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OS DESAFIOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL FRENTE ÀS NOVAS ESPÉCIES OU EXEMPLOS DE DANO

OS DESAFIOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL FRENTE ÀS NOVAS ESPÉCIES OU EXEMPLOS DE DANO

Cláudia Haidamus Perri

Luís de Carvalho Cascaldi

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Elementos Constitutivos das Obrigações. 3 A Função da Responsabilidade Civil em nosso Ordenamento. 4 Os Danos Tradicionais. 5 Os Desafios da Responsabilidade Civil diante das Novas Espécies ou dos Exemplos de Danos. 6 Conclusões. 7 Bibliografia.

                                  

1 Introdução                      

Não são poucos os operadores do direito que apontam ser o direito obrigacional um dos institutos jurídicos de maior importância do direito civil.

Fernando Noronha ressalta a importância prática do direito obrigacional:

Depois do que se disse sobre a importância social das obrigações, não é preciso acrescentar muita coisa para enfatizar o alto relevo prático da nossa matéria.  

As normas do direito das obrigações são de longe aquelas aplicadas com mais frequência e em maior quantidade, tanto nas relações diárias entre homens como na atividade judicial.                                  

É possível conceber-se a hipótese de uma pessoa viver uma vida inteira sem necessidade de conhecer o direito das sucessões, ou a maior parte do direito de família (casamento, regimes de bem, etc.), ou até as partes mais significativas do direito das coisas. Mas não é possível viver à margem daquelas atividades do dia a dia regidas pelo direito das obrigações.” [1]

Não se pode olvidar que a legislação pátria não traz o conceito do que vem a ser obrigação, pelo que coube à doutrina fazê-lo.

Álvaro Villaça Azevedo [2] ensina que “obrigação é a relação jurídica transitória, de natureza econômica, pela qual o devedor fica vinculado ao credor, devendo cumprir determinada prestação positiva ou negativa, cujo inadimplemento enseja a este executar o patrimônio daquele para a satisfação de seu interesse“, valorizando as consequências quanto ao inadimplemento por parte do devedor.

De forma mais ampla, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho conceituam a obrigação, em sentido amplo, como sendo a “relação jurídica pessoal por meio da qual uma parte (devedora) fica obrigada a cumprir, espontânea ou coativamente, uma prestação patrimonial em proveito da outra (credor)[3].

Hodiernamente, tanto a doutrina quanto a jurisprudência têm destacado como princípios obrigacionais a eticidade, a socialidade e a boa-fé objetiva.

Com efeito, Fernando Noronha, no que diz respeito à função social das obrigações, destaca três categorias: obrigações decorrentes de negócios jurídicos, de responsabilidade civil e, finalmente, de enriquecimento sem causa, asseverando que “na atual sociedade de massas se exige uma acrescida proteção, em nome da justiça social, daqueles interesses que aglutinam grandes conjuntos de cidadãos[4].

Nesse sentido, Nelson Rosenvald [5] pontifica que a obrigação há que ser encarada como uma relação complexa, “formada por um conjunto de direitos, obrigações e situações jurídicas, compreendendo uma série de deveres de prestação, direitos formativos e outras situações jurídicas“. E o mesmo autor continua:

A obrigação é tida como um processo – uma série de atos relacionados entre si -, que desde o início se encaminha a uma finalidade: a satisfação do interesse na prestação. Hodiernamente, não mais prevalece o status formal das partes, mas a finalidade à qual se dirige a relação dinâmica. Para além da perspectiva tradicional de subordinação do devedor ao credor existe o bem comum da relação obrigacional, voltado para o adimplemento, da forma mais satisfativa ao credor e menos onerosa ao devedor. O bem comum na relação obrigacional traduz a solidariedade mediante a cooperação dos indivíduos para a satisfação dos interesses patrimoniais recíprocos, sem comprometimento dos direitos da personalidade e da dignidade do credor e do devedor.”

Assim, é com essa linha de raciocínio, vale dizer, partindo do moderno conceito de relação obrigacional, que abordaremos o estudo específico da responsabilidade civil e as novas espécies de danos que são sofridos pela parte prejudicada.

2 Elementos Constitutivos das Obrigações            

Os elementos constitutivos de toda e qualquer obrigação são três: (i) elementos objetivos, (ii) elemento subjetivo e, finalmente, (iii) o vínculo jurídico.

Os elementos objetivos de toda e qualquer obrigação são: o objeto obrigacional, que será sempre dar, fazer ou não fazer algo; e o objeto prestacional, que diz respeito ao o que se dá, o que se faz, o que não se deve fazer.

O elemento subjetivo de uma obrigação, por sua vez, subdivide-se em credor (ou accipiens – titular do direito obrigacional -, que é o sujeito que tem o direito de exigir um comportamento do devedor) e devedor (ou solvens – sujeito passivo -, que é aquele que tem o dever de cumprir uma obrigação de dar, fazer ou não fazer).

O terceiro elemento, vínculo jurídico, se subdivide em (i) débito e (ii) responsabilidade. O débito é o liame entre o credor e o devedor. A responsabilidade repousa no direito subjetivo que tem o credor de exigir certo e determinado comportamento do devedor. Importante destacar que o vínculo jurídico ora tratado não necessariamente é um vínculo contratual. Na verdade, o vínculo jurídico em discussão é toda e qualquer relação, contratual ou não, que de algum modo vincule os sujeitos, tornando legítima a exigência ou a expectativa de determinado comportamento da outra parte.

