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O TÉRMINO DO PRAZO DE VIGÊNCIA E A INEXECUÇÃO DO OBJETO NOS CONTRATOS DE OBRAS PÚBLICAS

O TÉRMINO DO PRAZO DE VIGÊNCIA E A INEXECUÇÃO DO OBJETO NOS CONTRATOS DE OBRAS PÚBLICAS

Lis Veronica de Souza Moreira

 

Como proceder nos casos em que o prazo contratual se encontra expirado e não houve a execução total da obra contratada?

 

Demanda recorrente no dia a dia das administrações públicas diz respeito ao término do prazo formal estipulado para o contrato de obra sem que tenha havido a conclusão e entrega do objeto. Daí surge uma série de questionamentos que provoca a demora excessiva na tomada de decisão pelo gestor público, tornando o caso suscetível de erros e prejuízos para o erário.

A dúvida na maioria das vezes tem como pano de fundo questões práticas, como por exemplo, após o prazo expirado do contrato, é possível prorrogá-lo sob o argumento de que contratos por escopo não se encerram pelo mero decurso de prazo? Ou prevalece a rigor o prazo formal estabelecido na cártula de maneira que se deve proceder à nova contratação mediante licitação?

É certo que competia à Administração ter verificado os motivos para o não adimplemento das obrigações nos prazos definidos e, em se tratando de alguma das hipóteses previstas no §1º do art. 57 da Lei nº 8.666/93, prorrogar o prazo de vigência de forma a abranger a sua execução total. Se houver atraso na execução por culpa do contratado e ainda persistir o interesse público no recebimento do empreendimento, então cumpriria estipular um novo prazo, prorrogando a avença, sem prejuízo da aplicação da multa moratória prevista contratualmente.

Pois bem. Para desenvolvermos qualquer proposta de solução às indagações acima é necessário, antes, retomarmos o significado dos contratos ditos por escopo, tal qual são os contratos de obras de engenharia.

Nos contratos ditos de escopo, a Administração contrata a obtenção de um bem determinado, independentemente do tempo que será dispensado para a sua execução. Daí dizer que o contrato de obra é um típico contrato de escopo, pois contrata-se a obra pronta e executada, sem se prender ao tempo nela empregado.

É o caso do contrato de empreitada, regulado pelos artigos 610 a 626 do Código Civil, em que o objeto só se consuma quando entregue e finalizada a obra.

Para Caio Mário da Silva Pereira, a empreitada é o contrato em que uma das partes (empreiteiro) se obriga, sem subordinação ou dependência, a realizar certo trabalho para outro (dono da obra), com material próprio ou por este fornecido, mediante remuneração global ou proporcional ao trabalho executado[1].

Nesses casos, ainda que exista um prazo determinado para a sua conclusão, o fator “tempo” passa a ser apenas um parâmetro de acompanhamento e de gestão e fiscalização do contratado, não constituindo a verdadeira substância do contrato.

Nos contratos de execução continuada o prazo é que condiciona o objeto, uma vez que o serviço é prestado enquanto vigente o contrato. Neste caso, o prazo durante o qual o serviço será prestado é a essência do contrato, condicionando a própria prestação do serviço.

Essa distinção levou parte da doutrina a sustentar a tese de que os contratos de escopo não se extinguem pelo mero decurso do prazo formal, subsistindo enquanto não concluído o objeto, pois a conclusão do objeto prevaleceria, tendo o prazo de vigência relevância secundária.

O Tribunal de Contas da União em alguns julgados chegou a se posicionar neste sentido, corroborando o que alguns doutrinadores entendiam sobre o prazo de vigência dos contratos por escopo. Confira trecho do voto proferido no Acórdão 1980/2004 da Primeira Câmara:

33. Nessa linha, a jurisprudência do Tribunal tem-se manifestado no sentido de permitir a retomada ou o prosseguimento de contratos quando sua inexecução é provocada pela Administração, como no presente caso, decorrente da descontinuidade de liberação de recursos orçamentários. Pode-se aplicar a interpretação de que a contratada adquiriu o direito de executar o objeto pactuado, tendo sido impedida por motivos aos quais não deu causa. Analisando o aspecto da vigência do contrato, deve-se entender que o prazo está vinculado também à conclusão do objeto, e não somente ao decurso do tempo.

Outras decisões do Tribunal de Contas da União também registram que a questão formal do prazo de vigência dos contratos deveria ser minimizada em virtude de circunstâncias materiais. É o que sucedeu no Acórdão 732/99 – Plenário, Acórdão 1740/03 -Plenário e Acórdão 606/96 – Plenário.

Por outro lado, encontramos decisões do mesmo Tribunal evidenciando a ideia de que, ainda que se trate de contratação que visa a entrega de um bem, o prazo de vigência previsto na cártula está ali para ser observado e esse entendimento se adequaria muito mais à sistemática das contratações públicas prescritas na lei 8.666/93.

Os defensores dessa tese alegam que a prorrogação de contrato com prazo vencido não se sustenta na estrutura normativa da Lei 8.666/93, pois violaria três regras básicas dos contratos administrativos: a) a exigência de prévia licitação; b) a obrigatoriedade da forma escrita e; c) a impossibilidade de celebração de contratos com prazo indeterminado.

Segundo referido entendimento, permitir que o prazo de vigência contratual fosse ultrapassado seria o mesmo que permitir a sua duração indeterminada, possibilitando sempre a dilação do prazo – incerta e indefinida – para acompanhar a execução do objeto. Além disso, estar-se-ia diante da transmutação da contratação formal para a verbal, já que a execução das atividades ocorreria sem respaldo contratual.

E por fim, infringir-se-ia a regra constitucional da contratação mediante prévia licitação, pois implicaria na recontratação direta da empresa contratada.

