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OS CRITÉRIOS PARA IDENTIFICAR PRETENSÕES IMPRESCRITÍVEIS

 OS CRITÉRIOS PARA IDENTIFICAR PRETENSÕES IMPRESCRITÍVEIS[1]

Cássio Benvenutti de Castro

SUMÁRIO: Introdução; 1 A trama inconsútil entre o tempo e a segurança jurídica; 1.1 A (des)vinculação dogmática entre a preclusão e a perempção no confronto com a decadência e a prescrição;1.2 A caracterização da prescrição: topologia, estrutura e funcionalidade; 2 A pretensão imprescritível; 2.1 Os limites e os fundamentos para uma demarcação jurídica da imprescritibilidade; 2.2 Os critérios para identificar a imprescritibilidade; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

A prescrição extingue o direito de ação; a decadência extingue o exercício do direito. A doutrina tradicional trabalhava com essas dicotomias e divulgava que a referida segmentação seria mais empírica que, propriamente, ancorada em recursos jurídico-políticos[2].

O festejado critério de separação entre a prescrição e a decadência, divulgado a partir de Chiovenda e por intermédio de Agnelo Amorim, recebeu a devida fortuna[3]. Uma correspecção entre direitos (direito à prestação e sujeição-função potestativa) e ações (teoria trinária). Porém, os mestres Chiovenda e Amorim são homens de seu tempo (teorias de um século de idade): os ensaios seminais elaborados sobre direitos e os respectivos critérios para identificar ações, então, foram ilustrados pela ideologia sufragada pelo Estado Liberal (Estado de Direito), e deixam explícito que a “ação” era considerada o polo metodológico do processo civil.

Um referencial que implica diversas consequências práticas.

O “modernismo” é o ponto. O fato de Agnelo Amorim repetir, com proficiência, a classificação engendrada com base na “moderna classificação dos direitos” e com base na “moderna classificação das ações” chama a atenção.

Na atualidade, o principal objetivo do pós-modernismo[4] é ser diferente do moderno.

Logo, o paradigma contemporâneo se fundamenta desde o Estado Constitucional, na perspectiva dos valores que promanam da proteção da dignidade humana e da densidade normativa dos direitos fundamentais. Prescrição e decadência deixaram de serem institutos isolados no Código Civil, porque, temperados pelo diálogo das fontes, requer-se um exame embasado na teoria do direito e na própria filosofia que respalda a sustentabilidade temporal de todas as coisas jurídicas.

O processo, de sua parte, recebe as influências das novas necessidades da tutela dos direitos, necessidades cada vez mais complexas e pluralistas-particularistas. Daí não se falar que prescrição é apenas matéria do direito material – como se verificará, ela sofre influências do processo. Com efeito, a técnica processual, investida que está pela tutela do direito, deve responder a essa rotação paradigmática, repercutindo um inédito referencial metódico-conglobante do cenário constitucional (a circularidade comunicativa como metódica de resolução dos paradoxos).

A tutela dos direitos está no centro do processo civil, fazendo a conexão entre direito e processo.

O presente ensaio analisa esse caldo de tendências. Em realidade, parte do exame dos clássicos, sem, contudo, desprezar as reformas dogmáticas e os novos paradigmas decorrentes da evolução de um “pensar sobre a ação” (e seu fenecimento) até o “pensar em termos de tutela dos direitos” (e seu não fenecimento).

A prescrição e a decadência, evidentemente, merecem algumas adequações. Aproximação do direito à realidade, precisão conceitual (que, inclusive, está positivada no CC), permitindo a visualização da política legislativa que funcionaliza diversas conclusões jurídicas no sentido de resolver o problema das pessoas (por isso a problemática é jurídico-política e envolve a teoria, não apenas um conjunto de prazos amealhados ao cabo da parte geral do Código).

A imprescritibilidade da pretensão consiste em uma exceção à prescrição. Aqui, o foco da análise. Para atingir esse patamar, necessário ressaltar a autoimplicação entre direito e processo, sempre lembrando a vertente da tutela dos direitos. No segundo momento, a essência da prescrição é diagramada, à luz daquilo que a pós-modernidade viabiliza, mas respeitado o arcabouço “moderno” supervivente.

Ao cabo, alguns comentários sobre pretensões imprescritíveis são colacionados, deles sendo extraídos possíveis critérios que encerram um perfil lógico às causas da não prescrição. O critério consiste em uma medida de comparação, assim, reclama uma distinção factual-normativa existente. Os exemplos contemplados se assomam, por ora, àquilo que os novos direitos apresentam, na brevidade que essas linhas permitem.

A dificuldade, na pós-modernidade líquida, na era dos particularismos, está no amealhar os arquétipos jurídicos válidos que se prestem a uma aproximação mais precisa sobre a imprescritibilidade – qual a pretensão que não prescreve ou qual a interface entre direito e processo que permite uma sistematização. Porque tudo está junto e misturado. O sistema jurídico passou a ser problematizado, com os devidos telhados normativos de apoio – a Constituição e as teorias gerais.

A única certeza que, hoje, possa ser cravada é sobre a insuficiência de classificações em dicotomias. Daí que, na terra da incerteza, na dinâmica da cibernética, na liquidez das hipercomplexidades e contingências, um punhado circular de similitudes surpreende uma tendência categorial que, com alguma dose de atenção, acaba errefecendo o mero empirismo e, provavelmente, fornecendo uma sistematização de critérios dignos de um aprofundamento.

1 A TRAMA INCONSÚTIL ENTRE O TEMPO E A SEGURANÇA JURÍDICA

A maior causa da angústia e dos problemas mentais do ser humano é a noção de finitude. O único semovente da face da terra que possui tal consciência é o “animal-ser humano“. Porém, também causa insegurança a perpetuação de situações que merecem um lançamento de segurança jurídica. A confiabilidade no sistema jurídica, justamente, densifica a imposição de prazos para que as coisas jurídicas sejam resolvidas em determinado espaço de tempo. Nada dura para sempre no reino da humanidade[5].

Os prazos prescricionais ilustram a segurança jurídica sobre determinadas situações. A imprescritibilidade, de sua parte, assegura que algumas pretensões não sofrem o efeito deletério do tempo, porque, de tão importantes, na própria essência, devem ser mantidas indefinidamente, ou até que alguma causa superveniente desate o estopim para a prescrição ser alavancada (a suspensão da prescrição ou a actio nata podem ser entendidas como causas de imprescritibilidade parcial, pois ficam à mercê de uma condição juridicamente pautada – até o advento do fato previsto, o lapso prescricional não transcorre).

1.1 A (des)vinculação dogmática entre a preclusão e a perempção no confronto com a decadência e a prescrição

A demanda consiste em ato da parte, mas o processo se desenvolve por impulso oficial[6] – uma conexão de normas, atos, posições jurídicas, faculdades, ônus, que encerram um autêntico “caminhar para a frente” do procedimento. A “conexão” de normas que compõem o procedimento (espinha dorsal do formalismo processual) está sintetizada em uma série de normas, cada uma das quais reguladora de uma determinada conduta (qualificando-a como lícita ou obrigatória), mas que enunciam como condição da sua incidência o cumprimento de uma atividade regulada por outra norma da série, e assim por diante, até a norma reguladora de um “‘ato final“.[7]

O processo, na feição de um procedimento em contraditório, trata-se de uma marcha para a frente, até o advento da tutela jurisdicional.

O juiz, as partes e os demais personagens do processo (perito, assistentes técnicos, oficiais de justiça, escrivão, testemunhas etc.) agem por meio de atos concretos. Os atos – e as posições jurídicas subjetivas processuais deles decorrentes – são ligados pelo vínculo do procedimento, isto é, da circunstância de que a norma os coloca em sequência ordenada e cronológica, de modo que cada um pressupõe o presente (ou os precedentes) e é pressuposto do seguinte (ou seguintes).[8]

O CPC determina um andar adiante, sob pena de o procedimento fenecer por consumação[9]:

Art. 223. Decorrido o prazo, extingue-se o direito de praticar ou de emendar o ato processual, independentemente de declaração judicial, ficando assegurado, porém, à parte provar que não o realizou por justa causa.

Art. 278. A nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão.

Art. 507. É vedado à parte discutir no curso do processo as questões já decididas a cujo respeito se operou a preclusão.

A preclusão[10] consiste na perda da oportunidade, prevista em norma, para a prática de ato judicial[11]. Ela pode configurar três espécies: preclusão temporal (quando passado o prazo para a prática do ato processual), preclusão consumativa (quando já praticado o ato prescrito) ou preclusão lógica (quando praticado ato incompatível como o determinado pela norma)[12].

Alguns autores ainda falam em preclusão pro judicato, preclusão que acometeria o juízo, mas isso somente pode ser apreendido como uma cláusula de não retrocesso de atos processuais, sob pena de correição parcial ou de remédio processual congênere. Ainda, a perda da faculdade de repristinação de ato processual pro judicato se funde, na atualidade, aos limites temporais da coisa julgada, como a seguir referido.

Com efeito, o art. 505 do CPC estabelece o que atualmente é designado como limites temporais da coisa julgada, em relações continuativas no decorrer do tempo:

Art. 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo:

I – se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;

[…].

Referencial consagrado no direito continental europeu[13]. Os limites temporais da coisa julgada, certamente, não se confundem com a preclusão para o juízo. Até por que a coisa julgada produz efeitos metaprocessuais.

A questão é que nem todos os atos estão sujeitos à fria preclusão, nos termos positivados pela legislação e diagramados, sinteticamente, pela doutrina.

Um exemplo ilustra o ponto: Qual a maior preclusão que pode existir no processo?

A revelia.

Ocorrendo a revelia, ela sempre produz os mesmos efeitos, independente da parte ou do direito demandado?

Evidente que não.

O CPC estabelece:

Art. 345. A revelia não produz o efeito mencionado no art. 344 se:

[…]

II – o litígio versar sobre direitos indisponíveis;

III – a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei considere indispensável à prova do ato;

[…].

Notório que demandas referentes ao direito da personalidade, ao direito ambiental, a interesses da Fazenda Pública e outras situações transindividuais levam a soluções indisponíveis. Ou seja, embora dentro do processo, como instituto de direito processual, a preclusão está às envoltas com a adequação ao direito material – o que perfaz o processo justo.

Direito e processo estão em diuturno diálogo.

Fazzalari arremata:

Il rapporto col diritto sostanziale non riguarda soltanto la domanda, ma tutti gli atti della serie procedurale: vuoi quelli in cui si concreta l’azione, cioè la situazione soggettiva (composita) dell’atore; vuoi quelli in cui si concreta la situazione processuale del convenuto; vuoi quelli in cui si traduce la funzione dell’ufficio.[14]

No atual quadrante pós-moderno, o Estado Constitucional, a constitucionalização do processo e a rotação do polo metodológico do processo – da ação para a tutela jurisdicional – não permitem a aplicação formalista dos prazos e atos preclusivos. Tudo depende dos direitos cuja essência preenchem o dever de alcançar a tutela. O sentido e a função do processo é entregar uma tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva. Logo, o direito se investe como peça fundamental para mitigar os outrora indeléveis efeitos da preclusão.

A preclusão, portanto, ainda que instituto processual, não difere (como outrora) da prescrição ou da decadência, porque, a depender da natureza do direito em demanda, a preclusão pode ser arrefecida, ou, mesmo, não haver a preclusão.

Ocorrer a impreclusão. Um proxy a ser ratificado a seguir.

A perempção também recebe influxos ora mais tendentes ao processo que ao direito material.

