uma segunda ação, mas igualmente o réu, que, condenado em um primeira demanda, ajuí­ze uma outra, de caráter meramente declaratório, buscando induzir em erro o Poder Judiciário para esquivar-se da obrigação contra si já reconhecida. Desse modo, ainda que seja mais comum a situação na qual o autor propõe uma segunda ação judicial lastreado nos mesmos fatos e fundamentos jurídicos, apenas modificando o pedido, também é possível que o demandado sucumbente no primeiro pleito tente fraudar a coisa julgada material por meio da propositura de uma segunda demanda, almejando, na prática, tornar sem efeito prático o julgamento da primeira.

Assim, vê-se que a doutrina e a jurisprudência vêm, cada uma a seu modo, afastando-se do critério da tríplice identidade como único meio de aferição da existência da coisa julgada, reconhecendo-se a ocorrência da preclusão máxima, ainda que ausentes a identidade de partes, causa de pedir e pedido.

2 A EXPANSÃO DOS LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

No novo Código de Processo Civil (NCPC – Lei Federal nº 13.105/2015), a questão foi muito bem resolvida, extinguindo-se a ação declaratória incidental e incluindo-se nos limites objetivos da coisa julgada as questões prejudiciais sobre as quais houve o debate e cognição judiciária. Para melhor compreensão da promissora disposição legal, veja-se a literalidade de íntegra do art. 503 do NCPC:

Art. 503. A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida.

  • 1º O disposto no caput aplica-se à resolução de questão prejudicial, decidida expressa e incidentemente no processo, se:

I – dessa resolução depender o julgamento do mérito;

II – a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia;

III – o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal.

  • 2º A hipótese do § 1º não se aplica se no processo houver restrições probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da questão prejudicial.

Assim, restará inviabilizada a nova cognição do quanto já discutido e decidido anteriormente, ainda que para efeito de novo pedido. Desse modo, o NCPC expressamente inclui sob o manto da coisa julgada material a apreciação judiciária a respeito de todas aquelas questões que compunham a causa de pedir da demanda originária, vedando expressamente a cognição em uma segunda ação, indo bem além da exigência da tríplice identidade e combatendo a comum e nefasta propositura de diferentes pleitos lastreados nos mesmos fundamentos (p. ex.: determinado período de labor rural é invocado para aposentadoria por idade, sendo tal pleito rechaçado, pois não houve prova de que o autor realmente foi segurado especial, então, em uma segunda demanda, o mesmo autor narra novamente ter sido campesino, na mesma época já declinada na primeira ação, mas agora postulando outro benefício previdenciário, a saber, aposentadoria por tempo de contribuição, tentando, assim, burlar a coisa julgada).

A previsão legal mostra claramente o que parcela mais atenta da doutrina já vinha sustentando, a saber, de que a tríplice identidade é só o começo da definição do âmbito de existência da coisa julgada. O sistema atual é absurdo e prestigia as manobras mais funestas e fraudulentas, sendo verdadeiramente incrível o quanto se fechou os olhos para isso.

É claro que, se determinado período de labor rural foi apontado como causa de pedir e tal tempo não foi comprovado, então, não se pode buscar novamente a apreciação do mesmo, apenas mudando o pedido. Se assim fosse, primeiro o autor ingressaria com uma ação com pedido de aposentadoria por idade (rural), depois aposentadoria por tempo de contribuição, daí uma terceira demanda postulando aposentadoria por invalidez, etc.

Não será todo fato que será coberto pela imutabilidade da coisa julgada. Será somente o fato jurídico que puder ser, por si só, objeto de cognição judicial autônoma e sobre o qual tenha havido efetivo debate e expressa decisão.

O NCPC foi bem equilibrado ao prever que não bastará a natureza de questão prejudicial para que adentre os limites da coisa julgada, exigindo, ainda, intenso debate pelas partes e expressa decisão judicial a respeito. Ora, se um tributo era devido, então o é, seja para efeitos de declaração de tal fato jurídico e respectivo dever de pagar o tributo, seja para efeitos de repetição de indébito, quando nada haverá a ser restituído, pois o adimplemento era devido [10].

A novel codificação exclui da formação da coisa julgada as questões prejudiciais quando houver:

  1. a) revelia;
  1. b) decisão que não contemple expressamente a questão prejudicial;
  1. c) incompetência para a cognição da questão prejudicial em razão da matéria ou da pessoa;
  1. d) restrição probatória ou cognição cortada (reduzida).

Os itens “a” e “b” contemplam a realização efetiva do contraditório e da ampla defesa, sujeitando as partes ao âmbito mais amplo de formação da coisa julgada somente quando se teve ciência do que realmente foi apreciado pelo Poder Judiciário, não podendo restar implicitamente decidido algo que virá a ter força de lei entre as partes.

