O PROCEDIMENTO DOS ALIMENTOS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Thiago Felipe Vargas Simões
“Eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grandes novidades…” (Cazuza, O Tempo Não Pára)
SUMÁRIO: 1 Introito. 2 O Novo Código de Processo Civil e o Direito de Família. 3 Os Alimentos numa Mirada Civil-Constitucional; 3.1 Dever e Obrigação Alimentar; 3.2 A Prestação dos Alimentos e as Relações de Parentesco. 4 A Ação de Alimentos; 4.1 A Execução dos Alimentos no Novo Código de Processo Civil. 5 Conclusões. 6 Bibliografia.
1 Introito
É inegável que a presença do novo mexe com a emoção de todos, causando grande furor e inúmeras suposições, instintivamente criadas pelo (in)consciente humano, o qual sempre projeta um estado de querer ser alijando-se do ser.
Talvez tomado por uma constante necessidade de buscar o novo, deixa-se de lado a experiência adquirida pelo atual, como se fosse a prática de um mantra em que a busca desenfreada pelo ideal parece ser mais importante do que percorrer trilhas sedimentadas e consolidadas pelos longos anos de caminhada.
Como Dorothy Gale (devidamente calçada com seus sapatos mágicos) e sua jornada para chegar ao Mágico de Oz, acompanhada de um Espantalho, um Lenhador de Lata e um Leão Covarde, a jornada pelo incerto iniciar-se-á ainda no primeiro trimestre de 2016, momento em que expectativas, perigos e incertezas virão à tona.
É bem verdade que nossa legislação processual encontrava-se destoada com a realidade estrutural do Poder Judiciário brasileiro, que há muito clamava (pelas mais diversas formas) por mudanças e melhorias que tivessem como escopo uma prestação jurisdicional mais célere e eficaz, sob pena de se permitir o constante padecimento de direitos por caprichos exacerbados.
Muitas vezes, via-se a pretensão sucumbir por apego ao formalismo, contrariando todo o dinamismo da sociedade contemporânea, que tem na evolução uma de suas maiores características.
Isso se comprova desde os tempos e civilizações mais remotas, as quais vêm evoluindo a partir dos erros passados, mesmo que a história tenha mostrado que em alguns momentos o ser humano precisou experimentar certos dissabores por mais de uma vez, como no casos das grandes guerras.
E com o direito não poderia ser (e não o é) diferente. Ao contrário: a lei sempre se fez presente como verdadeiro freio social para manutenção da paz comum, com vistas a estabelecer o querer e o poder agir. Mantê-las atualizadas significa acompanhar as necessidades de uma sociedade em sua plenitude.
A evolução legislativa de qualquer ordenamento jurídico é imprescindível para o aperfeiçoamento do tecido legal com finalidade de aplicar um conjunto de regras mais condizente com a realidade sociojurídica, sem que, para isso, haja a necessidade de se rotular o novo como algo sublime e o velho (ou atual) como o responsável por todo o insucesso (ou insuficiência) existente.
Sob pena de se ignorar todo um processo evolutivo ao qual estivemos submetidos (v.g., CF/88 e o atual texto do Código Civil), analisar a novel lei processual sem ponderar sobre seus reflexos no direito material seria um grande (e grave) equívoco, haja vista que, com a promulgação da Carta Política de 1988, o diálogo das fontes do direito mostrou-se ainda mais necessário para a persecução dos direitos e das garantias ali tratadas.
Trata-se, pois, de uma convergência, a partir da Carta Magna de 1988, entre o direito matéria e o direito processual da família, que recebeu capítulo próprio no novo Código de Processo Civil, dada suas características estruturais, conforme será visto adiante.
2 O Novo Código de Processo Civil e o Direito de Família
A faceta processual do direito de família ganhou nova série de debates acerca de seus institutos com o advento da nova codificação processual civil, reforçando a imperiosa necessidade de constante conjugação do direito material e do direito processual. Um evidente diálogo das fontes do direito.
A Lei nº 13.105/2015 trará, em caráter inovador e inédito, o denominado capítulo “Das Ações de Família“, que compreende regras cuja aplicação incidirá sobre os litígios atinentes ao divórcio, separação judicial (sic), reconhecimento e dissolução de união familiar estável, filiação, guarda e visitação, como preceitua o texto do art. 693, caput, da futura lei processual.
Trata-se de um procedimento especial que toca questões atinentes às relações oriundas do direito de família, decorrentes da lei ou da autonomia privada, haja vista a incidência do disposto no art. 226 da Constituição Federal 1988, que assegura ao núcleo familiar constituído pelo casamento, pela união familiar estável ou de caráter monoparental a garantia de uma condução harmoniosa em demandas dessa natureza.
Bem por isso podemos afirmar que um dos pontos altos da nova codificação processual consta no art. 694, caput, qual seja a permanente persecução da solução consensual dos conflitos, dispondo o juiz do auxílio de profissionais competentes para implantação de medidas eficazes para mediação e conciliação capazes de dirimir as eventuais questões apresentadas.
Nota-se uma grande novidade em termos procedimentais, uma vez que este ato será sempre anterior ao da apresentação da defesa do réu.
Como apontam Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero[1], esta é uma “(…) previsão que visa estimular a solução consensual dos litígios (art. 3°, § 2°), concedendo à autonomia privada um espaço de maior destaque no procedimento“.
Conforme prevê o art. 695, tais audiências são tidas por obrigatórias, pouco importando a vontade das partes na sua realização, estabelecendo seu § 1° que o mandado de citação trará, tão somente, os dados imprescindíveis à audiência, desacompanhada de cópia da petição inicial, mas ficando assegurado ao réu o direito de examinar o conteúdo desta a qualquer momento.
