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O PROBLEMA DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO

O PROBLEMA DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO

Cássio Benvenutti de Castro

 

INTRODUÇÃO

A tomada de decisão em situação de incerteza é fenômeno corriqueiro na vida de qualquer pessoa, porque todos já vivenciaram experiências que exigiram maior ou menor cautela para a evitação do erro no momento de decidir. Seja no tráfego de automóveis, seja na escolha de um parceiro para namorar ou casar, seja na arbitragem dos jogos ou até mesmo na escolha da profissão – tudo envolve decisão, portanto, um contexto que abarca erro e acerto (limítrofes da incerteza).

A atividade fundamental do jurista é tomar decisões. O legislador, o Magistrado ou um pesquisador desenvolvem tarefas que consistem em identificar problemas e propor soluções. Se o Direito pode ser apreendido como um campo natural das decisões institucionais, o processo judiciário é o palco mais evidente dessa rotina.

O presente trabalho chama a atenção para alguns ruídos que podem ocorrer na valoração da prova – o contexto de justificação na tomada de decisão sobre a prova. O trabalho parte da identificação de fatores que dificultam o controle da valoração da prova, pois eles estão arraigados a uma superada concepção de processo civil e de teoria do Direito. Em momento derradeiro, a metodologia dialoga verticalmente por entre os dogmas do passado e o modelo probatório do presente, chamando a atenção para os compromissos do novo processo civil em relação à verdade como correspondência.

A finalidade é sistematizar cânones que veiculam uma implementação do raciocínio probatório na discussão da matéria probatória, valendo-se da própria exortação do corpo normativo do Código de Processo Civil.

 

1 PREMISSA

O juiz deve meditar com calma e com alma sobre as provas do processo, levando em conta as regras de racionalidade e sem instuicionismos tendenciosos.

Com efeito, uma maneira-de-ser diferente do objetivo das partes e dos advogados[1], tendo em vista que o Magistrado é desinteressado quanto ao objeto do processo – o compromisso do juiz é pela busca da verdade possível.

A integridade científica que se instrumentaliza para a busca pela verdade justifica os comentários sobre a epistemologia nos dias atuais. Trata-se do compartimento da filosofia que investiga a busca pelo conhecimento[2]. A expressão epistemologia jurídica, portanto, é utilizada enquanto um espectro de conhecimento “neutro”[3]  acerca dos fatos da causa, de maneira a permitir a análise do contexto da prova sem a interferência dominante de regras não epistêmicas, que também existem em qualquer ordenamento jurídico.

Isso porque a verdade dos enunciados é condição para uma decisão justa.

Videlicet, a verdade processual que se fala é a verdade por correspondência – ela se vale do probabilismo e não descarta a hipótese do erro na decisão, mas tem por “norte” a verdade dos acontecimentos no plano da vida (aproximação do direito à realidade).

A tomada de decisão sobre a prova, em termos de raciocínio probatório, abarca dois momentos: a “valoração da prova” e mais a “decisão” (que leva em conta o standard de prova). Este último momento é marcado por fatores jurídicos (carga deôntica) e não será abordado no presente ensaio[4]. O corte metodológico ora proposto separa em análise a valoração da prova judiciária – nesse sentido, serão observadas as questões, em especial, partindo-se dos problemas referentes ao “sistema do livre convencimento motivado”.

Por ocasião da literalidade do atual Código de Processo Civil, há doutrinadores[5] que defendem a superação do livre convencimento motivado. Não se chega a tanto, até porque não existe uma efetiva proposta para um “novo” sistema de valoração da prova que seja mais adequado que o presente.

O fato de o legislador ter retirado do CPC a expressão “livremente” tem simbologia, todavia, sem afastar o modelo do livre convencimento motivado:

À luz do Código de Processo Civil de 2015, fica claro que não se admite qualquer carga de irracionalidade, na motivação da decisão judicial, em relação às provas. De todo modo, essa conjuntura exige, para concretizar-se, um comprometimento político do juiz, no sentido de acomodar-se em substância, e não apenas formalmente, à exigência de que as decisões judiciais sejam racionalmente fundamentadas.[6]

A questão mais candente é “como” lidar melhor com o livre convencimento motivado, refletindo-lhe as implicações do constitucionalismo e do projeto de justiça civil emplacado no CPC de 2015.

 

2 O PRESUNTIVISMO NA VALORAÇÃO DA PROVA JUDICIÁRIA (SUPERVIVÊNCIA DOGMÁTICA)

Após internalizada a prova no processo, ela deve ser valorada pelo juiz. A dogmática aborda três “sistemas de valoração da prova”, que serão conceituados sem uma preocupação inicial em termos de história do Direito[7].

O sistema da íntima convicção não estipula controles à decisão judiciária, sendo que o julgador pode avaliar as provas sem a respectiva motivação e levando em conta fatores não presentes nos autos do processo. Ainda pode ser encontrado nas decisões do júri, tendo em vista que o jurado decide e não precisa justificar as razões de suas escolhas – apenas dizendo “sim ou não” em resposta aos quesitos para condenar alguém.

