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PANORAMA GERAL DAS DEBÊNTURES

 

PANORAMA GERAL DAS DEBÊNTURES

Rénan Kfuri Lopes

 

 

Sumário:

  1. Investimentos
  2. As Debêntures
  3. Emissão das Debêntures
  4. Tipos de Debêntures
  5. Tipos de garantia das Debêntures
  6. Riscos do Investimento em Debêntures

  1. Investimentos

        Antes de mais nada, importante compreender que “investimentos” é dividido em 2 grupos: renda FIXA, já sabe o quanto vai ganhar,  são cobertos pelo Fundo Garantidor de Crédito [FGC] até o valor de R$ 250.000,00 [exemplo, poupança, CDB, LCI, LCA e outros]; e renda VARIÁVEL, pode ser positivo, manter ou perder, mais tradicionais: ações, fundos de ações, fundos cambiais, ETFs [Exchange Traded Fund], Fundos Imobiliários, dólar, ouro, criptomoeda e outros.

        Para uma melhor compreensão sobre investimentos, imaginemos duas situações comuns que o investidor empresta dinheiro para os bancos ou para o governo. No CDB [Certificado de Depósito Bancário], o investidor empresta dinheiro para o banco que lhe devolve com uma rentabilidade. Outra, o TESOURO NACIONAL, o investidor empresta dinheiro para o governo investir em áreas de infraestrutura e depois lhe devolve esse dinheiro com juros.

        As “debêntures” é uma situação distinta, na qual o investidor não empresta para bancos ou governo, mas sim empresta para empresas [sociedades anônimas].

  1. As Debêntures

        Normal a circunstância de empresas pegarem dinheiro emprestado em instituições financeiras/bancos para realizar investimentos ou pagar dívidas. Outra opção é emitir valores mobiliários/ações e debêntures para captar recursos

        Empresas que possuem sócios acionistas [as Sociedades Anônimas] possuem a prerrogativa de negociar títulos [documentos, papéis] que geram direito de participação nos lucros da companhia ou alguma forma de rendimento. São os valores mobiliários, cuja espécie mais conhecida é a ação. A ação é um valor mobiliário que torna seu titular, o acionista, sócio da empresa.

        A debênture é um investimento no qual a empresa o emite como um valor mobiliário.  A empresa “vende” um documento [a debênture] que garante ao comprador o direito de receber, em um tempo futuro, o mesmo valor pago, com acréscimos.

       O mecanismo é semelhante a um empréstimo. A empresa recebe o dinheiro do investidor para usá-lo como quiser, e promete me pagar lá na frente, com juros, correções e outros bônus para compensar minha espera. Simples assim. Isto são debêntures.

        Portanto, pode-se afirmar que debêntures são investimentos. Por se tratarem de aplicações financeiras, possuem riscos, rendimentos e prazo para resgate.

        Quem adquire uma debênture está adquirindo um título de dívida. Títulos de dívida são essas propostas de investimento ofertadas com o fim de captar recursos em troca de rendimento sobre o valor inicialmente pago.

        A debênture é uma espécie de título de dívida corporativa emitido por uma Sociedade Anônima. Enquanto investir no Tesouro Direto nada mais é que comprar um título de dívida pública; e investir em CDBs [Certificados de Depósito Bancário] é comprar um título de dívida de uma instituição financeira.

        Em todos esses casos a ideia é a mesma: estamos ”emprestando” dinheiro na forma de uma aplicação, seja para uma empresa, governo ou banco, com o fim de obter lucro ao final.

        Apesar da semelhança prática, a diferença de nome é relevante, pois há regras distintas e particularidades em cada uma dessas aplicações.

  1. Emissão das Debêntures

        Entendida a ideia geral das debêntures, vejamos como elas são emitidas. As debêntures são reguladas pela Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/1976). No seu art. 52 está escrito:

Art. 52. A companhia poderá emitir debêntures que conferirão aos seus titulares direito de crédito contra ela, nas condições constantes da escritura de emissão e, se houver, do certificado.

        A debênture é titulo executivo extrajudicial, nos termos do art. 784, inciso I do CPC, emitida por sociedade por ações, sendo título representativo de fração de mútuo tomado pela companhia emitente, e que confere a seu titular um direito de crédito. É titulo mobiliário apto a ser negociado em Bolsa de Valores ou no mercado de balcão [Lei 6.404/76, art.62].[1]

        Então, as companhias podem emitir debêntures, e as condições de funcionamento desse investimento constarão na Escritura de Emissão. É neste documento que estarão contidos todos os direitos conferidos pelas debêntures, suas garantias e demais cláusulas ou condições.