No entender de Daniel Amorim Assumpção Neves[2], “essa é uma novidade porque, na regra geral, embora o réu não seja citado para contestar a demanda, recebe a contrafé ao ser citado, já se inteirando dos termos da petição inicial. O claro objetivo do legislador foi diminuir a litigiosidade entre as partes, tomando o cuidado de facultar ao réu o exame dos autos em cartório ou pelo meio eletrônico“.
Entretanto, a medida merece críticas, pois vai de encontro ao princípio fundamental da ampla defesa, uma vez que impede o réu de tomar ciência de todas as pretensões do autor, criando apenas mais trabalho para o advogado do demandado, já que este terá que diligenciar no sentido de se inteirar, mediante consulta física ou eletrônica dos autos, para tomar conhecimento das alegações iniciais.
O ato citatório para os procedimentos familiares (art. 695) é também criticável, pois no texto encaminhado para sanção presidencial optou-se pela manutenção da citação pessoal do réu (§ 3°) em detrimento à via postal, exigindo-se antecedência mínima de 15 dias (§ 2°) da data designada para a realização da audiência. É, certamente, uma oportunidade perdida em empregar maior celeridade na tramitação dos processos, uma vez que o grande volume de demandas, hoje existente, impossibilita que uma simples citação pessoal ocorra em prazo razoável, levando-se, em alguns casos, cerca de três ou quatro meses para distribuição do mandado para seu cumprimento.
Como a intenção do legislador foi a de incentivar a composição consensual entre as partes, há de ser entendido que a audiência de mediação e conciliação será fracionada em quantas sessões se entender por necessárias para a composição entre as partes, não incidindo a regra prevista no art. 334, § 2°, da nova Lei.
Entretanto, cabe frisar que o estímulo à solução consensual não impede a adoção de medidas jurisdicionais cabíveis para evitar o perecimento do direito.
Apenas com a impossibilidade da celebração de acordo ou, ainda, nos casos em que o réu estiver ausente, reza o art. 697 que iniciar-se-á o prazo de 15 dias para que este apresente sua contestação (art. 332) ou reconvenção (art. 343), salvo se houver eventual modificação de prazo nos termos do art. 229, todos do vindouro CPC.
A participação do Ministério Público nas ações de família está adstrita à hipótese do art. 698, em plena sintonia com os ditames gerais da atuação ministerial à luz do que dispõe o art. 178, qual seja a existência de interesses jurídicos de incapazes, devendo ser ouvido previamente à homologação de acordo.
Diferentemente do estabelecido no art. 82 do Código Buzaid, o Ministério Público não mais atuará como custos legis em ações puramente de família, como, por exemplo, nos casos das ações de divórcio, questões atinentes ao poder familiar, à tutela e à curatela, tornando-se, com o advento do novo CPC, fiscal da ordem jurídica, intervindo em feitos previstos em lei ou na Carta Constitucional.
Entretanto, assim como asseverado no CPC/73, a ausência de intervenção ministerial pública, quando assim determinado por lei, implicará invalidade absoluta do ato feito a partir do momento em que se fez necessária sua participação, conforme preconiza o art. 279 do novo CPC, excetuada a hipótese em que este entender não existir qualquer prejuízo para o feito ou para qualquer das partes (art. 279, § 2°).
Em sede jurisprudencial, nota-se que a orientação advinda do Superior Tribunal de Justiça vem corroborando este entendimento:
“(…). 1. A ausência de intimação do Ministério Público torna nulo o processo em que há prejuízo ao interesse de incapazes, tal qual se verifica na espécie. (…).” (STJ, EDcl-AgRg-AREsp 381.059, Proc. 2013/0258245-6, SP, Primeira Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 08.05.2015)
“(…). 4. É obrigatória, sob pena de nulidade, a intervenção do Ministério Público nas hipóteses do art. 82 do estatuto processual civil, nos termos dos arts. 84 e 246 do mesmo CPC. (…).” (STJ, AgRg-REsp 1.514.584, Proc. 2015/0027366-8, PE, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 02.06.2015)
Dentre as previsões da nova lei processual, ponto que ainda gera infindáveis debates gira em torno da manutenção, no texto do art. 693, do instituto jurídico da separação (judicial ou extrajudicial). Explica-se.
Após longa tramitação no Congresso Nacional, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 66, de 14 de julho de 2010, responsável por empregar nova redação ao texto do art. 226, § 6°, da CF/88, abolindo qualquer requisito prévio para o ajuizamento da ação de divórcio e sua consequente decretação.
Em sede doutrinária, parte da doutrina familiarista entende que a nova redação do artigo constitucional supramencionado não recepcionou a separação judicial ou extrajudicial, motivo pelo qual a legislação infraconstitucional, uma vez colidindo com a ordem constitucional, estaria automaticamente rechaçada do ordenamento jurídico por sua não recepção, reconhecendo o divórcio como a única forma de dissolução voluntária da família constituída pelos laços do casamento.
Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal [3] já asseverou que “(…) o conflito de norma com preceito constitucional superveniente resolve-se no campo da não recepção (…)“.
