OBRIGAÇÕES DE FAZER
Rénan Kfuri Lopes
A obrigação de fazer consiste no comprometimento do devedor em realizar, praticar algum ato que resulte num benefício ao credor.
Pode ser a prestação de um serviço: as atividades prestadas pelo advogado, médico, cantar, etc.; a produção de alguma coisa: pelo artesão, pintor, construtor, alfaiate etc.; ou a prestação de uma declaração de vontade: por exemplo, do compromisso de compra e venda de um imóvel, que só depois de pago completamente será transferido seu domínio etc.
Assim, o pintor que se compromete a pintar um quadro, a costureira a fazer uma roupa, o advogado a defender uma causa, as partes que realizam um contrato preliminar e se comprometem a realizar um definitivo, todos estão diante de uma obrigação de fazer.
Não se deve confundir obrigação de dar com obrigação de fazer imaginando que quem se obriga a entregar algo está diante de uma obrigação de fazer a entrega, pois, na primeira [dar], a prestação é a entrega da coisa, e, na segunda [fazer], a prestação é a produção de alguma coisa; é entrega de uma coisa feita anteriormente. Além disso, existem outras características que distinguem uma da outra.
Na obrigação de dar, a prestação é a entrega de uma coisa já existente, e o que é levado em conta é essa coisa, e não quem a deve, ou seja, a obrigação resolve-se com a entrega da coisa independentemente de quem a efetuou.
Na obrigação de fazer, a prestação é a produção, confecção da coisa. Além disso, essa irrelevância de quem cumpriu a obrigação não ocorre nas obrigações de fazer personalíssimas, nas quais o simples cumprimento dela não tem validade se não foi realizado pela pessoa que foi contratada, designada para tal.
Há duas espécies de obrigação de fazer, a saber:
a) Fungível – caracteriza-se pela irrelevância da pessoa do devedor na obrigação de fazer, ou seja, não importa quem vai praticar/realizar o ato, o que importa é o seu resultado, ficando a escolha do devedor produzi-lo ou que outra pessoa o faça em seu lugar. Assim, se o sujeito encomenda a limpeza de seu veículo, não importa quem irá fazê-la, mas sim, que seja feita.
b) Infungível – neste caso a pessoa do devedor é relevante. A prestação só terá validade para o credor se realizada pela pessoa que ele escolheu em função de suas qualidades, em função da natureza da prestação ou de disposição contratual. É, então, uma obrigação personalíssima à prestação positiva de um serviço material ou imaterial [intuitu personae], posto que não possa ser realizada por outra pessoa senão o próprio devedor, o próprio contratado.
O não cumprimento de uma obrigação de fazer pode ocorrer por impossibilidade ou por inadimplemento. No caso de impossibilidade [não realização] do cumprimento da obrigação de fazer [anto fungível como infungível], deve-se analisar se ela ocorreu com ou sem culpa do devedor, posto que tenham consequências diversas, conforme determina o art. 248 do Código Civil: “Se a prestação do fato tornar-se impossível sem culpa do devedor resolver-se-á a obrigação; se por culpa dele, responderá por perdas e danos“. Então, se ocorreu à impossibilidade sem culpa do devedor resolve-se a obrigação, isto é, o negócio é desfeito [se eventualmente o devedor recebeu antecipadamente algum valor em pagamento pela prestação ele devolverá] e as partes voltam à mesma situação em que se encontravam antes; mas se houve culpa do devedor [foi o responsável, o causador da impossibilidade], este responderá por perdas e danos, ou seja, pagará uma indenização pelo não cumprimento; sofrerá, portanto, uma execução genérica.
No caso de inadimplemento por parte do devedor, não cumprindo a obrigação que só por ele poderia ser feita, ou seja, só ele poderia tê-la cumprido, mas se recusou, não o fez porque não lhe convinha; deixou de cumprir voluntariamente. Trata-se aqui de uma obrigação infungível na qual, ocorrendo o seu não cumprimento, estará sujeito o devedor a uma execução genérica [posto que fosse inadmissível obrigar alguém a fazer alguma coisa usando força física para isso – seria uma ofensa à liberdade individual do devedor], estando ele obrigado a pagar uma indenização correspondente às perdas e danos, segundo o art. 247 do Código Civil: “Incorre também na obrigação de indenizar perdas e danos o devedor que recusar a prestação a ele só imposta, ou só por ele exequível“.
