O VALOR DA CAUSA NAS AÇÕES DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Cristina Stringari Pasqual
José Tadeu Neves Xavier
SUMÁRIO: 1 Considerações Iniciais. 2 O Valor da Causa nas Ações de Indenização por Danos Morais no Novo CPC. 3 A Indenização por Danos Morais e o Quantum Indenizatório. 4 Em Busca de uma Interpretação Coerente entre o Direito Material e o Direito Processual. 5 Considerações Finais. Referências Bibliográficas.
1 Considerações Iniciais
O advento da codificação processual de 2015 implementou modificações relevantes na sistemática procedimental das demandas cíveis, buscando a concretização de um modelo processual comprometido com a realização dos princípios e valores constitucionais e preocupado com a boa técnica judicial, tudo com vista a alcançar o tão almejado ideal de prestação jurisdicional justa e efetiva.
Como costuma ocorrer quando da entrada em vigor de leis de grande repercussão jurídica, o CPC de 2015, entre críticas e elogios, desencadeou acirrados debates em torno das principais inovações que implementou em nosso ordenamento jurídico.
Entre os temas polêmicos e gerador de opiniões antagônicas está o referente à técnica de fixação do valor da causa nas ações que tem por objeto pedido de compensação por danos extrapatrimoniais.
O CPC de 2015 ordenou que, nas ações em que se busca indenização por dano moral, o valor da causa deverá ser orientado pela quantia pleiteada pelo demandante (art. 292, V), o que traz a reboque uma série de questionamentos.
Sabe-se que não se está diante de mero regramento de técnica formal de definição do valor a ser atribuído a certa demanda, mas de alteração que possui pretensões mais profundas, projetando mudanças na própria postura de atuação judicial daquele que busca a tutela jurisdicional com objetivo reparatório. E mais, a inteligência do novel regramento possui diversas implicações que vão se manifestando no decorrer do procedimento judicial, tendo implicações inclusive no conteúdo da sentença e nos seus consectários.
Assim, enfrentamos o tema com o objetivo de proporcionar alguma contribuição aos diálogos jurídicos, sempre necessários para que se alcance o pleno amadurecimento de questões que nos são colocadas pelo ordenamento positivo, no caminho da melhor compreensão e realização da nova legislação processual.
2 O Valor da Causa nas Ações de Indenização por Danos Morais no Novo CPC
A recente Codificação Processual Civil mantém a tradição na regulação ao valor da causa, dedicando-lhe tópico específico compreendido entre os arts. 290 a 293, no qual concentra as principais orientações sobre o tema.
Sabemos que o nosso sistema jurídico, no pertinente ao valor da causa, preza pela observância do princípio da necessidade, de forma que a toda demanda será atribuído um valor determinado, mesmo que esta venha a ter por objeto lide de cunho não patrimonial (como, v. g., referente, tão somente, a algum aspecto pertinente aos direitos da personalidade, ações de interdição, de declaração de ausência, dentre outras). A referida indicação da quantificação monetária, por sua vez, deverá constar de maneira expressa na petição inicial (e também na reconvenção e no pedido de tutela antecipada requerida em caráter antecedente).
A menção à indicação expressa do valor da causa, inclusive, é colocada com um dos elementos da petição inicial (art. 319, V, do NCPC), sendo que a sua falta acarretará a necessidade de emenda da exordial.
As funções atribuídas ao valor da causa nas demandas cíveis são as mais variadas, sendo tal indicação de especial relevância para a dinâmica da prestação jurisdicional. Dentre as diversas implicações relacionadas ao valor da causa podemos destacar a sua utilização como parâmetro para o cálculo das custas processuais, das sanções pecuniárias que podem advir no curso do procedimento [1] e dos honorários sucumbenciais [2], além de servir de norte em certos casos, para a determinação da competência jurisdicional e do procedimento a ser adotado, como ocorre em relação aos juizados especiais cíveis.
A nova legislação processual, prezando pelo caráter didático, em seu art. 291, apresenta uma série de orientações a serem observadas em casos específicos, indicando que o valor da causa será: (a) na ação de cobrança de dívida, a soma monetariamente corrigida do principal, dos juros de mora vencidos e de outras penalidades, se houver, até a data de propositura da ação; (b) na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua parte controvertida; (c) na ação de alimentos, a soma de 12 prestações mensais pedidas pelo autor; (d) na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido; (e) na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido; (f) na ação em que há cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; (g) na ação em que os pedidos são alternativos, o de maior valor; e (h) na ação em que houver pedido subsidiário, o valor do pedido principal.