O CPC determina:

Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando:

[…]

III – por não promover os atos e as diligências que lhe incumbir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias;

IV – verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo;

V – reconhecer a existência de perempção, de litispendência ou de coisa julgada;

  • 3º O juiz conhecerá de ofício da matéria constante dos incisos IV, V, VI e IX, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado.

O texto do Código apresenta os requisitos da perempção: inércia do autor, por mais de 30 dias (já que ele deve impulsionar a demanda); o requerimento do réu, para que seja reconhecida tal inércia; e a extinção do processo, sem resolução do mérito, por três vezes.

Isso não impede que, à guisa de exceção, a questão referente à demanda seja alegada. De qualquer maneira, tampouco se permite que o autor ajuíze uma ação que tenha sido causa da perempção, porque, na prática, ela se trata de um abandono ou uma desídia da parte. Em tempos atuais, a perempção não é pressuposto negativo do processo, antes é um pressuposto da tutela jurisdicional do direito – porque, embora havendo perempção, pode ocorrer uma nova demanda, ocorre que o processo será extinto e a tutela não será prestada[15].

Daí que se inviabiliza a tutela, no sentido ativo (não no sentido reativo[16]), não o processo ou a ação: reflexo da tutela como princípio reitor normativo do processo civil.

Questões complexas, inerentes ao princípio do iura novit curia[17] e da inseparabilidade entre fato e direito[18], colocam em xeque a perempção. Em primeiro lugar, a demanda pode sofrer as variações que as teorias a respeito da demanda suportam; em segundo lugar, a própria dinâmica dos fatos e os novos direitos (ensejadores da tutela preventiva) acarretam modificações no tangente à perempção. Logo, pensar em perempção não está adstrita ao processo, também deve sopesar o fato e o direito que embasa a demanda – a causa de pedir que aparelha o objeto do processo são pedras de toque dessa variação do formalismo processual.

O formalismo varia ao talante do direito material que ele tutela.

Por isso o interesse na reflexão entre preclusão e perempção, de um lado, e prescrição e decadência, de outro. Se esses dois últimos institutos são mais tendentes ao direito material, hoje, não se pode dizer que preclusão e perempção estão encerrados na cadeia processual.

O motivo é suposto (ou pressuposto) – a tutela dos direitos coloca, para dentro do processo, em um diálogo das fontes, em uma referenciabilidade circular, uma gama de soluções que não resiste a soluções apriorísticas. Os resultados dependem da natureza do direito e das posições jurídicas em análise, na medida em que, nos particularismos da pós-modernidade, da hipercomplexidade e das contingências, categorias como o direito subjetivo não são suficientes para diagramar dicotomias inertes.

O processo é dinâmico por antonomásia, o direito é dinâmico por implicação social.

Por isso que Adolfo di Majo completa:

Per individuare l’ambito occupato dalla nozione di tutela occorre riferire quest’ultima alla nozione di interesse più che quella di diritto soggettivo. L’interesse esprime la posizione che un soggetto ha nei riguardi di un bene della vita. La nozione di bene va intesa ins senso ampio, come comprensiva di qualsiasi “utilità” che ci si può attendere ad es. anche dall’attività di altri (oltre che dall’attività esplicata su beni propri).[19]

O interesse é categoria metraprocessual, um verdadeiro mosaico derivativo das relações jurídica.

O problema não é a “abertura” que o sentido de interesse surpreende, mas, sobretudo, identificar que os conceitos, outrora fechados ao processo, devem dialogar com o direito material, devem exercitar a circularidade referenciada para evitar paradoxos. Isso não remete a uma mera separação entre definições estáticas. Pelo contrário, a relação proposta no tópico, de antemão, começa a expor uma linha argumentativa para a delimitação de critério válido – porque sistemático – para identificar pretensões imprescritíveis.

Um instituto está coligado ao outro, porque o pós-moderno tem um propósito essencial: ser diferente do moderno, considerar os particularismos e mitigar vinculações em preto e branco dos complexos sistemas jurídicos que se conectam na solução das problemáticas.

Nesse primeiro momento, apreendem-se conclusões parciais, que também são aplicáveis à prescritibilidade da pretensão:

(a) o grau de disponibilidade do direito é fator que encerra a possibilidade da preclusão e da perempção, inclusive à questão da prescrição;

(b) a natureza patrimonial da posição em demanda está diretamente afetada ao fator disponibilidade;

(c) o formalismo processual está autoimplicado, em uma relação circular, com o direito material – daí se falar em novos direitos e novas necessidades de tutela, o que mitiga o formalismo como um todo.

Predicados que, certamente, possuem nexo com os critérios referentes à imprescritibilidade da pretensão de direito material. Simplesmente, porque o processo não é um sistema fechado, diversos fenômenos transcendem as fronteiras para circular em um efetivo diálogo entre as fontes – direito e processo.

1.2 A caracterização da prescrição: topologia, estrutura e funcionalidade

Separar ou demarcar institutos, em teoria do conhecimento (ramo da filosofia cuja classe é a teoria da ciência: subdividida em lógica e teoria do conhecimento[20]), é matéria delicada. Também pudera, o manejo de linhas divisórias atribuem sentidos[21] às coisas jurídicas e, em decorrência, apontam para a estrutura e a funcionalidade. Logo, a relação entre os referenciais de origem dos fenômenos, no contexto das classificações, permite alcançar promissoras finalidades operativas.

Agnelo Amorim critica o modelo de comparação (critério) que, classicamente, separava a prescrição da decadência – seria um critério consequencialista e que desprezava a causa da segmentação. Aliás, as tradicionais definições explicitam essa maneira de raciocinar[22].

Daí que a prescrição fulminaria a “ação[23], nos termos do remoto paradigma praxista do entendimento sobre direito e processo. O escopo do processo, no despertar do século XX, era construir uma ciência neutra ao direito material, um compartimento independente.

Em contrapartida, a decadência implica a extinção do próprio direito, a morte do exercício do direito, e não a falência da ação. Somente por força indireta é que a ação acaba sendo atingida[24]. Uma distinção, repete-se, mais empírica que embasada em fatores estruturais e funcionais.

A ausência de um critério distintivo entre prescrição e decadência – ambos, institutos de direito material – é compromissada com o praxismo do Direito romano. Naquela época, o sujeito não dispunha de um direito, antes ele tinha uma ação. “A actio é o meio que está à disposição do titular de um direito subjectivo para conseguir a efectivação do mesmo[25]. Assim, os conceitos de ação e pretensão transitavam em uma simbiose inconsútil, não permitindo visualizar uma ótima segmentação.

Um estado de coisas que fomentou Savigny[26] a empregar o §194 do Código Civil alemão (“direito de exigir de outrem uma ação ou uma omissão” – a pretensão) como uma verdadeira ação de direito material. Não por acaso, isso veio repetido no antigo art. 75 do CC/1916 brasileiro (“a todo direito “pretensão” corresponde uma ação que o assegura[27]).

Sincretismo entre direito e processo que bastou para Windcheid equiparar a pretensão (de direito material) à velha actio do Direito romano[28].

A confusão estava armada. Pior, se a distinção era consequencialista, valer-se de direito à prestação versus direito potestativo significa o quê? Um critério causalista.

Para mitigar o entrevero de conceitos, no Brasil, a teoria dualista da ação – formulada por Pontes de Miranda e Ovídio – alinhavou os conceitos em uma escalada analítica desde o direito subjetivo, passando pela pretensão, até culminar na ação de direito material. Uma escalada no plano do direito material; e outra escalada, similar, no plano do direito processual. De maneira a separar aquilo que o praxismo teria acoplado. Uma duplicação de ações – uma contra a parte, outra ação contra o Estado (compondo a divergência entre Windcheid e Muther).

Atualmente, não se discute sobre a independência do processo em relação ao direito material. Ocorre que a tutela jurisdicional – polo metodológico do processo – encerra um valor que reúne as forças do direito e do processo, produzindo um resultado de autoimplicação. Tanto o direito influencia o processo como o processo acaba influenciando o direito, é preciso repetir. Portanto, a teoria dualista perdeu espaço, na virtude da colocação do problema da tutela no corpo da Constituição (art. 5º, XXXV, e art. 3º do CPC).

Além das conclusões parciais elucubradas no item anterior, o desenvolvimento das percepções, pela doutrina de Agnelo Amorim, ajudou a preencher a essência do que pode ser passível de prescrição e do que desencadeia a caducidade do exercício do direito.

O autor, valendo-se da dicotomia de direitos – direito à prestação (pretensão) e poder de sujeição (potestade, direito formativo) – proposta por Chiovenda, elaborou uma rotina “desde o direito material até a eficácia da sentença” (na época, teoria tricotômica) para, assim, organizar um critério para diferenciar os institutos. A premiada tese de Amorim, para a época em que fora elaborada, permitiu identificar e separar a prescrição da decadência[29].

A doutrina não está vencida pelo tempo; porém, na era da pós-modernidade, em época dos particularismos, dos novos direitos e da releitura das relações entre direito e processo, inclusive, contando-se com um novo Código Civil desde 2002 (e um CPC/2015), pode-se alinhar outras especificidades aos fundamentos dicotômicos e tricotômicos outrora antevistos.

Uma espécie de releitura dos elementos da prescrição pode atender a três ordens de problemas:

(a) a questão das fontes ou o texto da prescrição da pretensão no marco do atual direito privado (CC/2002);

(b) a questão da necessidade dos direitos ou o que os direitos precisam, para serem satisfeitos, o que abrange mais que a mera atributividade, antes é matéria ampliada ao teor metajurídico do interesse e das “necessidades“, mesmas, do direito, uma questão de valor jurídico – uma temática coarctada à tutela;

(c) finalmente, a tutela dos direitos trata-se de modalidade absolutamente diferente do praxismo de outrora, hoje, fala-se em formalismo-valorativo, de qualquer maneira, para além do instrumentalismo – que dominou o segundo pós-guerra -, as relações entre direito e processo são alinhavadas no paradigma da constitucionalização e dos direitos fundamentais, na perspectiva da ponderação entre os sobreprincípios da segurança e da efetividade, enfim, em um novo modo-de-ser hermenêutico, outrora piramidal, atualmente, em referenciabilidade circular: do direito ao processo e vice-versa; do fato para a norma e vice-versa; da parte para o todo e vice-versa; do texto para a norma e vice-versa; uma contextualização conglobante.

A releitura de Agnelo Amorim culmina em três pontes: (a) um fator operativo (ou relativo às fontes); (b) um fator estrutural; e (c) outro fator funcional.

Em primeiro lugar, na perspectiva das fontes, valoriza-se a “operabilidade” fincada no modelo do Código Civil de 2002, que predispôs os prazos prescricionais em um capítulo específico. De outra parte, os prazos decadenciais ficaram esparsos ao largo do Código, a depender do instituto.

Além disso, positivou-se que a prescrição não atinge a ação, mas ela ataca a pretensão[30] de direito material: “Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206“.

Vale dizer que, pelas fontes, a prescrição possui um endereço, existe um critério topológico que a identifica. No mais das vezes, os demais sistemas jurídicos estipulam o que está vinculado à prescrição ou à decadência, como se verifica nos arts. 27 e 28 do CDC.

Em segundo lugar, a estrutura da prescrição também reserva modificação àquilo que Amorim, inicialmente, visualizou.