Referidos elementos são constitutivos de todo e qualquer tipo de obrigação, seja ela trabalhista, empresarial, ambiental, consumerista, tributária e também, como não poderia deixar de ser, de responsabilidade civil.

Especificamente em relação à responsabilidade civil, objeto do presente trabalho, o vínculo jurídico que une os sujeitos pode ter fundamento tanto numa relação contratual quanto extracontratual. Em qualquer caso, a obrigação decorrente é simples consequência da aplicação do princípio neminem laedere e suum cuique tribuere, respectivamente, não lesar ninguém e dar a cada um o que lhe pertence.

3 A Função da Responsabilidade Civil em nosso Ordenamento          

A responsabilidade civil tem, portanto, seu fundamento remoto no direito obrigacional, na medida em que dela decorre a obrigação de não causar dano e de repará-lo, caso este venha a ocorrer. Configura, deste modo, uma relação obrigacional de natureza protetiva, compensatória e reparatória, tendente a manter, tanto quanto possível, o equilíbrio econômico, social e jurídico (princípio neminem laedere) ou restabelecê-lo se violados em determinado contexto (princípios suum cuique tribuere e restitutio in integrum – restituição integral).

Muito embora não seja pacífico na doutrina o conceito de responsabilidade civil, podemos afirmar seguramente que a noção de responsabilidade carrega essencialmente a ideia de identificação do sujeito (pessoa física ou jurídica) que deverá suportar o encargo de um determinado dano sofrido por outra pessoa (lembrando que o dano causado a si mesmo é juridicamente irrelevante).

A responsabilidade civil é uma ferramenta jurídica voltada para a proteção e o restabelecimento da paz ou do equilíbrio violado. Existindo uma situação de tranquilidade ou harmonia que é indevidamente abalada por uma ação ou omissão causadora de dano injusto, é função da responsabilidade civil anular esse dano, apontando o sujeito responsável, que terá a obrigação legal ou contratual de reparar o prejuízo suportado pela vítima, restaurando a situação anterior ao dano (status quo ante).

É importante destacar, contudo, que a função da responsabilidade civil não está restrita à sua conhecida função reparatória ou corretiva. Além disso, e talvez até mais importante, é a sua função preventiva, isto é, de proteção prévia dos interesses passíveis de dano, pois, melhor que reparar, é evitar que o dano sequer ocorra.

Importante ter sempre presente, como já dissemos acima, que a responsabilidade civil está calcada no princípio do altere non laedere ou, simplesmente, neminem laedere, que significa: não lesar a outrem. Trata-se de um princípio elementar, importado do direito romano [6], que traduz a ideia básica de direito e justiça, principalmente no que se refere à proteção da dignidade da pessoa humana.

Do ponto de vista normativo, a responsabilidade civil encontra seu fundamento remoto na Constituição Federal da República, especificamente nos seus arts. 1º, III [7], e 5º, V, X e XXXV [8], que remetem à dignidade da pessoa humana e à defesa de seus direitos. No campo infraconstitucional a responsabilidade civil está espalhada em diversas leis e códigos, sobretudo no Código Civil, no qual vem expressamente disciplinada nos arts. 389 [9], 395 [10] e 927 e seguintes [11].

A função da responsabilidade civil impõe um profundo exame do instituto à luz do papel que desempenha na sociedade, principalmente no que se refere aos aspectos da proteção, da responsabilização e da indenização. Constitui o conjunto de caracteres que satisfazem socialmente a reparação civil.

A responsabilidade civil não pode aparecer dissociada da proteção da pessoa humana e da sua dignidade como princípio fundamental. Digno é não sofrer dano, em contrapartida, é indigno sofrê-lo e não ser devidamente reparado. Assim, em atenção à dignidade humana, a responsabilidade civil deve buscar sempre um responsável e uma efetiva reparação, numa relação obrigacional de reparar os danos causados e, ao mesmo tempo, servir de exemplo para que outros danos sejam evitados.

A reparação, em termos de responsabilidade civil, não pode ser encarada como um conceito fechado, estático, definido em si mesmo. É, ao contrário, uma ideia aberta e flexível, que varia de acordo com tempo, local, costumes, circunstâncias, enfim, com as peculiaridades do caso específico em análise.

A reparação é a projeção da responsabilidade civil no caso concreto. É aquilo que se oferece à vítima e a que se obriga o lesante para anular ou compensar o dano causado. Todavia, a reparação só é alcançada na sua plenitude quando confortar a vítima de forma adequada, criando nela a sensação de alívio e satisfação, dando a ela e ao agente do dano uma efetiva resposta no sentido de que a ordem jurídica não acolherá nenhum tipo de dano injusto.

A reparação, para ser justa, de modo que a responsabilização civil atinja sua função social, deverá deitar os olhos não só para a vítima, mas também para o lesante e para a sociedade, sobretudo no que se refere às consequências e aos reflexos daquela reparação no meio social. A reparação justa é aquela que é, acima de tudo, útil, ou seja, que traduz um efetivo benefício para a sociedade, de maneira a inibir que a conduta lesiva ocorra novamente.

Nesse contexto, a reparação deverá sempre carregar a ideia de ressarcimento, de compensação, de correção e educação, de represália e punição e, ainda, de prevenção e precaução. Todos esses conceitos, abertos e flexíveis, devem ser trabalhados e moldados, caso a caso, como que numa balança, até que se encontre o razoável ponto de equilíbrio para cada situação concreta.

Criar regras rígidas para a responsabilidade civil é engessá-la e esvaziar o seu conteúdo, afastando-a da sua verdadeira função e objetivos.