Nota-se, assim, que a Codificação Processual, neste ponto, se aproxima muito do regramento previsto no Código de Buzaid, mas, indiscutivelmente, inova de forma considerável na determinação referente ao valor da causa nas ações em que se demanda compensação por dano moral, contrariando o curso do tratamento que lhe era atribuído pela doutrina e pela jurisprudência [3], quando era admitida, de forma ampla, a postulação genérica do reconhecimento do direito à indenização, em quantia fixada pelo magistrado no momento de proferir a decisão final do feito.
Segundo a nova disciplina legal, tem o autor que fixar na exordial o valor pretendido para indenização e, se não o fizer, o juiz, ao despachar a inicial, deverá oportunizar a emenda da peça exordial, apontando expressamente a lacuna a ser preenchida (conforme determina o disposto no art. 320 do novo Código Processual) [4]. O autor terá, então, o prazo de 15 dias úteis para atender ao comandado do magistrado, sob pena de indeferimento da petição inicial, com a consequente extinção do processo sem julgamento do mérito.
Outro aspecto que o diploma adjetivo consagra é que caso o demandante venha a manifestar o quantum de sua pretensão indenizatória, mas deixe de reproduzi-lo como valor da causa, o juiz, de ofício e por arbitramento, retificará o valor atribuído à ação, de forma a atender ao comando do art. 292, V, do diploma processual. Nesta hipótese, se for o caso, o julgador determinará que o postulante realize o recolhimento das custas processuais correspondentes [5]. A atuação do magistrado, neste sentido, poderá ocorrer até o momento em que vier a proferir a decisão de saneamento do feito, quando então ocorre a estabilização dos elementos objetivos e subjetivos da ação [6].
Por outro lado, o réu poderá se opor ao valor apontado pelo demandante na peça inicial, verificando que não foi observada a vinculação do valor da causa ao montante da indenização pleiteada. Distanciando-se do modelo do Código revogado, se o réu verificar a incorreção da quantia outorgada à demanda, deverá se opor em preliminar de contestação, sob pena de preclusão. Foi, portanto, extinto o incidente de impugnação ao valor da causa previsto no CPC de 1973.
O legislador processual somente excepcionou a regra de que toda a causa deve indicar o valor monetário envolvido, em três hipóteses, contemplando ser admissível o pedido genérico: (a) nas ações universais, se o autor não puder individuar os bens demandados; (b) quando não for possível determinar, desde logo, as consequências do ato ou do fato; e (c) quando a determinação do objeto ou do valor da condenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu [7], como se pode observar da dicção do art. 324 do referido diploma.
Neste contexto, a nova disciplina legal trouxe o entendimento de que formular pedido genérico de compensação por dano moral, como decorrência da praxe que vigorava antes do advento da nova normatização procedimental, tornou-se por disciplina legal expressamente inadmissível [8]. Na doutrina há entendimento no sentido de que aceitar que o autor realize pedido genérico de indenização por dano moral acarretaria prejuízo ao exercício pleno da garantia processual do contraditório, pois dificultaria ao demandado trazer ao processo argumentos sobre a extensão da indenização que é pleiteada pelo demandante. Nesta linha coloca-se Alexandre Freitas Câmara, ao argumentar que o pedido genérico, no caso, impede o réu de exercer o pleno contraditório, como garantia de influência na formação da decisão acerca do valor da condenação, exemplificando que, “se o autor formula pedido genérico, tudo o que o réu pode discutir em sua contestação é se existe ou não o dano moral compensável; já se o autor formula pedido determinado, indicando o valor que pretende obter, permite-se ao réu, na contestação, defender-se afirmando não haver dano a ser compensado, mas, na eventualidade de se reconhecer tal dano, ser exagerado o valor pretendido pelo demandante” [9].
Este mesmo doutrinador argumenta que o pedido genérico de indenização por danos morais “acaba por limitar o contraditório acerca do valor da compensação do dano moral ao segundo grau de jurisdição (afinal, tendo o juízo de primeiro grau, na sentença, fixado um valor, poderão as partes, em grau de recurso, discutir se aquele valor era insuficiente ou excessivo para a compensação do dano moral)“, acrescentando que, “no primeiro grau de jurisdição, porém, não terá havido qualquer chance de debate acerca desse valor, e o juiz – ao fixar a condenação – terá atuado de forma solitária, solipsista, o que contraria o paradigma do Estado Democrático de Direito, que é a base do modelo constitucional de processo civil brasileiro” [10].
Da análise da doutrina atualizada, percebe-se que a mudança legislativa foi em geral bem recepcionada, e pode-se até mesmo afirmar que festejada [11], sendo minoritárias as críticas à exigência legal de indicação pelo autor da demanda do valor de indenização que pretende.
Eduardo Henrique de Oliveira Yoshikawa, por sua vez, pontua de forma enfática: “A mudança merece ser elogiada, por favorecer a moderação dos autores ao dimensionarem o pedido de indenização por danos morais, vez que, em caso de improcedência, uma estimativa exagerada pode se refletir no montante dos honorários de sucumbência a serem pagos” [12]. Fredie Didier Junior chega a propor o seguinte questionamento: “Quem, além do próprio autor, poderia quantificar a ‘dor moral’ que alega ter sofrido?” [13].