Partindo-se do legado do Direito romano[31], no qual a actio era uma continuidade do Direito – aliás, tinha-se ação, antes, mesmo, do direito -, seria natural classificarem as “ações” (processuais) por meio de critérios advindos do direito material (ação de direito material). Daí que Pontes e Ovídio refinaram a teoria chiovendiana, atribuindo novas eficácias às sentenças; contudo, sempre remetendo guarida ao que denominam ação de direito material.

Ora, a ação de direito material nada mais consiste no agir da pretensão.

O direito subjetivo é um status, a pretensão lhe confere exigibilidade; porém, enquanto exijo não ajo (e ação é movimento) – um movimento cuja essência se extrai direta e depuradamente do direito material -, a questão fica latente em termos de pretensão. Por isso que a prescrição ataca a exigibilidade, ataca a pretensão.

A classificação das ações (seja a teoria ternária ou quinária) provém, em grande parte, do direito material, é compromissada com o direito subjetivo em movimento. Daí que ganhou fortuna o mundo em dicotomias que Chiovenda desvendou, e foi divulgado por Agnelo Amorim e suas concepções “modernas” sobre os direitos e sobre as ações.

Para Chiovenda[32], duas espécies de direitos[33] espelhavam o contexto da respectiva teoria ternária.[34]3536

Os direitos subjetivos a uma prestação: eles subentendem uma prestação (pretensão), um fazer, não fazer, entregar, pagar ou presar algo por intermédio do demandado. Embora se tratando de direito absoluto (em especial, direito real) ou relativo (obrigacional), o que é importante é que a satisfação dessa espécie reclama que alguém faça algo pelo titular do direito. Daí se vincular tal espécie à ação condenatória, ou, no advento da teoria quinária, da ação mandamental ou executiva, na medida em que uma atividade deve ser prestada, existe uma prestação de um terceiro para a satisfação do direito, e os prazos dessas demandas estão conectados à prescrição.

O direito potestativo[35] ou formativo[36] consiste em uma categoria na qual o titular possui um poder para agir sobre o patrimônio jurídico alheio. Ocorre uma situação de sujeição (não mera faculdade), tendo em vista que a sujeição é um estado jurídico que dispensa a vontade do correspectivo sujeito, já que a legislação garante uma posição de vantagem – seja extrajudicial ou judicial – para aquele que pode impor a vontade de modificar, extinguir ou constituir uma nova situação jurídica. Nesses termos, tal espécie de direito está vinculada à categoria das ações constitutivas, cujos prazos estão conectados à decadência37.

O que sobra para as ações declaratórias, já que elas devem se referir a algum direito pressuposto?

A ação declaratória se presta ao acertamento de uma incerteza ou para a declaração de falsidade documental. Pela natureza aclaratória e pelos seus efeitos ex tunc, portanto, ela não é passível de prescrição. Assim como uma ação constitutiva sem prazo decadencial positivado, a ação declaratória consiste em uma ação perpétua.

Uma conjuntura que pensa o direito, a classificação das ações, e a própria questão da prescrição, a partir da teoria da ação no centro da teoria do processo. Raciocínio que reflete a “ação como o direito em juízo“, no sincretismo-praxismo que o primeiro quartel do século XX encampava.

De outro lado, repete-se: a tutela configura o polo metodológico do processo civil, daí é necessária uma mudança de perspectiva.

A estrutura das demandas não pode, contemporaneamente, ser apreendida em dicotomias. Ou não pode ser apreendida, somente, em dicotomias. Os novos direitos, as categorias móveis, os sistemas abertos, a nova hermenêutica, as relações continuativas, enfim, inéditas situações hipercomplexas e contingentes acabam predispondo uma vasta gama de estruturação na qual o processo deve reagir de maneira peculiar.

Afinal, o processo reage às novas necessidades do direito material (e vice-versa).

Se o direito material, “desde fora” do processo, influencia a tutela jurisdicional dos direitos, no paradigma das próprias necessidades; se o direito material não mais divide, meramente, prestação e potestade, mas dano, ilicitude, fatores de declaração e de constituição, danos metaindividuais, cibernéticos, situações da personalidade, criações solidaristas-indisponíveis, problemáticas ambientais e de consumo, entre outras, parece que novas formas de investigar a questão reclamam uma apresentação para além da tricotomia que rendeu fortuna.

O segundo ponto é nesse sentido: De que maneira as necessidades dos novos direitos influenciam a identificação da prescrição da pretensão?

A influência ocorre em duas maneiras ou paradigmas.

A doutrina de Agnelo Amorim – embasada na dicotomia-tricotomia chiovendiana – é reflexa do Estado Liberal de Direito.

Isso surpreende uma ideologia de trabalho pautada pelo positivismo estrito. Zagregelsky refere os caracteres dessa rotina jurídico-política:

La concentración de la producción jurídica en una sola instancia constitucional, la instancia legislativa. Su significado supone una reducción de todo lo que pertenece al mundo del derecho – esto es, los derechos y la justicia – a lo dispuesto por la ley. Esta simplificación lleva a concebir la actividad de los juristas como un mero servicio a la ley, si no incluso como su simple exégesis, es decir, conduce a la pura y simple búsqueda de la voluntad del legislador.[37]

O império da lei formal, do cognitivismo, do processo de conhecimento sem efetividade prática – tudo sendo remetido para uma fase de execução. Tratava-se de um solve et repete, porque todos os direitos poderiam ser convertidos em pecúnia, não havendo especificidade na tutela jurisdicional. O esquema afrancesado de fazer jurisdição. A jurisdição dizia o texto da lei, com fundamentos repressivos e alternativos, privilegiando-se a liberdade e a igualdade formal, sem preocupações com direitos carentes de prevenção, ilicitude continuada e outras mazelas que refletiam uma nova dinâmica substancial da legalidade[38].

No século XX, tratava-se o direito como um esquema atributivo de direitos. Daí seria natural divisões espelhadas em molduras estáticas. O edifício jurídico estava construído e, de sua parte, o juiz somente deveria repetir o texto da lei.

Na pós-modernidade, no pós-positivismo, recheado de princípios, de valores, de uma nova hermenêutica, não basta dizer que a lei imputa um direito a alguém. Também é necessário que o cientista e o operador visualizem a amplificação dos direitos como devedora de uma “posição jurídica a ser defendida“.

O que significa amplificar o direito?

Prefacialmente, deve-se falar em “interesse” que um direito pode desencadear.

Portanto, a partir de um direito, diversos interesses podem fomentar várias formas de tutela. Marinoni assegura que “o Estado tem o dever de proteger os direitos fundamentais, entre outras maneiras mediante a instituição de normas de proteção. Por isso, edita normas que proíbem ou exigem condutas para dar proteção ao meio ambiente ou aos consumidores, por exemplo. Parte-se da premissa de que determinadas condutas comissivas podem gerar danos, ou que certas práticas ou condutas são imprescindíveis para se evitarem danos ou prejuízos” – tutela preventiva.

O interesse reaparelha a velha dicotomia chiovendiana – porque enseja novas formas de tutela[39] -, conforme doutrinado por Adolfo di Majo[40].

A tutela do direito é um espaço autônomo e pertence ao direito material.

Então, o interesse ganha vulto no sentido de elencar uma série de faculdades que podem ser arguidas para, processualmente, atingirem a finalidade almejada.

È in tale ottica che va anche ridimensionata la storica contrapposizione sub specie tutelae tra diritto e processo, giaché, se non è certo il processo la sede nella quale si definiscono e qualificano i bisogni di tutela, bensí la lege sostanziale, e con riferimento ai rimedi ivi riconosciuti, è tuttavia il processo la sede in cui tali scelte sono destinate a tradursi in tecniche e forme adeguate.[41]

Em complemento ao interesse a ser protegido – como figura que amplifica a atribuição de direito -, abandona-se uma visão reducionista da teoria ternária das ações e uma visão dicotômica direito subjetivo/potestade para acoplar junto a eles, comungar a tais ideias, a variação que merece a proteção contra os “danos” e contra o “ilícito“. Porém, a tais formas de tutela do direito material devem ser adequadas técnicas processuais pertinentes.

A figura do “ilícito” passa a ser basilar tanto para estruturar novas pretensões e, assim, influenciar na prescrição, como para implicar diferenciadas modalidades de tutela – a tutela preventiva.

A prática de ato contrário a uma norma de proteção, ainda que não traga dano, exige uma forma de tutela jurisdicional do direito, e por isso, obviamente, não pode ser indiferente ao processo civil. Não há como admitir, no Estado constitucional, que a única função do processo civil contra o ilícito continue a ser a de dar ressarcimento pelo dano. Num Estado preocupado com a proteção dos direitos fundamentais, o processo civil também deve ser utilizado como instrumento capaz de garantir a observância das normas de proteção, para o que a ocorrência de dano não tem importância alguma.[42]

Uma nova postura dogmática que coloca em evidência o “dano” e o “ilícito” a serem tutelados, desde o direito material e pelas técnicas do processo. Algo que retira toda a completude do esquema classicamente avistado para estruturar a prescrição.

Não basta dizer que a pretensão de direito disponível é passível da prescrição.

Porque existem situações indisponíveis que, a certo ponto, podem ser prescritíveis.

Sopesadas as considerações sobre os novos direitos, ou, melhor, sobre as necessidades multiformes dos direitos a partir da amplificação proporcionada pela categoria do interesse, é necessário chegar à questão da tutela. Ora, a tutela jurisdicional encerra o encontro do direito ao processo, daí que a prescritibilidade depende dessa macrovisão.

Finalmente, a questão da funcionalidade da prescrição.

Não basta dizer que ação “declaratória” é imprescritível.

O próprio CPC modificou esse tradicional critério:

Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título:

I – as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa;

[…].

No ensaio “Fenecimento pragmático versus ressalva ética da tutela condenatória[43], desde antes do CPC/2015, já defendia a inutilidade dogmática de uma sentença “condenatória“. Ela possui carga mais ética (ou do gênero moral) que, propriamente, um juízo de valor com apontamento jurídico-científico. Deveras, se uma declaração judicial pode reconhecer uma situação jurídica, o respectivo descumprimento do direito e a sanção ou o ressarcimento que disso deve ser aplicável, torna-se despicienda a exegese do cumprimento da condenação.

A declaração já pode fazer as vezes de condenação.

Nesse diapasão, as bases dicotômicas do direito subjetivo e do direito potestativo, que remetem à teoria ternária (declaração, condenação, constituição), estremecem nos próprios fundamentos, agora, dogmáticos.

Uma visão holística socorre a prestigiosa construção chiovendiana-amoriniana, porque a prescrição pode ser identificada pela topologia, pela estrutura e pela funcionalidade.

Qual a funcionalidade?

A que remete o sentido, a força da tutela do direito, para a essência do bem da vida em disputa, em cotejo a uma adequada técnica processual de satisfação do direito. Quer dizer, não basta discutir sobre a eficácia da sentença (ternária ou quinária), ou sobre a tutela do direito (preventiva ou ressarcitória), se não está identificada a categoria das necessidades do direito que o próprio sistema normativo implica e o propósito da técnica do processo para satisfazer tais necessidades.

Independente da classificação jurídica adotada – para a carga da eficácia da sentença (Pontes, Ovídio e, em alguma medida, Carlos Alberto Alvaro de Oliveira) ou para a força da tutela do direito (Marinoni, Adolfo di Majo, Cristina Rapisarda) -, a questão é de autorreferência circular.