O sistema da prova legal apareceu como uma resposta do legislador à íntima convicção e representa o auge da proposta cognitivista. Verifica-se quando o próprio texto da legislação relaciona qual a prova deve prevalecer. Por exemplo, o testemunho de um nobre deveria valer mais que o testemunho de um plebeu; ou uma pessoa presa não pode prestar depoimento. Ainda há regras legais que aparentemente[8] indicam tal rigidez.

O sistema do livre convencimento motivado revela um contraponto aos demais modelos, porque o Magistrado deve justificar a tomada de decisão sobre as provas. Para tanto, o juiz deve ficar adstrito às provas do processo e se amparar em critérios de racionalidade[9] que harmonizem a valoração da prova enquanto um juízo razoável.

O livre convencimento motivado possui evidente primazia sobre os demais – está previsto no art. 371 do Código de Processo Civil. Porém, isso não evita uma série de contratempos que refletem uma espécie de tradição decorrente da praxe operativa brasileira.

1º problema: a supervivência da maneira-de-pensar positivista

O raciocínio probatório tem caráter refratário à tradição do ensino do direito probatório brasileiro, tendo em vista a dificuldade de aprisionar o “juízo de fato” à estrutura das regras legais[10]. Com efeito, o positivista pensa a partir das regras legais para o fato (rule centered), revelando-se um paradigma formalista[11].

Por esse legado, “o vício conhecido na teoria do Direito como formalismo ou conceptualismo consiste numa atitude perante as normas formuladas verbalmente que busca, após a edição da norma geral, simultaneamente disfarçar e minimizar a necessidade de escolha[12]. Isso justifica o fenômeno de os positivistas da tradição da civil law elaborarem uma dicotomia para explicar a relação entre verdade e prova. Fala-se em movimento pendular entre o modelo demonstrativo e o modelo persuasivo da prova, não havendo um umbral de tendências limítrofes no próprio interior da experiência que viabilizem pensar no “erro”, mas uma tentativa de subordinar a prova judiciária à diatribe do esquema.

O modelo demonstrativo da prova se caracteriza pela separação entre a questão-de-fato e a questão-de-direito. Consequentemente, havia uma dificuldade para aferir uma suposta “falibilidade” no ato de julgar. Alessandro Giuliani[13] identifica essa maneira de observar a prova como típica do processo moderno, um processo burocrático e assimétrico no qual um mecanismo artificioso de motivar legitimava a técnica para a construção da decisão, o que afastava o controle substancial da decisão (o controle era apenas para observar o procedimento legislado na formação da prova).

De outro lado, o modelo persuasivo da prova trabalha com o diálogo e a polaridade horizontal entre as partes[14]. Ou seja, uma proposta que subentende um processo simétrico, com o reforço do contraditório e que tem como ponto de partida as afirmações tendenciosas das partes para alcançar uma conclusão que solucione o problema colocado em juízo. O ponto de chegada da investigação não seria uma “verdade real” e infalível, mas que reflete uma reconstrução judiciária dos fatos com pretensão de relação teleológica da prova para com a verdade[15].

Se o modelo demonstrativo tomava de empréstimo uma relação conceitual entre prova e verdade, o esquema persuasivo elabora uma relação teleológica entre elas. Em termos de operação jurídica, Robert Alexy[16] assinala que a estrutura demonstrativa era meramente dedutivista; em contrapartida, a estrutura persuasiva trabalha com a ponderação do peso dos argumentos. Entretanto, ambos os modelos restam marcados pela maneira-de-pensar da norma para o fato (rule centered), característica do direito continental e que retirou, por muito tempo, a importância de uma visão mais centrada em uma racionalidade criteriosa do raciocínio probatório – retirou, inclusive, a análise do “erro” como figura de contenção na tomada de decisão.

2º problema: a jurisdição no centro da teoria do processo

A obra de Oskar Bülow (1868) elaborou os fundamentos e conferiu autonomia ao direito processual de maneira sistemática, separando-o definitivamente do direito material. Para o autor, a “relação processual” não se confunde com o direito material afirmado em juízo, tendo em vista que pode existir processo válido ainda que inexistente o direito postulado.

Essa concepção serviu de contraponto à escola anterior – que avistava um sincretismo entre Direito e processo.

Com a obra de Bülow e a autonomia do direito processual, inicia-se outra fase metodológica, o conceitualismo ou processualismo, em que predomina a técnica e a construção dogmática das bases científicas dos institutos processuais.

Lança-se a processualística à construção da nova ciência (Wach, na Alemanha; Chiovenda e Carnelutti, na Itália, para só citar alguns dos mais expressivos juristas daqueles países). A nova empresa volta-se para acentuação da separação entre direito material e processo e para construção e aperfeiçoamento conceitual do processo.[17]

O Código de Processo Civil de 1973 desenvolveu uma linguagem normativa influenciada pelo conceitualismo. Embora esse panorama tenha mérito juscientífico, houve um exagero na consideração do dualismo entre Direito e processo, com a noção do primado da técnica sobre o fundo do Direito[18]. Em outras palavras, o processo tornou-se excessivamente formalista. Merece referência a literal soberba do item “I”, alínea “5”, da Exposição de Motivos do CPC de 1973:

“Diversamente de outros ramos da ciência jurídica, que traduzem a índole do povo através de longa tradição, o processo civil deve ser dotado exclusivamente de meios racionais, tendentes a obter a atuação do Direito”.