Já Marcelo Muritiba Dias Ruas, contrariando o entendimento majoritário e demonstrando sua percepção contrária a tal modelo, assevera que, “diante de tantos fatores a serem postos sob o critério do julgador, não se pode dizer, em sede de dano moral, que haverá um valor específico ou mesmo que é a vítima a melhor parte a lhe dar a mensuração pecuniária” [14].
Nesse contexto, apesar de a linha interpretativa majoritária seguir caminho distinto, colocamo-nos de forma reticente quanto à inovação legislativa constante do art. 292, V, do atual CPC, pois acreditamos que as diversas complexidades que envolvem a fixação da compensação devida pelo dano moral, bem com a finalidade desta, justificariam a manutenção do modelo utilizado largamente durante a vigência do Código revogado. Atribuir à vítima o ônus de realizar esta quantificação não nos parece ser uma técnica salutar.
É coerente afirmar que o novo modelo é bem mais vantajoso em termos de economia procedimental, tornando o procedimento mais instrumental e comprometido com a garantia constitucional da razoável duração do processo. Porém, parece que o legislador deixou de atentar que a lei adjetiva deve servir de instrumento para que o jurisdicionado alcance a efetiva tutela de seu direito material, não nos parecendo admissível que em prol da economia processual inviabilize-se a efetiva tutela da dignidade das pessoas que sofrem lesão extrapatrimonial.
3 A Indenização por Danos Morais e o Quantum Indenizatório
Como já mencionado, entendemos que impor ao demandante a tarefa de indicar o valor que pretende a título de indenização por dano extrapatrimonial não é a melhor opção. O legislador, ao estabelecer a fixação do valor pretendido como uma das condições da ação, está na verdade impondo uma regra que contraria o verdadeiro significado e fundamento do dano moral.
É inequívoco que inexiste no sistema jurídico nacional regra quanto à estipulação de valores a título de indenização por dano moral. O direito brasileiro não adota um sistema de tarifação, reconhecendo que não existe estimativa econômica apreciável objetivamente, mas, sim, um valor interior, moral. Não há como precificar como se faz com as coisas, as quais tem valor econômico avaliável objetivamente. Em matéria de dano moral, estamos diante de danos a pessoas e assim a tutela é da dignidade [15].
A jurisprudência já há muito tempo vem buscando mecanismos para fixação de valores a título de indenização por dano moral [16], pois, sem dúvida, a tarefa dirigida ao Judiciário de arbitrar os valores é bastante complexa. Os Tribunais, inclusive, discutem a própria finalidade da indenização, analisando se esta é tão somente compensatória, ou se possui também finalidade pedagógica e punitiva a ser atingida.
Independentemente da interpretação adotada, o fato é que não existe fórmula uniforme capaz de parametrizar o quantum indenizatório a título de dano moral, pois não há um dano capaz de ser reparado, apto de proporcionar que o bem jurídico lesado seja reposto ao seu estado anterior. As fontes jurídicas, sobretudo a jurisprudência, demonstram esse problema ao fixarem valores significativamente diferentes para casos idênticos.
Para se chegar à fixação do valor da indenização a título de dano moral, é essencial que o julgador analise detalhadamente a situação concreta, não somente o tipo de dano (se é lesão ao nome, à imagem, ao corpo, à vida), mas há que ir além de tal identificação, pois as peculiaridades do caso concreto vão demonstrar a necessidade de adoção de dosagens diferenciadas. Inviável listar-se os mais diversos tipos de danos extrapatrimoniais, a partir da identificação dos direitos da personalidade e dos casos que com maior frequência são objeto de litígio, pois sempre existirão situações com peculiaridades próprias que vão exigir do operador uma análise pontual, mas jamais mediante a adoção de parâmetros genéricos.
Há que se reconhecer que o dano moral tem um “valor” em si mesmo e que se distingue do dano material não só pelo fato de a tutela ter por fundamento a proteção da dignidade humana, e não seu patrimônio, como também por se tratar de um dano de natureza irreparável, incapaz de ser valorado economicamente.
Enquanto o dano patrimonial tem valor exterior, sendo assim perfeitamente possível, apura-se seu quantum, permitindo que o titular do patrimônio lesado obtenha o restabelecimento patrimonial, o dano extrapatrimonial não. Não há parâmetros externos que permitem averiguar qual o valor econômico do dano. Não há elementos monetários que possam ser utilizados como base para a fixação. Tanto é que a indenização a ser fixada por decisão judicial exercerá meramente uma função compensatória, mas jamais reparatória.