O direito apresenta necessidades que lhe transcendem a mera atribuição positivista (a gama de interesses); entre tais interesses, o direito material, mesmo, predispõe formas ou modalidades de tutela para proteger o bem da vida. Assim, a tutela pode ser preventiva ou ressarcitória, tomando-se por elementos-base o ilícito e o dano. Um ilícito continuado, por exemplo, é algo que não prescreve, enquanto perpetrado, embora digno de ser tocado por uma sentença mandamental; uma sentença pode declarar uma dívida, mas nem por isso trata-se de disposição imprescritível.

Uma miscelânea de conceitos que outrora estavam paritários na divisão clássica.

Ocorre que o pós-moderno remete a particularismos. Sendo que a mera forma de cumprimento do provimento jurisdicional não é o único critério, mas se acopla à essência do direito para identificar a prescrição. É preciso verificar a essência da pretensão, apanhada pela topologia do prazo predisposto; tudo sopesado, analisar, com uma visão de conjunto, os efeitos (valor jurídico condicionado), o que ser pretende com tal ou qual medida.

Por exemplo: se pretendo que um dano ambiental não seja perpetrado, tem-se uma tutela inibitória a fomentar sentença mandamental, mas que não está sujeita a prazo prescricional; se houve uma declaração sobre o não pagamento de uma dívida, e o prazo da prescrição não foi transpassado, isso ainda é latente, e pode ser cobrado; as sentenças denominadas autossatisfativas (declaração no sentido estrito e constitutiva) estão assomadas à tutela do direito material da qual promanam, daí que uma sentença declaratória (estrita) é imprescritível e uma sentença constitutiva está sujeita à decadência.

A conclusão parcial que se infere é que uma visão dicotômica dos direitos não sustenta a dinamicidade, a hipercomplexidade e as contingências do mundo atual. Assim como a teoria ternária deve ser revisitada à guisa da tutela dos direitos e na perspectiva que as novas técnicas processuais estão positi­vadas.

Logo, a topologia e a essência dos direitos devem encampar a gama de interesses que os permeiam – a partir disso, a funcionalidade da tutela jurisdicional pode ser auferida em um conjunto que encerra a técnica processual decorrente da sentença, firmando a satisfação do direito pela mera declaração, pela constituição ou desconstituição de posição jurídica, ou pelas formas que remetem à prescrição: a sub-rogação, a coerção direta e a coerção indireta.

Do exame analítico à profusão holística.

No presente, está amealhado que:

  1. a) a mera separação entre direito a uma prestação e poder-dever potestativo, no cotejo com a teoria ternária, não resolve todos os problemas atuais sobre a prescrição da pretensão;
  2. b) sem desprezar a fortuna do embasamento teórico assinalado no item anterior, a prescrição pode ser identificada por meio da topologia estipulada no próprio Código Civil; ora somada à essência da necessidade da posição jurídica que está sendo examinada (interesse como fator de acoplamento), sendo que dano e ilícito configuram situações que podem perdurar no tempo de diferentes maneiras; tudo sopesado, a função da tutela jurisdicional é preservada incólume em termos de sentença constitutiva (decadência) e executiva (prescrição), mas depende da durabilidade ou continuidade da situação de dano ou ilícito para confirmar a prescritibilidade da sentença declaratória, tendo em vista as peculiaridades da tutela do direito material – tutela preventiva ou ressarcitória, tudo, ainda, contemplando-se a técnica processual válida para a entrega do bem da vida: mera declaração (não prescreve), constitutividade (passível da decadência) ou sub-rogação, coerção direta e coerção indireta (prescritível), situações que ensejam a concordância prática dos sobreprincípios processuais da segurança e da efetividade.

A pedra de toque a respeito da circularidade jurídica dos conceitos empregados está linkado à maior ou à menor referenciabilidade humana da posição jurídica a ser tutelada: quanto mais próximo da tutela da liberdade, da igualdade e da solidariedade, enquanto direitos universalizáveis, menor a probabilidade de a pretensão ser prescritível. Não existe, na pós-modernidade, uma resposta pronta.

Porém, tendências podem ser avistadas, na perspectiva do diálogo das fontes e no contexto de pertinência que o dano ou o ilícito traduzem em termos de tutela que, por sua feita, vinculam a técnica processual. Um mosaico pós-moderno, no qual cada peça acaba perfazendo um total diferente do átomo (para fechar a gestalt).

2 A PRETENSÃO IMPRESCRITÍVEL

A prescrição das pretensões é a regra, trata-se do estado de coisas comum à natureza e ao direito – em algum momento, tudo fenece e as situações possuem um tempo para perdurar. De outro lado, a imprescritibilidade consiste em uma exceção à regra geral, a uma excepcionalidade circunstanciada por fatores que o sistema jurídico reputa inderrogáveis pelo fator temporal.

O exame da pretensão imprescritível, portanto, será efetuado pela exclusão que ela reflete: no primeiro momento, com a demarcação de limitadores das pretensões não sujeitas à prescrição; em decorrência, o contexto implica uma gama de fundamentos que o ordenamento jurídico predispõe como fenômenos imprescritíveis.

A partir do elenco possível (porque não exauriente), pode-se inferir critérios na identificação da pretensão imprescritível.

2.1 Os limites e os fundamentos para uma demarcação jurídica da imprescritibilidade

A limitação da imprescritibilidade é a própria prescrição da pretensão, é a extinção da pretensão pelo decurso do tempo[44]. Em linha de princípio, a prescrição atinge todas as pretensões – em especial, as disponíveis e patrimoniais, seja direito relativo ou absoluto (real) -, razão pela qual a prescrição se autorreferencia como um sistema autopoiético, porque encerrado nos próprios elementos de calefação (a topologia, a estrutura e a funcionalidade).

A imprescritibilidade que é excepcional.

Atrelados a esse limitador, os fundamentos da não prescrição acabam sendo viabilizados por meio de exemplos que aparelham um possível resgate de critérios, tudo com base na dinâmica imposta pelo diálogo comunicativo das fontes. Nessa linhagem, elencam-se matérias que a rotina da operação jurídica e doutrinária reputam como imprescritíveis. Disso, por meio de uma mecânica circular (para não dizer final-estruturalista), possível alinhavar a sistematização.

Os fundamentos podem ser diagramados em duas classes: (I) a pretensão imprescritível pela força normativa do próprio direito a ser tutelado; (II) a pretensão imprescritível pela relação entre direito e processo, na circularidade que amaina os paradoxos por meio do diálogo das fontes (comunicatividade circular), reproduzindo a complementariedade que é acoplada pelo interesse que sustente a tutela do direito na acepção ampla – a necessidade do direito material, em especial tendo em vista os novos direitos e as novas técnicas jurisdicionais.

  1. a) Os direitos da personalidade

O direito à vida, à liberdade, à honra, à imagem, ao nome, entre outros status que compõem a personalidade, não estão sujeitos à prescrição, porque se tratam de posições inalienáveis e indisponíveis. Eles são direitos, na própria essência de princípios fundamentais, irrenunciáveis, históricos, invioláveis e universais, sendo que a violação não depende de prazo para a tutela[45].

O Código Civil estabelece um elenco que densifica tais direitos fundamentais:

Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.

Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.

Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.

Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.

Os dispositivos deixam a descoberto as questões patrimoniais ou tutelas decorrenciais que podem decorrer da essência desses direitos. Por exemplo, a tutela da imagem e do nome são imprescritíveis; porém, eventual pretensão patrimonial ou mandamental pela utilização indevida desses direitos – fatores tangentes à essência do direito, mas que compõem o “interesse” que sufraga a tutela – pode ser os efeitos da prescrição.

A Constituição estabelece no art. 5º:

Art. 5º […]

[…]

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

[…].

A imagem, a honra, a privacidade, o nome, entre outros, são irrenunciáveis e indisponíveis. Agora, a pretensão da reparação ou da tutela específica de outros aspectos não nucleares desses direitos acaba prescrevendo[46]. Vale dizer que as particularidades patrimoniais extraídas da essência desses direitos podem prescrever.

  1. b) Os direitos referentes ao estado das pessoas

As questões referentes ao estado das pessoas – posições jurídicas decorrentes do direito de família e do status do indivíduo perante a coletividade – são imprescritíveis. Em algumas hipóteses, fala-se em perpetuidade decorrente da possibilidade da decretação da nulidade sem que haja um tempo certo para tanto (vide a decretação de nulidade do casamento pelos impedimentos do art. 1.521 do CC)[47].

O raciocínio é similar às demandas referentes aos direitos da personalidade (afinal, o estado das pessoas também configura direito fundamental): a essência do direito não prescreve; porém, as consequências patrimoniais deles exsurgentes podem sofrer os efeitos da prescrição.

O art. 1.601 do CC estipula o seguinte:

Art. 1.601. Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível.

Parágrafo único. Contestada a filiação, os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação.

Assim como o direito aos alimentos, trata-se de pretensão imprescritível. O que pode prescrever são os efeitos patrimoniais disso advindos[48], como, por exemplo, as prestações referentes aos alimentos não cobrados no tempo previsto em lei.

  1. c) O patrimônio público

Os bens pertencentes às entidades públicas ou às entidades privadas de caráter público não estão sujeitos ao perdimento por ocasião da prescrição aquisitiva (usucapião) tampouco, em decorrência, prescreve a pretensão restituitória referente a esse patrimônio. O ordenamento jurídico estabelece uma série de normas que asseguram a tutela patrimonial de caráter público.

O Código Civil estabelece[49]:

Art. 101. Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei.

Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.

A Constituição (arts. 20 e 26) elenca os bens da União e dos Estados, sendo que os bens municipais são residuais. Todos eles são imprescritíveis[50].

O Decreto-Lei nº 9.760/1946, que regulamenta os bens da União, vai ao encontro: “Art. 200. Os bens imóveis da União, seja qual fôr a sua natureza, não são sujeitos a usucapião“.

Assim como a Súmula nº 340 do STF: “Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião“.

A dúvida persiste na leitura do art. 37, § 5º, da Constituição, que ressalva as ações de ressarcimento no tocante à prescrição:

Art. 37. […]

[…]

  • 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao Erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.

Existem entendimentos para ambos os lados[51] – de que a pretensão de ressarcimento, em benefício do Erário público, é imprescritível; de outro lado, levando-se em conta o princípio da igualdade[52], qualquer pretensão reparatória deve ser prescritível, daí que ocorre a prescrição quinquenal, embora se trate de indenização para o benefício do patrimônio público (Decreto nº 20.910/1932).

Por questão de o Estado Constitucional ter como fundamento a dignidade da pessoa humana, e, por finalidade, atingir a liberdade e a igualdade, por intermédio da concordância prática da segurança e da efetividade, evidente que deve haver um prazo prescricional para as pretensões patrimoniais de ressarcimento às pessoas de direito público. A questão já não está em garantir a manutenção do Estado enquanto posição de permanência, mas de uma movimentação de tutela contra situações de indenização.

Inclusive, a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992) estabelece prazos prescricionais para as sanções que estabelece (arts. 9º, 10 e 11). Se as sanções ali previstas – que são mais graves que o efeito patrimonial delas decorrentes – são mais graves que a busca pelo dinheiro (ressarcimento), parece lógico que a pretensão indenizatória prescreve, seja no prazo quinquenal, seja no prazo geral do Código Civil (dez anos).