Nos dias atuais, já está bastante evidente a completa insuficiência do papel tradicionalmente desempenhado pela responsabilidade civil, que simplesmente define comportamentos lícitos e ilícitos e atribui indenização por eventuais perdas e danos sofridos pela vítima. Essa ultrapassada ideia de responsabilidade civil mostra-se totalmente ineficaz e insuficiente, na medida em que soluciona o caso concreto, mas, na grande maioria das vezes, não inibe que novos atos semelhantes aconteçam, não refletindo, assim, num real benefício (utilidade) para a sociedade.

Apesar da responsabilidade civil somente ter lugar após a produção do dano, a sua projeção e a sua extensão não podem estar mais simplesmente restritas ao lesado e ao lesante. A função da responsabilidade civil como ferramenta de alcance da dignidade da pessoa humana e da justiça social impõe que o instituto trate o dano e a reparação de forma ampla e profunda, perquirindo todos os seus aspectos, de modo a extrair de cada reparação o máximo de ressarcimento, de educação, de prevenção e de punição, conferindo ao instituto o máximo de utilidade e eficácia social.

Assim sendo, a correta reparação, isto é, aquela que possui alcance e eficácia social, deve ter por fundamento jurídico a interpretação sistemática do art. 944 do CC [12] em conjunto com o art. 5º da LINDB (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) [13], de modo que a extensão do dano seja a mais abrangente possível, no sentido de se extrair a reparação mais justa para as partes e, acima de tudo, a mais útil para a sociedade.

E será tanto mais útil e eficiente quanto mais danos conseguir reparar de forma adequada e, sobretudo, quanto mais danos conseguir evitar que ocorram, pois muito melhor que reparar apropriadamente o dano, por certo e com muito mais razão, é evitar e prevenir que eles ocorram.

É justamente nesse contexto que a responsabilidade civil ganha novos contornos, ampliando significativamente o seu alcance para situações jurídicas antes totalmente ignoradas pelo ordenamento jurídico. Ainda muito longe do ideal, a responsabilidade civil começa, aos poucos, a ganhar maior atenção do operador do direito e, com isso, a penetrar e contemplar situações jurídicas que há não muito tempo não tinham qualquer proteção e sequer eram consideradas para fins de indenização.

A responsabilidade civil passa, assim, a açambarcar hipóteses de dano que antes eram completamente ignoradas e que ficavam totalmente excluídas das discussões jurídicas e da apreciação do Poder Judiciário. Atualmente, ainda em fase bastante inicial, o dano começa a ser compreendido de forma mais ampla, sobretudo em seu aspecto qualitativo, relacionado, portanto, às características do dano, e não propriamente ao seu valor (indenização). É o chamado dano extrapatrimonial.

Neste trabalho, cuidaremos, portanto, de analisar esses novos danos, que, em maior ou menor grau, vão ganhando espaço na doutrina e na jurisprudência e que definitivamente representam um desafio e uma evolução do pensamento jurídico e do próprio instituto da responsabilidade civil.

4 Os Danos Tradicionais           

O termo “dano” deve ser interpretado na expressão “violar direito e causar dano a outrem” (art. 186 do CC). O dano é a lesão causada pela conduta do agente que de alguma forma piora a situação da vítima, traduzindo, portanto, a ideia de perda, prejuízo e diminuição.

O dano deve ser entendido a partir da diferença evidenciada na situação da vítima antes e depois da ocorrência do evento lesivo, podendo ter desdobramentos tanto de ordem material (patrimonial), compreendendo os danos emergentes e os lucros cessantes, como também extrapatrimonial (dano moral, estético, imagem, etc.).

A responsabilidade civil incide sempre que houver dano, pois sem dano não há prejuízo e, via de consequência, não há obrigação de indenizar, na medida em que não há nada a ser reparado.

Tradicionalmente, o ressarcimento do dano no direito brasileiro sempre foi bastante restrito e limitado, fruto de uma interpretação conservadora da legislação que reservava a reparação exclusivamente para situações de dano patrimonial em que a culpa do agente e o nexo de causalidade estivessem evidentes.

Pois bem, com o advento da Constituição Federal de 1988 e do Código de Defesa do Consumidor de 1991, a reparação dos danos no direito brasileiro ganhou uma nova dimensão, seja pela expressa cobertura e proteção dos danos extrapatrimoniais, seja, ainda, pela introdução da responsabilidade objetiva, independentemente de culpa.

Mais tarde, o Código Civil de 2002 confirmou a evolução da estrutura da responsabilidade civil, consolidando a ampliação da sua cobertura e a proteção do dano, qualquer que seja sua natureza ou origem [14].

Ainda muito longe do ideal, a responsabilidade civil vem ganhando cada vez mais espaço tanto na doutrina como na jurisprudência, reflexo de uma importante valorização do ser humano e da necessidade de se amparar e proteger adequadamente não só a vítima, mas também a sociedade.

Antes, apenas o dano patrimonial encontrava proteção em nosso ordenamento jurídico e ainda com bastante dificuldade e restrição. Todavia, hoje a reparação do dano se mostra muito mais ampla e flexível, em constante desenvolvimento, sobretudo no que se refere à reparação dos danos extrapatrimoniais, que antes estavam restritos aos danos morais (dano à integridade psicofísica), mas que agora começa a ganhar novos contornos e dimensões ou desdobramentos.

É digno de nota que essa evolução não está restrita ao território brasileiro. Trata-se, a toda evidência, de um fenômeno mundial, constatado principalmente nos países de cultura legislativa codificada, que claramente tentam adequar os seus sistemas positivados às mais diversas situações jurídicas que o legislador não consegue prever e cuja evolução a legislação não consegue acompanhar.