Situação agravada com a independência funcional[19] do juiz que, inicialmente, foi observada de maneira estática – como se os poderes fossem absolutamente independentes (e não harmônicos); como se as partes fossem antípodas do Estado-juiz, não havendo dever de cooperação com o Judiciário. Com efeito, o paradigma processualista colocou a “jurisdição” no centro da teoria processual, permitindo que o juiz tomasse conta do processo de maneira acrítica. Em termos de direito probatório, houve o fenômeno do “solipsismo” ou “exagero de discrição judiciária”, na medida em que o Magistrado sequer observava as fases do procedimento probatório, antepondo a valoração ao momento da admissão da prova – o que caracteriza uma valoração prima facie, afastando o direito fundamental à prova.

Inúmeras decisões refletem esse estado da arte:

Agravo interno em agravo em recurso especial. Rescisão contratual. Restituição de valores. Indenização por danos materiais. Afastada violação ao art. 535 do CPC/1973. Prestação jurisdicional entregue. Abusividade contratual. Súmulas nºs 5 e 7/STJ. Agravo interno não provido.

Não se viabiliza o recurso especial pela indicada violação do art. 535 do CPC/1973. Isso porque, embora rejeitados os embargos de declaração, a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada.

No sistema de persuasão racional adotado pelo Código de Processo Civil de 1973, nos arts. 130 e 131, em regra, não cabe compelir o Magistrado a autorizar a produção desta ou daquela prova, se por outros meios estiver convencido da verdade dos fatos, tendo em vista que o juiz é o destinatário final da prova, a quem cabe a análise da conveniência e necessidade da sua produção (Resp 1175616/MT, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, J. 01.03.2011, DJe 04.03.2011).

A Corte local, com base nos elementos fático-probatórios e na interpretação do contrato firmado entre as partes, afastou a Corte local afastou a existência de qualquer irregularidade, concluindo que e o saque da duplicata foge ao âmbito da demanda, na medida em que não há cobrança, mas embate sobre a existência de negócio entre os litigantes de modo que, para rever esse entendimento exposto pelo Tribunal local e acolher a pretensão recursal seria imprescindível o reexame de provas e a interpretação de cláusulas contratuais, o que é defeso nesta instância especial (Súmulas nºs 5 e 7/STJ).

Agravo interno não provido. (AgInt-AREsp 1011750/SP, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJ 06.04.2017) Processual civil. Agravo em recurso especial. Plano de pecúlio/seguro de vida.

Indeferimento de prova pericial. Cerceamento de defesa inexistente. Incidência do verbete sumular nº 7 desta Corte.

Não merece reparos a decisão agravada, pois inafastável o entendimento de que o Magistrado como destinatário da prova, pode valorar a necessidade ou não de sua produção, cotejando com os dados existentes nos autos.

Agravo regimental desprovido. (AgRg-AREsp 569565/RS, 3ª T., Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJ 10.03.2015)

O importante, com a jurisdição no centro do processo, era o “convencimento” do juiz – não havendo um contrabalanço em relação ao compromisso para com a verdade como correspondência, tampouco com o princípio da comunhão das provas trazidas ao processo. Uma rotina de trabalho que predominou ao largo da vigência do Código de Processo Civil de 1973, mas que não pode vigorar no atual momento constitucional.

3º problema: o contraditório formal como relação de “ciência-participação” O princípio do contraditório efetua um verdadeiro “fecho” aos problemas que já foram enfrentados, porque a concepção outrora reinante exigia apenas a ciência das partes e a possibilidade formal de atacarem os atos processuais[20].

Nesse desenvolvimento, havia uma “garantia”, mas não um dever “proativo” do Estado-juiz para responder às questões suscitadas.

Esse fenômeno se reflete na ratificação da jurisdição no centro da teoria do processo; além disso, homologa o “solipsismo” judiciário sem um compromisso adensado pela accountability para fundamentar as decisões. Vale dizer, o contraditório formal deixava o juiz em situação de primazia e assimetria continuada em relação às partes, permitindo desvios colaterais na valoração da prova. Situações como a supervaloração de uma prova em detrimento de outras, a subvalorização de uma prova em proveito de outras, bem como a utilização desenfreada de provas atípicas que apontam para uma visão unitária do dever judiciário (weapon focus), afastando retoricamente a responsividade do juiz[21].

A problemática suscitada tem endereço dogmático: a supervivência do formalismo jurídico implica o reducionismo dos institutos do direito probatório a regras legais, deixando assentado um procedimento em fases intocáveis, porém, sem desenvolver as premissas do raciocínio probatório. A matéria do raciocínio probatório não é novidade; contudo, é necessário avistar as imposições da Constituição e do projeto de justiça civil, deixando de lado o arquétipo legicentrado e estatalista de outrora[22] – finalmente, mantendo um diálogo transdisciplinar com a epistemologia e com a abertura do sistema em direção ao processo justo.