A regra estabelecida no art. 292, V, do novo CPC, se aplicada de forma absoluta, estará gerando um verdadeiro retrocesso quando o litígio envolver indenização por dano moral, pois estará conduzindo o sistema a adotar postura exclusivamente patrimonialista, a um tema que envolve ofensa à dignidade da pessoa [17]. Esta postura, inclusive, vai na contramão de todo o sistema atual do Código Civil brasileiro, que trouxe a consagração de valores éticos em matéria de responsabilidade civil. Estará a lei adjetiva impondo uma mudança no sentido verdadeiro do dano moral, dando a ele um caráter eminentemente patrimonial.
O valor de indenização por dano moral é mero reflexo de um dano que em sua essência é irreparável. Enquanto nas hipóteses de dano patrimonial o ressarcimento é possível e isto é o que se busca, podendo-se até mesmo afirmar que o valor patrimonial é o objeto do pedido, bastando o autor da demanda provar que o patrimônio lesado possui um respectivo valor, o que é possível de ser demonstrado mediante critérios objetivos e de fácil mensuração.
No dano moral a estrutura é outra. O valor da indenização não é reflexo simples da indenização, pois não há reparação, mas só compensação. O valor da indenização por dano moral é apenas um meio de compensação. A responsabilidade civil como fonte obrigacional cria o denominado dever de indenizar e, portanto, para que seja atingido o adimplemento de obrigação, via de regra, terá o devedor que cumprir com prestação pecuniária. Entretanto, apesar de a obrigação nascida ser de indenizar e cumprir-se pelo adimplemento de prestação com conteúdo patrimonial, inexiste a possibilidade de estabelecer uma relação direta e igualitária entre dano patrimonial e dano extrapatrimonial. Este último, por não buscar a tutela patrimonial, mas, sim, da dignidade do lesado, traz uma maior complexidade na verificação do quantum indenizatório. E é justamente por não ser o valor o fim da indenização para o dano moral que sua fixação se torna extremamente difícil e complexa.
Como bem destaca Maria Celina Bodin de Moraes, a reflexão jurídica sobre o tema do valor da dignidade se desenvolve necessariamente com recurso à filosofia, descabendo ao ordenamento jurídico determinar seu conteúdo, características ou avaliação [18].
Nesse sentido, importante a lição de Kant ao afirmar que no mundo social (reino dos fins) tudo tem ou um preço ou uma dignidade, sendo que, quando há preço, há um equivalente, há como ocorrer reposição, mas quando há dignidade, tem-se algo que está acima de todo o preço, um valor moral [19].
E seguindo este significado é que deve ser feita a leitura do art. 3º, inciso III, da Constituição Federal brasileira e, consequentemente, interpretar-se o instituto jurídico do dano moral, buscando-se a proteção da dignidade humana, devendo o juiz, no momento de apreciar e fixar a indenização devida, analisar pontualmente a condição pessoal da vítima e a dimensão do dano, jamais afastando-se das peculiaridades do caso concreto.
Por isso, é inaceitável que a regra processual imponha ao autor da demanda fixar o valor de indenização que pretende. Não se pode transferir para o lesado a tarefa de valorar sua dignidade, seja por ser um valor imensurável, seja porque a tarefa é e sempre será, por fim, do julgador. Exigir-se do demandante tal conduta é rechaçar os fundamentos de direito material e, sobretudo, de direito constitucional.
4 Em Busca de uma Interpretação Coerente entre o Direito Material e o Direito Processual
Diante da nova disciplina processual, que ordena que o valor da causa em ações que tenham por objetivo a indenização por dano moral deve refletir a quantificação monetária pretendida pela parte e a inviabilidade de sua aplicação em virtude dos fundamentos acima esposados, necessário se faz buscar um critério adequado para que a lei processual não desvirtue o verdadeiro significado do dano extrapatrimonial.
A definição do quantum justo de indenização tem de passar, necessariamente, por uma individualização, sendo sopesada uma série de aspectos, tudo no intuito de alcançar a adequada individualização do dano. Conforme leciona Sérgio Cavalieri Filho, o juiz, ao valorar a compensação devida pelo dano moral, “deve arbitrar uma quantia que, de acordo com seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e a duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes” [20]. Entendemos que o cumprimento da árdua tarefa de determinação da quantificação justa a indenizar o dano extrapatrimonial somente poderá ser levada a cabo de forma consistente e satisfatória após o exaurimento do conhecimento construído (ou reconstruído) no decorrer do procedimento. É apenas na sentença que se alcança condições de fixação da indenização justa.
Nesse sentido, importante a adoção de uma interpretação sistemática da matéria. Não pode o aplicador da lei pretender alcançar a solução de determinada situação posta sob judice sem fazer a análise da matéria sob o manto de todo o ordenamento jurídico, principalmente da Constituição Federal, respeitando a hierarquia das leis. O juiz deve sopesar, avaliar o que deve prevalecer para solucionar o caso concreto.