A partir dessa tese identificamos outros julgados do TCU em que se recomendava a não celebração de termo aditivo com prazo vencido ainda que para esses casos de contratos por escopo, devendo prevalecer o prazo que foi formalmente estabelecido:

Acórdão 3863/2011 – Segunda Câmara – Relator José Jorge (Data: 07/06/2011):

9.7. recomendar à UFRJ que:

(…)

9.8.3. não celebre termo aditivo ao contrato cujo prazo de vigência tenha expirado, por ausência de previsão legal, observando-se o disposto no art. 65 da Lei nº 8.666/93.

No Acórdão 1302/13 – Plenário, no item 9.1.4, encontramos a mesma recomendação, determinando a não celebração de termo aditivo com prazo vencido para contratos de obras públicas.

O meu posicionamento diverge dessa tese mais recente do TCU. A meu ver, o fato de o prazo formal ter se esgotado não importa na extinção do ajuste, o que torna possível a prorrogação retroativa, a continuidade da execução da obra (caso assim queira a Administração Pública) e o correspondente pagamento a título contratual.

Pactuo com o entendimento de que se a contratação é por escopo, de forma que o interesse público só se satisfará com a entrega da obra, o prazo formal do instrumento contratual não pode prevalecer e pôr fim ao ajuste. Isso não anula a validade da cláusula referente ao prazo e nem implica em aceitar contrato com prazo indeterminado. O descumprimento do prazo entabulado ensejará as devidas sanções legais – produzindo, pois, os efeitos esperados – tanto para a Administração quanto para o particular, e o prazo será realinhado de maneira certa e definida para abranger a entrega do bem.

Seguindo o mesmo racional, discordo da afirmação de que prorrogar o prazo de contrato expirado seria desrespeitar à formalidade prescrita na lei. Tal irregularidade seria posteriormente sanada e convalidada por ato da Administração, exatamente em atendimento às normas de formalidade previstas em lei. O termo aditivo não deixaria de existir, seria formalizado a posteriori conferindo à validade e legitimidade necessárias.

Quanto ao último argumento, no sentido de que esse ato administrativo representaria violação à obrigatoriedade de licitar, não o acho bem-sucedido. Se assim o fosse, então toda a renovação de prazo culminaria em uma espécie de violação indireta ao princípio da obrigatoriedade de licitar.

Em todos os casos em que há a prorrogação, há a opção concomitante de deixar o contrato “morrer” para oferecer o seu objeto a outros concorrentes por meio da licitação. No entanto, a legislação permite a prorrogação da relação contratual entre as mesmas partes, desde que comprovada a vantajosidade da recontratação.

Ademais, se a Administração licitou naquela oportunidade e contratou a execução na íntegra de determinado bem, enquanto esse não for materializado, o contrato não terá atendido ao propósito que impulsionou sua celebração e também o procedimento licitatório que antecedeu ao contrato, não havendo que se falar em necessidade de contratação por novo processo de licitação.

Com a redação da Nova Lei de Licitações, penso eu que o dissenso doutrinário e jurisprudencial sobre o prazo de vigência dos contratos de escopo restou encerrado, fortalecendo-se a tese do contrato de escopo, com a qual sempre coadunei.

Isso porque o artigo 111 cria o instituto da prorrogação automática da vigência dos contratos de escopo, até que o seu objeto seja concluído, como se demonstra a seguir:

Art. 111. Na contratação que previr a conclusão de escopo predefinido, o prazo de vigência será automaticamente prorrogado quando seu objeto não for concluído no período firmado no contrato[2].

Tecendo comentários sobre o dispositivo acima, a professora Tatiana Camarão diz:

“O legislador reconhece que de nada adiantará o passar dos dias se o intuito não se concretizar. Por essa razão, o prazo serám automaticamente prorrogado, no caso de contratação com indicação de conclusão de escopo predefinido, ou seja:

‘quando o objeto contratual for dotado de precisão quanto ao resultado a ser lançado (por exemplo, a construção de um muro de arrimo contra deslizamentos), o prazo de vigência será considerado automaticamente prorrogado quando o objeto não for concluído no prazo fixado. Os efeitos, entretanto, variam de acordo com a parte culpada. Se a culpa couber ao contratado, será ele constituído em mora e sujeito às sanções administrativas cabíveis, além disso, a Administração pode optar pela extinção do contrato e adotar as medidas adequadas à continuidade da execução (art. 111 e parágrafo único, I e II). Caso a culpa seja da Administração, poderá haver efeitos gravosos para esta, dependendo da ocorrência dos casos previstos no art. 137 do Estatuto'”. (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos: Lei nº 14.133 de 1º de abril de 2021 – Vol.2).

Para concluir, finalizo com a afirmação de que, em minha opinião, a tese da prorrogação dos contratos de escopo com prazo de validade vencido sempre foi a melhor saída para os gestores públicos (não apenas do ponto de vista prático, mas também jurídico), tanto que a nova legislação fez constar de seu texto, expressamente, a prorrogação automática dos contratos de escopo, encerrando as discussões sobre o assunto e permitindo a prorrogação desses contratos,  ainda que com a ocorrência do decurso do prazo.

 

link: https://www.migalhas.com.br/depeso/384100/o-termino-da-vigencia-e-inexecucao-nos-contratos-de-obras-publicas

 

[1] PEREIRA Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. III.

[2] De acordo com o artigo 6º, inciso XVII, da Lei 14.133/2021, “serviços não contínuos ou contratos por escopo, são aqueles que impõem ao contratado o dever de realizar a prestação de um serviço específico em período predeterminado, podendo ser prorrogado, desde que justificadamente, pelo prazo necessário à conclusão do objeto”.