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OS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO STJ SEGUNDO O NOVO CPC (COM AS ALTERAÇÕES DA LEI 13.256/16)

OS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO STJ SEGUNDO O NOVO CPC (COM AS ALTERAÇÕES DA LEI 13.256/16)

Osmar Mendes Paixão Côrtes

Os embargos de divergência são previstos na nossa legislação desde o CPC de 1939, e continuam previstos na legislação com grande e importante papel.

1 Origem

Os embargos de divergência são previstos na nossa legislação desde o CPC de 1939 que dispunha, no art. 833, com a redação dada pela lei 623, de 1949, serem embargáveis, no STF, “as decisões das turmas, quando divirjam entre si, ou de decisão tomada pelo tribunal pleno“.

A inspiração dos embargos, sem dúvida, veio da legislação portuguesa, muito rica historicamente em recursos fundados em divergência jurisprudencial.

A intenção do recurso é a de resolver o problema, interno do tribunal, de dissenso pretoriano. Da mesma forma que há recursos que objetivam levar a um tribunal hierarquicamente superior uma questão a ser pacificada (com relação à qual existe divergência de interpretação nas Cortes inferiores), os embargos de divergência servem para que o tribunal, internamente, uniformize a sua interpretação.

Nada mais lógico que o tribunal a quem incumbe dar a última palavra sobre a legislação federal infraconstitucional tenha um mecanismo de resolver o seu problema interno de uniformidade interpretativa.

Se órgãos colegiados fracionários do STJ interpretam determinada norma em sentido distinto, essencial haver a previsão de resolução do impasse interpretativo por um órgão colegiado interno que seja, para esse fim, hierarquicamente superior.

Daí a existência atual dos embargos de divergência, que levam, no caso do Superior Tribunal de Justiça, para as Seções ou para a Corte Especial questões sobre as quais ainda divergem os órgãos fracionários dos Tribunais para serem definitivamente pacificadas.

O uso dos embargos, todavia, já foi maior. Isso porque, hoje, com a preocupação de os tribunais definirem logo questões relevantes (seja afetando ao rito repetitivo ou não) tem sido comum a afetação de determinados recursos que deveriam ser julgados por órgãos fracionários inferiores para julgamento imediato pelos órgãos superiores. Dessa forma, havendo a decisão de plano pelo colegiado responsável por pacificar internamente a divergência, os órgãos fracionários inferiores ficam condicionados a obedecer a diretriz traçada no leading case. 

E essa tendência, com a adoção pelo novo CPC do incidente de assunção de competência (artigo 947) tende a se firmar e até a aumentar. Isso porque, pelo novo incidente, será possível a afetação de casos importantes a colegiados superiores, que os decidirão com eficácia erga omnes e efeito vinculante – a tese fixada vinculará casos futuros.

De qualquer forma, os embargos de divergência continuam previstos na legislação e continuam tendo grande e importante papel.

O novo CPC cuida dos embargos de divergência nos artigos 1.043 e 1.044 e a regulamentação é muito mais detalhada do que a do CPC de 1973.

2 Cabimento

O recurso é cabível contra decisões colegiadas em recursos extraordinários e em recursos especiais. Não é cabível, portanto, contra decisões tomadas em autos de agravos, na linha da tendência jurisprudencial firmada já à luz do CPC de 1973. Também não é cabível contra decisões monocráticas e em casos de competência originária do Tribunal (já que o inciso IV do artigo 1.043 do novo CPC foi revogado pela lei 13.256/16)

Pela redação original do novo CPC, pouco importaria se a divergência fosse quanto ao mérito ou quanto a questões processuais relativas à admissibilidade recursal. A lei 13.256/16, todavia, revogou o inciso II do artigo 1.043, de forma que a divergência deve ser, hoje, na linha da jurisprudência firmada à luz da legislação de 1973, de mérito.

Interessante, contudo, que o legislador preocupou-se em especificar que mesmo decisões de não conhecimento de recurso podem ser cotejadas com outras de mérito. Isso porque, notadamente nos casos de não conhecimento por ausência de violação legal (constitucional ou infraconstitucional), pode haver sido apreciado o mérito da controvérsia.

A divergência pode ser entre julgados de qualquer outro órgão do tribunal – turma, sessão, Corte Especial ou pleno, no caso do STJ, e turma ou pleno no caso do STF.

No caso do STJ, onde há órgãos com competências materiais diversas, de se ressaltar que podem ser cotejadas decisões ainda que as competências dos órgãos julgadores sejam distintas. Não pode ser, todavia, entre um acórdão e uma decisão monocrática (até porque a decisão monocrática é proferida por delegação e pode ser reformada pelo colegiado).