Corroborando este pensar, transcreve-se a orientação da jurisprudência:
“(…). Promulgação da Emenda Constitucional nº 66/2010, que alterou o disposto no § 6º do art. 226 da Constituição Federal. Separação litigiosa abolida do sistema jurídico pátrio (…).” (TJSP, APL 0208670-88.2010.8.26.0100, Ac. 6322833, São Paulo, Quinta Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Moreira Viegas, j. 07.11.2012, DJESP 29.11.2012)
“(…). 1. Com a vigência da Emenda Constitucional nº 66/2010, que conferiu nova redação ao § 6º do art. 226 da Constituição Federal, o instituto da separação foi abolido da ordem jurídica, sendo o divórcio a única ação para dissolução do casamento. (…).” (TJPR, Ap.Cív. 1107299-8, Campo Largo, Décima Segunda Câmara Cível, Relª Juíza Conv. Ângela Maria Machado Costa, DJPR 05.06.2014, p. 290)
“(…). 1. A separação judicial não é mais contemplada pelo ordenamento jurídico nacional, desde o advento da EC nº 66/2010, promulgada após a sentença. A extinção do instituto repercute sobre a possibilidade jurídica da demanda, alcançando as causas em andamento. (…).” (TJDF, Rec 2007.03.1.011024-8, Ac. 801.864, Quarta Turma Cível, Rel. Des. Fernando Habibe, DJDFTE 21.07.2014, p. 146)
“(…) após a vigência da Emenda Constitucional nº 66, que, na melhor interpretação, fez desaparecer a separação, ao retirar-lhe suporte constitucional. (…).” (TJSC, AC 2013.069020-1, Urussanga, Quinta Câmara de Direito Civil, Rel. Des. Henry Petry Junior, j. 19.02.2015, DJSC 03.03.2015, p. 144)
“(…). 2. A Emenda Constitucional nº 66/2010 modificou substancialmente o direito de família, sobretudo o instituto do matrimônio e sua dissolução, alterando o art. 226 da CF/88, sendo a norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata, independente de qualquer providência legislativa ulterior para se concretizar, dando ao seu § 6º a seguinte redação: ‘O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio’. 3. Nesse sentido, a discussão acerca da causa da dissolução do casamento, que anteriormente trazia distinção entre as hipóteses de separação (‘separação sanção’, ‘separação falência’ e ‘separação remédio’), também foi abandonada, tornando desnecessária a apuração de culpa de um dos cônjuges pelo fim do casamento, portanto desnecessária a produção de quaisquer provas na ação de divórcio, bastando para sua decretação a manifestação de vontade de um ou de ambos os cônjuges, demonstrada a impossibilidade de manutenção da vida em comum. (…).” (TJCE, APL 0067702-06.2009.8.06.0001, Sétima Câmara Cível, Relª Desª Helena Lúcia Soares, DJCE 08.04.2015, p. 33)
Entretanto, como bem anota Rolf Madaleno, “(…) ainda reluta algum segmento da doutrina e da jurisprudência acerca da subsistência do sistema dual de dissolução de sociedade e do vínculo conjugal pelos institutos da separação judicial e do divórcio, afirmando que a Emenda Constitucional nº 66/2010 não derrogou o instituto da separação judicial ou extrajudicial, em suas modalidades consensual e litigiosa”.
Aos que defendem a manutenção da separação, mesmo após a nova redação do art. 226, § 6º, da CF/88, não há que se falar em revogação da lei infraconstitucional, mas, sim, dos requisitos temporais exigidos para o divórcio, haja vista sua plena sintonia com a modificação trazida pela Emenda Constitucional nº 66/2010 e, ainda, por não haver qualquer incompatibilidade formal ou material.
Neste diapasão, extrai-se da jurisprudência os seguintes arestos:
“(…). 1. O § 6º do art. 226 da Constituição da República, com a redação dada pela Emenda nº 66/2010, ao dispensar o requisito de ‘prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos’ para a obtenção do divórcio, não revogou a legislação civil. 2. Regramento ordinário preservado pela nova ordem constitucional, porquanto se mantém perfeitamente compatível com a modificação feita pela Emenda nº 66. (…).” (TJMG, APCV 1.0028.11.000684-9/001, Relª Desª Áurea Brasil, j. 29.08.2013, DJEMG 04.09.2013)
“(…). A Emenda Constitucional nº 66/2010 não revogou a legislação que regula a matéria, apenas deu nova redação ao art. 226, § 6º, da Constituição Federal, tornando desnecessário o decurso do prazo para o divórcio. (…).” (TJRS, AC 0178530-94.2015.8.21.7000, Rio Pardo, Sétima Câmara Cível, Relª Desª Liselena Schifino Robles Ribeiro, j. 05.06.2015, DJERS 10.06.2015)
Ademais, fundamentam a manutenção do instituto valendo-se do Enunciado nº 514, aprovado na V Jornada de Direito Civil, cujo texto dispõe que “a Emenda Constitucional nº 66/2010 não extinguiu o instituto da separação judicial e extrajudicial” [4].
Nota-se, com isso, que a questão ainda desperta grandes conflitos doutrinários e jurisprudenciais, competindo aos tribunais superiores dirimir a questão, com vistas a consolidar o entendimento acerca da manutenção ou não da figura jurídica da separação.
Talvez pensando nisso, queremos crer, o legislador fez constar a aplicação das disposições integrantes do capítulo referente às ações de família ao instituto da separação, pois, na eventualidade de prevalência do entendimento segundo o qual a separação não foi extirpada pela nova ordem constitucional do art. 226, § 6º, a estrutura processual encontrar-se-á pronta para sua aplicação.
Registre-se: somos pelo entendimento da não recepção da separação a partir da promulgação da Emenda Constitucional nº 66/2010. Todavia, inexiste prejuízo à inserção, no texto do art. 693 do novo Código de Processo Civil, de sua submissão às regras ali contidas, bem como impossível se cogitar suposta repristinação do instituto, uma vez que a novel lei processual hierarquicamente submete-se aos comandos da Constituição Federal de 198 [5].
