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OFICINA NOTARIAL E REGISTRAL: LOCAÇÃO – AVERBAÇÃO – DIREITO DE PREFERÊNCIA – FALÊNCIA – ARRECADAÇÃO AVERBADA

OFICINA NOTARIAL E REGISTRAL: LOCAÇÃO – AVERBAÇÃO – DIREITO DE PREFERÊNCIA – FALÊNCIA – ARRECADAÇÃO AVERBADA

Sérgio Jacomino

 

Na seção “Oficina Notarial e Registral” da Coluna Migalhas Notariais e Registrais de hoje, cuidaremos de um caso concreto que pode ser resumido assim: São nulos os registros efetuados após sentença de abertura de falência ou do termo legal nele fixado, salvo se a apresentação do título tiver sido feita anteriormente (art. 215 da LRP).

Nesta oportunidade vamos apreciar um caso de pedido de averbação de contrato de locação para exercício do direito de preferência. Foi-nos apresentado um instrumento particular (datado de 1º/4/08), contrato de locação, figurando como locador JS, viúvo e como locatária a empresa CUL e como fiadores JG e sua mulher AFG.

A locação tinha por objeto o imóvel situado e matriculado nesta circunscrição, destinado a uso comercial, com prazo de locação de 36 meses contados a partir de 1º/4/08 e cessação a 31/3/11. Acompanhou o título o requerimento datado de 4/12/23, subscrito pelo apresentante, RCBF, que solicitava a averbação da locação para fins de exercício do direito de preferência (art. 167, II, 16 da LRP c.c. art. 33 da lei 8.245/91).

O título foi prenotado e devolvido sucessivamente na vigência da prenotação. No transcurso do processo registral, o interessado apresentou documentos que foram devidamente apreciados pelo registro. Entretanto, não se conformando com a exigência remanescente, requereu que o caso fosse submetido à apreciação de Vossa Excelência, instaurando-se o pedido de providências.

Cingindo-se o pleito a pretensão resistência a ato de averbação, nos termos do comunicado CG 164/22, procedemos ao processamento preliminar, segundo o rito ali previsto.

Óbices à averbação

A 1º/4/08, JS (locador) celebrou contrato de locação com CUL (locatária) tendo por objeto o imóvel da matrícula X. O prazo da locação expiraria a 31/3/11, passando a locação (presumivelmente) a viger por prazo indeterminado (§ 2º da cláusula 9ª do contrato).

Pela redação da cláusula 22ª do contrato, à locatária consagrou-se o direito de preferência para aquisição do bem imóvel, razão pela qual o interessado busca agora a averbação do instrumento para dar plena eficácia ao direito de preferência, nos termos do n. 16, inc. II, do art. 167 da LRP c.c. art. 33 da lei 8.245/91.

Ocorre que o contrato não foi apresentado a este registro de imóveis para a competente averbação no momento oportuno, consoante regra do art. 33 da lei do inquilinato, remanescendo fora da tábula registral por longos 15 anos, desde a sua celebração.

Buscando agora o registro, o interessado deparou-se com dois fatos relevantes a impedir o acesso do título, a saber:

O imóvel é de propriedade de JS e sua mulher COS, casados sob o regime da comunhão universal de bens anteriormente à vigência da lei 6.515/77. No contrato, comparece unicamente JS, no estado civil de viúvo.

Em 14/12/16, averbou-se a arrecadação do bem imóvel na falência da pessoa jurídica FCIEL (massa falida), tendo sido decretada a desconsideração da personalidade jurídica, colhendo o patrimônio dos proprietários.

a) Cônjuge pré-morto. Continuidade

Em relação ao item (a), com o falecimento do cônjuge de JS, o imóvel se transmitiu ipso facto aos herdeiros em razão da saisine. Ocorre que o processo de inventário foi ao arquivo a 9/3/05, por inação dos interessados. Embora JS tenha sido nomeado inventariante, não foi requerido, nem apresentado, alvará para locar o bem em nome do espólio, nem, tampouco, formal de partilha mortis causa. Tal exigência se baseou no princípio da continuidade (arts. 195 e 237 da LRP).

Entretanto, a apresentação da certidão de representação do espólio de COS esclareceu a situação, reconhecida a legitimidade de JS para postular a averbação. De fato, já decidiu o CSMSP que, com fundamento no parágrafo único do art. 167 da LRP, é possível a averbação da locação quando ocorra “a coincidência entre o nome de um dos proprietários e o do locador”. Ora, embora viúvo, o fato do óbito do cônjuge pré-morto não alteraria a sua condição de proprietário, “pois a meação do imóvel lhe pertence, nos termos do seu regime de casamento registrado na matrícula, ou seja, comunhão universal de bens. Essa divergência de qualificação não fere o princípio da continuidade, posto não estar sendo postulado registro de transmissão de propriedade, mas ato registrário sobre locação para fim de ser assegurado o direito do locatário”. [1]