Arnaldo Rizzardo, Arnaldo Rizzardo Filho e Carine Ardissone Rizzardo asseveram:

Essa se afigura a interpretação mais coerente, sendo inaceitável que se excetue o ressarcimento nessa situação, para excluí-lo da prescrição. Não se admite que, em uma única exceção no direito positivo, ficassem sem prescrição as indenizações por danos cometidos contra o erário, desde que não tipificadas as situações dos arts. 9º, 10 e 11. Nem se afeiçoa ao bom senso uma interpretação tão estranha, que levasse a um tratamento assim diferenciado relativamente aos demais direitos da Fazenda Pública. Haveria um divórcio inconcebível com o sistema jurídico universal, até porque nem os delitos mais infamáveis, de modo predominante, estão acobertados do manto da prescrição.[53]

Em síntese, o patrimônio público não pode ser adquirido por usucapião. Nessa lógica, tampouco prescrevem as pretensões reais para a retomada do patrimônio esbulhado.

A única prescrição plausível de se imaginar, relativamente ao patrimônio público, é a referente à pretensão indenizatória – porque fungível – referente ao ressarcimento de danos de efeitos instantâneos.

  1. d) As terras ocupadas pelos indígenas

Os indígenas constituem uma comunidade nômade. De qualquer maneira, como a história reproduz que foram os primeiros habitantes do País, a Constituição lhes assegurou a pretensão imprescritível sobre as respectivas terras.

A Constituição estabelece[54]:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

[…]

  • 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

Uma questão que toca à tradição, à verificação da habitualidade no cultivo (ou funcionalização da posse da terra), mas que privilegia essa comunidade de pessoas no texto da Constituição.

Até o presente, verificou-se a imprescritibilidade da pretensão com a força do próprio direito que a sufraga (I);

(II) a partir desse momento, são elencadas pretensões imprescritíveis pela necessidade do direito material que implica a macrovisão do interesse na tutela dos direitos, e no paradigma de adequação das técnicas de tutela jurisdicional à contemporânea postura pós-moderna.

  1. e) A tutela declaratória no sentido estrito

A pretensão de declaração, em um sentido amplo, comporta até o cumprimento da sentença. Como assentado[55], atualmente, nem seria preciso falar em “condenação“, porque um provimento jurisdicional que declara uma posição jurídica e a necessidade do ressarcimento é premissa de título executivo judicial para o cumprimento da sentença (art. 515, I, do CPC).

De outro lado, ainda existem as tutelas declaratórias no sentido estrito, que meramente fornecem certeza jurídica a determinada situação jurídica, ou se reportam à falsidade documental – produzindo efeitos ex tunc. Essas demandas “nem são meios de proteção ou restauração de direitos lesados, nem são, tampouco, meio de exercício de quaisquer direitos (criação, modificação ou extinção de um estado jurídico)”[56]. Ocorre uma declaração autossuficiente, uma sentença de caráter mais normativo que operativo.

A importância do esboço teórico fomentado é a seguinte: a tutela declaratória não se trata de pretensão imprescritível por ontologia[57] – como uma percepção moderna poderia considerar -, porque é preciso avistar o objeto da demanda, visualizar para dentro da pretensão e da causa de pedir para, assim, concluir a respeito da não prescrição.

  1. f) O impedimento da prescrição ou a imprescritibilidade condicionada

A despeito da visão funcional-estruturalista da prescrição da pretensão, como relacionado antes, é corrente que os efeitos do tempo somente podem implicar consequências jurídicas quando da inércia do titular da pretensão, e desde que já exigível o direito em questão[58] (pretensão, que confere a força do exigível, quando torna latente o status jurídico). Ou seja, a prescrição produz efeitos desde que a prescrição possa entrar em cena – o princípio da actio nata.

Trata-se do dies a quo da prescrição. Embora a doutrina não fale, expressamente, em imprescritibilidade, o fato é que “se pende uma condição, a prescrição não tem curso. Dito por outras palavras, não corre a prescrição contra aqueles que se encontram, em razão de norma legal, impedido de exercer a ação[59]. Daí que se tendo a prescrição como fato jurídico[60] (ou, mais propriamente, um ato-fato jurídico – porque depende da inércia do sujeito), parece que os impedimentos para o decurso do prazo são causas temporais da imprescritibilidade.

Mesmo que tais causas sejam, no mais das vezes, com um prazo demarcado, pela natureza jurídica do instituto, de imprescritibilidade se pode falar. Porque a prescrição não corre durante esse intervalo.

O Código Civil, entre outras causas de impedimento da prescrição, estabelece:

Art. 198. Também não corre a prescrição:

I – contra os incapazes de que trata o art. 3º;

[…].

Por isonomia, o impedimento também deve ser aplicado ao portador de deficiência – Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência): “Art. 79. O Poder Público deve assegurar o acesso da pessoa com deficiência à justiça, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, garantindo, sempre que requeridos, adaptações e recursos de tecnologia assistiva“.

Mormente quando o fato causador da deficiência possui relação factual[61] de causalidade com a pretensão alvitrada[62].

A actio nata pode apreender uma imprescritibilidade, ainda que condicionada ou temporal.

Ainda se pode falar da actio nata reversa.

A espécie remonta a técnica jurisdicional para a tutela do direito, porque, à vista da relação direito-processo, os provimentos, os procedimentos e os meios de satisfação das sentenças não autossuficientes estão diretamente coarctados às modalidades da tutela dos novos direitos. Assim, uma tutela preventiva (inibitória ou de remoção do ilícito) não permite que transcorra o prazo prescricional quando durar a situação de contrariedade ao direito.

Por exemplo, um dano ambiental de efeitos continuados (art. 225 da CF) ou uma propaganda enganosa ou exposição de produtos contrários aos ditames normativos do CDC até podem não causar danos[63]. Agora, trata-se de condutas ilícitas, contrárias ao ordenamento jurídico, e que, no mais das vezes, perpetuam efeitos no decorrer do tempo – sem que isso permita a ocorrência da prescrição.

A respeito do direito ambiental, inclusive, há vertente que o insere na categoria de direito fundamental e, portanto, imprescritível[64]. O problema é identificar a técnica jurisdicional que tutela o direito – se a tutela advém da prevenção ou remoção (contra o ilícito) ou de situações referentes ao dano. A questão, respeitosamente, não pode ser solucionada axiomaticamente.

Pode-se falar em uma actio nata por solve et repete, ou actio nata reversa, porque nasce a pretensão pelo ilícito, mas o perigo do dano deixa incólume a possibilidade de invocar os meios legais para a solução da contenda.

  1. h) A prescrição de ato nulo? A junk eficácia declaratória?

O quadro sistematiza a lógica dos planos da existência e da validade.

Plano da existência

(substantivo: suporte fático suficiente)

Plano da validade – Arts. 104, 166 e 171 do CC/2002

(adjetivo: suporte fático indeficiente)

  1. i) sujeito e respectiva manifestação da vontade
  2. a) negócio celebrado por pessoa absolutamente capaz ou por pessoa cuja capacidade civil seja suprida pela representação ou assistência, e a vontade livre
  1. ii) objeto
  2. a) objeto lícito, possível e determinado ou determinável
  3. b) motivo determinante, conforme o direito, para ambas as partes
  4. c) finalidade não fraudatória de lei imperativa

iii) forma utilizada para manifestar a vontade

  1. a) revestir a forma permitida em lei
  2. b) observar as solenidades que a lei considere essencial para a validade
  3. c) lei taxativamente não declara nulo o negócio jurídico, bem como não lhe proíbe a prática sem cominar sanção

Além da inexistência e da nulidade absoluta, o ordenamento ainda estabelece a anulabilidade[65] dos negócios jurídicos, prevista no art. 171 do Código Civil. As espécies de insanidades (sentido amplo) desenvolvem sanções em “graus” diferenciados, a depender da gravidade da causa ou da cogência da norma que predispõe a retirada do negócio do mundo jurídico.

O plano da invalidade (o que importa, no ponto) reúne os “graus” nulidade absoluta e nulidade relativa[66]. O sistema normativo organizou um escalonamento desde a maior até a menor gravidade do vício. A intensidade dos vícios é demarcada por uma funcionalidade política (retórica[67]) que identifica um “interesse público” versus um “interesse particular“. Na verdade, acontece é que o “grau” dos defeitos se repercute à questão da (in)disponibilidade dos interesses a serem tutelados pela norma de direito material. Com efeito, a diferenciação entre os “graus” de invalidade é “política“, porque o resultado[68] concebido pelas duas modalidades é o mesmo, ocorre apenas uma modificação na maneira ou na técnica para o atingimento da finalidade.

O que interessa é que, a despeito de respeitável doutrina reputar a nulificação do negócio jurídico por ação declaratória, é que ambas – anulabilidade ou nulidade absoluta – fomentam provimentos desconstitutivos, em termos de técnica processual. Ainda que o ordenamento jurídico forneça maiores oportunidades ao reconhecimento da nulidade absoluta, em comparação a menores oportunidades conferidas para a arguição de uma nulidade relativa (prazo decadencial e legitimidade, inclusive, reconhecimento de ofício, pelo juiz), o cenário que deduz o caráter de indisponível do vício de nulidade absoluta (para não dizer de “ordem pública“) não permite a perenização da possibilidade de arguição do vício.

Cediço que a legislação estabelece que a nulidade absoluta: (a) não permite o suprimento de validação, apesar de excepcionalmente admitir a conversão (arts. 168, parágrafo único, 169 e 170, todos do CC/2002); (b) pode ser reconhecida de ofício pelo julgador (art. 168, parágrafo único), ou a pedido de qualquer interessado e do Ministério Público, quando lhe couber intervir (art. 168); (c) não decai a potestade para suscitar essa espécie de vício – particularmente, entendo que mesmo uma nulidade absoluta deve se submeter à temporalidade máxima dos dez anos (arts. 169 e 205), por questão de razoabilidade e igualdade material (a questão é implícita na Constituição e não toca apenas ao direito civil propriamente dito); (d) opera de pleno direito, sendo possível flexibilizar a necessidade de uma tutela jurisdicional por intermédio de uma sentença específica, vale dizer, a ação anulatória ou uma ação específica para decretar a nulidade absoluta pode até ser dispensada, pois um provimento jurisdicional que reconheça essa espécie de vício pode ser postulado por intermédio de uma simples petição (a contrário senso do art. 177 do CC), inclusive, esse é o fundamento pela qual parte da doutrina comenta que a nulidade absoluta é reconhecida pela tutela declaratória; (e) a decretação da nulidade possui efeitos retroativos (ex tunc), salvaguardados os direitos de terceiros de boa-fé.

Um quadro comparativo com entre as nulidades pode esclarecer:

Técnicas e grau do vício

Nulidade absoluta

Nulidade relativa

Legitimidade argumentativa

Ex officio pelo julgador, a pedido de qualquer interessado ou do Ministério Público, quando couber intervir

Somente pela provocação do interessado

Suprimento do defeito

Não permite a convalidação, apenas a conversão em outro negócio

Permitida a convalidação, a confirmação e o suprimento do vício pelos atos das partes

Temporalidade

Atemporal: não69 sujeita a prazo decadencial

Obedece a prazos decadenciais, em geral, de dois a quatro anos, salvo exceções específicas

Forma de tutela jurisdicional

Tutela constitutiva negativa, porque a jurisdição “decreta” a sanção de invalidade a um vício de nulidade absoluta

Tutela constitutiva negativa, porque a jurisdição “decreta” a sanção de invalidade a um vício de nulidade relativa na sentença

Efeitos

Retroativos (ex tunc)

Não retroativos (ex nunc), ressalvando a possibilidade da compensação indenizatória

A nulidade absoluta não permite a confirmação, a convalidação ou o saneamento implícito em virtude do decurso do tempo. A gravidade do defeito deduz que negócio jurídico deve ser refeito, com a retificação do fator viciante (art. 169 do CC). A corrente que defende a imprescritibilidade (rectius, atemporalidade) da nulidade absoluta é majoritária, o que se reflete na tutela jurisdicional. Tratando-se de ato que envolve corrupção – sem dúvida, isso é imprescritível.[69]

A doutrina refere que a imprescritibilidade fica adstrita apenas à declaração da nulidade absoluta, não atingindo eventuais pretensões condenatórias reflexas[70].