Isso porque o art. 2°, § 3°, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro é claro ao dispor que, “salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência“, o que nos impõe afirmar que o novo Código de Processo Civil não caminhou neste sentido.
Por fim, o legislador da vindoura lei processual manteve a intervenção do Estado-juiz para o procedimento de alteração dos regimes de bens, faculdade prevista no art. 1.639, § 2°, do atual Código Civil.
Do art. 734 e seus respectivos parágrafos, nota-se que mencionada alteração no regramento patrimonial da família (iniciada pelos laços do casamento ou pela constituição de união familiar estável) terá a participação do juiz e do Ministério Público, o que, conforme já expusemos em outra oportunidade [6], configura flagrante intervenção judiciária na autonomia privada do casal, com vistas a coibir abusos dos particulares na realização dos negócios jurídicos desta natureza.
Entendemos, todavia, que em nada acarretaria prejuízos a direitos dos interessados e de terceiros, uma vez que a novel regra processual, em seu § 2°, operaliza a divulgação alternativa da alteração, o que poderia ser diligenciada pelos tabeliões, uma vez que os efeitos da alteração do regime de bens possui efeitos ex nunc.
No mesmo sentido, o texto do Enunciado nº 113, aprovado na I Jornada de Direito Civil, já orientava os interessados ao resguardo do direito de terceiros, asseverando a “(…) perquirição de inexistência de dívida de qualquer natureza, exigida ampla publicidade“.
Percebe-se, assim, que o legislador perdeu grande oportunidade em permitir a desjudicialização deste procedimento, em total inobservância aos preceitos da autonomia privada e da não intervenção estatal nas relações patrimoniais do direito de família.
3 Os Alimentos numa Mirada Civil-Constitucional
Calcada no objetivo fundamental de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, é na relação familiar que estes objetivos têm suas primeiras demonstrações de concretude postas à prova, uma vez que a noção de núcleo familiar abdicou-se de seu caráter patrimonialista e reprodutor, abrindo-se novos horizontes.
A denominada tutela da pessoa humana ganhou na Constituição Federal de 1988 seu início, meio e fim ao ter visto, no plano constitucional, a dignidade humana alçada como fundamento republicano e, no plano infraconstitucional, as cláusulas gerais constantes da atual codificação civil como mecanismos de integração de suas necessidades.
Nesta toada, trazendo o valor máximo da dignidade humana às mais diversas formas de constituição familiar que visam, tão somente, à busca da felicidade de seus membros integrantes, necessário se faz a compreensão de que esta só será atingida em sua plenitude quando houver recursos para o desfrute de uma vida digna.
É daí que surge a figura jurídica dos alimentos como verdadeiro instrumento de operabilidade da dignidade humana e a garantia de subsistência das pessoas com o mínimo necessário para o atendimento de suas necessidades básicas.
A relação jurídica alimentar é fixada a partir de uma justa proporcionalidade das condições de vida digna do alimentante (aquele que presta os alimentos) e do alimentado (aquele que recebe os alimentos), estabelecendo-se, assim, uma adequação às exigências imprescindíveis de cada um dos integrantes desta relação.
Como decorrência lógica da dignidade humana, a Constituição Federal de 1988 asseverou, com nova redação dada pela Emenda Constitucional nº 64/2010, que os alimentos integram o rol dos direitos sociais, conforme dispõe o texto de seu art. 6º.
Desta feita, percebe-se que os alimentos retratam, hodiernamente, a proteção que o ordenamento jurídico garante a todas as pessoas, o mínimo de condições para uma vida digna e, devido a sua importância, são tidos por essenciais para sua subsistência, podendo ser conceituados como mecanismos de ordem material considerados como necessários para a sobrevivência física, moral e psíquica das pessoas.
Eduardo Espínola[7] já afirmava que os alimentos são, “(…) na linguagem jurídica, os auxílios prestados a uma pessoa, para provas às necessidades da vida“.
De acordo com Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald [8], “por óbvio, incluem nos alimentos tanto as despesas ordinárias, como os gastos com alimentação, habitação, assistência médica, vestuário, educação, cultura e lazer, quanto as despesas extraordinárias, envolvendo, por exemplo, gastos em farmácias, vestuário escolar, provisão de livros educativos. Somente não estão alcançados os gastos supérfluos ou luxuosos e aqueloutros decorrentes dos vícios pessoais.”
A fim de se atender às necessidades das pessoas, a prestação dos alimentos poderá ocorrer com o pagamento de uma quantia em dinheiro ou com a efetiva prestação de bens necessários à sobrevivência humana, como, v.g., pagamento da mensalidade escolar, plano de saúde e dentário, etc.
3.1 Dever e Obrigação Alimentar
Tomando por base o magistério de Rolf Madaleno [9], “(…) os alimentos estão relacionados com o sagrado direito à vida e representam um dever de amparo dos parentes, uns em relação aos outros, para suprir as necessidades e as adversidades da vida daqueles em situação social e econômica desfavorável“.
Por haver relação direta dos alimentos com a precípua necessidade de manutenção de condições mínimas para uma vida digna, é imperioso registrar a distinção existente entre as expressões dever alimentar e obrigação alimentar.
Entende-se por dever alimentar a relação jurídica (obrigação) pautada na reciprocidade existente entre os cônjuges, companheiros e demais parentes em linha reta ou colateral que não sejam pais e filhos, retratando a aplicação do princípio da solidariedade no âmbito das relações familiares.