A seguir, sem a pretensão de esgotar o tema, procuraremos tratar brevemente de alguns desses novos danos ou novos exemplos de dano indenizável que vêm ganhando espaço na jurisprudência e no âmbito acadêmico, ressaltando as dificuldades e os desafios que a responsabilidade civil traz para os operadores do direito atualmente.

5 Os Desafios da Responsabilidade Civil diante das Novas Espécies ou dos Exemplos de Danos            

É fácil notar que a evolução tecnológica experimentada pela nossa sociedade nas últimas décadas representou uma verdadeira revolução social, alterando profundamente as relações interpessoais e comerciais, a educação, a cultura, a forma de comunicação e até mesmo a noção de tempo e espaço.

 E essa, assim chamada, revolução social (termo este que deve aqui ser compreendido como mudança de comportamento ou de padrão) também produz efeitos no mundo jurídico, que é necessário e tradicionalmente lento e, portanto, atrasado e acostumado a estar sempre tentando acompanhar o patamar de desenvolvimento econômico e social de determinada comunidade, que, por sua vez, está em constante evolução.

É justamente nesse contexto que se inserem os desafios da responsabilidade civil diante dos novos exemplos de danos que surgem a cada dia e que começam a ganhar espaço nos debates jurídicos.

Como vimos, a responsabilidade civil tem ampliado significativamente o seu alcance para situações jurídicas antes totalmente ignoradas pelo ordenamento jurídico. Antes rígida e fechada, a responsabilidade civil, justamente para atender aos anseios sociais de paz, justiça e dignidade, começa a se tornar mais flexível e abrangente, de forma a contemplar situações que não estão expressamente previstas em nosso ordenamento jurídico, mas que, sem a menor dúvida, estão genérica ou implicitamente amparadas.

Há, portanto, uma evidente ampliação não só do conceito de dano, mas também da sua reparabilidade.

Anderson Schreiber[15] explica que a expansão do dano ressarcível é atualmente identificada tanto no seu aspecto quantitativo (número de ações indenizatórias e valor da indenização) quanto no seu aspecto qualitativo (representado pelos novos interesses considerados pelos Tribunais como merecedores de tutela).

Ambos os aspectos originam intensos e acalorados debates jurídicos no meio acadêmico e a sua compreensão e o seu desenvolvimento representam importantes desafios para a responsabilidade civil, enquanto ferramenta jurídica dos operadores do direito na busca pela harmonia e paz social.

A valoração quantitativa dos danos não costuma trazer maiores debates quando analisada sob a ótica dos danos patrimoniais. Como se sabe, os bens materiais possuem um valor de mercado se não absoluto e certo, ao menos, aproximado e estimável do ponto de vista de equivalência monetária.

O mesmo já não ocorre em relação aos danos extrapatrimoniais, nos quais não há qualquer equivalência material entre o dano sofrido e a indenização concedida para minimizar os efeitos dessa espécie de dano, cuja completa anulação e reparação é impossível.

Parece-nos evidente, sob esse aspecto, que não se pode tabelar ou tarifar a indenização por dano extrapatrimonial, como muitos defendem. Pelo contrário, a quantificação da indenização por dano extrapatrimonial deve ser feita de forma individualizada e cuidadosamente detalhada, de acordo com as peculiaridades de cada caso específico (sub judice) e conforme aquilo que foi alegado e provado pelas partes em juízo.

Já explicamos em outro trabalho que

o tabelamento/tarifação ou mesmo a descuidada uniformização das indenizações por danos morais gera uma padronização da sua reparação que não é útil à sociedade. Primeiro porque não repara adequadamente o dano moral conforme as circunstâncias do caso específico, mas simplesmente conforme a natureza do dano, o que é insuficiente para se conferir máxima eficácia e utilidade social ao instituto da responsabilidade civil. Segundo porque torna previsível o valor da reparação antes mesmo do dano ocorrer, independentemente das circunstâncias que o afetam, o que permite ao lesante premeditadamente verificar o proveito ou o risco-benefício de se cometer a conduta danosa ou potencialmente danosa.” [16]

Questões como o enriquecimento sem causa e o incentivo à indústria das indenizações são argumentos constantemente invocados por aqueles que, contrários à natural evolução do direito e a patamares mais elevados de indenização, defendem uma maior restrição à reparação dos danos extrapatrimoniais.

No entanto, esses argumentos nos parecem extremamente frágeis e demasiadamente conservadores.

Primeiramente, entendemos que qualquer reparação pecuniária dos danos extrapatrimoniais gerará enriquecimento. Isso porque o dano extrapatrimonial não tem equivalência pecuniária, não decorre de um prejuízo financeiramente auferível, logo, o enriquecimento, propriamente dito, é intrínseco a esse tipo de reparação. No entanto, não se trata de enriquecimento ilícito, indevido, muito menos sem causa ou injustificado. Pelo contrário, é enriquecimento lícito e, mais do que isso, justo e com causa, pois representa a reparação de um dano sofrido no seu patrimônio imaterial.

Além disso, entre enriquecer o lesante e o lesado, parece-nos, sem sobra de dúvida, muito mais justo e jurídico privilegiar aquele que tem a proteção do ordenamento jurídico, isto é, aquele que foi lesado.