Contudo, a maioria das movimentações jurisdicionais devem atender a um prazo[71]. A limitação do fator tempo para uma espécie de tutela, a despeito do pretenso caráter atemporal da declaração da nulidade, é inerente à finitude atomística[72] do homem. Uma racionalidade que não escapa à questão dos litígios objetivamente complexos, consoante observada na Súmula nº 149 do STF: “É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança“.

Os postulados constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade implicam a relativização de todos os direitos. Não existe um direito absoluto no atual quadrante constitucional. Assim, pensar que alguma pretensão é imprescritível consiste em atribuir uma leitura do sistema constitucional com a lente do Código Civil. A nulidade absoluta é um vício atemporal, para o direito civil, mas a sanção da invalidade e a desconstituição do negócio se subordinam a prazo que, sistematicamente, deve ser o prazo máximo para a prescrição das pretensões, previsto no próprio Código Civil: o prazo de dez anos (art. 205 do CC).

A segurança jurídica agradece[73] e a proposta confere um razoável tempo de espera para que a efetividade seja agilizada. A decretação da nulidade, ainda, é medida a ser sopesada aos respectivos reflexos ressarcitórios[74], pena de indevidamente se perpetuarem as pendências patrimoniais e tornarem as dívidas impagáveis em virtude da geométrica atualização dos valores.

Excepcionalmente, dada a gravidade do vício de invalidade, alguma questão pode ser reputada perpétua, para fins de impugnação. Agora, isso depende do caso concreto, da ponderação e da concordância prática elaborada pelos postulados constitucionais e valores em tensão – é produto afeito ao caso concreto (vide a hipótese de ter havido corrupção).

  1. i) A propriedade remete a uma pretensão imprescritível?

Muito se fala que a propriedade é direito, ou, melhor, pretensão[75] imprescritível. Ocorre que o simples fato de a propriedade ser perdida por direito ex adverso – no caso, o usucapião – não a torna um direito imprescritível. Daí que pretensão restituitória da coisa é modalidade diferenciada da pretensão extintiva, havendo um prazo geral (decenal) para a ação real.

O prazo é decenal porque o Código Civil não estipula especialidade de prazo de prescrição para a tutela da propriedade.

2.2 Os critérios para identificar a imprescritibilidade

A patrimonialidade e a disponibilidade são notas que compõem a essência da pretensão de direito material prescritível. Observando que a persecução ou a satisfatividade dos direitos contemporâneos, em termos de ação processual, deve ser instrumentalizada por meios de coerção (direta ou indireta) ou sub-rogação, possível resumir que a prescrição exclui o que não prescreve – a imprescritibilidade é uma regra de exceção.

Para além da conceitualização por negação (cientificamente reprovável), a questão da topologia dos prazos positivados, atualmente, fornece critério parcialmente válido para a identificação da prescrição e decadência. Consequentemente, a pretensão que não está conjugada a prazo. A questão da política do direito, da densidade imanente aos direitos, define o que tem ou não tem prazo para fenecer. Um critério estrutural.

A partir disso que se elencam situações imprescritíveis, considerando-se a importância dos valores que o sistema jurídico tutela: os diversos direitos arrolados no item anterior, em suma, apanham forças deontológicas que o ordenamento jurídico confere perenidade. Em síntese, tudo a indicar um direito privado “solidário[76], cuja força motriz são os bens precípuos da pessoa.

Isso não fica restrito ao direito material, embora a prescrição seja instituto mais tendente ao direito material.

Topologia e estruturalismo colaboram, mas não exaurem a temática. No diálogo das fontes, na comunicatividade entre os institutos, como método para reagir aos paradoxos jurídicos, direito e processo são experiências em profusão, em diuturna conexão categorial.

Portanto, a técnica processual da satisfatividade da pretensão importa, decisivamente, para caracterizar a imprescritibilidade. Quer dizer, se a sentença é autossuficiente, mas não extingue ou modifica relação jurídica, trata-se de tutela declaratória pura e não prescreve; se a sentença é autossuficiente para o efeito de extinguir ou modificar relação jurídica, a tutela é constitutiva e reclama prazo decadencial.

De outro lado, se a demanda, desde a causa de pedir, explicita uma relação continuativa ou de durabilidade, se o provimento jurisdicional não é autossuficiente, cujo fundamento permite inferir uma instantaneidade temporal, pela actio nata reversa ou pela própria actio nata tradicional, também não se fala em prescrição – daí se tem uma imprescritibilidade por ocasião da natureza dos novos direitos, pela tutela do direito decorrente da necessidade exsurgente e pela técnica processual que disso é proveniente.

Tudo depende da maneira que a técnica processual, no paradigma do Estado Constitucional, deve ser adequada às novas formas de tutela do direito.

Os critérios para identificar as ações imprescritíveis, nesses termos, encerram três ordens: topológico; compromissados à densidade normativa dos valores insertados na essência dos institutos; e, finalmente, conectados à técnica processual que faz cumprir a tutela do direito prometido.

Critérios para identificar a pretensão imprescritível

  1. a) A topologia do prazo prescricional, conforme estabelecido na parte geral do CC ou na legislação pertinente;
  2. b) A essência do direito e, sobretudo, a necessidade para a tutela do direito, o que encerra uma gama de interesses que transcende a clássica diagramação dicotômica dos direitos. Os interesses remetem a necessidades outrora não antevistas pela visão moderna;
  3. c) A adequação da técnica processual aos interesses a serem tutelados, porque a categoria do interesse açambarca direitos e faculdades; porém, a técnica reproduz a maneira de satisfação do provimento jurisdicional – no caso das sentenças autossuficientes (declaratória no sentido estrito e constitutiva: não ocorre prescrição, no máximo, decadência); no caso das sentenças não autossuficientes, os meios de satisfatividade (coerção direta ou indireta e sub-rogação), em linha de princípio, remetem à prescrição, mas tudo a depender da categoria de durabilidade ou continuidade do interesse em tutela (se a tutela é preventiva, se os efeitos do ilícito são continuados, se os danos são continuados, entre outras peculiaridades que a hipercomplexidade pós-moderna não permite exaurir).

Um aparato comunicativo, cujo referencial é pós-moderno, com a tentativa de elaborar uma circularidade entre os planos do direito e do processo no sentido de apaziguar os inevitáveis paradoxos que a matéria desencobre.

CONCLUSÃO

Em um mundo pluralista pós-moderno, encampado pela descodificação, pelo domínio do certame cibernético, pela hiperinflação legislativa, pelos particularismos fragmentadores da solidariedade (que deveria servir de pressão cultural de coesão), enfim, pelo advento dos hipercomplexos e contingentes novos direitos e novas necessidades de tutela, acaba por implicar uma indelével dinâmica ao contexto jurídico. Se o direito supervive através de uma “estabilidade marcada[77], é certo que não se pode “mais” pensar na manutenção em sedimentações de conceitos mais estáticos porque distantes do mundo real.

A incerteza consiste no paradoxo de convivência com o mundo jurídico.

Daí que as indeterminações e o frenesi dos comportamentos sociais merecem uma solução de expectativas legítimas que organizem, minimamente, categorias e posições, por intermédio de um sistema circularmente[78] lógico e epistemologicamente plausível. Na era da convivência de valores conflitantes, o que se tem, em termos dogmáticos, é a dignidade da pessoa humana como fundamento (art. 1º, III, da CF), a liberdade e a igualdade como finalidades precípuas, e a efetividade temperada pela segurança jurídica como fatores de adequação – rumo a um direito privado “solidário[79].

Um contexto de valências que remete a uma especialização funcional de determinados institutos e, assim, a possibilidade de contemplação de critérios que – pela racionalidade e pelo nexo factual existente em relação à finalidade eleita – contribuem para identificar a imprescritibilidade de algumas pretensões.

Óbvio, tudo no paradigma da tutela dos direitos e das técnicas processuais contemporâneas. Um referencial que não pode retroceder.

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[1] O presente trabalho é dedicado ao Dr. Arnaldo Rizzardo, à Dra. Carine Ardissone Rizzardo e ao Dr. Arnaldo Rizzardo Filho – doutrinadores e colegas de profissão que forneceram referencial teórico de tremenda profundidade e que, na condição de advogados, não patrocinam meras “causas”, antes eles se aparelham com a verdade para a efetiva tutela da pessoa: o alvitre precípuo do processo justo. Para vocês, o meu trabalho e o meu carinho incondicional.

[2] Época em que as demandas assumiam um conformismo normativo – não sincrético. Ainda, os pedidos acabavam sendo uma “alternativa” ao perdedor, porque a efetivação dos provimentos, em geral, poderia ser convertida em perdas e danos, na ótica da primazia da liberdade herdada do Direito francês e da sua exegese metodológica.

[3] Os clássicos devem ser valorizados – sempre. Ocorre que “apreciar os antigos de forma tão excessiva significa: reconduzir o entendimento à sua infância e descurar o uso dos talentos próprios”. Ver KANT, Immanuel. Lógica. Trad. Artur Morão. Lisboa: Edições Texto & Grafia, 2009. p. 79. Cediço que toda a ciência é datada; logo, natural que os clássicos permanecem, seus dizeres emplacam densidade eterna. Todavia, isso não afasta a necessidade de releituras, de renovações. Trata-se do mister edificante da empresa denominada ciência.

[4] JAYME, Erik. Visões para uma teoria pós-moderna do direito comparado. Trad. Cláudia Lima Marques. Revista dos Tribunais, ano 88, v. 759, p. 25, jan. 1999.

[5] Ver DIAS, Handel Martins. O tempo e o processo. Revista da Ajuris, n. 108, ano XXXIV, p. 227 e ss., passim, dez. 2007.

[6] CPC, Art. 2º: “O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei”.

[7] FAZZALARI, Elio. Instituições de direito processual. 1. ed. Trad. Elaine Nassif. Campinas: Bookserller, 2006. p. 93.

[8] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Teoria e prática da tutela jurisdicional. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 70.

[9] RIZZARDO, Arnaldo; RIZZARDO FILHO, Arnaldo; RIZZARDO, Carine Ardissone. Prescrição e decadência. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 48.

[10] Pontes de Miranda trata da questão da preclusão como sinônimo da decadência. No presente, é nítida a distinção entre o fenômeno tendencialmente processual (preclusão) e o instituto material (decadência), ao contrário da etimologia pontiana. Ver MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Parte geral (exceções, exercício dos direitos, prescrição). Atual. Otávio Luiz Rodrigues Júnior et al. São Paulo: Revista dos Tribunais, t. VI, 2013. p. 269.

[11] A preclusão é perda de oportunidade (para não dizer faculdade) processual. Daí que a maioria da doutrina comenta que ela produz efeitos somente dentro do processo – daí a distinção para os demais institutos. “A prescrição é a perda da ação. Prescreve a ação. A preclusão, ao contrário, representa a perda, extinção ou consumação de atos ou faculdades dentro da ação. Enquanto aquela ocasiona a perda da ação em si, esta ocasiona apenas a perda de faculdades ou atos inerentes à ação”. Uma visão hermética do processo, uma percepção autopoiética que encerra um sistema fechado – o processo pelo processo, sem contato ou sem recíprocas implicações com o direito. Algo que, respeitosamente, não coaduna com a vertente ora defendida. Ver CAHALI, Yussef Said. Prescrição e decadência. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 36/7.