A determinação processual que atribui ao autor a tarefa de fixar o valor que pretende receber a título de indenização, sob pena de indeferimento da petição inicial, portanto, não deve ser vista como a imposição de um ônus processual, mas, sim, como uma opção do demandante, pois não se pode obrigar a parte a eleger um valor que não tem qualquer parâmetro objetivo para ser fixado, uma vez que o valor moral encontra-se desvinculado do valor de mercado [21].
O procedimento adotado anteriormente à aplicação do novo CPC refletia uma sistemática mais coerente. Já havia no ordenamento jurídico brasileiro, em especial pela análise de decisões judiciais, o reconhecimento de que a parte autora poderia optar por indicar o valor almejado a título de dano moral na sua exordial, ou deixar a fixação à valoração do juiz. Entretanto, mesmo que a parte optasse por fixar o valor, pleiteando um montante que entendia justo, não ficava o Judiciário necessariamente adstrito ao mesmo.
A determinação imposta pelo novo CPC estabelecendo ao autor indicar, seja em seus fundamentos, seja em seu pedido, o valor pretendido a título de compensação pelo dano moral experimentado, em um primeiro momento, não parece para alguns ser tarefa que exija grande dificuldade. Inclusive, em diversas ações propostas antes do CPC de 2015, a atribuição de valor a título de indenização pelo dano moral já era praticada por parte de alguns demandantes. Mas também é certo que era comum que se deixasse ao arbítrio do juiz tal função de arbitramento e, caso o autor não concordasse com o valor então arbitrado pelo julgador, recorria visando a sua majoração. A prática da opção por estabelecer o valor para ser tomado como parâmetro pelo magistrado jamais trouxe qualquer problema para o julgamento ou para a defesa, predominando inclusive no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que a fixação de valor superior ao pleiteado não configura decisão extra petita [22]. O único efeito reconhecido majoritariamente pela Corte Superior é o de que, uma vez indicando o autor em sua peça inicial algum parâmetro a ser seguido pelo julgador para chegar-se ao valor da compensação por dano moral, seja por indicação doutrinária ou por indicação de decisões que trataram de tema semelhante, o valor da causa deve refletir a sugestão feita e as custas processuais devem ser pagas em conformidade com o montante indicado, pois entendem que “integra o valor econômico pretendido” [23].
Mas, tanto é verdade que até agora o entendimento do Tribunal Superior foi o de que a indicação do valor pretendido a título de dano moral não vincula o juiz, o que acabou aprovando a Súmula nº 326 do Superior Tribunal de Justiça com o seguinte teor: “Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferir ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca” [24].
As decisões que originaram a aprovação do enunciado da súmula manifestaram que o valor da causa deveria ser compreendido como estimativo e, portanto, não podendo ser tomada como pedido certo para efeito de fixação de sucumbência recíproca, caso a ação venha a ser julgada procedente em montante inferior ao pleiteado na peça inicial [25].
Partindo de tais referências, entendemos que deve o Judiciário interpretar a nova regra processual como uma opção da parte autora, como até hoje vinha sendo feito, seguindo inclusive a orientação da Súmula nº 326 [26], interpretando-se que a quantificação do valor da condenação é atividade de instrumentalização do reconhecimento do pedido do demandante, não tendo o condão de propiciar sucumbência.
Ainda, podem os julgadores, a fim de viabilizar o reconhecimento de que em matéria de dano moral cabe ao Judiciário arbitrar o montante necessário ao ressarcimento, entender que se inclui tal situação na regra do art. 324, inciso I, ou seja, que por não ser possível ao autor individuar os bens demandados é cabível formular pedido genérico [27]. Ou, ainda, considerar que por não ser possível determinar desde logo as consequências do ato ou do fato cabe da mesma forma pedido genérico [28].
O que se deve buscar é indiscutivelmente uma aplicação coerente com a totalidade do sistema jurídico atual.
5 Considerações Finais
A temática referente aos aspectos procedimentais da busca de compensação por dano moral recebeu, na Codificação Processual Civil de 2015, nova sistemática, impondo-se ao demandante indicar de forma expressa na petição inicial a quantificação de sua pretensão, com a consequente projeção deste na definição do valor atribuído à causa.
Apesar da excelente recepção que a inovação vem recebendo da doutrina processualista, que se mostra bastante satisfeita com o novo modelo, acreditamos que o tema merece ser alvo de maiores reflexões. As peculiaridades que norteiam a definição da quantificação na compensação pelo dano moral tornam extremamente complexa a definição do valor a ser indenizado, de forma que parece ser um pouco precipitada a exigência de que o autor já o exponha na peça exordial. Entendemos que a vítima não seria o sujeito mais qualificado para a realização da atividade de valoração da indenização pleiteada para representar a compensação pelo dano moral experimentado, sendo mais prudente e proveitoso que esta tarefa fique integralmente nas mãos de um terceiro imparcial.
