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OS NOVOS LIMITES DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO RECUPERACIONAL

OS NOVOS LIMITES DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO RECUPERACIONAL

Luísa Diniz

 

O STJ (Superior Tribunal de Justiça), no REsp n° 1991103-MT, se manifestou acerca da nova interpretação dada à Lei n° 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e Falência, “LRF”), por meio da Lei n° 14.112/2020, quanto à extensão da competência do chamado “juízo universal”, na recuperação judicial (RJ).

Tal recurso tratou, sobretudo, da controvérsia acerca da competência do juízo da Recuperação Judicial para determinar a suspensão de atos constritivos, deferidos em sede de eventuais ações executivas e de cobrança de créditos extraconcursais.

Antes da alteração da Lei n° 14.112/2020, permitia-se a intervenção do juízo recuperacional nessas ações extraconcursais, quando fossem os bens objeto de constrição julgados essenciais à manutenção da atividade empresarial.

Ocorre que, dessa análise, incumbia ao juízo recuperacional uma interpretação bastante subjetiva do conceito de essencialidade, de modo que se valia de tal meio para obstar quaisquer constrições em face de bens que considerava indispensáveis à preservação da empresa, sem critérios objetivos.

Nesse sentido, sobreveio orientação restritiva desse conceito de essencialidade, a qual ficou a cargo do próprio STJ, que consolidou o seguinte entendimento:

RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CESSÃO DE CRÉDITO/RECEBÍVEIS EM GARANTIA FIDUCIÁRIA A EMPRÉSTIMO TOMADO PELA EMPRESA DEVEDORA. RETENÇÃO DO CRÉDITO CEDIDO FIDUCIARIAMENTE PELO JUÍZO RECUPERACIONAL, POR REPUTAR QUE O ALUDIDO BEM É ESSENCIAL AO FUNCIONAMENTO DA EMPRESA, COMPREENDENDO-SE, REFLEXAMENTE, QUE SE TRATARIA DE BEM DE CAPITAL, NA DICÇÃO DO § 3º, IN FINE, DO ART. 49 DA LEI N. 11.101/2005. IMPOSSIBILIDADE. DEFINIÇÃO, PELO STJ, DA ABRANGÊNCIA DO TERMO “BEM DE CAPITAL”. NECESSIDADE. TRAVA BANCÁRIA RESTABELECIDA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. […] 6. Para efeito de aplicação do § 3º do art. 49, “bem de capital”, ali referido, há de ser compreendido como o bem, utilizado no processo produtivo da empresa recuperanda, cujas características essenciais são: bem corpóreo (móvel ou imóvel), que se encontra na posse direta do devedor, e, sobretudo, que não seja perecível nem consumível, de modo que possa ser entregue ao titular da propriedade fiduciária, caso persista a inadimplência, ao final do stay period. (REsp n. 1.758.746/GO, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 25/9/2018, DJe de 1º /10/2018).

Em síntese, o que determinou a colenda corte foi que a essencialidade recaía apenas sobre bens de capital, isto é, utilizados no processo produtivo da Recuperanda, não podendo esses ser perecíveis, ou consumíveis.

Ainda assim, havia divergências acerca da possibilidade de o juízo recuperacional sobrestar, a qualquer tempo, constrições deferidas por demais juízos, dificultando, ou mesmo impedindo, a satisfação dos créditos extraconcursais.

Todavia, com o advento da Lei n° 14.112/2020, tal discussão foi finalmente cessada, uma vez que a nova legislação incluiu, no artigo 6°, da Lei n° 11.101/2005, o § 7º-A, que assim versa:

7º-A. O disposto nos incisos I, II e III do caput deste artigo não se aplica aos créditos referidos nos §§ 3º e 4º do art. 49 desta Lei, admitida, todavia, a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a suspensão dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º deste artigo, a qual será implementada mediante a cooperação jurisdicional, na forma do art. 69 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), observado o disposto no art. 805 do referido Código. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência).

Com isso, fixaram-se, basicamente, duas limitações à competência do juízo recuperacional para determinação da essencialidade dos bens e consequente suspensão de seus atos constritivos: (i) essa somente pode ser declarada sobre bens de capital, e (ii) se restringe ao prazo do “stay period”, após o qual declina a mencionada suspensão.

Por conseguinte, não restam dúvidas acerca da limitação temporal atribuída à competência do juízo recuperacional. Esse somente tem o condão de suspender as medidas adotadas por demais juízos sob a alegação de essencialidade dos bens objeto das constrições, durante o prazo do “stay period“, previsto no § 4º do mesmo artigo, isto é, 180 dias após o deferimento do processamento da Recuperação Judicial prorrogáveis, excepcionalmente, por igual período.

Nesse viés, em que pese a clareza do texto legal, o STJ voltou a se manifestar sobre o assunto, a fim de ratificar e consolidar tal questão. No REsp n° 1991103-MT, a colenda corte fixou a seguinte ementa:

Com o advento da Lei n. 14.112/2020, tem-se não mais haver espaço — diante de seus termos resolutivos — para a interpretação que confere ao Juízo da recuperação judicial o status de competente universal para deliberar sobre toda e qualquer constrição judicial efetivada no âmbito das execuções de crédito extraconcursal, a pretexto de sua essencialidade ao desenvolvimento de sua atividade, exercida, inclusive, depois do decurso do stay period.

A partir da vigência da Lei nº 14.112/2020, com aplicação imediata aos processos em trâmite (afinal se trata de regra processual que cuida de questão afeta à própria competência), o Juízo da recuperação judicial tem a competência específica para determinar o sobrestamento dos atos de constrição exarados no bojo de execução de crédito extraconcursal que recaíam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial durante o período de blindagem. Em se tratando de execuções fiscais, a competência do Juízo recuperacional restringe-se a substituir os atos de constrição que recaíam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial. (STJ — REsp: 1991103 MT 2022/0071392-3, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 11/04/2023, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/04/2023).

Logo, a Lei n° 14.112/2020, consolidando o entendimento já anteriormente exarado pelo STJ e pelos demais tribunais, reiterou os limites da competência do juízo da recuperação judicial, que, sob o pretexto da preservação da empresa, esse também relativo, gerava verdadeiro tumulto na execução de créditos extraconcursais, inclusive, impedindo, muitas vezes, a sua satisfação.