 

3 A VALORAÇÃO DA PROVA NO CONTEXTO DA INCERTEZA (não presuntivismo)

O juiz não é o destinatário final da prova – como se ele pudesse não admitir uma prova, ao alegar que já estaria “convencido”, em uma clara mistura entre os planos da produção/admissão e da valoração da prova. O art. 77, I, do CPC implica o dever de as partes exporem os fatos em juízo conforme a verdade[23]; o dispositivo é polêmico, tendo em vista que, na prática, as partes querem vencer a demanda, para além de uma descoberta da verdade. Ocorre que a norma extraída desse texto da lei deve se conformar ao dever de cooperação das partes com o juiz (art. 6º), o que indica a produção da prova com integridade, ética e indivisibilidade ensejam.

Pensar que o “convencimento” judiciário pode abreviar a instrução reflete uma concepção formal e apoucadora do contexto de valoração da prova, que macula o direito fundamental à prova e deve ser combatido – por imperativos do constitucionalismo e do projeto de justiça civil. A questão basilar do direito probatório atual é se direcionar a uma “verdade possível” que dogmaticamente pode ser otimizada por intermédio das causas ora entabuladas.

A causa operativa: a relação entre prova e verdade O modelo demonstrativo e o modelo persuasivo de prova, em realidade, mantinham o olhar mais para a simetria ou assimetria dos sujeitos processuais (ao invés de focar na questão da ratificação dos enunciados em juízo). Assentado que o positivismo ainda subsiste em direito continental, quando a metodologia parte da “norma para o fato”, o momento pós-positivo implica outro estado de coisas – trata-se de racionalismo aplicado por intermédio de uma metódica regrada, pautada em critérios, para se chegar a uma conclusão intersubjetivamente controlável.

Os elementos do raciocínio probatório ora consistem na “hipótese, na prova e na inferência”. Por isso, diversos estudos atuais já não falam em fases de um procedimento probatório, mas, antes, refletem os contextos da instrução até a decisão. É necessário verificar que tal maneira-de-ser convive em um espectro de incerteza, na medida em que a verdade absoluta é impossível de ser captada; porém, o probabilismo lógico (relação inferencial entre proposições) ilustra a tomada de decisão sobre as provas por aproximação à verdade, então se falando em modelo subjetivo e modelo objetivo de corroboração da hipótese a ser testada.

O art. 369 do Código de Processo Civil estabelece:

Art. 369. As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.

Pelo modelo subjetivo de corroboração de hipóteses[24], basta que o juiz se repute “convencido” para que algo seja tido como provado. Em decorrência, nessa perspectiva, é impossível falar em “erro” no juízo de fato, porque ocorre um retrocesso à maneira de funcionar da jurisdição (no epicentro da teoria) sobreposta às partes. A noção de convicção fica amarrada à crença ou ao estado psicológico do juiz, o que afasta um possível controle das partes em relação à valoração da prova.

O modelo objetivo de corroboração de hipóteses reputa algo como provado quando existem elementos de juízo suficientes nesse sentido[25]. Não importa a crença ou a opinião pessoal do juiz, mas o que interessa é a existência de uma justificação válida que cognitivamente descreva o estado de coisas em discussão. Ou seja, permite-se avistar o “erro” judiciário, quando não é razoável a opção eleita pela justificação. Desloca-se o foco do “convencimento” do juiz para a relação entre as provas e as hipóteses que se pretendem provar[26]. Fácil dizer que o direito fundamental à prova consiste na linha que costura o direito material[27] (a tutela do direito) aos elementos técnicos (meio de prova) que servem para a valoração da prova:

“hipótese-meio de prova-inferência”.

A transcrição do art. 369 do Código de Processo Civil não retira em absoluto o toque pessoal de uma decisão judiciária. Porém, a norma resultante do texto deve ser entendida que, “apesar da convicção” do juiz, ele decidiu de tal maneira que os elementos de juízo sejam racionais e razoáveis para reputar “algo como provado” – a verdade por correspondência estabelece um contexto merit-based que serve de paradigma a ser alcançado.

Existe um mundo real, mas ocorre que isso nem sempre aparece no processo. De qualquer maneira, o juiz deve ter a modéstia à deferência prudencial para se valer da probabilidade como ressignificação do raciocínio que lida com as provas e com a verdade. O que se pretende é atingir mais proximamente a verdade, com base na probabilidade, contando-se com a atitude proposicional de “aceitação” do juiz (não se fala em crença ou convicção do juiz).

A causa institucional: a tutela jurisdicional no centro da teoria do processo

No atual quadrante constitucional, a tutela jurisdicional aparece como polo metodológico do processo civil e ratifica a reestruturação da relação entre a prova e a verdade. A racionalidade prática encerrada no formalismo processual assinala que a verdade regula e serve de paradigma para a decisão, desde fora do processo, pois ela serve como vértice de relevância ao processo como um todo[28].

Com efeito, a função primordial da prova é procurar determinar a verdade ou a suficiência probatória para reputar provada uma hipótese. Daí se falar em prova como argumento concreto que repercute operações dedutivas, indutivas, ponderativas ou analógicas, sobretudo porque ela empresta validade justificatória às narrativas processuais, na perspectiva de conduzir o processo em determinada solução otimamente aproximada da verdade (sopesada a perspectiva da verdade e a atitude proposicional da aceitação do juiz, ambas também podem ser encartadas no art. 369 do CPC).