 Não fosse isso suficiente para rechaçar o argumento de mercantilização da justiça através da criação da “indústria das indenizações“, vale extrair das lições de Rogério Ferraz Donnini importante trecho que desmascara a verdade sobre o assunto. Segundo o citado professor:

Propaga-se a falsa ideia de uma ‘indústria das indenizações’ que, em verdade, não existe, pois o que se constata é uma frequente e desmesurada violação de direitos por parte do Estado, dos fornecedores, nas relações entre particulares e, em vários casos, a fixação de valores indenizatórios que, contrariamente ao princípio neminem laedere, incentiva novos eventos danosos. Não raro, grandes empresas deixam de investir na segurança de seus produtos e serviços, cientes dos baixos valores fixados nas ações de reparação de danos. Estamos, assim, diante de uma ‘indústria das lesões’.” [17]

O Poder Judiciário não pode negar o acesso à justiça a quem quer que seja e tem o dever de dar a adequada tutela jurisdicional, no que se inclui, também, punir aqueles que tentarem tirar vantagem indevida através do exercício do direito de ação.

Conforme complementa Rogério Ferraz Donnini [18]:

O fato de existirem muitos pleitos indenizatórios e alguns deles absolutamente descabidos não justifica a asserção genérica de que entre nós os pleitos indenizatórios são exagerados e criados com o intuito de enriquecimento injusto. Embora existam situações dessa natureza, inegavelmente a grande maioria dos pedidos atinentes a indenizações decorre da efetiva violação de direitos patrimoniais ou da personalidade.”

Portanto, deve-se ficar atento para que o argumento de criação de uma “indústria das indenizações” não encubra a maléfica e nociva “indústria das lesões“, que tão comumente aflige diversos direitos, sejam eles patrimoniais ou extrapatrimoniais. Até porque, entre as duas “indústrias“, melhor e mais seguro ficarmos com a primeira [19], menos danosa e mais fácil de se controlar, já que, necessariamente, tem que passar pela autoridade do Judiciário.

Parece-nos evidente que a grande dificuldade quando se procura uma justa indenização para a reparação dos danos extrapatrimoniais é a opção que se tem que fazer pelos critérios indenizatórios.

Ou estes critérios são subjetivos, visando à individualização da indenização em face de circunstâncias que envolvem o lesante e o lesado no seu meio social, medindo-se a repercussão de seus atos na sociedade sem nunca se descurar do aspecto pessoal e específico do caso em análise, ou são critérios objetivos, à semelhança do que ocorre na indenização dos danos materiais em que o valor da indenização tem correspondência exata ao do bem lesado. Seja como for, o patrimônio da vítima e mesmo o custo de eventuais reparos a esse patrimônio podem ser quantificados para fins de indenização, tanto do ponto de vista material quanto extrapatrimonial. Vale dizer, têm preço aferível.

No entanto, como facilmente se percebe, o critério objetivo de indenização não se presta a indenizar os danos extrapatrimoniais, pois estes consistem em lesões ao patrimônio imaterial das pessoas, bens fora do mercado e, por isso mesmo, não precificáveis.

Como os aplicadores da lei sempre lidaram com os critérios objetivos de indenização, mandando, quando necessário, até realizar perícia para encontrar a equivalente e justa compensação, compreende-se, dessa forma, a perplexidade em que se encontram os julgadores ao terem que definir uma indenização para a reparação de dano extrapatrimonial, algo que é totalmente abstrato e pouco, ou quase nada, delimitado pela lei.

No entanto, na reparação do dano extrapatrimonial, a já bem solidificada forma de reparação do dano material deve ser totalmente desprezada, na medida em que a natureza desses dois tipos de dano é totalmente distinta.

A nosso ver, a reparação dos danos extrapatrimoniais pressupõe, portanto, uma profunda e criteriosa análise dos elementos específicos do caso concreto, à luz das funções compensatória, punitiva, pedagógica e preventiva da responsabilidade civil.

Para que se possa reparar integralmente os danos extrapatrimoniais, ensina Clayton Reis [20], temos necessariamente que abandonar a ideia da patrimonialização do dano, típica do dano material, e partir em busca de uma solução que seja mais compatível com a ideia da reconstrução da esfera do patrimônio imaterial abalado.

Somente através de uma profunda reflexão sobre o conteúdo axiológico dos danos morais, através da análise precisa dos elementos que o constituem, é que será possível mensurar o dano de forma compatível com o nível de satisfação desejada pela vítima e pela sociedade em que esta está inserida.

 É indispensável que os critérios e as circunstâncias jurídicas que determinam o valor da indenização do dano extrapatrimonial (em maior ou menor valor) sejam expostos e explicados, para que se possa conferir maior transparência e clareza aos julgados que tratam dessa espécie de reparação. Consequência disso será uma melhor e maior compreensão dos critérios indenizatórios, para que, a partir daí, se possa extrair o máximo de utilidade e eficiência da responsabilidade civil [21].

Portanto, qualquer que seja o alargamento do valor das indenizações por danos extrapatrimoniais, é fato que a sua fixação deve respeitar as especificidades do caso concreto, as provas produzidas nos autos, o contraditório e a ampla defesa, sujeitos ainda à revisão da sentença pelo Tribunal ad quem.

A dificuldade em se fixar a correta indenização sempre vai existir e causar controvérsia, justamente em razão da característica extrapatrimonial do bem jurídico violado, cuja indenização não guarda qualquer correlação ou correspondência matemática com o valor concedido a título de reparação por dano material.

O grande desafio aqui parece estar, precisamente, em justificar de forma correta, clara e precisa a posição adotada, seja para dar respaldo a uma indenização diminuta, seja para uma reparação mais generosa. O que não se pode admitir, nos parece, é permitir a absoluta falta de critério na fixação da indenização, nem freio a patamares mais altos de indenização com medo de se incentivar demandas frívolas ou aventureiras.