Todavia, se a obrigação for fungível, ou seja, puder ser realizada por outra pessoa que não o próprio devedor, fica à escolha do credor pedir a indenização por perdas e danos [execução genérica] ou exigir que a obrigação seja realizada por terceiro à custa do devedor [execução específica], ou seja, o juiz ordenará que uma outra pessoa faça o combinado entre devedor e credor, sendo depois este serviço cobrado do devedor e pago por ele, conforme regra do artigo 249, do Código Civil: “Se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo executar à custa do devedor, havendo recusa ou mora deste, sem prejuízo da indenização cabível“. Vale lembrar que o credor não pode, em regra, mandar que terceiro execute a obrigação à custa do devedor por conta própria, ele deve requerer ao juiz [nos próprios autos do processo], o qual decidirá que terceiro realize a obrigação [CPC, arts. 816 e 817] ou, segundo o art. 249, parágrafo único do Código Civil: “em caso de urgência, pode o credor, independentemente de autorização judicial, executar ou mandar executar o fato, sendo depois ressarcido“.
Pode ocorrer também o não cumprimento da obrigação de prestar declaração de vontade (que consiste na promessa do devedor, num contrato preliminar, de realizar com o credor um contrato definitivo). Neste caso, se uma das partes se recusa a prestar declaração de vontade, a outra poderá obter uma sentença judicial que substitua esta declaração (preceito cominatório), de acordo com o art. 501, do Código de Processo Civil: “Na ação que tenha por objeto a emissão de declaração de vontade, a sentença que julgar procedente o pedido, uma vez transitada em julgado, produzirá todos os efeitos da declaração não emitida“. Assim, num contrato de compromisso de compra e venda, o qual exige à existência de um contrato definitivo futuro, as partes se comprometem a realizar um contrato de compra e venda transferindo o domínio; se uma delas se recusa a assinar este contrato (fato ao qual ela se comprometeu a fazer no contrato preliminar), a outra obterá do judiciário uma sentença que terá validade de assinatura do contrato pela parte omissa.
DAS OBRIGAÇÕES DE NÃO FAZER
A obrigação de não fazer consiste no compromisso que o devedor assume com o credor de não praticar determinado ato, de não fazer determinada coisa. Assim, aquele vizinho que se compromete a não aumentar seu muro, ou a não construir nenhum prédio, aquele comerciante que aliena seu estabelecimento e se compromete a não abrir outro da mesma espécie do alienado na mesma rua, todos estão diante de uma obrigação de não fazer.
Porém, para que tenha validade à obrigação deve ser lícita, isto é, uma pessoa só pode se obrigar a não fazer alguma coisa se este fato não ferir sua liberdade individual. Assim, é ilícita a obrigação de não andar pela rua, de não falar, de não viajar etc., posto que este tipo de restrição seja absolutamente contrário aos direitos do cidadão e, consequentemente, aos fins de uma sociedade.
O inadimplemento deste tipo de obrigação se dá quando o devedor, que se comprometeu a abster-se de determinado ato, descumpre sua promessa, praticando-o. Se isto ocorre sem culpa dele, ou seja, torna-se impossível não praticar o ato, resolve-se a obrigação, conforme o art. 250, do Código Civil: “Extingue-se a obrigação de não fazer, desde que, sem culpa do devedor, se lhe torne impossível abster-se do ato, que se obrigou a não praticar“. Dessa forma, se o devedor se comprometeu a não vender seu imóvel a outra pessoa que não o credor, e este imóvel é desapropriado pelo município, tornou-se impossível ao devedor cumprir a obrigação.
Entretanto, se o inadimplemento ocorreu por culpa do devedor, aplica-se a regra do art. 389, CC: “Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado“, ou seja, pagará indenização ao credor.
Mas o não cumprimento da obrigação pode ocorrer por um ato voluntário do devedor, ou seja, ele pratica o ato que se comprometeu a não praticar. Nesse caso, leva-se em consideração a possibilidade de se desfazer o ato.
No caso da possibilidade de se desfazer o ato, aplica-se a regra do art. 251, do Código Civil: “Praticado pelo devedor o ato, a cuja abstenção se obrigara, o credor pode exigir dele que o desfaça, sob pena de se desfazer à sua custa, ressarcindo o culpado perdas e danos“, ou seja, assim como na obrigação de fazer, o juiz ordenará que outra pessoa desfaça o ato praticado pelo devedor, sendo depois este serviço cobrado dele e, além disso, também responderá por perdas e danos.
Se não for possível desfazer ato praticado com culpa do devedor, aplica-se o disposto no art. 389 do Código Civil, já citado, e no parágrafo único, do art. 823, do Código de Processo Civil: “Não sendo possível desfazer-se o ato, a obrigação resolve-se em perdas e danos, caso em que, após a liquidação, se observará o procedimento de execução por quantia certa.”.
BIBLIOGRAFIA
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Parte Geral das Obrigações. 28ª ed. São Paulo. Saraiva. 2000. v. 2.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito das Obrigações – 1ª parte. 28ª ed. São Paulo. Saraiva. 1995. v. 4.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral das Obrigações. 10ª ed. São Paulo. Saraiva. 1996. v. 2.