OS PODERES PROCESSUAIS E OS EFEITOS DA COISA JULGADA EM RELAÇÃO À ASSISTÊNCIA
Pedro Aranal de Fabrício
A distinção entre as duas espécies de assistência influencia a atuação processual de acordo com os poderes, assim como no alcance dos efeitos da sentença transitada em julgado.
Denomina-se intervenção de terceiros no Processo Civil a possibilidade de um ou mais sujeitos, além das partes processuais, adentrarem ao processo, seja liminarmente ou ulteriormente, com a premissa de que o alcance de uma decisão judicial possa afetar não somente autor e réu que litigam, mas também os denominados terceiros juridicamente interessados, sendo, portanto, imprescindível a possibilidade de participação destes. Tal interesse mede-se pela ligação com a relação jurídica controvertida em juízo, nos casos de conexão, na participação direta ou indireta com a própria relação discutida ou em interesse específico no debate da matéria[1].
Sendo interessado juridicamente, o terceiro poderá ingressar de forma voluntária ao processo, espontaneamente, nas formas de assistência simples, assistência litisconsorcial ou sendo amicus curiae. Há possibilidade, também, de o terceiro ingressar de forma forçada, ou seja, convocado pelas partes ou pelo juiz, mesmo que não opte por isso, sendo nas formas de chamamento ao processo, denunciação da lide, ou pelo incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
A intervenção por assistência, tema a ser aprofundado no presente trabalho, com raiz histórica desde o período cognitio extra ordinem do Direito Romano[2], foi uma das formas remodeladas pelo Novo Código de Processo Civil, a qual consiste na inserção de um terceiro juridicamente interessado ao processo já em curso, a qualquer tempo ou grau de jurisdição, enquanto não transitar em julgado a sentença, com o objetivo de auxiliar uma das partes e fiscalizar a atuação da mesma[3]. Faz-se necessária, entretanto, a correta distinção entre a assistência simples (ad adjuvandum tantum) e a assistência litisconsorcial, baseado, conforme ensina Carneiro[4], na intensidade do interesse do assistente no resultado da demanda, assim como na sua relação com o réu, autor ou objeto litigioso.
O assistente simples é um legitimado extraordinário e subordinado, por auxiliar direito alheio e por ser essencial a presença do assistido para a regularidade da intervenção[5]. Encontra-se somente por interesse de negócio jurídico entre ele e seu assistido, podendo ter seu negócio atingido pelo reflexo da decisão judicial. Por outro lado, o litisconsorcial tem relação jurídica direta com a outra parte, sendo considerado assim sempre que a sentença influir em tal relação, inclusive com capacidade para ser autor ou réu, caso estivesse presente desde o princípio no processo, aderindo ao pedido formulado anteriormente e sendo considerado um litigante diverso do assistido, não propriamente um assistente[6].
Com tais preceitos em mente, parte-se, então, à análise dos poderes processuais de cada figura: o assistente simples goza dos mesmos poderes e ônus da parte assistida, com a ressalva de que seus atos estejam atrelados aos negócios jurídicos processuais realizados pela mesma, não podendo se contrapor a ela. Entende-se, por isso, que aqueles atos realizados pelo assistido que manifestem de forma dispositiva e expressa sua vontade, são negócios jurídicos processuais, aos quais o assistente estará sempre subordinado. Tais hipóteses se encontram no artigo 122 do CPC[7], o qual dispõe que tal assistência não obsta o reconhecimento da procedência do pedido, a desistência da ação, ou a renúncia ao direito litigado por parte do assistido[8]. Entretanto, ocorrendo a revelia ou omissão do assistido, o assistente simples transforma-se em seu substituto processual, por serem tais atos-fatos processuais em que não se mede a vontade do assistido, adquirindo o assistente, dessa forma, autonomia absoluta no processo a partir de tal momento. Nesse sentido, é certo que “se há negócio jurídico dispositivo realizado pelo assistido, o assistente a ele se subordina; essa subordinação não se dá, porém, em relação aos atos-fatos processuais praticados pelo assistido, justamente porque neles não há vontade”[9].
Quanto à outra figura, como a própria nomenclatura diz, a assistência litisconsorcial assume um papel de verdadeiro litisconsorte, gozando de poderes iguais e autônomos às partes, sem nenhuma exigência de vinculação quanto ao interesse do assistido. Vale ressaltar, ainda, que ao contrário do simples, o assistente litisconsorcial não assumirá o papel de substituto caso seu “assistido” abandone o processo, visto que sua ligação é direta com a outra parte. Na realidade, tal figura não se trata exatamente de uma forma de assistência, estando mais relacionado a uma legítima intervenção litisconsorcial ulterior[10], sem qualquer requisito de auxílio ou fiscalização ao “assistido”, inclusive denominando-o como um verdadeiro litisconsorte, excluindo-o até mesmo de uma figura de terceiro[11].