Do ponto de vista qualitativo, os desafios atuais da responsabilidade civil giram em torno de espécies ou exemplos de danos indenizáveis que constantemente se ampliam em razão da diversidade de assuntos novos que são trazidos à apreciação do Poder Judiciário.

A título exemplificativo, tem crescido no Brasil o número de ações indenizatórias para reparação de dano extrapatrimonial decorrente de abandono afetivo, rompimento de noivado e gravidez fora do casamento. Muitos desses pleitos têm sido acolhidos pela justiça, conferindo indenizações às vítimas dessas espécies de dano.

Pode parecer óbvio que hoje em dia se discuta o cabimento de indenização nessas situações (abandono afetivo, rompimento de noivado e gravidez fora do casamento), mas, sem adentrar na controvérsia específica de cada caso, é certo que há alguns anos esses interesses jamais seriam tutelados pelo Estado.

Essas são hipóteses evidentes de ampliação qualitativa de danos extrapatrimoniais indenizáveis.

Outra situação que vem ganhando bastante espaço e causando controvérsia é o que tem sido chamado de dano moral reflexo ou em ricochete, em casos de morte ou invalidez. E a dificuldade aqui está justamente em estabelecer quem mais, além da vítima morta ou inválida, sofre as consequências do dano, isto é, quais parentes e amigos são afetados (pela morte ou invalidez) e de que forma e em qual medida essas pessoas devem ser indenizadas.

Outra hipótese interessante é a do ex-marido que tem filhos comuns com a vítima fatal. Nesse caso, será que o ex-marido divorciado sofre dano moral pela perda da ex-mulher que, por exemplo, é assassinada? O eventual direito à indenização por dano moral, no caso, depende da qualidade do relacionamento do ex-casal ou decorre do simples fato de possuir filhos em comum? Enfim, a questão é bastante complexa.

Também não se pode ignorar que em diversos países, inclusive aqui no Brasil, já é comum a indenização por morte de animal doméstico ou de estimação, hipótese que alguns anos atrás seria certamente inadmissível.

Pois bem, como bem explica Stefano Rodotà, os únicos limites para as novas formas de dano ou de situações jurídicas indenizáveis são a imaginação do intérprete e a flexibilidade da jurisprudência [22].

Está em bastante evidência a questão relacionada aos danos extrapatrimoniais decorrentes da prática de bullyng [23]. Problemas, então, surgem desde como reprimir e reparar eficazmente essa prática cruel e extremamente danosa levada a efeito, em geral, por crianças e adolescentes, até como identificar o infrator, como responsabilizar os pais, a instituição de ensino ou a entidade responsável pela guarda momentânea da criança.

A situação do bullyng fica ainda mais complicada quando estamos diante do cyberbullyng. Nesse sentido, para ilustrar, vale trazer as lições da psiquiatra Ana Beatriz Barbosa da Silva:

Uma das formas mais agressivas de bullying, que ganha cada vez mais espaços sem fronteiras, é o cyberbullying ou bullying virtual. Os ataques ocorrem por meio de ferramentas tecnológicas como celulares, filmadoras, máquinas fotográficas, internet e seus recursos (e-mails, sites de relacionamentos, vídeos). Além de a propagação das difamações ser praticamente instantânea, o efeito multiplicador do sofrimento das vítimas é imensurável. O cyberbullying extrapola, em muito, os muros das escolas e expõe a vítima ao escárnio público. Os praticantes desse modo de perversidade também se valem do anonimato e, sem nenhum constrangimento, atingem a vítima da forma mais vil possível. Traumas e consequências advindos do bullying virtual são dramáticos.” [24]

Não muito diferente, podemos destacar o mobbing, que é o assédio moral reiterado praticado no ambiente de trabalho e que, assim como o bullyng, também causa danos graves à vítima e que também pode acabar se estendendo para o campo virtual (cybermobbing), com consequências igualmente nefastas ou até mesmo mais graves em razão da ampliação do espaço e do tempo da lesão virtual.

Paralelamente e ainda de forma bastante tímida, começam a surgir discussões e julgados sobre a possibilidade de indenizar a vítima de perseguição (stalking).

Segundo ensina Damásio de Jesus [25], “stalking é uma forma de violência em que o sujeito ativo invade a esfera de privacidade da vítima, repetindo incessantemente a mesma ação por maneiras e atos variados, empregando táticas e meios diversos: ligações nos telefones celular, residencial ou comercial, mensagens amorosas, telegramas, ramalhetes de flores, presentes não solicitados, assinaturas de revistas indesejáveis, recados em faixas afixadas nas proximidades da residência da vítima, permanência na saída da escola ou do trabalho, espera de sua passagem por determinado lugar, frequência no mesmo local de lazer, em supermercados, etc. O stalker, às vezes, espalha boatos sobre a conduta profissional ou moral da vítima, divulga que é portadora de um mal grave, que foi demitida do emprego, que fugiu, que está vendendo sua residência, que perdeu dinheiro no jogo, que é procurada pela polícia, etc. Vai ganhando, com isso, poder psicológico sobre o sujeito passivo, como se fosse o controlador geral dos seus movimentos“.

Rogério Ferraz Donnini, citando Marcello Adriano Mazzolla, explica que há diversos tipos de stalker, dos quais podemos destacar: aquele que sofre a perda de um relacionamento; aquele cujo sentimento não é correspondido pela outra pessoa; aquele que é carente de afeto; aquele que tem dificuldades de se relacionar; aquele que é rejeitado pela sociedade e o predador sexual [26].