        Para que uma debênture seja emitida, deve haver aprovação da assembleia geral dos sócios da companhia. Se a empresa for uma Sociedade Anônima de capital aberto, isto é, estiver inserida no mercado financeiro e devidamente regulada na Comissão de Valores Mobiliários, as debêntures poderão ser ofertadas ao público. Por outro lado, se a empresa tiver capital fechado, as debêntures só poderão ser negociadas de forma particular.[2]

        Assim, por exemplo, a assembleia de sócios da Empresa “Z” decide emitir debêntures a ser negociadas no mercado financeiro. Serão R$ 100 milhões de debêntures divididas em unidades de R$ 1.000. A assembleia formaliza, então, uma Escritura de Emissão, indicando que os investidores receberão, daqui exatamente cinco anos, o valor pago, com correção monetária e juros de 3% ao ano.

       As taxas, correções e outros benefícios possuem certa regulação legal, mas, em geral, as empresas possuem liberdade para definir as condições do investimento. Afinal, eles devem fazer propostas atrativas aos investidores.

        Os rendimentos de debêntures podem ser pré-fixados, pós-fixados ou híbridos.

        No exemplo anterior, a Empresa Z estipulou “juros de 3% ao ano”. Este seria um exemplo de rendimento pré-fixado. O dinheiro renderá 3% ao ano e ponto final!

        O rendimento pós-fixado ocorre quando as empresas atrelam o rendimento a outras taxas e índices utilizados como referência para calcular juros, inflação e correção monetária, como o IPCA [Índice de Preços ao Consumidor Amplo], a taxa Selic [Sistema Especial de Liquidação e de Custódia] e o CDI [Certificado de Depósito Interbancário]. O CDI é um dos principais referenciais para investimentos de renda fixa [como as debêntures], e ele pode variar diariamente. Se o CDI cai, a rentabilidade da debênture cai também. Este é o rendimento pós-fixado.

        Há, por fim, um tipo híbrido, com uma parte da rentabilidade pós-fixada e outra pré-fixada. Renderá, por exemplo, 3% ao ano mais outra taxa variante.

        O dinheiro investido na debênture ficará com a empresa por todo o período indicado na escritura, a não ser que sejam indicadas amortizações parciais antes do vencimento [por exemplo, o prazo de vencimento é de cinco anos e parte dos rendimentos será paga em dois], ou a própria escritura reserve o direito de resgate antecipado. Geralmente, o prazo de vencimento está na casa dos anos. Por isso, trata-se de um investimento de médio a longo prazo.

  1. Tipos de Debêntures

        Apesar das debêntures serem reguladas pela Lei das Sociedades Anônimas, as empresas possuem certa liberdade para definir as condições de emissão e atrair investidores. As debêntures disponíveis no mercado podem ser classificadas conforme algumas dessas condições.

Debêntures simples ou não conversíveis correspondem aos exemplos que demos até aqui. O titular simplesmente recebe o rendimento no prazo do vencimento, ou segundo as amortizações definidas na emissão.

Debêntures conversíveis são debêntures que podem ser convertidas em ações da companhia emissora. Em outras palavras, ao invés de receber o dinheiro ao final, o titular poderá tornar-se sócio acionista da empresa.

Debêntures permutáveis são debêntures que podem ser trocadas por ações de outras companhias, a depender, é claro, o que foi acordado na aquisição do título.

Debêntures incentivadas são oferecidas com companhias que investem na infraestrutura do Brasil [eletricidade, saneamento básico, construção de rodovia/porto/aeroporto, combustível, etc…].

Debêntures subordinadas são emitidas, normalmente, quando o investidor principal quer dar uma camada de conforto a investidores outros, deixando claro recado aos demais investidores que liquidada a companhia, os debenturistas quirografários receberão antes que os debenturistas subordinados [Lei 6.404/76, art.58, § 4º]. Remunera maior, com risco muito considerável.

        Estas são as espécies mais comuns. A ideia não é dar uma lista exaustiva, mas demonstrar que os benefícios ofertados na emissão podem ir além do simples rendimento.

        De qualquer modo, há um tipo interessante de debênture que vale a pena ser mencionado. As debêntures incentivadas, também chamadas debêntures de infraestrutura, foram criadas pela Lei nº 12.431/2011 e recentemente alteradas pela Lei 14.801/24 e podem ser emitidas para financiar projetos de desenvolvimento infraestrutural do país. O incentivo que lhes dá o nome é a alíquota zero do Imposto de Renda sobre o rendimento da debênture para pessoas físicas.

        A tributação de Imposto de Renda incide sobre os rendimentos. Pode ser isento de IR para pessoas físicas, no caso de debêntures incentivadas. As debêntures comuns seguem a tabela regressiva de IR: até 180 dias: 22,5%; de 181 a 360 dias: 20%; de 361 a 720 dias: 17,5%; acima de 720 dias: 15%. Trocando em miúdos, em investimento a longo prazo, se os juros forem pagos semestralmente, a alíquota de IR será maior.