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald [10] afirmam que “(…) o dever alimentício decorrente do casamento, da união estável ou dos demais vínculos parentais exige que o alimentante (o credor) demonstre, cabalmente, a sua necessidade, não havendo qualquer presunção. O interessado deve fazer prova da sua premente necessidade para que faça jus à colaboração material para a sua própria subsistência”.
Noutro plano, a obrigação alimentar é vista como a imputação dos alimentos a partir do poder familiar, sendo, por tal razão, ilimitada. É, pois, uma relação, conforme leciona Eduardo A. Zannoni[11], “(…) de natureza mera e nitidamente assistencial, que irradia do princípio da solidariedade familiar ante as contingências que podem pôr em perigo a subsistência física de um de seus membros e que impõe, circunstancial ou permanentemente, buscar os meios necessários para assegurar essa subsistência“.
A principal diferença que irradia de tais expressões diz respeito à incidência ou não de presunção quanto à necessidade daquele que receberá os alimentos: no dever alimentar se faz imprescindível a demonstração da necessidade de quem pleiteia e a capacidade daquele que os pagará, ao passo que na obrigação alimentar há incidência de presunção da necessidade dos alimentos.
O Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal de Justiça do Espírito Santo vêm apontando que:
“(…) 4. O direito discutido envolve o dever de solidariedade alimentar decorrente do parentesco (arts. 1.694 e 1.695 do Código Civil). (…).” (STJ, REsp 1.431.888/SP, Proc. 2014/0016609-5, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 29.05.2015)
“(…). I – A obrigação de alimentar assenta-se nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade familiar, ambos guarnecidos constitucionalmente, sendo certo que o arbitramento do valor dos alimentos exige a apreciação do binômio necessidade/possibilidade. (…).” (TJES, APL 0028350-10.2012.8.08.0024, Segunda Câmara Cível, Rel. Des. Namyr Carlos de Souza Filho, j. 02.12.2014, DJES 09.12.2014)
“(…) 2. A obrigação alimentar encontra fundamento nos princípios da preservação da dignidade da pessoa humana e da solidariedade familiar, com o ideal de se estabelecer valor que sirva à contribuição na manutenção do alimentando, sem impor ônus que o alimentante não possa suportar, de modo a evitar a frustração do pagamento. (…).” (TJES, APL 0012242-08.2013.8.08.0011, Quarta Câmara Cível, Rel. Des. Telemaco Antunes de Abreu Filho, j. 10.11.2014, DJES 18.11.2014)
“(…) 1. Há entendimento jurisprudencial e doutrinário no sentido de que não se exaure a obrigação alimentar mesmo após a maioridade, qual seja 18 anos de idade. Entende-se que a obrigação parental de cuidar dos filhos inclui uma adequada formação profissional ou, ainda, que sobre este incida alguma causa de incapacidade que lhe retire a possibilidade de prover seu próprio sustento. (…).” (TJES, APL 0014636-46.2013.8.08.0024, Primeira Câmara Cível, Relª Desª Janete Vargas Simões, j. 01.07.2014, DJES 11.07.2014)
“(…). 1. A obrigação alimentar não cessa, automaticamente, com a maioridade, devendo ser mantida com fundamento na relação de parentesco caso comprovada a necessidade dos alimentos e a possibilidade do alimentante. (…).” (TJES, AI 0013055-60.2013.8.08.0035, Segunda Câmara Cível, Rel. Des. Carlos Simões Fonseca, j. 09.07.2013, DJES 17.07.2013)
Nota-se, portanto, que a relação jurídica alimentar encontra nas relações de família o fato gerador para o cumprimento do dever ou da obrigação, cabendo àquele que os pleiteia a demonstração da necessidade ou do fator presunção para fazer jus ao recebimento.
3.2 A Prestação dos Alimentos e as Relações de Parentesco
A lei civil, ao estabelecer que as relações de parentesco são constituídas pelos laços biológicos, civis ou socioafetivos (art. 1.593 do CC), teve o escopo de garantir direitos e, via reflexa, atribuir obrigações àqueles que encontram-se ligados pelas linhas do parentesco, em clara atribuição decorrente da reciprocidade existente nas relações alimentares.
Pelos termos do art. 1.696 do Código Civil, “o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros“. É dizer: os alimentos hoje caminham em via de mão dupla, recaindo não apenas aos ascendentes, mas também aos descendentes, como retrato da dignidade humana e solidariedade existente nas relações familiares.
No mesmo contexto, o texto civil codificado estabelece, em seu art. 1.697, que “na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais“.
Há de serem feitas duas ponderações a respeito da obrigação alimentar: a primeira é a estabelecida entre os ascendentes e descendentes. Como cediço, a relação de parentesco aqui estabelecida é caracterizada pela ligação entre pessoas através de uma linha reta, que é infinita, ou seja, não comporta limites, à luz do que dispõe o art. 1.591 do Código Civil. Aqui, os parentes mais próximos possuem prevalência sobre os mais remotos.
Já a segunda trata da obrigação alimentar entre os parentes colaterais. A relação de parentesco que indica a ligação entre as pessoas pela linha colateral caracteriza-se pela relação que é estabelecida por pessoas que não ascendem ou descendem uma da outra. Para fins alimentícios, admite-se apenas a obrigação até os colaterais de segundo grau, ou seja, os irmãos.
Com a devida vênia, tal afirmação nos parece desarrazoada com a atual conjuntura das relações familiares. Nesta toada, diz Maria Berenice Dias[12] que “a obrigação alimentar também acompanha a ordem de vocação hereditária, ou seja, tem dever de prestar alimentos quem tem direito de receber herança. (…). Porém, não há como reconhecer direitos aos parentes e não lhes atribuir deveres. (…). Contudo, não é isso que está na lei, não havendo como prevalecer a interpretação majoritária da doutrina, que fere até mesmo elementares princípios éticos. Os graus de parentesco não devem servir só para se ficar com o bônus, sem a assunção dos ônus“.
