RKL Escritório de Advocacia

O TESTAMENTO PARTICULAR

O TESTAMENTO PARTICULAR

Rénan Kfuri Lopes

Advogado, Escritor e Palestrante.

Sócio-fundador do RKL ADVOCACIA 

Testamento é o ato unilateral pelo qual a pessoa dispõe suas últimas vontades acerca de seu patrimônio e estabelece providências de caráter pessoal ou familiar, para que tudo seja observado após a sua morte. O testador pode instituir herdeiro seu, reconhecer filho, legar bens e uma ou mais pessoas a determinar a observância de disposições suas, como doação de órgãos, etc. O testamento é ato unilateral pode ser revogado, de forma incondicional, pela vontade do testador, inclusive por outro testamento que disponha contrariamente ao anterior.

Solene e formal por excelência, a capacidade testamentária é delineada pelos arts. 1.857 e 1.860, parágrafo único do Código Civil.[1]

O “testamento particular”, tratado com particularidade neste bosquejo doravante, é o instrumento confeccionado pelo próprio testador [não pode ser feito por pessoas que não sabem ler nem escrever], sem prévio registro e sem as formalidades do testamento público. É confeccionado pelo próprio punho ou processo mecânico[2].

Caso seja de próprio punho denomina-se testamento hológrafo [inteiramente escrito pela mão do testador].

Após sua elaboração, o testador deve ler o documento em voz alta na presença de 3 (três) testemunhas maiores e capazes, que irão subscrevê-lo.

Não há impeditivo em ser confeccionado em língua estrangeira, mas as testemunhas devem compreender o teor das disposições testamentárias[3].

Se o testamento particular for redigido de forma mecânica não poderá conter espaços em branco e rasuras. Eventuais rasuras devem ser apontadas e rubricadas pelo testador, sob pena de invalidade do testamento.

Após a morte do testador [aberta da sucessão], prevê-se a apresentação do testamento em juízo e dando início a um procedimento de jurisdição voluntária, autônomo, para que o juiz chancele a declaração de vontade, determinando o cumprimento da declaração de última vontade. Qualquer que seja a espécie testamentária é preciso a intervenção judicial como condição prévia para a realização da partilha.

Será obedecido o rito traçado pela legislação instrumental civil, tendo legitimidade ativa o herdeiro, legatário, testamenteiro ou terceiro na posse do testamento, prosseguindo-se com a intimação dos herdeiros que não tiverem requerido a solicitação judicial da chancela do testamento, intimado o Ministério Público e ao final proferida sentença de homologação para ser juntada nos autos do inventário[4].

É limitada a atuação judicial sobre o testamento, restrita a inspecionar a existência de defeitos de validade que macula por vício ensejador de invalidade absoluta (nulidade), que inclusive poderá ser conhecida ex officio pelo juiz[5]. A competência é do juiz que processará e julgará o próprio inventário, realizando a partilha [último domicílio do testador][6].

Indubitável que no “testamento particular” ganha relevo o carimbo judicial para dar maior grau de segurança e se faça cumprir aos derradeiros desígnios do de cujos [denominado testador] no que se refere ao seu patrimônio[7].

A jurisprudência flexibilizou as formalidades prescritas em lei no tocante às testemunhas do “testamento particular” quando o documento tiver sido escrito e assinado pelo testador e as demais circunstâncias indicarem que o ato reflete a vontade do testador[8].

Entretanto, há hipóteses de impossibilidade de se homologar para cumprir o testamento particular, ad exemplificandum, o instrumento assinado a rogo e não de próprio punho[9].

Sub censura.

Belo Horizonte, novembro/2018.

[1] CC, art. 1.857. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte. § 1º. A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento. § 2º. São válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas se tenha limitado.

Art. 1.860….Parágrafo único. Podem testar os maiores de dezesseis anos.

[2] CC, art. 1.876. O testamento particular pode ser escrito de próprio punho ou mediante processo mecânico. §1º. Se escrito de próprio punho, são requisitos essenciais à sua validade seja lido e assinado por quem o escreveu, na presença de pelo menos três testemunhas, que o devem subscrever. §2º. Se elaborado por processo mecânico, não pode conter rasuras ou espaços em branco, devendo ser assinado pelo testador, depois de o ter lido na presença de pelo menos três testemunhas, que o subscreverão.

[3] CC, art. 1.880. O testamento particular pode ser escrito em língua estrangeira, contando que as testemunhas a compreendam.

[4] CPC, art. 737. A publicação do testamento particular poderá ser requerida, depois da morte do testador, pelo herdeiro, pelo legatário ou pelo testamenteiro, bem como pelo terceiro detentor do testamento, se impossibilitado de entregá-lo a algum dos outros legitimados para requerê-la. § 1º. Serão intimados os herdeiros que não tiverem requerido a publicação do testamento. § 2º. Verificando a presença dos requisitos da lei, ouvido o Ministério Público, o juiz confirmará o testamento.§ 3º. Aplica-se o disposto neste artigo ao codicilo e aos testamentos marítimo, aeronáutico, militar e nuncupativo. § 4º. Observar-se-á, no cumprimento do testamento, o disposto nos parágrafos do art. 735.

[5] Havendo interesse de incapaz no testamento, será necessária a intimação do Parquet para atuar como fiscal da ordem jurídica, custos juris [CPC, art. 178,II].

[6] CPC, art. 48 e CC, art. 1.785.

[7] “Cuida-se de um instrumento redigido em sua inteireza pelo declarante e, em seguida, lido, em viva-voz, e assinado na presença de três testemunhas, sem qualquer exigência de autoridade pública ou registro em cartório” [FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSEVALD, Nelson, Curso de Direito Civil: Sucessões, São Paulo: Atlas, 2015, p. 367.

[8] Resp 600.746/PR, DJe 15.06.2000.

[9] Resp 1.618.754/MG, DJe 13.10.2017. Tese prevalente: se a assinatura foi a rogo, presume-se que o testador não sabia escrever e nesta circunstância haverá necessidade de ser lavrado em cartório com a declaração de tabelião (CC, art. 1.865); e ainda, por ser requisito essencial de validade do documento a assinatura do testador (CC, art. 104,c).