Qualquer que seja a situação de stalking, os danos decorrentes dessa prática são enormes na vítima, levando-a a um estado constante de insegurança, medo, stress, insônia, fazendo, inclusive, em casos extremos, com que a vítima tenha que mudar de endereço, de telefone, de trabalho e até mesmo de nome. Os danos realmente são graves.

A dificuldade aqui parece estar realmente em conseguir uma imediata interrupção dos atos lesivos e a efetiva prevenção de novas condutas.

Para os casos de stalking no Brasil, normalmente se aplica o art. 65 do Decreto-Lei nº 3.688/1941 (Lei das Contravenções Penais) e, na esfera civil, os arts. 186 e 187 do Código Civil, reprimindo a conduta por meio da reparação de danos. No entanto, há ainda a possibilidade de se ingressar com ação cominatória, de obrigação de não fazer, para que o lesante se abstenha das práticas lesivas, sob pena de multa pecuniária (sem prejuízo de eventual indenização).

Mais recentemente a noção de tempo começou a ganhar importância jurídica como bem ou patrimônio imaterial dos cidadãos, merecendo atenção e proteção de nosso ordenamento. Trata-se da reparação do tempo perdido.

Precursor dessa ideia, o professor Rogério Ferraz Donnini [27] explica que “a lesão pela privação imotivada do tempo de outrem configura violação de um tempo que não volta mais, que não pode ser compensado, que não há restitutio in integrum, mas momentos de vida que se esvaem“.

Como diria Benjamin Franklin [28], “lost time is never found again[29]. Logo, aquele que faz alguém injustificada e indevidamente perder tempo deve, de alguma forma, ser obrigado a reparar esse tempo perdido, pois, em primeira e última instância, tempo é vida.

 A respeito do assunto, vale transcrever importante lição trazida pela Juíza de Direito Renata Manzini em sentença proferida nos autos da Ação de Indenização 0035435-09.2008.8.26.0114, em trâmite perante a Quinta Vara Cível da Comarca de Campinas. Vejamos:

O tempo é aquilo que temos de mais limitado; ninguém tem certeza do tempo que lhe será dado sobre a Terra, mas, de qualquer forma, não poderá ‘comprar’ um tempo extra, não poderá dilatar o que lhe é concedido, nem mesmo trabalhando mais, poupando mais, aplicando melhor. O tempo perdido é irrecuperável, apenas podendo ser indenizado de forma imperfeita, com a qualificação não menos imperfeita de dano moral.[30]

Parece ser evidente que a privação imotivada do tempo de outrem causa dano e deve ser indenizada. No entanto, o problema claramente está no impacto que essa nova dimensão de dano acarretará em nossa sociedade. Em quais hipóteses o tempo perdido deve ser indenizado? Como deve ser feita essa reparação? Qual a extensão do dano nessa situação? Como se mensurar o valor da indenização? Enfim, são perguntas difíceis que precisaram ser respondidas pelos operadores do direito.

Em quaisquer das hipóteses acima tratadas os desafios são grandes e as controvérsias são inúmeras. Mas o ordenamento jurídico precisa se adaptar aos novos tempos, aos novos direitos, às novas tecnologias e também às novas espécies ou exemplos de danos indenizáveis.

As soluções não podem descurar da função da responsabilidade civil, como ferramenta de alcance da dignidade da pessoa humana e da justiça social, pelo que se impõe que as hipóteses de dano em análise sejam tratadas e compreendidas de forma ampla e profunda, perquirindo todos os seus aspectos e dimensões, de modo a extrair de cada reparação o máximo de ressarcimento, de educação, de prevenção e de punição, conferindo ao instituto o máximo de utilidade e eficácia social.

6 Conclusões        

Como já tivemos a oportunidade de escrever em outro trabalho [31], um olhar para o passado revela a natural evolução da responsabilidade civil que caminha no sentido de ser sempre e cada vez mais a mais ampla, integral e eficaz possível.

A moderna doutrina e a jurisprudência de vanguarda têm se inclinado no sentido de não restringir a reparação dos danos extrapatrimoniais, inclusive admitindo expressamente a incidência das funções punitiva e pedagógica da reparação (STJ, REsp 910.794/RJ). Nesse sentido também a IV Jornada de Direito Civil, no seu Enunciado nº 379: “O art. 944, caput, do Código Civil não afasta a possibilidade de se reconhecer a função punitiva ou pedagógica da responsabilidade civil“.

Assim sendo, para que a reparação dos danos extrapatrimoniais seja justa e socialmente adequada, deve ser sempre analisada e interpretada para, de forma efetiva, reparar a integralidade dos danos suportados pela vítima, refletindo a repulsa do sistema sobre a conduta lesiva do agente, de modo que ele sinta, verdadeiramente, a resposta da ordem jurídica aos efeitos do resultado lesivo produzido, servindo ainda de exemplo e fator de desestímulo para a sociedade em geral.

A correta reparação é aquela que possui alcance e eficácia social, de modo que a extensão do dano seja a mais real e abrangente possível, para que se possa extrair a reparação mais justa para as partes e, acima de tudo, a mais útil para a sociedade.

A atual concepção da responsabilidade civil impõe que a reparação dos danos extrapatrimoniais deite os olhos não apenas para o caso concreto, mas também para os reflexos que a conduta lesiva irá produzir na sociedade, constituindo tal mister na maximização da eficácia funcional e social da responsabilidade civil [32].