Em sentido idêntico, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald [13] pontificam que, “com efeito, considerando que o direito sucessório permite aos colaterais até o quarto grau arrecadarem a herança deixada pelo seu parente, na ausência de outras pessoas mais próximas ligadas pelo parentesco, parece bem razoável concluir que a obrigação alimentar também deveria ser imputada ao colateral, até o quarto grau, na ausência de parentes mais próximos. É a simples manifestação do adágio que afirma quem leva o bônus tem o ônus“.
Por tais razões, nos inclinamos à afirmação segundo a qual a obrigação alimentar não está limitada aos parentes colaterais até o segundo grau, conforme dispõe o art. 1.697 do Código Civil.
4 A Ação de Alimentos
A disciplina processual dos alimentos, dada sua peculiar finalidade, recebeu, através da edição da Lei nº 5.478/68 (Lei de Alimentos), balizamento procedimental próprio, uma vez que a aplicação do rito ordinário seria pouco recomendado e eficaz, não podendo ser esquecida a figura da medida cautelar alimentar, estabelecida no Código Buzaid, nos arts. 852 a 854, bem como, mais recentemente, a regra processual dos alimentos à gestante (Lei nº 11.804/08).
Consoante magistral ensinamento de Donaldo Armelin [14], “presentes diferenciados objetivos a serem alcançados por uma prestação jurisdicional efetiva, não há porque se manter um tipo unitário desta ou dos instrumentos indispensáveis a sua corporificação. A vinculação do tipo da prestação à sua finalidade específica espelha a atendibilidade desta; a adequação do instrumento ao seu escopo potencia o seu tônus de efetividade” [15].
Dessa maneira, inegável que a ação de alimentos é verdadeiro mecanismo de prestação de tutela jurisdicional diferenciada, uma vez que a urgência na manutenção da vida humana impede que sua concessão seja pelas regras gerais do procedimento comum ordinário, caracterizando-se, portanto, uma tutela eminentemente de urgência.
Assim sendo, para o ajuizamento do pleito alimentar, deveria o alimentando apresentar requisitos específicos para se valer do rito especial da Lei de Alimentos ou rito cautelar previsto no CPC/73, reiterando-se que ambas as medidas constituem inegável tutela de urgência.
A aplicação da técnica cognitiva sumária, no âmbito processual, com vistas à concessão dos alimentos a partir de cada uma das formas previstas, impõe classificá-los em provisórios, provisionais e gravídicos, ao passo que a cognição exauriente os transformará, por sentença, em definitivos.
Em poucas linhas, é possível afirmar que os alimentos provisórios são aqueles previstos na Lei nº 5.478/68 (Lei de Alimentos), sendo necessária a apresentação de prova pré-constituída da relação alimentar [16] (art. 2°) entre alimentando (autor) e alimentante (réu), a fim de trazer ao juiz substratos mínimos para, in limine, fixar os alimentos (art. 4°, caput), levando-se em conta que, por se tratar de uma obrigação alimentar, a necessidade do alimentando é presumida, ponderando, de maneira proporcional, em conformidade com as possibilidades do alimentante.
Inexistindo prova pré-constituída, ou sendo impossível instruir a petição inicial, restaria ao alimentando o manejo de medida cautelar de alimentos provisionais, subsumindo sua pretensão aos requisitos gerais do fumus boni iuris e do periculum in mora, que, sem dúvidas, são mais brandos que os considerados essenciais para concessão de provimentos antecipatórios de mérito (art. 273 do CPC/73), quais sejam a prova inequívoca da verossimilhança das alegações e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.
Ocorre que, com a Lei nº 13.105/2015, o livro atinente ao procedimento cautelar não foi mantido, o que nos impõe concluir que, iniciada a vigência da nova lei processual, os alimentos provisionais não estarão mais presentes em nosso ordenamento como medida cautelar típica (preparatória ou incidental) e autônoma.
Isso porque, segundo Daniel Amorim Assumpção Neves[17], “a autonomia como distinção da tutela provisória de urgência antecipada (satisfativa) e cautelar (garantidora) acaba com o novo Código de Processo Civil, que passa a prever o pedido antecedente autônomo de qualquer espécie de tutela de urgência, bem como o pedido meramente incidental deverá ser feito sem a necessidade de processo autônomo, nos termos do art. 294, parágrafo único“.
Ora, se a finalidade dos alimentos fixados no início do processo é a manutenção do alimentando ao longo de sua tramitação, entendemos que o legislador de 2015 caminhou mal, pois perdeu grande oportunidade em unificar os procedimentos das ações de alimentos, sejam aqueles considerados provisórios, provisionais ou gravídicos, mantendo-se regramentos distintos para institutos que visam uma mesma finalidade: garantir o auxílio material de quem necessita dos alimentos.
O novo Código de Processo Civil cria, na verdade, clara insegurança jurídica e procedimental acerca de institutos já consagrados e pacificados pela doutrina e jurisprudência, configurando-se, pois, o risco que o novo traz quando suas implicações não são devidamente calculadas.
Em verdade, houve unificação apenas na designação dos alimentos, ante clara ampliação da antecipação das tutelas satisfativas, não se justificando, portanto, estabelecer uma designação diferenciada (provisórios e provisionais). Por esta razão, os alimentos tidos por provisionais passarão a ser considerados por provisórios, uma vez que sua concessão se dará antes da prolatação da sentença.