[12] Ver SCHLICHTING, Arno Melo. Prescrição, decadência, preclusão, imprescritibilidade. Código Civil de 2002: identificação a priori. Florianópolis: Momento Atual, 2004. p. 7/14.

[13] Claudio Consolo refere que “quindi ogni sentenza contiene un accertamento che ha dei ben precisi limiti non solo oggettivi e soggettivi, ma anche – ed immancabilmente (sia pure in modo variabile al variare delle diverse discipline della trattazione della causa) – cronologici, che vengono fissati in relazione al momento in cui l’organo giudicante riesce a ‘fotografare’ l’oggetto del processo allorché (più tardi) esso pone in essere il provvedimento” (CONSOLO, Cláudio. Spiegazioni di Diritto Processuale Civile (le tutele: di mérito, sommarie ed esecutive). 2. ed. Torino: Giappichelli, v. I, 2012. p. 177.

[14] FAZZALARI, Elio. Note in tema di diritto e processo. Milano: Giuffrè, 1957. p. 159.

[15] Ver MARINONI, Luiz Guilherme et al. Código de Processo Civil comentado. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 581. No mesmo sentido, ver MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil (teoria geral do processo). 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. I, 2012. p. 483/4: “Ao se perceber a razão de ser dos ditos pressupostos processuais, torna-se claro que eles não são requisitos para o julgamento do mérito ou para uma decisão sobre o mérito, mas condições para a concessão da tutela jurisdicional do direito. Quer isso dizer, em outras palavras, que eles devem estar presentes não para que o juiz possa julgar o mérito, porém para que o juiz possa conceder a tutela jurisdicional do direito. A sua ausência não impede que o juiz julgue o mérito. É apenas a ausência de pressuposto estruturado em favor do interesse público que impede o julgamento do mérito”.

[16] A perempção, embora prejudicial ao demandante, pode configurar matéria a ser arguida como defesa do sujeito que ensejou a perempção. Daí que não está afetada a pretensão, o direito ou, sequer, a tutela (no sentido reativo, quiçá, a depender das nuances do caso, no sentido ativo da demanda). Ver CAHALI, Yussef Said. Prescrição e decadência. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 35.

[17] Ver DOMIT, Otávio Augusto Dal Molin. Iura novit curia e causa de pedir (o juiz e a qualificação jurídica dos fatos no processo civil brasileiro). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. passim.

[18] LANES, Júlio Cesar Goulart. Fato e direito no processo civil cooperativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. passim.

[19] MAJO, Adolfo di. La Tutela Civile dei Diritti. 4. ed. Milano: Giuffrè, v. 3, 2003. p. 71.

[20] HESSEN, Johannes. Teoria do conhecimento. 2. ed. Trad. João Vergílio Gallerni Cuter. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 13.

[21] POPPER, Karl. R. A lógica da pesquisa científica. Trad. Leonidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota. São Paulo: Cultrix, 1972. p. 34 e 40.

[22] Segundo Clóvis Beviláqua, “prescrição é a perda da ação atribuída a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em consequência do não uso delas, durante um determinado espaço de tempo. Não é o fato de não ser exercer o direito que lhe tira o vigor; nós podemos conservar inativos em nosso patrimônio muitos direitos, por tempo indeterminado. O que o torna inválido é o não uso da sua propriedade defensiva, da ação que o reveste e protege”. Ver BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1908. p. 380.

[23] LEAL, Antônio Luís da Câmara. Da prescrição e da decadência: teoria geral do direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 11. A primeira edição dessa obra é datada em 1939. Reflete, com propriedade, o exame analítico da época praxista, no qual considerava a prescrição como um instituto que exterminava a “ação”, desde que cumpridos os requisitos predispostos empiricamente – existência de uma ação; inércia do titular; transcurso de lapso de tempo; ausência de causa interruptiva ou suspensiva da prescrição. Tudo isso, contudo, sem tocar na essência da “causa” que estabelece critério delimitador da prescrição quando em relação aos demais fenômenos congêneres. Um homem de seu tempo, precursor dos estudos sobre a temática.

[24] Ibidem, p. 116 e ss.

[25] KASER, Max. Direito privado romano. 2. ed. Trad. Samuel Rodrigues e Ferdinand Hämmerle. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2011. p. 57.

[26] THEODORO JR., Humberto. Distinção científica entre prescrição e decadência. Um tributo à obra de Agnelo Amorim Filho. Revista dos Tribunais, ano 94, v. 836, p. 57, jun. 2005.

[27] SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil (processo de conhecimento). 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. I, 2002. p. 88.

[28] “L’actio quindi sta al posto della pretesa. Che uno abbia un’actio significa, nel linguaggio della nostra concezione giuridica, per la quale la perseguilbilità è soltanto la conseguenza del diritto, che uno ha una pretesa riconosciuta dal diritto o, più semplicemente, che uno ha una pretesa. Poichè la nostra terminologia mostra qui lo stesso fenomeno di quella romana riguardo alla parola actio, menzionando cioè l’atto invece del diritto che si ha ad esso.” (WINDCHEID, Bernhard; MUTHER, Theodor. Polemica Intorno All’”Actio” di Windcheid e Muther. Firenze: Sansoni, [s.d.]. p. 12)

[29] AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais, v. 300, passim, out. 1960.

[30] Pode merecer crítica a expressão “violado o direito” – porque o direito existe ou não existe, sendo que a pretensão apenas confere ao status direito à exigibilidade, à latência do exigir. Daí que a violação ocorre contra tal possibilidade de exigir e, por decorrência, o direito perderia a eficácia persecutória. De qualquer maneira, o CC/2002 desatinou os debates que persistiam. Ver Ovídio, op. cit., p. 79. Ainda, a terminologia “lesão a direito” subentende a equivalência entre dano e contrariedade a direito – algo que está superado pelas novas modalidades de tutela jurisdicional. A “lesão do direito” calhava a um mundo estático, a um direito codificado em padrões herméticos, a um jusestatalismo decinomônico e a um abstracionismo onde os eventos não possuíam o dinamismo e os particularismos da pós-modernidade. Daí que se extraíram dicotomias e violação a algo que existe ou não existe. Ver CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil (as relações processuais, a relação processual ordinária de cognição). Trad. da 2ª edição italiana por J. Guimarães Menegale. São Paulo: Saraiva, v. I, 1969. p. 17.

[31] Max Kaser, ibidem, p. 58 e ss.

[32] Chiovenda, ibidem, p. 10/7.

[33] Tecnicamente, os direitos potestativos não compõem uma espécie de direito subjetivo, os quais subentendem uma relação jurídica (Windcheid) ou um interesse juridicamente protegido (Jhering). Ou seja, o poder que aponta para uma sujeição se reporta a outra cartilha atributiva, sem a correspecção típica do direito subjetivo (pelo qual existe a pretensão, a prestação e demais vinculatividades autoimplicantes). Potestade está no certame do “poder-sujeição”. Ver REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 23. ed. São Paulo, 1996.p. 259. Também verificar KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 8. ed. Trad. João Baptista Cachado. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 145 e ss.

[34] Doutrinando sobre a teoria da ação – que, para Chiovenda, trata-se de um direito potestativo -, ele arremata: “En todos estos casos nos encontramos frente a un poder del titular del derecho, de producir, mediante una manifestación de voluntad, un efecto jurídico en el cual tiene interés, o la cesación de un estado jurídico desventajoso; y esto frente a una persona, o varias, que no están obligadas a ninguna prestación respecto de él, sino que están solamente sujetas, de manera que no pueden sustraerse a él, al efecto jurídico producido”. CHIOVENDA, Giuseppe. La acción en el sistema de los derechos. In: CHIOVENDA, Giuseppe. Ensayos de Derecho Procesal Civil. Trad. Eduardo J. Couture. Buenos Aires: Bosch y Cia. Editores, 1949. p. 26.

[35] Vale a crítica de Miguel Reale que, “se é um direito, não pode ser potestativo”, porque se tratam de categorias inconciliáveis, na medida em que potestade subentende função e sujeição, não posição de proeminência em relação a um bem da vida. Ver REALE, Miguel. Situações subjetivas e direito subjetivo. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, v. LXXI, p. 19, 1976.

[36] A contraposição entre direito potestativo e direito subjetivo a uma prestação é matéria assentada no confronto poder-sujeição versus relação jurídica. Não se trata de mera distinção pela “finalidade” dos direitos que pertencem a uma mesma classe, como parecem fazer crer GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil (abrangendo o Código de 1916 e o novo Código Civil). Parte geral. 2. ed. São Paulo: Saraiva, v. I, 2002. p. 485. A distinção é estrutural, está compromissada com a densidade normativa de cada qual das espécies. Daí que elas ensejam diferentes modalidades de necessidades do direito material e, por decorrência, diferentes formas de tutela jurisdicional. Adolfo di Majo refere: “Se si abbandona l’impostazione sostanzialistica, secondo la qual ela tutela constitutiva altro no sarebe che la forma di attuazione dei diritti potestativi, emerge la esigenza di fondare su altre basi la nozione di tutela constitutiva. Una delle possibili basi è di muovere dalla funzione di controlo che essa può esercitare. Mettere in evidenza tale funzione significa riferire la tutela constitutiva ai poteri dei privati e alla possibilità loro oferta di ottenere modificazioni giuridiche a se favorevoli e, sovente, a danno di altri soggetti. Se si acetta questo angolo visuale, occorrerà riconoscere che esistono ipotesi in cui i privati sono abilitati ex se a produrre, con le proprie dichiarazioni e comportamenti, una modificazione giuridica (si pensi ai casi di scuola della rosoluzione di diritto del contrato e del riscatto di un bene), intervenendo il giudice solo ex post, per valutare se il potere è stato bene o male esercitato. In altre ipotesi, invece, il caso è diverso. L’intervento del giudice è richiesto ex prius e ciò per controllare a priori se le condizioni per l’esercizio del potere sussistono. In tal caso l’intervento del giudice avrà caractere constitutivo perché la modificazione giuridica non può altrimenti prodursi che attraverso la sentenza di esso. In tal caso, si disse, il processo è fonte ex se, per il soggetto, di risultati utili ossia di effetti giuridici per esso favorevoli”. A tutela proporcionada pelo direito potestativo ostenta uma funcionalidade de controle; agora, isso não é o bastante para a diferenciação em relação ao direito subjetivo a uma prestação. A distinção está na essência – essência que encerra a estrutura da prescrição, inclusive, no tocante aos novos direitos. Ver Adolfo di Majo, op. cit., p. 370.

[37] ZAGREBELSKY, Gustavo. El Derecho Dúctil (ley, derechos, justicia). 9. ed. Trad. Marina Gascón. Madrid: Editorial Trotta, 2009. p. 33.

[38] MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil (teoria geral do processo). 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. I, 2012. p. 32.

