RKL Escritório de Advocacia

O RECURSO ESPECIAL E A COMPETÊNCIA PARA A AÇÃO RESCISÓRIA

O RECURSO ESPECIAL E A COMPETÊNCIA PARA A AÇÃO RESCISÓRIA

José Henrique Mouta Araújo

 

Tema dos mais interessantes na prática forense refere-se a análise da competência para a ação rescisória, que poderá variar a depender do efeito substitutivo e do resultado do último recurso apreciado na ação originária.

Visando compreender os fluxos que podem ocorrer em decorrência da análise do recurso especial, vale partir de uma premissa: a incidência do efeito substitutivo dependerá do conhecimento do apelo e está amplamente ligado ao devolutivo por extensão.

O efeito substitutivo é de suma importância para fins de competência para a ação rescisória. A pergunta que deve ser enfrentada é a seguinte: o pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça no REsp e AREsp, substitui as decisões locaispara fins de competência para ajuizamento de ação rescisória?

A ação rescisória é tratada no Regimento Interno da Corte entre os arts. 233 e 238. Assim, visando atender satisfatoriamente a esta indagação, algumas variáveis devem ser enfrentadas, senão vejamos.

Qual o fundamento da ação rescisória?

É necessário analisar, inicialmente, o objeto apreciado pelo recurso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça em seu mérito, e aquele discutido na ação rescisória: teses diferentes não inauguram a competência do Tribunal Superior para a ação desconstitutiva.

Vejamos um exemplo: demanda julgada em seu mérito pelo juízo de 1º grau, confirmada em 2º (apelação conhecida e improvida), apreciando questões e fundamentos específicos. Contra essa decisão, houve interposição de recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça. Este foi conhecido e improvido, para manter os julgados locais em todos os seus termos.

Neste caso, segundo a própria sistemática do efeito substitutivo do recurso, a competência funcional para a apreciação da rescisória é, em regra, do STJ. Contudo, tal afirmação não deve ser feita de forma absoluta, tendo em vista que dependerá dos fundamentos contidos na futura ação rescisória.

Com efeito, após o trânsito em julgado deverá ser analisado cuidadosamente o teor da matéria a ser alegada na futura rescisória, para a correta conclusão envolvendo a competência funcional para seu julgamento. Se a rescisória tratar de violação aos dispositivos tratados no feito originário e remetidos ao Tribunal Superior por força dos efeitos devolutivos por extensão e substitutivo, a competência funcional para a rescisória será daquele tribunal.

Por outro lado, se a questão (aqui entendida como a violação que enseja o enquadramento nas hipóteses previstas no artigo 966, do CPC) que sustenta a ação rescisória é outra totalmente diferente da suscitada e enfrentada nos recursos, discutível é a ocorrência do efeito substitutivo, pelas seguintes razões: i) o substitutivo está ligado ao devolutivo por extensão; ii) os capítulos não recorridos da decisão não podem sofrer substituição pelo julgado do Grau Superior (efeito substitutivo total ou parcial); ii) os argumentos, questões e fundamentos diferenciados suscitados na rescisória não chegaram a ser apreciados pelo Tribunal Superior (efeito substitutivo interno e externo).

Sobre efeito substitutivo total e parcial, vale citar as lições de Araken de Assis:

“Há substituição total, quer seja reformado, quer seja confirmado provimento, na medida em que o recurso versar todos os capítulos e disposições do ato impugnado. Pressupõe-se, assim, a interposição de recurso total. A esse efeito, não importa que ao recurso seja dado provimento parcial.”

E, em seguida, conclui:

“E há substituição parcial em dois casos: em primeiro lugar, deduzido recurso parcial (art. 1002), o que implica preclusão no tocante ao capítulo alheio à impugnação, ante a limitação do art. 1.013, §1º, e do art. 1.034, parágrafo único, hipótese prevista no art. 1.008, in fine, segundo o qual a substituição sucederá “no que tiver sido objeto de recurso”; ademais, quando o recurso, embora originariamente amplo, só é conhecido em parte.” [1]

A substituição total ocorre nos casos recurso conhecido, em que tenha sido impugnada a íntegra da decisão, independente do mérito ter sido provido ou improvido, parcial ou totalmente. Já recurso parcial advém de provocação do próprio interessado, que deixa de atacar a totalidade da decisão, deixando estabilizado o que não foi devidamente impugnado (preclusão ou coisa julgada do que não foi recorrido).

Rescisória com fundamento não discutido no recurso

Por outro lado, é necessário fazer uma análise concreta entre o que foi apreciado no recurso e eventual nova fundamentação trazida na ação rescisória.