Sobre o item “c“, Daniel Amorim Assumpção Neves[11] oferece o excelente exemplo do reconhecimento da união estável dos réus em reclamatória trabalhista que implicam a solidariedade obrigacional passiva para efeitos de pagamento das verbas trabalhistas ao empregado doméstico da residência, de modo que o enlace afetivo não terá eficácia de coisa julgada na medida em que o foro para a ação de união estável é o estadual comum – e não o federal trabalhista. O exemplo do doutrinador é excelente e, por isso, em princípio, não se pode concordar com a decisão do STJ no quando recusado aos autores provar a união estável do réu e de terceira pessoa para fins de responsabilização patrimonial [12]. O curioso no caso é se daqui a algum tempo os mesmos envolvidos buscarem o Judiciário para ver reconhecida a união estável para fim de meação, partilha de bens, pensão por morte, etc. Quando é para recusar-se o débito, é interessante valer-se da informalidade da união estável e negá-la a mais não poder, já quando é do interesse de algum dos envolvidos comprovar o enlace, então qualquer indício já é tido como prova insofismável do firme e eterno intento de constituir família… Isso, aliás, é corriqueiro em sede de BPC/LOAS, quando a pessoa jura que mora sozinha para obter o benefício assistencial que seria negado caso computada a renda do companheiro(a), sendo certo que, depois da morte do parceiro(a), a pessoa correrá ao INSS e, depois, ao Poder Judiciário para dizer que sempre conviveu como se casados fossem, tudo em nome da pensão, ops… do amor…

Em relação ao item “d“, Cássio Scarpinella Bueno [13] oferece dois felizes exemplos de impossibilidade de extensão da coisa julgada às questões prejudiciais, a saber, o mandado de segurança e a ação de consignação em pagamento. No mandamus, somente admite-se prova documental; na ação de consignação em pagamento, debate-se a mora accipiendi ou o justo motivo para a ausência de adimplemento na forma e modo aprazado [14].

 

CONCLUSÃO

Em suma, o critério da tríplice identidade é um instrumento que tem valor na definição da coisa julgada, mas está longe de ser o único a ser levado em conta no momento da aferição da impossibilidade de recognição da causa. Seu uso, isoladamente, possibilita uma grave fraude ao instituto da coisa julgada material, permitindo que se repita o pleito com ligeira modificação do pedido, gerando insuportável insegurança jurídica e submetendo o réu a defender-se duas vezes perante ao que é, na essência, a mesma causa.

A doutrina e a jurisprudência já haviam censurado a odiosa repetição de demandas pautadas na mesma causa de pedir, reconhecendo o caráter fraudulento da reapresentação ao Poder Judiciário de questão já apreciada e assentada. Independentemente de chamar-se tal postura de doutrina da eficácia positiva da coisa julgada ou da transcendência dos motivos determinantes, fato é que a manobra espúria já vinha sendo denunciada e repelida pelas mentes mais atentas.

Agora, felizmente, o NCPC veio para pôs fim ao intento daqueles irresignados que não aceitam a derrota e valem-se de segunda demanda, mudando o pedido, com o desiderato de buscar o êxito já rechaçado. A cobertura das questões prejudiciais pelo manto da coisa julgada, independentemente de ação declaratória incidental (figura extinta na novel codificação), veio muito bem a calhar quando se precisa proteger o litigante leal, simplificando a forma de reconhecimento da coisa julgada quando do ajuizamento de ação que, em sua causa de pedir, na verdade, repete outra já repelida.

[1] CABRAL, Antonio do Passo. Coisa julgada e preclusões dinâmicas: entre continuidade, mudança e transição de posições processuais estáveis. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 105.

[2] ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. São Paulo: RT, v. 2, 2015. p. 183.

[3] Apresentando aprofundado debate sobre o tema e com posicionamento diverso do aqui sustentado: TESHEINER, José Maria. Eficácia da sentença e coisa julgada no processo civil. São Paulo: RT, 2001. p. 142-155. Disponível em: <http://www.tex.pro.br/images/Livros/LIVRO-Eficacia_da_sentenca_e_coisa_julgada_no_processo_civil_Jose_Maria_Tesheiner.pdf>.

[4] ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Op. cit.,

  1. 183; ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: RT, 2015. p. 363.

[5] CABRAL, Antonio do Passo. Op. cit., p. 105.

[6] BATISTA, Francisco de Paula. Compêndio de teoria e prática do processo civil. Campinas: Russell, 2002. p. 207 e 208.

[7] Forma e denominação por meio das quais tal corrente vem sendo defendida no Supremo Tribunal Federal.

[8] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Método, 2010. p. 496 e 497.

[9] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processso: influência do direito material sobre o processo. 6. ed., p. 143.

[10] O resumo do exemplo foi na linha do vaticinado por Antonio do Passo Cabral (op. cit.,

  1. 105).

[11] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil – Lei nº 13.105/2015. São Paulo: Método, 2015. p. 316.

[12] Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-nov-06/credor-nao-pedir-reconhe­cimento-uniao-estavel-devedor>. Entretanto, não tivemos acesso ao acórdão para compreender os exatos contornos do problema para o reconhecimento da união estável.

[13] BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 335.

[14] MARCATO, Antonio Carlos. In: MARCATO, Antonio Carlos et al. (Coord.). Código de Processo Civil interpretado. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 2601.