Por conseguinte, em sede de reconsideração, damos por superada a exigência com base nos esclarecimentos prestados pelo interessado e esteio no precedente indicado.

b) Arrecadação – falência

Entretanto, em relação ao item (b), a arrecadação decretada em ação de falência (devidamente noticiada na matrícula) torna o bem indisponível e os atos que se possam praticar são reputados nulos, nos precisos termos do art. 215 da LRP, in verbis: “São nulos os registros efetuados após sentença de abertura de falência, ou do termo legal nele fixado, salvo se a apresentação tiver sido feita anteriormente”. Nota bene: Apresentação do título, i. e., a prenotação do título deve ser feita anteriormente à data da abertura ou do termo legal da falência, o que não ocorreu neste caso.[2]

O interessado sustenta que o contrato de locação fora firmado anteriormente à decretação da falência, fato comprovado pelo contrato e pelo reconhecimento de algumas das firmas. Todavia, a nulidade se perfaz, segundo a dicção da lei, se o título for apresentado após a abertura da falência ou termo legal. Trata-se, segundo Serpa Lopes, “de uma ineficácia decorrente exclusivamente de um critério objetivo. Sobrevém como um corolário puro e simples da decretação da falência, sem se levar em conta o ter ou não havido dolo ou fraude da parte do credor ou do adquirente”. E segue pontificando o tratadista:

a ineficácia da transcrição ou inscrição decorre automaticamente, ante a prova de haver sido realizado posteriormente à sentença declaratória da falência, a menos que a apresentação haja sido feita anteriormente, restrição lógica, pois, como temos já explicado, a prenotação é a chave do registo imobiliário e o ato da transcrição ou inscrição, uma vez realizado, remonta, em seus efeitos, à data da prenotação“.[3]

No mesmo sentido Afrânio de Carvalho:

A declaração da falência ou da insolvência do alienante, conforme for ou não comerciante, não impede a inscrição, contanto que o título causal se ache não apenas assinado, mas prenotado no protocolo do registro. Nesse caso, a prenotação do título no registro passa a ser condição essencial para que, a despeito de sobrevinda a falência ou insolvência do alienante, se faça a inscrição do título por ele outorgado“. [4]

Diz o mesmo Afrânio de Carvalho que “a data da inscrição é, em regra, a data da apresentação do título, vale dizer, da sua prenotação no protocolo. A falência ou insolvência de alienante que acaso ocorra entre a prenotação e a inscrição é irrelevante para o lançamento desta“.[5]

Vigora no registro imobiliário brasileiro a parêmia tempus regit actum. Ou seja, para fins de registro (ou de averbação), não importa o momento da celebração do contrato, mas, sim, a data da apresentação do título a registro com sua protocolização. Este submete-se às regras vigentes ao tempo de sua apresentação.[6] No caso da falência decretada, vale a data da prenotação do título contraditório em face dos efeitos decorrentes da arrecadação.

O art. 169 da LRP reza que o registro e a averbação são atos obrigatórios, embora não se prescreva qualquer sanção objetiva pela inércia dos interessados. Todavia, os ônus, em sentido próprio, representam a “faculdade cujo exercício é necessário para a realização de um interesse”, segundo Eros Grau.[7] A inação da locatária acarreta a inoponibilidade de seu direito em face de terceiros (§ 1º do art. 54 da lei 13.097/15).

Jurisprudência

A jurisprudência não destoa, ad exemplum:

Ementa. Dúvida – Averbada na matrícula a falência do vendedor – O comando legal expresso no art. 215 da lei de registros públicos não deixa qualquer margem a interpretação diversa: ‘Nulos os registros efetuados após a sentença de abertura de falência, ou do termo legal nele fixado, salvo se a apresentação tiver sido feita anteriormente’. Apelação Desprovida“. [8]

Anteriormente, na Ap. Civ. 66.368-0/1, o C. Conselho decidiu que, “não obstante tenha a quebra ocorrida em data muito posterior à formalização do título agora levado a registro (…), sua apresentação para registro se deu apenas em data posterior (…) incidindo, por tais razões, as regras do art. 215 da lei 6.015/73 (…)”. [9]

Mais recentemente, cite-se a Ap. Civ. 1002238-39.2018.8.26.0100, de cujo aresto se extrai que, ante o regime legal específico da falência, a admissibilidade de acesso de títulos ao registro se defere nas hipóteses em que estes tenham sido registrados (protocolados) em data anterior à quebra. Assim, tendo sido “a prenotação efetuada após a quebra, não é possível a realização do registro sem a anuência do juízo da falência ante a restrição legal à transmissão de bens”. [10]

No STJ, a regra da inoponibilidade, nestes casos, se mantém:

RESP. FALÊNCIA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS NÃO REGISTRADO. ALVARÁ PARA OUTORGA DE ESCRITURA.

A propriedade imobiliária transfere-se, entre vivos, mediante registro do título translativo no registro de imóveis. O direito real à aquisição do imóvel, no caso de promessa de compra e venda, sem cláusula de arrependimento, somente se adquire com o registro.