Deve-se buscar interpretar as regras constantes do novo CPC em consonância com todo o sistema jurídico brasileiro, reconhecendo-se que o dano moral é um dano irreparável, que tem por seu fundamento a tutela da dignidade da pessoa humana e como tal exige do Judiciário um exame acurado de todas as peculiaridades que envolvem o litígio, sejam as características da vítima, como o conteúdo do dano e sua repercussão social.
Diante disso, mesmo quando indicado o valor pretendido na petição inicial, este não deve vincular o magistrado, permanecendo com ele a tarefa de exercer a sua atividade discricionária no arbitramento do valor que entender adequado para a justa composição da lide que lhe é apresentada.
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[1] CPC, arts. 77, § 2º, 81, 334, § 8º, e 468, § 1º.
[2] CPC, art. 85, § 2º.
[3] Como se pode observar exemplificativamente nos seguintes julgados: REsp 565.880/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Quarta Turma, j. 06.09.05; REsp 198.458/MA, Rel. Min. Ari Pargendler, Terceira Turma, j. 29.03.01.
[4] Neste sentido, Felipe Cunha de Almeida orienta: “Portanto, no sentido de se evitar que a parte deva emendar a inicial para atribuir à causa o valor da reparação nos termos em que ora se analisa, deve cumprir com as disposições que traz o novo CPC, até para que ela própria não dê causa à demora da tramitação do feito” (Novo Código de Processo Civil e o valor da causa nas ações de reparação por danos extrapatrimoniais. Revista de Direito Civil e Processual Civil, n. 102, jul./ago. 2016, p. 23).
[5] CPC, art. 292, § 3º: “O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes”.
[6] Na visão de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery: “tendo em vista a necessidade de recolhimento das custas judiciais, o arbitramento a ser realizado pelo juiz deve ocorrer no início do processo, na avaliação da petição inicial” (Código de Processo Civil comentado. 16. ed. São Paulo: RT, 2016. p. 905). Alexandre Freitas Câmara também parece adotar entendimento mais restritivo quanto ao momento da correção de ofício do valor da causa, lecionando: “Deve-se considerar que ao juiz só é dado controlar de ofício o valor da causa corrigindo-o, antes do oferecimento da contestação. Oferecida esta e não tendo havido correção de ofício pelo juiz nem tendo o demandado impugnado, em preliminar, o valor da causa indicado pelo demandante, ter-se-á por correto o valor da causa, o qual não poderá mais ser alterado” (O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015. p. 156). Por outro lado, Guilherme Rizzo Amaral posiciona-se de forma mais liberal, vislumbrando maior amplitude temporal para o magistrado fixar ex oficio o valor da causa, advogando que o juiz poderá realizar tal ato até a oportunidade da sentença (“quanto ao momento em que o juiz deverá realizar a correção de ofício do valor da causa, embora não o refira expressamente o dispositivo em comento, aplicasse o entendimento do STJ já existente sob a égide do CPC revogado: pode o juiz proceder à correção de ofício do valor da causa somente até a sentença. Após, não poderá alterá-lo, aplicando-se o art. 494”) (Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: RT, 2015. p. 390).
[7] CPC, art. 324: “O pedido deve ser determinado. § 1º É lícito, porém, formular pedido genérico: I – nas ações universais, se o autor não puder individuar os bens demandados; II – quando não for possível determinar, desde logo, as consequências do ato ou do fato; III – quando a determinação do objeto ou do valor da condenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu”. Cristiano Chaves de Farias, Felipe Peixoto Braga Netto e Nelson Rosenvald, mesmo na vigência da legislação processual revogada, advogavam pela não admissão do pedido genérico em ações de indenização por danos morais, pregando: “cremos que o autor necessariamente indicará o montante de danos morais na petição inicial – trata-se de ônus processual do demandante – sem que possa delegar essa tarefa a um juiz”, reforçando: “a violação a bens jurídicos existenciais como a honra, a intimidade e a imagem é de imediata consumação. Toda a sua extensão é imediatamente configurada. Esse cenário recomenda que não se relegue a quantificação do dano extrapatrimonial para uma fase processual sucessiva” (Programa de responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 389).
[8] Alexandre Freitas Câmara se posiciona a respeito do tema, afirmando: “na prática forense, é muito comum tentar-se enquadrar nesta hipótese a demanda de compensação por danos morais, nela se formulando pedido genérico. Trata-se, aliás, de prática que sempre contou com a aceitação dos Tribunais. Isto, porém, é absolutamente inadmissível” (Ibidem, p. 192).