Como ressaltamos anteriormente, o equívoco da nova codificação processual civil dá-se pela não unificação dos procedimentos, pois àqueles pleiteados com base na Lei de Alimentos exigir-se-á o requisito da prova pré-constituída, ao passo que, na impossibilidade ou inexistência desta, serão fixados a partir do poder geral de cautela do magistrado, como determina o art. 300, caput, c/c o art. 305, parágrafo único, numa clara aplicação das regras atinentes às tutelas provisórias (urgência ou evidência).
4.1 A Execução dos Alimentos no Novo Código de Processo Civil
O novo Código de Processo Civil estabeleceu duas formas para a execução dos alimentos, a saber: i) fundadas em títulos judiciais (arts. 528 a 533) e ii) fundadas em títulos extrajudiciais (arts. 911 a 913), fazendo constar, no art. 1.072, V, a revogação dos arts. 16 a 18 da Lei nº 5.478/68 (Lei de Alimentos).
A execução dos alimentos fundada em título judicial (sentença ou decisão interlocutória) encontra, no texto processual de 2015, as técnicas do desconto em folha (arts. 529 e 912), do desconto em renda (art. 529, § 3°), constituição de capital (art. 533), expropriação (arts. 528, § 8°, e 913), pelo emprego de qualquer outro meio de indução (e coerção) ou de sub-rogação que o juiz entenda cabível (art. 139, IV) e, por fim, a prisão civil (art. 528).
Há de se observar que ao credor dos alimentos ainda continua possível a opção pelo procedimento da execução de pagamento de quantia certa (sem a possibilidade de decretação da prisão civil), sendo esta uma faculdade do exequente e, portanto, impossível de ser decretada ex officio.
Entretanto, a prática, em grande maioria das vezes, mostrou que a prisão civil (medida extrema e excepcional à execução dos alimentos) é o instrumento mais eficaz à satisfação do crédito, pois, como bem observa o professor capixaba Marcelo Abelha Rodrigues [18], “(…) decreta-se a prisão civil do devedor com o intuito de pressioná-lo a pagar, isto é, adimplir a prestação alimentícia (…)“, sem que haja qualquer conotação punitiva, sendo o devedor solto imediatamente após a realização do pagamento.
Imperioso ressaltar que a prisão civil do devedor versará sobre o não pagamento das últimas três prestações[19] (por força da atualidade da dívida), não podendo ultrapassar o prazo máximo de três meses[20], a ser cumprido em regime fechado e em separado dos demais presos, não havendo que se falar em exoneração da dívida pelo cumprimento da pena.
Entendemos que a manutenção do instituto da prisão civil em regime fechado foi acertado, uma vez que o sistema jurídico brasileiro elevou os alimentos à condição de direito fundamental (art. 6° da CF/88). Ademais, como muito bem aponta Daniel Amorim Assumpção Neves [21], “a leniência do legislador brasileiro com o devedor é uma vergonha para nosso direito. (…). A prisão civil é uma forma de execução indireta, que busca pressionar o devedor ao cumprimento da obrigação, e quanto menos severa a consequência do descumprimento da decisão judicial, menor será sua força de persuasão“.
Quanto às modalidades de execução dos alimentos a partir da coerção patrimonial, temos que o legislador perdeu grande oportunidade em simplificar o procedimento, uma vez que o desconto em folha (que não poderá ultrapassar 50{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} dos proveitos líquidos do devedor) sempre se apresentou como a forma mais comum e eficaz para a garantia do pagamento, com levantamento mensal dos valores, bastando apenas prever que o desconto em folha não teria efeito suspensivo, haja vista que o levantamento mensal dos valores será realizado independentemente do efeito concedido.
Outro ponto que merece destaque versa sobre a possibilidade de inscrição do devedor nos serviços de proteção ao crédito, conforme dispõe o art. 528, § 1°, c/c o art. 517 do novo Código de Processo Civil. A medida, é bem verdade, há muito já vinha sendo aplicada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo [22] e pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso [23], não sendo, portanto, novidade entre aqueles que atuam no direito de família.
Cremos que nenhuma outra previsão do vindouro CPC causa tantos arrepios como a regra contida no art. 533 e seus respectivos parágrafos, ao possibilitar o manejo da prisão civil decorrente dos alimentos ressarcitórios (também tidos por compensatórios ou indenizatórios), decorrente da aplicação dos arts. 948 e 949 do CC, cuja conotação é meramente reparatória, não tendo vinculação aos alimentos devidos com caráter alimentar.
A orientação da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Espírito Santo é enfática:
“(…) 2. Os alimentos compensatórios visam apenas equilibrar a relação econômica entre os ex-cônjuges, não autorizando a decretação da prisão civil prevista no art. 733 do CPC. (…).” (TJES, HC 0024107-27.2014.8.08.0000, Primeira Câmara Cível, Relª Desª Janete Vargas Simões, j. 04.11.2014, DJES 07.11.2014)
Já nos casos de execução decorrente dos títulos executivos extrajudiciais, o devedor será citado para efetuar o pagamento ou justificar sua impossibilidade, ressalvando-se que o desemprego não pode ser interpretado como justificativa para isentá-lo da prisão.
Nas execuções desta natureza, a regra será pela coerção patrimonial, tendo no desconto em folha de pagamento do devedor a medida mais eficaz, havendo, ainda, a possibilidade de caracterização do crime de desobediência nos casos de não serem prestadas as informações necessárias ou efetivados os descontos.