A “aceitação” é uma atitude proposicional (= atividade mental) voluntária e contextualizada, algo que corrige os padrões pré-compreensivos e dogmáticos da “crença” ou da “convicção” – esse estado de coisas implicado pela tutela jurisdicional, portanto, dispensa a opinião ou a intuição particular do juiz. A “crença” é all things considered e não se modifica conforme o contexto; de outro lado, a aceitação é atitude voluntária e diretamente ligada ao contexto (refere-se ao aporte de provas concreto, não considerando “todos os elementos” que podem formar uma crença)[29].

O modelo constitucional aproxima a teoria da prova à razão prática, pois o direito fundamental à prova adensa sensivelmente a narrativa processual para harmonizar o modelo objetivo de prova enquanto ancoragem[30] do discurso jurídico.

Definitivamente, ao invés de se falar em modelo demonstrativo ou persuasivo, uma metodologia sincrética do diálogo assume força normativa com pretensão de correção material (justiça substancial), de maneira que as provas amealhadas em sentido amplo são verticalizadas no alvitre de uma decisão justa, cujo contexto poderia ser aceitável por outro juiz ou outro tribunal que examine a prova, considerando a noção de justiça inserida no fluxo decisório.

O contexto probatório é premissa objetiva que não deve ser subordinada aos vacilos psicológicos ou intuitivos de qualquer operador. Pelo contrário, ela vincula sensivelmente uma pauta de controle intersubjetivo que aparelha a decisão e pode ser escrutinada pelas partes. Em consequência, a completude na produção da prova é matéria que repercute a dinâmica do direito fundamental – o contexto é fenômeno aberto que varia em tempo e lugar, portanto, o operador do Direito deve estar atento à corroboração objetiva do arsenal probatório e tendo em vista o substrato do direito material (a natureza da causa em demanda define o standard de prova para reputar algo como suficiente provado).

A causa metodológica: o contraditório material

Para a valoração da prova, o terceiro imparcial se garante pelo esforço argumentativo das partes, que será a base para se construir a decisão expressa pela fundamentação. A fundamentação das decisões, por sua vez, é indissociável, do contraditório, é a fiscalização das partes para se alcançar uma decisão racional, não permitindo que seja ela ato isolado do juiz, fruto da sua subjetividade. Pela ampla argumentação, tem-se o direito à prova e assistência de advogado. É uma garantia das partes para que se possa ter o tempo processual apto para reconstruir o caso concreto e discutir quais normas jurídicas serão adequadas[31].

A participação efetiva dos atores processuais substancializa a previsibilidade na tomada de escolhas – ressaltando o direito de influência e o direito de não surpresa às partes. Ravi Peixoto assinala que a consideração de que uma hipótese fática está provada deixa de depender primordialmente do juiz, sendo independente de sua convicção, passando a ser determinada a partir do diálogo processual exercido por todos os sujeitos processuais, mediante a comparação das hipóteses fáticas e as provas disponíveis.

A hipótese considerada provada depende de ter sido submetida à verificabilidade e à refutabilidade[32].

O risco da falibilidade humana, ao proferir o juízo de fato, considerado o caráter constitutivo do contraditório e a hierarquia constitucional da tutela jurisdicional, reflete uma maior força indicativa de que, ainda que se considere que a prova também se presta a chegar a uma conclusão “apesar do convencimento” do juiz (art. 369), o referencial da verdade admite identificar a prática de erros de julgamento. Afinal, o Estado Constitucional subentende um aparato de forças conviventes em que ninguém apreende a totalidade do mundo real – nem mesmo o juiz (muito menos o juiz, tendo em vista as narrativas tendenciosas que o influenciam).

As partes devem cooperar com o juízo, superando a clássica figura estática do ônus de provar, para propulsionar o dever de comprovar (colaborar não somente com o juízo, mas com a justiça e com a segurança jurídica).

A consequência natural do contraditório material é a responsividade do juiz, ora prevista no art. 489, § 1º, do Código de Processo Civil:

Art. 489. São elementos essenciais da sentença:

1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

A racionalidade da apreciação do contexto probatório implica um contemporâneo “quase dever”[33] de provar com vistas ao critério de comprehensivenes e de completeness – pelo qual as provas que aparelham uma narratividade devem ser completas, íntegras e indivisíveis, na medida em que o ordenamento jurídico adjudica o compromisso da boa-fé. De sua parte, o juiz tem a evidence responsive, na medida em que deve responder a todos os argumentos suscitados pelas partes[34].

É notório que o “juiz não é o único destinatário da prova”. No Estado Constitucional, com a tutela jurisdicional no núcleo da teoria do processo, os movimentos dos atores processuais servem ao debate do caso concreto e, também, para extrair sentido do ordenamento jurídico. Logo, não pode haver uma individualização demasiada ou egoística do modelo probatório.

Isso tudo revela a evolução para uma teoria cética moderada de interpretar as coisas do processo, sobretudo firmando uma ponte entre hermenêutica e raciocínio lógico-argumentativo, que assinala a distinção entre “texto de lei e norma” e afirma o aparente isolamento entre o contexto de admissão da prova e o contexto da valoração da prova.