Neste contexto, não seria competente o Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, para conhecimento de rescisória contra suposto acórdão ou decisão monocrática de Ministro que conheceu de recurso especial (ou do próprio agravo em recurso especial — artigo 1.042, do CPC), quando a matéria suscitada na nova demanda é totalmente estranha àquela discutida no recurso.

Em passagem do Acórdão AREsp 2.252.866/RS (2ª Turma/STJ – Rel. Min. Francisco Falcão – J. em 13.06.2023 – DJe 16.06.2023) restou clara essa observação quanto a competência:

“Não se pode afirmar ter havido efeito substitutivo quanto ao capítulo relativo aos honorários advocatícios pela decisão do Superior Tribunal de Justiça que, não conhecendo do recurso apresentado pela Fazenda Nacional, majorou os honorários em razão do grau recursal. Isso porque, a toda evidência, a questão relativa ao mérito dos critérios de fixação dos honorários – se por equidade ou pelo parâmetro objetivo de incidência de percentuais sobre o valor da condenação, do proveito econômico ou da causa – objeto da ação rescisória que ora se discute, não foi objeto de análise no âmbito desta Corte. Ademais, não tendo sido objeto do recurso especial interposto contra o acórdão da ação originária – que ora se pretende rescindir – a questão relativa aos critérios de fixação dos honorários não poderia ter sido analisada por esta Corte em recurso de natureza excepcional, ainda que se trate de matéria de ordem pública.”

Também no AgInt na AR 6889 / DF (S1/STJ – Rel. Min. Teodoro Silva Santos – J. 18/03/2025 – Djen 24/03/2025), ficou assentado que: “não tendo sido a matéria objeto da rescisória objeto de deliberação na decisão rescindenda, fica afastada a competência do STJ para julgamento da ação rescisória”.

O assunto também foi tratado na 3ª Seção do STJ, inclusive com a observância da incidência do Enunciado de Súmula 515, do Supremo Tribunal Federal:

“Se a matéria tratada na ação rescisória não foi objeto de exame pela decisão rescindenda, da lavra de Ministro desta Corte, mas apenas pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, incide no caso o disposto na Súmula 515 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual “a competência para a ação rescisória não é do Supremo Tribunal Federal, quando a questão federal, apreciada no recurso extraordinário ou no agravo de instrumento, seja diversa da que foi suscitada no pedido rescisório” (Ação Rescisória 3.851/MG – 3ª Seção do STJ – Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura – J. em 22.10.2010.

Ainda no tema, vale citar, no Supremo Tribunal Federal, o Acórdão em Ag.Reg na Ação Rescisória 2.019/MG (Rel. Min. Roberto Barroso – J. entre 1º e 8 de maio de 2020), que trata da incompetência da Corte Suprema, com a incidência do Enunciado 515, de sua Jurisprudência Dominante, nos casos em que a questão discutida no recurso é diversa daquela suscitada na ação rescisória.

Portanto, o efeito substitutivo está limitado aos fundamentos apreciados no recurso especial ou agravo, de forma monocrática ou colegiada, pelo Superior Tribunal de Justiça. A Corte é competente para conhecer a ação rescisória quando a matéria nela suscitada tiver identidade com aquela atingida pela substituição, raciocínio que não se estende a outros argumentos não deduzidos e discutidos no recurso.

Múltiplas rescisórias em caso de efeito substitutivo parcial

O próprio artigo 966, §3º, do CPC consagra a possibilidade de propositura de ação rescisória visando a desconstituição de apenas um capítulo da decisão.

Quanto ao ponto, em caso de recurso com a incidência de efeito substitutivo parcial, seria cabível mais de uma ação rescisória, em tribunais diferentes? Felipe Scalabrin entende que:

“É também possível que a decisão rescindenda possua capítulos que tenham sido definitivamente julgados por órgãos jurisdicionais diferentes. Nessa contingência, para os adeptos da teoria dos capítulos da decisão, o melhor é que cada capítulo autônomo e independente seja confrontado perante o órgão competente, ainda que haja um fracionamento da pretensão à rescisão.” [2]

Flávio Luiz Yarshell também faz importante apontamento sobre a multiplicidade de capítulos decisórios e de competências para a(s) ação(ões) rescisórias, como se pode observar:

“Se os capítulos da decisão rescindenda são autônomos e independentes, então, não se deve haver qualquer obstáculo a que sejam propostas tantas ações rescisórias quantos sejam os capítulos por desconstituir, preservando-se a competência de cada diferente tribunal, sem a necessidade de qualquer “prorrogação” da competência do STF ou, mesmo, de algum outro tribunal”. [3]

Já Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero afirmam que:

“Se a ação rescisória se dirige apenas a determinado capítulo da decisão, então é necessário apurar qual tribunal efetivamente julgou o capítulo rescindendo: esse tribunal será o competente para a ação rescisória, nada obstante possa outro tribunal ter examinado os demais capítulos posteriormente. Se a parte tem interesse em rescindir diferentes capítulos da decisão transitados em julgado em diferentes tribunais, cada capítulo é suscetível de ação rescisória própria, cuja competência é regida igualmente pela regra que lhe é adequada. Não há que se falar, em outras palavras, em prorrogação de competência de qualquer dos tribunais envolvidos.” [4]

Neste contexto, é possível o ajuizamento de várias ações rescisórias a depender da análise de quais capítulos serão objeto de desconstituição e quais serão os tribunais com competência funcional para atuação. Caberá ainda ao interessado analisar se é caso de apenas uma rescisória para um capítulo decidido (artigo 966, §3º, do CPC), mantendo a decisão transitada em julgado estabilizada em relação aos demais, e quais as consequências desta estratégia para o caso concreto.

Uma conclusão que pode ser apresentada em determinada situação jurídica concreta passa pela possível necessidade de ajuizamento de mais de uma rescisória, eventualmente em tribunais distintos, se pretender desconstituir decisões com múltiplos capítulos transitados em julgado em momentos e tribunais diferentes.

De outro prisma, vale destacar que o STJ reconheceu sua competência para a rescisória, nos casos em que o pronunciamento restabeleceu a sentença, como se observa no seguinte trecho do Acórdão:

“Ao restaurar a sentença, a decisão do STJ a substituiu, como se em seu corpo a estivesse transcrevendo, mesmo sem examinar explicitamente os respectivos fundamentos jurídicos, passando a ser o próprio título exequendo, constituindo a decisão de mérito passível de execução e de rescisória, da competência do STJ”. AR 4590 – Rel. Min. Maria Isabel Gallotti – 2ª Seção – J. em 09/03/2022 – DJe 30/03/2022).

Assim, a afirmação ampla e irrestrita de que o efeito substitutivo do recurso, para fins de cabimento da rescisória, dependerá apenas do conhecimento do apelo pelo órgão ad quem, deve ser feita com bastante atenção e cuidado, evitando-se erro no ajuizamento da demanda perante tribunal incompetente, com o eventual risco de prolongamento do iter procedimental com a adoção da providência prevista no artigo 968, §5º, do CPC, como decidiu a 1ª Seção da Corte da Cidadania:

“Reconhecida a incompetência do tribunal em que proposta a ação rescisória, em razão do efeito substitutivo do recurso interposto contra a decisão indicada como rescindenda, deve ser franqueada à parte autora a possibilidade de emendar a inicial, nos termos do art. 968, § 5º, do CPC/15”. AR 6312 / MS – Rel, Min. Sérgio Kukina – 1ª Seção – J. em 22/03/2023 – DJe 11/04/2023).

Enfim, o efeito substitutivo do recurso poderá ser bifurcado: internamente [5] (análise do pronunciamento judicial final) e externamente [6] (decisão judicial a ser irresignada por ação rescisória). Apenas será competente o STJ para apreciar a ação rescisória nos casos em que ocorrer o efeito substituto interno (juízo de mérito do recurso) e externo (matéria contida na rescisória ter sido apreciada no recurso julgado pela Corte).

Portanto, se na demanda desconstitutiva for apresentada matéria distinta daquela que foi objeto do recurso conhecido no seu mérito, não há o deslocamento da competência para instância excepcional. Em que pese a existência do efeito substitutivo interno (a última decisão é a advinda do tribunal superior), não houve o externo (a decisão rescindenda será a oriunda do tribunal local).

São estas as variáveis importantes acerca da competência para a apreciação da ação rescisória.

[1] ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 10ª edição, São Paulo: RT, 2021, pp. 314-315.

[2] Ação rescisória – teoria e prática. Londrina: Thoth Editora, 2023, p. 142.

[3] Ação rescisória – juízos rescindente e rescisório. São Paulo: Malheiros, 2005, pp.277-278.

[4] Ação rescisória – do juízo rescindente ao juízo rescisório. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, pp. 280-281.

[5] Verificação de qual pronunciamento judicial transitará em julgado, por força da ocorrência ou não do efeito substitutivo.

[6] Aqui o externamente é utilizado para afirmar que será competente o tribunal para conhecimento de outra demanda, visando desconstituir o julgado anterior já transitado em julgado.

REFERÊNCIAS

https://www.conjur.com.br/2025-jul-30/o-recurso-especial-e-a-competencia-para-a-acao-rescisoria/