Nessa perspectiva, malgrado a quitação de contrato de compra e venda de imóvel no ato de sua realização, não assiste direito à promissária compradora à expedição de alvará para outorga de escritura, após declaração de quebra da vendedora (art. 52, inc. VII, do decreto-lei 7.661/45).

Recurso especial não conhecido. [11]

Por fim, embora os acórdãos citados refiram-se à alienação dos bens imóveis – registros que, em regra, ostentam o caráter constitutivo – a averbação do contrato de locação ostenta uma peculiar característica de produção de eficácia real, vale dizer, somente pode legitimar-se para postular a preferência aquele que diligentemente apresentou o título a registro.[12] Além disso, a dicção da lei – que alude a “registro” – deve ser interpretada sistematicamente, abrangendo tanto o registro stricto sensu, quanto a averbação. [13]

Conclusão

Em conclusão, reconsiderando-se e superando-se a primeira exigência (apresentação de alvará), remanesce como óbice intransponível a notícia da arrecadação em processo falimentar objeto da averbação lavrada, o que impede o acesso da locação e a produção dos efeitos esperáveis para fundamentar o direito de preferência no caso de alienação do bem imóvel.

Decisão

No bojo do processo 1005183-86.2024.8.26.0100 terminar.[14]

 

 

FONTE: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e-registrais/407800/locacao–averbacao–direito-de-preferencia–falencia–arrecadacao

[1] Ap. Civ. 82.898-0/7, São Caetano do Sul, j. 27/9/2001, DJ 20/12/2001, Rel. Des. Luís de Macedo. Eis a ementa: “Registro de contrato de locação. Desnecessidade de averbação do formal de partilha. Aplicação do art. 169, III, da lei nº 6015/73 [hoje parágrafo único do art. 167]. Registro e averbação deferidos. Recurso a que se dá provimento. Acesso disponível aqui.

[2] A magistrada, no julgamento do pedido, apontou outro fundamento: art. 99 da Lei n. 11.101/2005.

[3] SERPA LOPES, Miguel Maria de. Tratado, 4ª ed., Vol. IV. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1961, pp. 362-363.

[4] CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 182-183.

[5] Op. cit. p. 183.

[6] Ap. Civ. 1057231-90.2022.8.26.0100, São Paulo, j. 16/2/2023, Dje 4/5/2023, Rel. Des. Fernando Antônio Torres Garcia, acesso disponível aqui. Ap. Civ. 1008790-78.2022.8.26.0100, São Paulo, j. 12/12/2022, Dje 10/3/2023, Rel. Des. Fernando Antônio Torres Garcia, acesso disponível aqui. Ap. Civ. 1006447-18.2021.8.26.0271, Itapevi, j. 2/3/2023, Dje 10/5/2023, Rel. Des. Fernando Antônio Torres Garcia, acesso disponível aqui. Na CGJSP, por todas: Processo CG 65.262/2012, São Paulo, dec. de 9/10/2012, DJ 24/10/2012, Des. José Renato Nalini, acesso disponível aqui.

[7] GRAU, Eros. Nota sobre a Distinção entre Obrigação, Dever e Ônus. São Paulo. Revista da FD-USP, v. 77 (1982).

[8] Ap. Civ. 96.440-0/5, Avaré, j. 29/11/2002, DJ 16/12/2002, Rel. Des. Luiz Tâmbara, acesso disponível aqui. No mesmo sentido: Ap. Civ. 96.028-0/5, Itu, j. 25/10/2002, DJ 27/11/2002, Rel. Des. Luiz Tâmbara, acesso disponível aqui.

[9] Ap. Civ. 66.368-0/1, São José do Rio Preto, j. 15/2/2001, DJ 28/3/2001, Rel. Des. Luís de Macedo, acesso disponível aqui.

[10] Ap. Civ. 1002238-39.2018.8.26.0100, São Paulo , j. 26/2/2019, DJ 28/6/2019, rel. Des. Geraldo Francisco Pinheiro Franco, acesso disponível aqui.

[11] REsp 431432/SP, j. 14/12/2004, DJ 27/6/2005, Ministro Fernando Gonçalves.

[12] Brevitatis causa: STJ 1.554.437-SP, , j. 2/6/2016, DJ 7/6/2016, Min. João Otávio de Noronha, acesso disponível aqui. Extrai-se da ementa: “Além dos efeitos de natureza obrigacional correspondentes ao direito a perdas e danos, o desrespeito à preempção do locatário pode ter eficácia real consubstanciada no direito de adjudicação compulsória do bem, uma vez observados os ditames do art. 33 da Lei do Inquilinato”.

[13] Sobre a nomenclatura dos atos registrais, vide especialmente CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 434.

[14] Processo 1005183-86.2024.8.26.0100, j. 11/3/2024, Dje 27/3/2024, Dra. Renata Pinto Lima Zanetta.