A divergência autorizadora dos embargos pela nova legislação é tão ampla que o recurso é cabível mesmo que o acórdão paradigma (base da divergência) seja da mesma Turma que proferiu a decisão embargada, desde que a composição tenha sofrido alteração substancial (em mais da metade dos seus membros), já que o colegiado que proferiu uma e outra decisão não pode mais ser visto como o mesmo.

A divergência entre o acórdão a ser objeto dos embargos e o paradigma (com o qual será feito o cotejo, a comparação) não basta ser alegada, devendo ser comprovada. Isso para que seja possível a verificação pelo órgão julgador da existência da divergência.

O §4º do artigo 1.043 do novo CPC, nessa linha, especifica que a comprovação deve ser feita pelo recorrente-embargante com a juntada de certidão comprobatória da fonte de publicação, citação ou cópia de repositório oficial (Diário da Justiça ou Oficial do Estado, por exemplo), citação ou cópia de repositório credenciado de jurisprudência (reconhecido e aceito pelo respectivo tribunal) ou com a reprodução do inteiro teor do julgado disponível na rede mundial de computadores (com a referência expressa à fonte – endereço eletrônico completo de onde ocorreu a publicação).

Se a citação for de repositório oficial onde apenas tenha sido publicada a ementa do julgado paradigma, a verificação da divergência deve ser possível ser feita pelo conteúdo da própria ementa. Por outro lado, se juntado ou reproduzido o inteiro teor do julgado paradigma, a divergência pode estar na fundamentação da decisão.

Ademais, os casos cotejados (paradigma e recorrido) devem ter partido das mesmas premissas – as teses devem ter sido construídas a partir das mesmas circunstâncias fáticas e jurídicas. Acórdãos que não tenham partido das mesmas premissas não podem ser cotejados, já que o objetivo do recurso é pacificar a jurisprudência interna das Cortes.

Outra exigência que deve ser cumprida pelo embargante é a realização do chamado cotejo analítico. Não basta que seja apontado que um acórdão divergiu de outro, devendo ser desenvolvida argumentação demonstrativa da similitude dos casos e dos entendimentos em sentido opostos.

3 Procedimento

O novo CPC (artigo 1.044) delega ao Regimento Interno do STJ a regulação do procedimento dos embargos de divergência que hoje é tratada nos artigos 266 e seguintes.

O recurso é cabível contra decisão de turma, em recurso especial, que divergir de decisão de outra turma, de seção ou da Corte Especial.

A intenção é, como já destacado, a de pacificar internamente divergências entre os órgãos colegiados.

Contra decisões monocráticas não cabem embargos de divergência, que tem o prazo de quinze dias. Também não são cabíveis embargos contra decisões proferidas em agravos (nem internos), até por conta da dicção clara do artigo 1.043 do novo CPC.

O STJ, na linha da novel legislação, exige a comprovação da divergência pela juntada de certidão ou cópia autenticada do aresto paradigma (que servirá para demonstrar a divergência), ou mediante citação do repositório autorizado, com a transcrição dos trechos que mostrem o dissídio e feito o cotejo analítico. Recente atualização do RI autoriza, inclusive, a indicação de fonte da internet (§ 4º, artigo 266).

A citação do repositório autorizado só se faz necessária quando não é juntada cópia da decisão paradigma da qual divergiu a decisão a ser embargada. Ademais, se citada a fonte oficial (Diário da Justiça ou Diário Oficial do Estado) e o cotejo for com a ementa da decisão (que é o que é publicado no Diário), desnecessário cogitar da citação de repositório autorizado.

O cotejo analítico é o que mais tem preocupado os que interpõem embargos de divergência. Isso porque o STJ é rígido no exame da argumentação de quem recorre considerando a justificativa da existência de uma divergência.

Nesse sentido, o Regimento Interno, na linha da nova legislação processual, é claro ao exigir o cotejo analítico. Não basta, assim, referir a decisão da qual divergiu a embargada. É necessária a explicitação do porquê de uma decisão haver divergido da outra, analiticamente. E a divergência deve, ainda, abranger todos os fundamentos do acórdão recorrido.

O curioso é que há decisões que não admitem a divergência com Súmula, ao fundamento de que nem o recurso especial caberia nesse caso. Discordamos deste entendimento, considerando que os embargos, justamente por terem a função uniformizadora, deveriam se prestar para fazer valer a jurisprudência sumulada.

E os embargos não cabem se a decisão recorrida estiver em conformidade com a jurisprudência já pacificada do tribunal, justamente porque a função do recurso é a de pacificar a divergência entre os órgãos fracionários, impondo o respeito à decisão dos órgãos internos superiores (Seções ou Corte Especial). Já existindo jurisprudência pacífica, inócuos seriam os embargos de divergência.