Aqui, ficará a encargo do credor a opção pelo procedimento que entender mais adequado, podendo-se valer da coerção pessoal (prisão civil) ou da coerção patrimonial (penhora de bens e valores), sendo certo que deverá ser expresso o requerimento para a prisão civil.
5 Conclusões
O novo Código de Processo Civil perdeu inúmeras oportunidades em sedimentar entendimentos e procedimentos, com vistas a pôr verdadeira pá de cal em futuras discussões, a fim de possibilitar uma prestação jurisdicional mais efetiva e célere.
Não tivemos a pretensão de esgotar a temática dos alimentos, mas, sim, trazer alguns reflexos sobre seu futuro viés processual. Todavia, somos partidários de que o novo Código causará, num primeiro momento, mais problemas do que soluções, haja vista que deixou muitas lacunas abertas, reavivando e criando discussões desnecessárias e infundadas.
Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero acertadamente apontam que o novo “(…) Código de Processo Civil poderia ser muito mais adequado. Ele não foi capaz nem mesmo de corrigir a principal disfunção do Código de 1973, quando, é preciso lembrar, essa foi a principal razão eleita para desculpar a sua criação. (…)” [24].
Teremos, pois, muito trabalho para sedimentar uma nova base doutrinária e jurisprudencial a fim de corrigir os problemas interpretativos que a vindoura lei trará.
Resta-nos saber quem figurará como o Espantalho, o Lenhador de Lata e o Leão Covarde, bem como o que obterão ao chegar diante do Mágico de Oz, assim como o que será da prestação jurisdicional com as novas regras processuais.
Havemos de nos preparar, e rápido, para o que estar por vir, “porque o tempo, o tempo não para“.
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[1] Cf. Novo curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. p. 173. v. II.
[2] Cf. Novo CPC: inovações, alterações e supressões comentadas. p. 379.
[3] STF, RE 387.271/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 01.02.08.
[4] Disponível em: <http://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/jornada/article/viewFile/2634/2708>.
[5] Daniel Amorim Assumpção Neves (cf. Novo CPC: inovações, alterações e supressões comentadas, cit., p. 379) é preciso ao afirmar que “a previsão procedimental contida no novo CPC não repristina a separação judicial nem confirma que ele nunca deixou o sistema jurídico brasileiro. Não é tarefa do Código de Processo Civil estabelecer se a separação sempre esteve entre nós, se foi para agora voltar ou, ainda, se se foi para sempre. As normas legais processuais se prestam exclusivamente a prever o procedimento, sendo encargo das normas legais materiais a criação, a extinção ou a modificação de direitos materiais. Cada espécie de norma tem suas funções bem definidas no sistema jurídico”. Sobre as funções da lei processual, Eduardo Arruda Alvim (cf. Direito processual civil. p. 34) pontifica que “o direito material é composto de normas que regulam as relações jurídicas entre as pessoas, enquanto o direito processual estabelece as regras que regulam uma função estatal, que é a jurisdicional; por outras palavras, o direito processual regula o exercício da função jurisdicional (do Estado)”.
[6] Vide nosso Regime de bens no casamento e na união familiar estável. p. 107.
[7] Cf. A família no direito civil brasileiro. p. 566.
[8] Cf. Curso de direito civil: famílias. p. 673.
[9] Cf. Curso de direito de família. p. 853.
[10] Cf. Curso de direito civil: famílias, cit., p. 694-695. v. 6.
[11] Cf. Derecho de família. p. 117. Tomo 1.
[12] Cf. Manual de direito das famílias, cit., p. 566/568.
[13] Cf. Curso de direito civil: famílias, cit., p. 726.
[14] Cf. Tutela jurisdicional diferenciada. p. 45.
[15] Compartilhando deste entendimento, Fernanda Tartuce (cf. Processo civil aplicado ao direito de família. p. 164) diz que “a urgência é naturalmente intrínseca aos alimentos. Nesse sentido, merece lembrança brocado latino que ressalta situação eminentemente prática inerente aos alimentos: venter non patitur dilatonionem (‘a barriga não admite demora’), de sorte que, se a prestação alimentícia não for tempestivamente fornecida, o credor de alimentos poderá perecer”.
[16] Por prova pré-constituída citamos como exemplos: i) certidão de nascimento, ii) certidão de casamento, iii) cópia de sentença que reconheceu a existência de união familiar estável e iv) documento hábil que comprove a tutela.
[17] Cf. Novo CPC: inovações, alterações e supressões comentadas, cit., p. 209-210.
[18] Cf. Manual de execução civil. p. 427.
[19] Súmula nº 309 do Superior Tribunal de Justiça: “O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo”.
[20] Nesse sentido: STJ, HC 251.773, Proc. 2012/0172693-0, PE, Quarta Turma, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, DJe 13.12.2013.
[21] Cf. Novo CPC: inovações, alterações e supressões comentadas, cit., p. 352.
[22] TJSP, AI 5844783520108260000-SP 0584478-35.2010.8.26.0000, 8ª Câmara de Direito Privado, Rel. Caetano Lagrasta, j. 27.04.2011, DJSP 03.05.2011.
[23] “(…). 1. Aquele que deixa de adimplir sua dívida de alimentos com filho impúbere se sujeita aos meios necessários de coerção para o cumprimento da obrigação. 2. A menção à ordem judicial nos cadastros restritivos de crédito resguarda o direito à intimidade e à privacidade do devedor de alimentos.” (TJMT, AI 145760/2014, Alto Araguaia, Relª Desª Maria Helena Gargaglione Povoas, j. 27.05.2015, DJMT 09.06.2015, p. 23)
[24] Cf. Novo Código de Processo Civil comentado. p. 11.