[39] “Com complexidade queremos dizer que sempre existem mais possibilidades do que se pode realizar. Por contingência entendemos o fato de que as possibilidades apontadas para as demais experiências poderiam ser diferentes das esperadas; ou seja, que essa indicação pode ser enganosa por referir-se a algo inexistente, inatingível, ou a algo que após tomadas as medidas necessárias para a experiência concreta (por exemplo, indo-se ao ponto determinado), não mais lá está. Em termos práticos, complexidade significa seleção forçada, e contingência significa perigo de desapontamento e necessidade de assumir-se riscos”. A ideia dos “direitos” não se resume a dicotomias. O interesse encampa novas necessidades, daí que a tutela do direito ainda fornece inéditas dinâmicas à temática em análise. Ver LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito, I. Trad. Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1983. p. 45/6.

[40] Adolfo di Majo (op. cit., p. 6) salienta que “tra bisogno e rimedio v’è un filo diretto. Il rimedio necessariamente si raccorda ad un bisogno qualificado di tutela e, solo in via indiretta, all’interesse della cui tutela si tratta. Per fare un esempio, il bisogno di tutela che manifesta il diritto di proprietà non è solo di essere riconosciuto proprietario e di ottenere la reintegrazione nel possesso di cui si sia stati privati (e cioè la restitutio in integrum), ma anche di essere tenuto indenne dal (peso del) danno che la cosa abbia subito ad opera di altri. Tanto significa che la proprietà evoca bisogni differenziati di tutela, cui corrispondono diversi ordini di rimedi”.

[41] Adolfo di Majo, op. cit., p. 7. O autor italiano se vale da ductibilidade/discrição tradicional ao common law. Nessa ótica, fala-se em cure of wrongs, sendo que, independente da faceta do direito que foi afetada, o processo deve, pragmaticamente, enfeixar um contexto de solução para a vida das pessoas. A questão do interesse amplifica a atributividade pontualista do direito. Em outras palavras, Marinoni reproduz o mesmo ensinamento, quando afirma que “as formas de tutela são garantidas pelo direito material, mas não esquivalem aos direitos ou às suas necessidades. É possível dizer, considerando-se um desenvolvimento linear lógico, que as formas de tutela estão em um local mais avançado: é preciso partir dos direitos, passar pelas suas necessidades, para então encontrar as formas capazes de atendê-las” (Marinoni, Teoria…, p. 248).

[42] Marinoni, Teoria…, p. 254.

[43] CASTRO, Cássio Benvenutti de. Fenecimento pragmático versus ressalva ética da tutela condenatória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3095, 22 dez. 2011. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/20693>. Acesso em: 8 jun. 2018.

[44] Pontes de Miranda, op. cit., p. 257.

[45] Ver Arnaldo Rizzardo et al., op. cit., p. 422/3; e PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. I, 1997. p. 439; e Pontes de Miranda, op. cit., p. 257/9.

[46] Yussef Said Cahali, op. cit., p. 82.

[47] Ver Arnaldo Rizzardo et al., op. cit., p. 449/453.

[48] MONTEIRO, João Baptista. Análise da teoria geral da prescrição, considerando-se o fato, de direito positivo (Direito brasileiro), de que a ação é definida como direito abstrato. Revista de Processo, ano VII, n. 26, p. 110, abr./jun. 1982.

[49]  O CC ainda estipula:

“Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.

Art. 99. São bens públicos:

I – os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;

II – os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;

III – os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.

Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.

Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar.”

[50] Arnaldo Rizzardo et al., op. cit., p. 409/430; e Yussef Said Cahali, op. cit., p. 82/3.

[51] Arnaldo Rizzardo et al., op. cit., p. 432/3.

[52] O postulado da proporcionalidade também não permite uma pretensão patrimonial inestimável. “Mesmo diante da regra constitucional que ressalva as ações de ressarcimento da incidência da prescrição, além dos casos de exclusão mencionados acima, é importante fixar um prazo máximo para as ações de ressarcimento, que atenda, razoavelmente, ao espírito da regra constitucional e, ao mesmo tempo, à segurança das relações jurídicas e aos direitos fundamentais das pessoas em geral”. Ver BONICIO, Marcelo José Magalhães. Reflexões em torno da prescrição dos direitos da Fazenda Pública em face da regra prevista no artigo 37, § 5º, da Constituição da República. In: CIANCI, Mirna (Coord.). Prescrição no Código Civil (uma análise interdisciplinar). 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 117.

[53] Arnaldo Rizzardo et al., op. cit., p. 340.

[54]  O art. 231 da CF explicita:

“§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

  • 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.”

[55] CASTRO, Cássio Benvenutti de. Fenecimento pragmático versus ressalva ética da tutela condenatória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3095, 22 dez. 2011. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/20693>. Acesso em: 8 jun. 2018.

[56] Yussef Said Cahali, op. cit., p. 85. No mesmo sentido, Pontes de Miranda, op. cit., p. 259.

[57] GUIMARÃES, Carlos da Rocha. Prescrição e decadência. Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 132.

[58] Câmara Leal, op. cit., p. 21/2.

[59] Rizzardo, op. cit., p. 19.

[60] Câmara Leal, op. cit., p. 8 e 18.

[61] Ver ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 44.

[62] Se o sujeito possui deficiência congênita e totalmente incapacitante, todas as pretensões almejadas não prescrevem. De outro lado, se a deficiência é parcial, mas decorrente de algum fato com nexo factual com a finalidade em relação à pretensão alvitrada, tal pretensão acaba sendo imprescritível – por exemplo, um sujeito que restou tetraplégico por acidente de trânsito, a finalidade da pretensão é diretamente conjugada ao fato que originou a deficiência, daí a necessidade da dinamização da tutela do direito e da técnica do processo em benefício da dignidade da pessoa.

[63] Bruno Miragem concede o exemplo de expor, ao mercado, algum produto ou serviço que exponha ao risco a saúde dos consumidores. Isso ensejaria a tutela preventiva e, além dela, a ressarcitória – cada qual com a respectiva técnica processual de referência. Ver MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 717.

[64] ALVES, Sergio Luis Mendonça. A prescrição no direito ambiental brasileiro. In: CIANCI, Mirna (Coord.). Prescrição no Código Civil (uma análise interdisciplinar). 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 466.

[65] A terminologia “nulidade relativa” fomenta críticas. A diferença entre nulidade e anulabilidade seria meramente referente aos limites subjetivos da constatação, da demanda que propugna a invalidade. Para finalidade do ensaio, porque a questão é de obter dictum, utilizarei “nulidade relativa” e “anulabilidade” como sinônimos.

[66] MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado: parte geral. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, t. IV, 1970. p. 29.

[67] Quando me refiro à “retórica” ou “política”, não utilizo terminologia pejorativa, mas é porque considero tecnicamente inconcebível o discurso reputar de “ordem pública” determinado aspecto; e, de outro lado, e na mesma lei (o Código Civil), dizer que um interesse viciante do negócio jurídico seria de “interesse privado”. A diferenciação entre os vícios pela nota da “publicidade” consiste em um critério artificial que não preenche o próprio ônus que lhe sobrecarrega. Fosse privado um interesse, sequer estaria no corpo “legal”, no Código Civil – ficaria implícito na abertura do sistema jurídico enquanto estrutura auto-organizável. No entanto, como houve uma previsão em “lei”, deve ser considerado de ordem pública, ou, então, se promiscuirão como público-privado-corporativo-lobbysta, entre outras, as matérias reguladas pela autoridade (pretensamente) democrática promovida pelo fator legislativo.

[68] O resultado “invalidação” é uma sanção que o direito material aplica tanto para a nulidade quanto à anulabilidade. A tutela jurisdicional repercute outra sorte de eficácia e efeitos, diferente do direito material, porque a nota da autoridade “desconstitui” o que o direito material reputou “inválido”.

[69] Com fundamento na segurança jurídica, penso que deve ser adotado o maior prazo prescricional para a invalidação com base na nulidade absoluta – art. 205 do CC, dez anos.

[70] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Parte geral. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 404. “Por imperativo de segurança jurídica, melhor nos parece que se adote o critério da prescritibilidade da pretensão condenatória de perdas e danos ou restituição do que indevidamente se pagou, correspondente à nulidade reconhecida, uma vez que a situação consolidada ao longo de dez anos provavelmente já terá experimentado uma inequívoca aceitação social. Aliás, se a gravidade, no caso concreto, repudiasse a consciência social, que justificativa existiria para tão longo silêncio? Mais fácil crer que o ato já atingiu a sua finalidade, não havendo mais razão para desconsiderar os seus efeitos”.

[71] Com maior detalhamento, ver CASTRO, Cássio Benvenutti de. Ação anulatória (de acordo com o CPC/1973 e o projeto do novo CPC). Curitiba: Juruá, 2014. p. 214 e ss.

[72] A limitação temporal reflete a segurança jurídica. O processo civil se orienta por raciocínios, analogias e construções que organizam uma sistemática coarctada às ingerências do calendário ocidental, desde o compartimento de impugnações à sentença. O processo romano (fase da cognitio extraordinaria) dispunha que a contestação da sentença válida (porém, injusta) se instrumentalizava pela apelação; a nulidade da sentença facultava o manejo da revocatio in duplum, cuja oportunidade “venne sottoposta a un limite di tempo: dieci anni fra presenti, venti fra assenti”. A depender do tempo da impugnação, variava a espécie da demanda a ser invocada. O fator tempo é um critério sempre presente. Ver PUGLIESE, Giovanni. Istituzioni di diritto romano. 3. ed. Collaborazione di Francesco Sitzia e Letizia Vaca. Torino: Giappichelli, 1991. p. 789.

[73] O mundo da cultura é solidário. Havendo normas colidentes para tutelar diferentes posições, necessário que o direito organize uma convivência coordenada, na medida do possível, entre os interesses. Não existem direitos absolutos no atual quadrante constitucional.

[74] A tutela condenatória para indenizar compensa a lacunosidade da declaração e da desconstituição das relações jurídicas. O art. 182 do CC/2002 recupera a impossibilidade do retorno das situações ao status quo ante. No mesmo sentido, aplicar o prazo da prescrição longi temporis às nulidades absolutas retifica incongruência que lhe é intrínseca, qual seja, a ausência da previsão de lapso temporal para decair.

[75] Ovídio comenta que, nos direitos reais, a pretensão nasce com o direito, não havendo disjunção entre a situação jurídica e a exigibilidade (op. cit., p. 83). Em época de funcionalidade do direito de propriedade, é preciso conceber que não existem situações perenes – e entender que uma posição jurídica contrária (a usucapião) confere prescritibilidade, por si só, à propriedade, também se situa em terreno nada lógico. Por exemplo, o sujeito adquire uma arma, e deve passar, temporariamente, pela renovação do registro da arma, por avaliação psicológica, entre outras. Isso não retira a propriedade, mas confere uma função ao proprietário, que é capaz, inclusive, de lhe caçar o registro. De qualquer maneira, embora com o registro cassado, a propriedade do objeto permanece com o sujeito, que dele somente será privado caso outrem lhe retire a propriedade. A partir daí, surge a pretensão restituitória – que pode ser possessória ou reivindicatória, e não nasce juntamente com o direito real.

[76] MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo direito privado e a proteção dos vulneráveis. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 27.

[77] CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. Prefácio de Menezes Cordeiro. Trad. Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Clouste Gulbenkian, 1989. p. IX.

[78] TEUBNER, Gunther. O direito como sistema autopoiético. Trad. José Engrácia Antunes. Lisboa: Fundação Clouste Gulbenkian, 1989. p. 18. Ver GOLÇALVES, Guilherme Leite. Direito entre certeza e incerteza (horizontes críticos para a teoria dos sistemas). São Paulo: Saraiva, 2013. p. 240 e ss.

[79] Cláudia Lima Marques e Bruno Miragem, O novo…, p. 29.