[9] Op. cit., p. 192-193.
[10] Op. cit., p. 193.
[11] Guilherme Rizzo Amaral coloca-se de forma plenamente favorável à inovação legislativa, considerando que “a modificação é bastante positiva, na medida em que impede a utilização do processo como uma espécie de loteria”, reforçando o seu entendimento com a fundamentação constante de acórdão julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Ag 70038013819, 10ª Câm. Cível, Relª Maria José Schmitt Sant Anna, j. 17.02.2011), de onde extrai a seguinte passagem: “É inegável que na ação de compensação por dano moral existe um conteúdo econômico, cabendo à outra parte decliná-lo ou, no mínimo, fazer uma estimativa. Não é legal, e tampouco razoável, que a parte atribua valor simbólico à causa, para, assim, pagar menos custas, quando em realidade pretende compensação em valor inegavelmente superior. Por outro lado, a regra geral é a de que o valor da causa deve corresponder ao bem da vida procurado em juízo. Ademais, não pode a parte considerar o exercício do direito de ação como uma loteria, na qual joga para não perder. Quem vem a juízo deve assumir todos os riscos da demanda. E mais. A parte ré tem o direito de saber do que se defende, qual a sua grandeza, para que assim possa exercer na plenitude o direito de defesa e do contraditório. Não se deslembre que os valores de compensação por dano moral atendem a critérios já perfeitamente estabelecidos na jurisprudência, não mais sendo possível seu desconhecimento” (Ibidem, p. 389). No mesmo sentido se manifesta Leonardo Greco, afirmando que a novidade legislativa “tem o mérito indiscutível de deixar claro, em consonância com as regras sobre a certeza e determinação do pedido (arts. 322 a 324), que o autor tem de quantificar o pedido de indenização por dano moral, o que condena a praxe viciada que se instaurou no Brasil de deixar a critério do juiz essa quantificação, inteiramente ao arrepio de tais regras e dos princípios que as inspiram” (Instituições de processo civil, processo de conhecimento. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. v. II. p. 22). Também, seguindo a orientação constante do CPC, o Tribunal Superior do Trabalho, ao emitir a Resolução nº 203, de 15 de março de 2016, que editou a Instrução Normativa nº 39, dispondo sobre as normas do novo Código de Processo Civil aplicáveis ao processo do trabalho, dispôs expressamente sobre a extensão da regra de necessidade do demandante que postula compensação por dano moral indicar o quantum e tomá-lo como referência para definição do valor da causa. Vejamos: “Art. 3º. Sem prejuízo de outros, aplicam-se ao Processo do Trabalho, em face de omissão e compatibilidade, os preceitos do Código de Processo Civil que regulam os seguintes temas: (…) IV – art. 292, V (valor pretendido na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral)”.
[12] Valor da causa no novo CPC. Ibidem, p. 36. Na mesma linha se posicionam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, afirmando: “O CPC, art. 292, V, determina que o valor da causa, em ações de indenização por dano moral, deve ser o mesmo valor pretendido pelo autor, o que acaba com a dúvida sobre o tema e, certamente, terá o efeito de limitar o valor dos pedidos de indenização em razão do seu impacto nas custas processuais” (Ibidem, p. 906).
[13] Curso de direito processual civil. Salvador: Juspodivm, 2015. v. 1. p. 581. Cristiano Chaves de Farias, Felipe Peixoto Braga Netto e Nelson Rosenvald, mesmo antes da inovação legislativa em questão, já defendiam este posicionamento, afirmando que, “sendo o dano moral já violação que alcança a dignidade da pessoa humana, ninguém melhor do que o próprio ofendido para avaliar a intensidade da lesão à sua subjetividade, sendo um contrassenso relegar essa tarefa a um juiz de direito” (Novo tratado de responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2015. p. 389).
[14] O pedido de reparação por danos morais e o valor da causa em causas cíveis e trabalhistas segundo o CPC de 2015. Ibidem, p. 25.
[15] Como destaca Antonio Junqueira de Azevedo, pessoa é um bem e a dignidade o seu valor, de forma que a dignidade como princípio jurídico “pressupõe o imperativo categórico da intangibilidade da vida humana e dá origem, em sequência hierárquica, aos seguintes preceitos: 1 – respeito à integridade física e psíquica das pessoas; 2 – consideração pelos pressupostos materiais mínimos para o exercício da vida; e 3 – respeito às condições mínimas de liberdade e convivência social igualitária” (Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. Revista dos Tribunais, v. 797, 2002, p. 11-26).
[16] Como, por exemplo, o denominado método bifásico estabelecido no REsp 959.789/ES, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, j. 26.04.01.