Se não bastasse, outro ponto distinto entre as duas formas de assistências se dá quanto ao alcance dos efeitos da sentença e coisa julgada, de modo que a assistência simples não é afetada diretamente pelo resultado do litígio, portanto, também não pela imutabilidade dos efeitos da sentença[12]. Entretanto, assim como seu interesse, a resolução dos fatos que fundamentaram a sentença poderá, sim, atingir o assistente simples, estando, por conseguinte, ligado de forma conexa a ela. Nesse sentido, ele está sujeito ao denominado efeito de intervenção por ter participado do processo, mesmo não sendo parte. A rediscussão da matéria em processo posterior é possível para tal assistente somente nas hipóteses previstas no artigo 123 do CPC[13], quando deverá alegar e comprovar que não pôde participar adequadamente ao processo por motivos alheios ao seu alcance. Por outro lado, o assistente litisconsorcial, por ser considerado um verdadeiro litisconsorte, é absolutamente afetado pela coisa julgada, sujeitando-se, assim, aos mesmos efeitos subordinados às partes, impossibilitando a rediscussão da matéria em momento posterior, não abrangendo sequer a exceção do supramencionado artigo 123, que só é prevista para a assistência simples.
À vista do exposto, pode-se concluir que a grande relevância se dá pela relação jurídica do assistido ou parte contrária, com a figura do assistente. Merecendo, portanto, destaque que a distinção entre as duas espécies assistenciais não somente importa para a atuação processual de acordo com seus poderes, mas principalmente para determinar o alcance dos efeitos da sentença transitada em julgado, decorrendo daí também a possibilidade ou não da rediscussão da matéria de fato em momento posterior.
BRASIL. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Planalto, Brasília, DF, 17 mar. 2015. Disponível em: . Acesso em: 28 jun 2020.
CARNEIRO, Athos Gusmão. Intervenção de terceiros. 2ª ed. São Paulo: Saraiva. 1983.
COSTA, Moacyr Lobo da. Origem romana da assistência. Revista de direito processual civil. v. 3, n. 5, p. 155-161, jan./jun., 1962
DIDIER JUNIOR, Fredie. Poderes do assistente simples no novo Código de Processo Civil: notas aos arts. 121 e 122 do projeto, na versão da Câmara dos Deputados. 2014. Disponível em: Acesso em: 28 jun 2020.
DONIZETTI, Elpídio. Assistência (arts. 119 a 124, CPC 2015). Base de dados Jusbrasil, 2016. Disponível em: Acesso em: 28 jun 2020.
MARINONI, Luiz Guilherme Bittencourt; ARENHART, Sergio Cruz; MITIDIERO, Daniel Francisco. Novo Curso de Processo Civil. 1. ed., vol. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Da Assistência. Doutrinas Essenciais de Processo Civil, vol. 3, p. 771-778, out 2011. Base de dados RT online.
[1] MARINONI, Luiz Guilherme Bittencourt; ARENHART, Sergio Cruz; MITIDIERO, Daniel Francisco. Novo Curso de Processo Civil. 1. ed., vol. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p.92.
[2] COSTA, Moacyr Lobo da. Origem romana da assistência. Revista de direito processual civil. v. 3, n. 5, p. 155-161, jan./jun., 1962. p.155.
[3] MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2015, p. 93.
[4] CARNEIRO, Athos Gusmão. Intervenção de terceiros. 2ª ed. São Paulo: Saraiva. 1983. p.92.
[5] DIDIER JUNIOR, Fredie. Poderes do assistente simples no novo Código de Processo Civil: notas aos arts. 121 e 122 do projeto, na versão da Câmara dos Deputados. 2014. Disponível em: Clique aqui. Acesso em: 28 jun 2020.
[6] DONIZETTI, Elpídio. Assistência (arts. 119 a 124, CPC 2015). Base de dados Jusbrasil, 2016. Disponível em: Clique aqui. Acesso em: 28 jun 2020.
[7] BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Planalto, Brasília, DF, 17 mar. 2015. Disponível em: Clique aqui. Acesso em: 28 jun 2020.
[8] DIDIER JUNIOR, 2014.
[9] DIDIER JUNIOR, 2014.
[10] Nesse sentido, prelecionam: Ovídio Baptista da Silva e José Carlos Barbosa Moreira. In: MARINONI; ARENHART; MITIDIERO, 2015, p. 97.
[11] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Da Assistência. Doutrinas Essenciais de Processo Civil, vol. 3, p. 771-778, out 2011. Base de dados RT online, p. 02.
[12] CARNEIRO, 1983. p. 97.
[13] Transitada em julgado a sentença no processo em que interveio o assistente, este não poderá, em processo posterior, discutir a justiça da decisão, salvo se alegar e provar que: I – pelo estado em que recebeu o processo ou pelas declarações e pelos atos do assistido, foi impedido de produzir provas suscetíveis de influir na sentença; II – desconhecia a existência de alegações ou de provas das quais o assistido, por dolo ou culpa, não se valeu. In: BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Planalto, Brasília, DF, 17 mar. 2015. Disponível em: <Clique aqui.>. Acesso em: 28 jun 2020.