O julgador ocupa papel decisivo no fenômeno probatório. Aliás, sobre isso, mantém-se a ideia do que já se denominou de ativismo probatório equilibrado, compreendido, objetivamente, pelos poderes instrutórios do julgador, de modo calibrado, no sentido de que seja proativo na busca da verdade, sem, porém, invadir o papel das partes, aquilatando a cooperação no processo, que tem como norte a realização de justiça.

Júlio Cesar Lanes e Fabrício Costa Pozatti[35] ressaltam que “não há como se admitir a valoração antecipada da prova. Juízo de admissibilidade e juízo de valoração da prova não se confundem”.

O Enunciado nº 50 do FPPC (Fórum Permanente de Processualistas Civis) assinala:

Os destinatários da prova são aqueles que dela poderão fazer uso, sejam juízes, partes ou demais interessados, não sendo a única função influir eficazmente na convicção do juiz.

A proposição é decorrente da força do processo justo e do direito fundamental à prova, que são adensados pelo art. 378 do Código de Processo Civil (“ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade”).

Os arts. 31 a 33 da Lei nº 8.906/1994 remetem para o Código de Ética e Disciplina da OAB, que especifica:

Art. 2º O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce.

Parágrafo único. São deveres do advogado:

[…]

VIII – abster-se de:

a) utilizar de influência indevida, em seu benefício ou do cliente;

b) patrocinar interesses ligados a outras atividades estranhas à advocacia, em que também atue;

c) vincular o seu nome a empreendimentos de cunho manifestamente duvidoso;

d) emprestar concurso aos que atentem contra a ética, a moral, a honestidade e a dignidade da pessoa humana;

Art. 6º É defeso ao advogado expor os fatos em Juízo falseando deliberadamente a verdade ou estribando-se na má-fé.

O contraditório[36] eleva epistemicamente a prova, porque legitima a conclusão do Estado-juiz por meio do contato equilibrado entre as partes. Susan Haack[37] pontua que as provas indicam “how comprehensive the evidence is (analogue: how much of the crossword has been completed)”, porque faz menção ao conjunto probatório como um “mosaico” ou “palavras cruzadas”, onde cada lacuna deve corroborar a outra. O papel do contraditório material é preencher tal espaço de valoração da prova por intermédio do “grau de inclusão”, ou seja, a prova de suficiência que visa a conferir adicional vigor às provas já elencadas.

 

CONCLUSÃO

O problema do livre convencimento motivado não está na literalidade do Código de Processo Civil. A questão peremptória é “como” atribuir funcionalidade ao art. 371 do CPC, na medida em que a decisão deve ser justificada por critérios racionais e “apesar” do convencimento do juiz – no caso, a aceitação é uma atividade mental voluntária e que leva em conta o contexto material juntado no processo, o que permite elaborar a transição dos tipos e da tipicidade positivista para o regramento metódico-estruturante do raciocínio probatório contemporâneo (conferindo sentido ao art. 369 do CPC). Considera-se, assim, que o direito fundamental à prova é uma linha que costura o direito material às técnicas processuais que abarcam os meios de prova e atribuem uma nova responsabilidade e responsividade ao Magistrado.

 

REFERÊNCIAS

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[1] Os advogados e as partes estão mais preocupados com as “narrativas boas” que levem à procedência da demanda. De outro lado, o juiz é comprometido com a “narrativa verdadeira” (TARUFFO, Michele. Uma simples verdade (O juiz e a reconstrução dos fatos). Trad. Vitor de Paula Ramos. São Paulo: Marcial Pons, 2012. p. 88 e 89).

[2] BACHELARD, Gaston. A epistemologia. Trad. Fátima Lourenço Godinho e Mário Carmino Oliveira. Lisboa: Edições 70, original francês de 1971, p. 33-35

[3] VÁZQUEZ, Carmen. A modo de presentación. In: VÁZQUEZ, Carmen (Ed.). Estándares de prueba y prueba científica (Ensayos de epistemologia jurídica). Madrid: Marcial Pons, 2013. p. 13.

[4] O que ora importa é a pontuação de problemas referentes à valoração da prova. Embora a “valoração” e os “standards” sejam conceitos alinhados a uma pretensão de correção técnica em continuidade, conforme a dogmática, necessário assinalar que, em Filosofia e em teoria do Direito, o conceito e a aplicação dos institutos se autorreferenciam, sendo quase impossível separar, em absoluto, conceito, função política e elementos da metodologia que fornecem os subsídios para a ratificação das escolhas do padrão de standard.

[5] STRECK, Lenio Luiz. Contra claro texto expresso do CPC, STJ reafirma o livre convencimento. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-set-26/senso-incomumclaro-texto-cpc-stj-reafirma-livre-convencimento. Acesso em: 16 ago. 2021.

[6] MEDINA, José Miguel Garcia. Código de Processo Civil comentado. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020. p. 679.

[7] Por uma abordagem histórica, ver POZZA, Pedro Luiz. Sistemas de apreciação da prova.