  1. Tipos de garantia das Debêntures

        As debêntures podem ter “garantia real”, que são bens integrantes do ativo da empresa ou de terceiros, sob a forma de hipoteca, penhor ou anticrese; “garantia flutuante”, com privilégio sobre o ativo da empresa em caso de falência[3] e “garantia quirografária”, garantia sem vigor na praticada, pois não é oferecido nenhum bem específico ou privilégio de pagamento.

  1. Riscos do Investimento em Debêntures

        Como todo investimento, as debêntures possuem riscos, dentro da máxima “quanto maior a rentabilidade, maior o risco”. O principal deles é tomar um calote da companhia.

        As debêntures para serem atrativas têm de apresentar um rendimento melhor que investimentos que estão cobertos pelo FGC, sem o que não haverá sentido para o investidor abrir mão do produto do seguro defronte outro sem essa garantia que irá pagar a mesma coisa.

        Portanto, a primeira análise que o investidor tem de fazer é saber se é uma empresa boa. Ilustrando melhor, investir na “Coca Cola”, multimilionária, é mais seguro do que numa companhia sem suporte financeiro. Há empresas especializadas denominadas “Agências de Risco” ou “Agências de Rating” que indicam a confiabilidade para o investidor, analisando o “rating”/risco, para conferir se é bem avaliada ou não.[4]

        Ao fim do prazo, passados longos cinco anos de espera, a Empresa Z faliu, e os investidores ficaram de mãos abanando. Esta possibilidade não se atenua pelo fato de que debêntures não são protegidas pelo Fundo Garantidor de Crédito [FGC], que funciona como um seguro para investidores.

        Ademais, outros riscos envolvem variações intrínsecas do mercado, ou mesmo emergências pessoais, já que o investimento é de longo prazo e o resgate antecipado é a exceção para esse tipo de aplicação.

        Os créditos debenturistas, em caso de quebra da companhia, dependendo da espécie da debênture, estão colocados pelo art. 83 da Lei 11.101/05 – Lei de Recuperação Judicial e Falência. As “debêntures com garantia real” até o limite do bem gravado, estão em segundo lugar na ordem de pagamentos. “Debêntures com garantia flutuante”, por serem considerados créditos com privilégio geral, serão pagas em quinto lugar, precedidas que são pelos créditos tributários e pelos créditos com privilégio especial. As “debêntures quirografários” ou sem preferência serão pagas em sexo lugar. As “debêntures subordinadas” em oitavo lugar, junto com os acionistas.

[1] *CERCEAMENTO DE DEFESA – Desnecessidade de produção de prova pericial – Suficiência das provas documentais apresentadas para a formação da convicção do juízo – Preliminar rejeitada. *EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – Debentures – Título executivo extrajudicial – Atendimento dos requisitos legais – Vencimento antecipado em razão do inadimplemento das parcelas – Assembleia que respeitou as formalidades necessárias para constituir o vencimento antecipado do débito – Demonstração da integralização das debentures a justificar a cobrança – Alegação de excesso de execução desacompanhada do valor que entende devido – Artigo 917, § 3º e § 4º do CPC – Recurso não provido*

[TJSP, Apel. Cível 10234323220178260100 SP, DJe 22/03/2019].

[2] Apelação. Processo Civil. Prescrição. Confissão de dívida constante de instrumento particular que, devido a emissão de debêntures para seu pagamento, implicou sua novação, dando início a novo prazo prescricional, que não transcorreu por inteiro entre a data da novação e o ajuizamento da ação. Cobrança de valores resultantes de emissão de debêntures. Debêntures privadas emitidas por sociedade anônima fechada. Possibilidade. Vedação às companhias fechadas restrita à emissão de debêntures públicas. Emissão de debêntures privadas que dispensa a intervenção de agente fiduciário, que é obrigatória apenas para emissão de debêntures públicas. Emissão de debêntures autorizadas por assembleia geral extraordinária da companhia emissora, sendo irrelevante a destituição posterior de seu administrador. Emissão, ademais, constante de escritura particular devidamente registrada na Junta Comercial. Satisfação dos requisitos legais de emissão. Inexistência de nulidade. Recurso improvido [(TJSP, Apel. Cível 10192977920208260032, DJe 25/01/2023].

[3]         O art. 58, § 1º da Lei 6.404/76 assegura aos titulares de debêntures flutuantes privilégio geral sobre o ativo da companhia emissora.

[4]         Critérios: qual tem bom lucro; a situação financeira atual; qual é promissora; qual tem faturamento alto; qual já deu calote, etc. Com base nesta análise irão classificar os níveis entre A [ótima], B [boa], C [média] e D [risco acentuado].