[17] Conforme destaca Maria Celina Bodin de Moraes, o atual Código Civil deu lugar à proteção integral da dignidade da pessoa humana, em conformidade com o art. 1º, III, da Constituição Federal (Do juiz a boca-da-lei à lei segundo a boca-do-juiz: notas sobre a aplicação-interpretação do direito no início do século XXI. Revista de Direito Privado, v. 56, out./dez. 2013, p. 11-30).
[18] Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 81-82.
[19] “O que se relaciona com as inclinações e as necessidades gerais do homem tem um preço venal: aquilo que, mesmo sem pressupor uma necessidade, é conforme a um certo gosto, isto é, a uma satisfação no jogo livre e sem finalidade das nossas faculdades anímicas, tem um preço de afeição ou de sentimento (Affektionspreis); aquilo, porém, que constitui a condição só graças à qual qualquer coisa pode ser um fim em si mesma, não tem somente um valor relativo, isto é, um preço, mas uma valor íntimo, isto é dignidade.” (KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 2007. p. 77
[20] Ibidem, p. 125.
[21] Em posição contrária ao nosso entendimento, Fredie Didier Junior oferece visão bastante particular, aparentemente se mostrando contrário à atribuição da tarefa de definição do montante da compensação decorrente do dano moral por arbitramento do magistrado, ponderando: “Como um sujeito estranho e por isso mesmo alheio a esta ‘dor’ poderia aferir a sua existência, mensurar a sua extensão e quantificá-la em pecúnia?”, e concluindo: “a função do magistrado é julgar se o montante requerido pelo autor é ou não devido; não lhe cabe, sem uma provocação do demandante, dizer quanto deve ser o montante” (Ibidem, p. 581).
[22] Como se pode observar no Ag Reg no Agravo em Recurso Especial 849.972/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, j. 26.08.2016.
[23] Nesse sentido exemplificativamente os seguintes julgados: Ag Int no Agravo em Recurso Especial 123.884/RS, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, j. 13.09.2016; AgRg no Agravo em Recurso Especial 102.651/MS, Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, 17.05.2016; AgRg no Recurso Especial 1.459.020/SC, Min. João Otávio de Noronha, Terceira Turma, j. 15.03.2016; AgRg no Agravo em Recurso Especial 791.149/MS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. 15.12.2015.
[24] Cristiano Chaves de Farias, Felipe Peixoto Braga Netto e Nelson Rosenvald explicam que “o fundamento da súmula é que a verba honorária é arbitrada contra o vencido, como reconhecimento pelo art. 20 do CPC [de 1973], em respeito ao princípio da causalidade, concluindo a sentença qual das duas partes deu causa à postulação, por ter assumido conduta indevida no plano extrajudicial. Mesmo diante da procedência parcial da pretensão, a vitória processual continuará a pender em favor do autor, não se admitindo que seja qualificado com vencido” (Ibidem, p. 391).
[25] Como se pode observar do Ag Reg no Agravo 459.509/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 19.12.03, que foi um dos precedentes originadores da referida Súmula.
[26] Elpídio Donizetti, ao fazer comentários sobre a nova codificação processual, defende a preservação da inteligência da referida orientação consolidada, defendendo o entendimento de que o valor atribuído pelo demandante, nestes casos, tem caráter meramente estimativo. Vejamos as exatas palavras deste doutrinado: “Ainda que se trate de dano moral, o NCPC estabelece que deve ser atribuído à causa o valor pretendido pelo autor. Entendo, contudo, que o valor atribuído deve ser meramente estimativo, podendo o juiz fixar o dano moral em montante inferior, sem que isso implique em sucumbência recíproca”, concluindo que “a previsão contida no inciso V do art. 292 não deve ‘revogar’ o entendimento descrito na Súmula nº 326 do STJ”.
[27] Marcelo Muritiba Dias Ruas argumenta que, “como já demostrado, há escritos no sentido ser necessário que se dê valor ao pedido, não se admitindo a generalidade mesmo em caso de dano moral, e existem valiosos julgados agasalhando esta tese, mas o pedido em si é o de indenização pelo dano moral, e o quantum debeatur somente poderá ser fixado após a devida cognição exauriente, mesmo que se admita julgamento antecipado ou que se trate de dano in re ipsa”, arrematando que “o que nos leva a dizer que, em tema de dano moral, é sim, ainda, admissível o pedido genérico, na forma do § 1º do art. 324” (Ibidem, p. 30).
[28] Também apresentam tal linha interpretativa Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, que, por sua vez, lecionam: “Também é possível formular pedido indeterminado quando não for possível desde logo determinar as consequências do ato ou fato e quando o objeto ou o valor da condenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu. Em muitas ações que visam à obtenção de tutela reparatória não é possível desde logo estimar o valor dos danos experimentados”, pontuando que “a ação que visa à reparação de danos morais é um exemplo” (Novo curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. São Paulo: RT, 2015. v. 2. p. 159).