In: KNIJNIK, Danilo. Prova judiciária (Estudos sobre o novo direito probatório). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 219 e ss. As ordálias não são relacionadas neste item, porque se entende não efetuar uma valoração da prova, mas um método de resolução de conflitos com base em crenças culturais

[8] O ordenamento jurídico prevê algumas restrições à prova testemunhal. Chama a atenção o caráter aparentemente subsidiário que o legislador estabelece, ao dispor que, quando houver confissão ou prova pericial, a prova testemunhal pode ser indeferida (art. 443).

[9] O racionalismo não possui cunho metafísico ou iluminista, que falava conhecimento pela razão, mas agora vai entendido como um progredir metódico norteado por critérios e regras.

Ver CORDEIRO, Antônio Menezes. Introdução à edição portuguesa de pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. In: CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989. p. XXXII.

[10] KNIJNIK, Danilo. A prova nos juízos cível, penal e tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

[11] Michele Taruffo assinala que o sistema de civil law pode ser definido como “fechado” em termos de direito probatório. Em primeiro lugar, porque se entende que todos os fenômenos probatórios estão encerrados em normas; em segundo lugar, porque existe uma tipicidade quase exaustiva no tocante aos meios de prova; em consequência, a disciplina judiciária da prova passa a ser reputada como um certame autossuficiente e autônomo em relação a qualquer outro setor da experiência – razão pela qual os positivistas jamais falavam em epistemologia (TARUFFO, Michele. Verdade e processo. In: TARUFFO, Michele. Processo civil comparado: ensaios. Trad. Daniel Mitidiero. São Paulo: Marcial Pons, 2013. p. 50 e 51)

[12] HART, H. L. A. O conceito de Direito. Trad. Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: Martins Fontes, 2012. p. 168.

[13] GIULIANI, Alessandro. Prova (Prova in generale). Enciclopedia del Diritto. Milano: Giuffrè, v. XXXVII, p. 526.

[14] GIULIANI, Alessandro. Op. cit., p. 527. O autor elabora o exercício pendular entre o modelo demonstrativo e o modelo persuasivo, bastante aplicável na visualização clássica da instituição judiciária e seus atores. Mesmo exercício de correlação entre modelos, mas com outro campo de visão, que abarca tendências governamentais mais amplas, utilizada por DAMAŠKA, Mirjan. Las caras de la justicia y el poder del estado. Santiago: Editorial Jurídica de Chile, 2000, passim.

[15] KNIJNIK, Danilo. A prova… Op. cit., p. 12/3.

[16] ALEXY, Robert. Dois ou três? In: ALEXY, Robert. Teoria discursiva do Direito. Trad.

Alexandre Travessoni Gomes Trivisonno. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,

  1. p. 225. A analogia não aparece sozinha, pois ela está necessariamente conectada a ponderações que trafegam por entre os limites da indução e da dedução.

[17] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil (Proposta de um formalismo-valorativo). 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 19.

[18] CASTRO, Cássio Benvenutti de. Ação anulatória (Art. 966, § 4º, CPC). Salvador: JusPodivm, 2019. p. 39 e 40.

[19] A autonomia funcional, administrativa e financeira do Judiciário é matéria constitucional.

A questão é a “maneira-de-ver” essa impostação – não de uma maneira estática e absenteísta, mas por intermédio de uma metodologia harmonizante que pondere os demais fundamentos alegados pelos atores da operação judiciária.

[20] OLIANI, José Alexandre Manzano. O contraditório no NCPC. In: ALVIM, Teresa Arruda (Coord.). CPC em foco (Temas essenciais e sua receptividade dois anos de vigência do novo CPC). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 43 e 44.

[21] A subvaloração, a supervaloração e o abuso de discrição são espécies de valoração implícita da prova. “A valoração implícita da prova também pode se dar quando há uma valoração unilateral da prova pelo decision-maker. Pela (nociva) prática, o juiz justifica seu convencimento sobre os fatos fazendo referência somente aos elementos de prova que sustentam sua conclusão, sem trazer qualquer noção a respeito de outros elementos de prova que poderiam contrastar a decisão por ele assumida. Em outros termos, ocorre valoração implícita também quando só são analisadas provas que justifiquem o entendimento adotado, o que implica uma fundamentação incompleta da decisão, à qual faltará a dimensão crítica e dialética natural do próprio ato de valorar os elementos de prova trazido por cada uma das partes opostas” (AUILO, Rafael Stefanini. A valoração judicial da prova no Direito brasileiro. Salvador: JusPodivm, 2021. p. 69).

[22] CASTRO, Cássio Benvenutti de. Ônus da prova (Função e natureza jurídica). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018, nota do autor. Sobre a superação do Estado de direito legislativo pelo Estado Constitucional e a pulverização do legicentrismo, ver ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil (Ley, derechos, justicia). Trad. Marina Gascón. Madrid: Editorial Trotta, p. 33 e ss.