Assim sendo, ao se deparar com a ampliação significativa das situações jurídicas passíveis de reparação por dano extrapatrimonial, os operadores do direito devem ter sempre em mente a natural evolução social e seguir sempre esse seu caminho, fazendo o direito acompanhar (no sentido de se atualizar), tanto quanto possível, essa evolução, não criando abismos entre o fato e o direito que lhe é aplicado.

A responsabilidade civil desempenha papel importante justamente para atender aos anseios sociais de paz, justiça e dignidade. E, para tanto, sua intepretação e sua aplicação devem ser flexíveis e abrangentes, de forma a contemplar todas as situações jurídicas imaginárias, ainda que não expressamente previstas em nosso ordenamento jurídico, mas que, sem a menor dúvida, não podem ficar sem proteção.

Dissemos acima que o ordenamento jurídico precisa se adaptar aos novos tempos, aos novos direitos, às novas tecnologias e também às novas espécies ou exemplos de danos indenizáveis.

Os desafios e os obstáculos que se apresentam diante das novas espécies ou dos exemplos de dano são enormes e, muitas vezes, complexos e com posições divergentes. Todavia, não se pode permitir que danos, quaisquer que sejam sua natureza, fiquem sem a devida proteção e reparação. Mesmo para situações totalmente novas e inimagináveis, a proteção e a reparação do dano são previstas e garantidas em lei e também na Constituição Federal.

E as soluções não podem ignorar a função da responsabilidade civil como ferramenta de alcance da dignidade da pessoa humana e da justiça social, pelo que se impõe que toda e qualquer hipóteses de dano, por mais imprevisível que possa ser, seja tratada e compreendida de forma ampla e profunda, perquirindo cuidadosamente todos os seus aspectos e dimensões, de forma específica e individualizada, de modo a extrair de cada reparação o máximo de ressarcimento, de educação, de prevenção e de punição, conferindo ao instituto o máximo de utilidade e eficácia social.

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[1] NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2003. v. I. p. 92.

[2] AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações. 8. ed. São Paulo: RT, 2000. p. 31.

[3] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2003. v. III. p. 17.

[4] Op. cit., p. 32.

[5] ROSENVALD, Nelson. Dignidade e boa-fé. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 204.

[6] O princípio do neminem laedere está presente no Digesto, que é uma das partes do Código Justiniano (526 d.C.).

[7] “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

 (…)

III – a dignidade da pessoa humana;”

[8] “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

(…)

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

 (…)

XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”

[9] “Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.”

[10] “Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.”

[11] Capítulo “Da Obrigação de Indenizar”.

[12] “Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.”

[13] “Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.”

[14] “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

 (…)

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”

[15] SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. 3. ed. Atlas: São Paulo, 2011. p. 83-85.

[16] CASCALDI, Luís de Carvalho. A extensão do dano moral e os critérios para sua reparação. Dissertação de Mestrado defendida na PUC-SP. São Paulo, 2012. p. 117.

[17] DONNINI, Rogério Ferraz. A prevenção de danos e a extensão do princípio neminem laedere. In: Responsabilidade civil: estudos em homenagem ao professor Ruy Geraldo Camargo Viana. São Paulo: RT, 2009. p. 499.

[18] Op. cit., p. 499.

[19] CASCALDI, Luís de Carvalho. A extensão do dano moral e os critérios para sua reparação. Dissertação de Mestrado defendida na PUC-SP. São Paulo, 2012. p. 143.

[20] REIS, Clayton. Os novos rumos da indenização do dano moral. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 114.

[21] CASCALDI, Luís de Carvalho. A extensão do dano moral e os critérios para sua reparação. Dissertação de Mestrado defendida na PUC-SP. São Paulo, 2012. p. 110.

[22] RODOTÀ, Stefano. Il problema della responsabilità civile. Milão: Dott. A. Giuffrè, 1967. p. 23.

[23] No Brasil não existe uma tradução para a palavra bullying, mas a Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência (ABRAPIA) relaciona algumas expressões que podem ser definidas como bullying, tais como: o ato de zoar, provocar, isolar, excluir, gozar, apelidar, discriminar, agredir, ignorar, chutar, ameaçar, amedrontar, quebrar material, ferir, perseguir, intimidar, ofender e trapacear o próximo. Esses atos podem causar dor silenciosa na maioria das vítimas, levando-as ao distanciamento social.

A violência através do chamado bullying, especialmente no âmbito escolar, não é nenhuma novidade, já que referida patologia social existe há muito na vida escolar e por várias gerações, mas tem sido objeto de aprofundados estudos e intermináveis discussões científicas, pois, comprovadamente, traz sequelas psíquicas que acompanham a criança e/ou o adolescente por toda sua vida.

[24] SILVA, Ana Beatriz Barbosa da. Mentes perigosas nas escolas: bullying. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010. Conforme nota de rodapé 17, p. 8.

[25] Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/10846/stalking>. Acesso em: 14 jun. 2016.

[26] DONNINI, Rogério Ferraz. Responsabilidade civil na pós-modernidade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2015. p. 134.

[27] DONNINI, Rogério Ferraz. Responsabilidade civil na pós-modernidade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2015. p. 157.

[28] O sermão do pai Abraão (The Way to Wealth, 1758).

[29] “Tempo perdido jamais é encontrado.” (tradução livre)

[30] Trecho extraído de sentença proferida nos autos da Ação 0035435-09.2008.8.26.0114, em trâmite perante a Quinta Vara Cível da Comarca de Campinas.

[31] CASCALDI, Luís de Carvalho. A extensão do dano moral e os critérios para sua reparação. Dissertação de Mestrado defendida na PUC-SP. São Paulo, 2012.

[32] Op. cit. em nota de rodapé 31.