Os embargos são cabíveis para a Seção correspondente ao qual se vinculam as Turmas se a decisão embargada divergir de decisão da outra Turma vinculada à mesma Seção (exemplo: 1ª e 2ª turmas – competência da 1ª seção). E, também, se a decisão de uma Turma divergir de decisão de Seção à qual se vincula a turma.

Se a decisão embargada divergir de decisão de turma vinculada a outra seção ou de decisão de outra Seção ou da Corte Especial, a competência para os embargos será da Corte Especial.

Com prazo de quinze dias e dependente de preparo, o recurso deve ser dirigido ao Presidente da Seção ou da Corte Especial (dependendo da competência). Distribuído a um relator, os autos irão conclusos para o exercício do juízo de admissibilidade.

O novo CPC acabou com o duplo juízo de admissibilidade na apelação, mas manteve expressamente (lei 13.256/16) para os recursos extraordinário e especial. Não tratou, por outro lado, do duplo juízo nos embargos. Como delega a regulação do procedimento ao Regimento Interno do tribunal, todavia, o juízo de admissibilidade dos embargos continua sendo duplo – feito pelo relator (que pode admiti-los ou não) e pelo colegiado (que pode conhecer ou não do recurso – reputando existente ou não a divergência).

Admitidos os embargos, os autos serão encaminhados para que a secretaria abra vista ao embargado para impugnação.

Na admissibilidade dos embargos, o relator observará os requisitos extrínsecos (regularidade formal, preparo e prazo) e os intrínsecos (quanto ao cabimento, à realização do cotejo analítico e à ocorrência de divergência atual).

Após a impugnação, os autos deverão ser levados a julgamento no colegiado, dependendo da designação de pauta, nos termos do artigo 267, parágrafo único do CPC.

O colegiado, então, reexaminará novamente os requisitos de admissibilidade – extrínsecos e intrínsecos – não ficando vinculado ao exercício primeiro feito pelo relator. Pode, então, o colegiado, conhecer ou não do recurso. Se conhecer, reconhecendo a existência de divergência atual, dará ou não provimento ao recurso (fazendo valer a tese da decisão embargada ou do paradigma).

Se os embargos não forem admitidos pelo relator (quando intempestivos, contrariarem súmula do tribunal ou não comprovada a divergência jurisprudencial), cabível agravo regimental para o colegiado, que independe de pauta (pode ser levado em mesa a qualquer tempo). Ao julgar o agravo, não sendo caso de desprovimento, o colegiado poderá desde logo julgar o recurso principal (embargos indeferidos pelo relator) ou apenas mandar processar os embargos para melhor julgamento.

Pode ocorrer de ser necessária a dupla interposição de recurso de uma decisão de Turma – embargos de divergência e recurso extraordinário. Se a decisão turmária incorrer em violação a dispositivo constitucional e, simultaneamente, divergir de outra decisão de outra turma, seção ou Corte Especial, o recurso extraordinário deve ser veiculado simultaneamente com os embargos de divergência (já que a violação surgiu na decisão da turma). O extraordinário ficará, então, sobrestado aguardando a decisão sobre os embargos.

Aliás, nesse ponto, vale destacar a preocupação do novo CPC no artigo 1.0444.

Se os embargos forem desprovidos ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, aproveita-se o recurso extraordinário já interposto (não sendo necessária sua ratificação), pois não houve alteração do julgado anterior (tornando sem objeto o primeiro recurso extraordinário interposto). Por outro lado, se houver a reforma da decisão primeira (objeto dos embargos), o recurso extraordinário interposto perde o objeto e outro deve ser interposto.

4 Efeito

Não há efeito suspensivo nos embargos de divergência, o que pode ser obtido por petição dirigida ao relator. O efeito dos embargos, além do natural de obstar a formação da coisa julgada, é o devolutivo (no limite do seu cabimento).

À luz do CPC de 1973 admitia-se eventualmente cautelares inominadas incidentais ao recurso de embargos para se obter efeito suspensivo (e em tese até ativo). A legislação atual desburocratizou a obtenção de efeito suspensivo, consoante já anotado anteriormente nos comentários aos outros recursos.

Muito embora não haja previsão específica de concessão de efeito suspensivo por mera petição no que toca aos embargos, aplica-se a regra geral (prevista no artigo 995, parágrafo único, do novo CPC) de possibilidade de atribuição pelo relator se demonstrado que da imediata produção de efeitos da decisão recorrida “houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso’’.