[23] “É verdade que um dever absoluto de dizer a verdade poderia produzir resultados danosos, já que parece necessária a configuração de derrogações, exceções e limitações na aplicação concreta desse dever. Todavia, mesmo as atenuações práticas de tal dever não são outra coisa senão a confirmação de sua existência, ou seja, a necessidade de que qualquer sistema ético inclua o dever de verdade entre os seus valores fundamentais. Seria, por outro lado, inconcebível (e, igualmente, inaceitável) um sistema <moral> que não distinguisse a verdade da mentira, ou mesmo que legitimasse expressamente a falsidade, fazendo, assim, da mentira e do engano as regras fundamentais de comportamento para aqueles que adotassem essa peculiar espécie de moral.” (TARUFFO, Michele. Uma simples verdade (O juiz e a reconstrução dos fatos). Trad. Vitor de Paula Ramos. São Paulo: Marcial Pons, 2012. p. 116. O correlato dever da parte autora se reflete no ônus da impugnação específica dos fatos, em contestação (art. 341 do CPC))

[24] AUILO, Rafael S. Op. cit., p. 107 e ss.

[25] BELTRÁN, Jordi Ferrer. Prova e verdade no Direito. Trad. Vitor de Paula Ramos. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 36 e 37. O grau de exigência probatória depende fundamentalmente do acervo objetivo, deslocando-se o foco “do convencimento para os fatores empíricos” (BELTRÁN, Jordi Ferrer. Prueba sin convicción (Estándares de prueba y debido processo). Madrid: Marcial Pons, 2021. p. 38 e 39).

[26] PEIXOTO, Ravi. Standards probatórios no direito processual brasileiro. Salvador: JusPodivm, 2021. p. 39.

[27] CASTRO, Cássio Benvenutti de. Standards de prova – Na perspectiva da tutela do Direito.

Londrina: Thoth, 2021, passim. Versão comercial da tese de doutoramento defendida

perante a UFRGS, em 2020.

[28] TARUFFO, Michele. Verità e probatilità nella prova dei fatti. Revista de Processo, a. 32, n. 154, p. 214, dez. 2007.

[29] BELTRÁN, Jordi Ferrer. Prova e verdade… Op. cit., p. 103. Quando se fala que “o cliente sempre tem razão” – em direito do consumidor –, se isso for levado por uma “crença”, trata- -se de pré-compreensão absoluta que não admite a figura do erro ou dos particularismos do caso concreto; em sentido diverso, se tal máxima for entendida como uma “aceitação”, trata-se de estado mental voluntário, contextual e provisório que pode ser modificado a depender das circunstâncias de tempo e lugar, ainda mais considerando os elementos de prova juntados no processo.

[30] Neil MacCormick ressalta que as narrativas não ficcionais devem ser, de algum modo, ancoradas na realidade. A prova efetua essa ligação entre a realidade e a narrativa. Ver MACCORMICK, Neil. Narrativas jurídicas. In: MACCORMICK, Neil. Retórica e o estado de Direito. Trad. Conrado Hübner Mendes e Marcos Paulo Veríssimo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 295.

[31] TEODORO, Warlen Soares; MIGUEL JR., Waldir. O processo constitucional democrático e a condução da prova pelo juiz na busca da verdade real. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, a. 9, n. 9/10, jan./dez. 2011. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 197.

[32] Standards… Op. cit., p. 44.

[33] A doutrina de vanguarda defende a evolução do ônus para o dever de provar, alinhando a perspectiva subjetiva dos sujeitos parciais a uma colaboração de integridade da prova. Se o processo é campo de estratégia, isso não pode ser levado ao extremo de cobrar responsividade (inteireza na motivação) do juiz, no caso de furtividade das partes na tarefa de apresentação das provas relevantes aos fatores determinantes da contenda. Ver Uma simples verdade… Op. cit., p. 165-6. Também verificar PUGLIESE, William. Precedentes… Op. cit., p. 43 e ss.

[34] “As decisões judiciais devem levar em consideração tudo o que foi alegado pelos procuradores das partes, seja para acolher um argumento e mudar de opinião, seja para demonstrar a razão pelas quais um fundamento não foi acolhido.” (PUGLIESE, William. Precedentes e a civil law brasileira (Interpretação e aplicação do novo Código de Processo Civil). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 43)

[35]LANES, Júlio Cesar Goulart; POZATTI, Fabrício Costa. O juiz como único destinatário da prova (?). In: ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel (Coord.); DOTTI, Rogéria (Org.). O processo civil entre a técnica processual e a tutela dos direitos (Estudos em homenagem a Luiz Guilherme Marinoni). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 503/4. Os autores transcrevem recentes julgados do STJ que consideram o juiz como destinatário da prova – contrariando o que a doutrina, unanimemente, tem defendido nos tempos atuais.

[36] A ausência de contraditório motivou a inadmissibilidade de diversas provas atípicas, de maneira a se afastar uma decisão “surpresa”. Contudo, não se fala em ausência, mas em mitigação temporária do contraditório, que posteriormente é integralizado e mantém a legitimidade da prova e da consequente decisão. (TARUFFO, Michele. Il diritto alla prova nel processo civile. Rivista di Diritto Processuale, Padova: Cedam, v. XXXIX, p. 101-3)

[37] HAACK, Susan. Epistemology and the law of evidence: problems and project. In: HAACK, Susan. Evidence matters – Science, proof, and truth in the law. New York: Cambridge University Press, 2014. p. 14.