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O “PRAZO EM DOBRO” NO NOVO CPC – INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 229 DO NCPC

O “PRAZO DOBRADO” NO NOVO CPC (INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 229 DO NCPC)

Daniel Ustárroz

Um dos temas que mais atrai a atenção dos advogados é a contagem dos prazos e, em especial, a incidência do benefício popularmente conhecido como “prazo em dobro”. A matéria já estava presente no Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973), no art. 191, o qual dispunha: “Quando os litisconsortes tiverem diferentes procuradores, ser-lhes-ão contados em dobro os prazos para contestar, para recorrer e, de modo geral, para falar nos autos“.

O novo Código de Processo Civil (NCPC) inovou acerca do tema, o qual ora vem regulado no art. 229 com a seguinte redação:

Os litisconsortes que tiverem diferentes procuradores, de escritórios de advocacia distintos, terão prazos contados em dobro para todas as suas manifestações, em qualquer juízo ou tribunal, independentemente de requerimento.

§ 1º Cessa a contagem do prazo em dobro se, havendo apenas 2 (dois) réus, é oferecida defesa por apenas um deles.

§ 2º Não se aplica o disposto no caput aos processos em autos eletrônicos.

Já se vê que o pressuposto genérico para a aplicação da norma é a diversidade de advogados em atuação a favor dos litisconsortes. Daí o reconhecimento, pelas Cortes, de que “é inaplicável a prerrogativa do prazo dobrado, advinda do art. 229 da nova legislação processual, quando, a despeito do litisconsórcio passivo, os réus são representados pelos mesmos procuradores[1].

O benefício tem ampla aplicação e sempre gerou discussões.

Inicialmente, deve ser destacado que, como regra, os prazos de contestação, quando houver litisconsórcio passivo, serão dobrados, salvo quando o mesmo procurador represente ambas as partes ou quando ambos os procuradores atuem na mesma sociedade de advogados. Com efeito, não é razoável exigir que o jurisdicionado conte com a revelia alheia, a qual ocorre apenas excepcionalmente na vida judiciária.

Nessa linha, a jurisprudência historicamente sublinha que, “em caso de litisconsórcio entre dois corréus, o prazo deverá ser contado em dobro, mesmo que um deles seja revel, deixando de apresentar contestação[2]. Todavia, enquanto o réu revel não constituir procurador, deixará de incidir o art. 229, após o oferecimento da contestação, na linha do parágrafo primeiro deste dispositivo [3]. Quanto ao ponto, aparentemente, o NCPC acolheu a orientação jurisprudencial pré-existente.

Em relação às peculiaridades do procedimento instituído pelo art. 229, assinalam os Professores Rodrigo Mazzei e Tiago Figueiredo Gonçalves que o prazo em dobro deve ser observado independentemente de requerimento de um dos litisconsortes, afastando, com isso, a possibilidade de interpretação que condicione a contagem em dobro à postulação prévia de um dos interessados. Por outro lado, cria a exceção para a regra da contagem em dobro dos prazos, afastando sua incidência das hipóteses em que os procuradores distintos são vinculados a um mesmo escritório de advocacia. Supera, com isso, interpretação que o STJ de há muito vem dando ao texto do art. 191 do CPC/1973 em vigor, no sentido de aplicá-lo de forma irrestrita, ainda que os procuradores diferentes atuem pelo mesmo escritório, na medida em que a redação atualmente em vigor não faz a distinção, pelo que não seria dado ao intérprete fazê-lo. [4]

No âmbito recursal, há questões problemáticas. Um exemplo é o debate quanto à sua incidência quando apenas um litisconsorte possui interesse recursal. Incidirá no caso o dispositivo ou o prazo será simples? A resposta passa pela análise dos hipotéticos efeitos da decisão e do interesse para dela recorrer. Se ela atingir ambos os litisconsortes, deve ser consagrado o prazo dobrado, ainda que apenas um deles venha a efetivamente impugná-la. Esta é a conclusão da jurisprudência majoritária [5]. Entretanto, quando o interesse é de apenas uma das partes, não há sentido em se admitir a duplicação.

A este respeito, foi editado o Enunciado nº 641 da súmula do Supremo Tribunal Federal, que limita o aproveitamento do prazo em dobro às situações nas quais a decisão haja trazido sucumbência a todos os litisconsortes, pois “não se conta em dobro o prazo para recorrer, quando só um dos litisconsortes haja sucumbido“.

Outra inovação a respeito do tema encontra-se no § 2º do art. 229. O artigo afasta a incidência do prazo dobrado aos processos eletrônicos, porquanto as partes possuem plenas condições de acessar os autos e defender os seus direitos. Lamenta-se, contudo, que o desconhecimento desta inovação venha ocasionando o não conhecimento dos recursos interpostos [6]. Na prática, a aplicação do direito é prejudicada pela ignorância da nova redação legal.

De outra banda, consolida-se a tendência visualizada no Superior Tribunal de Justiça, no sentido de se restringir o benefício legal com a entrada em vigor do novo Código [7]. Na medida em que o processo eletrônico vem sendo implementado por todos os Estados e por todas as regiões da Federação, a tendência manifesta é que o dito “prazo em dobro” seja afastado da cena judiciária e se torne um mero dado histórico. É sabido que, em grande parte dos Tribunais, o índice de digitalização dos processos está próximo a 100{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}. Logo, o espaço para a aplicação do art. 229 vem sendo reduzido.

Por fim, registre-se, na nossa visão, a incompatibilidade deste benefício com o rito do Juizado Especial Cível, uma vez que ofenderia alguns dos princípios da lei de regência, especialmente o da celeridade, da economia processual e, antes de tudo, da duração razoável do processo. Inaplicável, portanto, o prazo dobrado no Juizado Especial, quer estadual, quer federal, em nome da sistematização do ordenamento e da realização de outras garantias, como dito [8][9].

Em face dessas pontuais alterações, é recomendável extrema cautela na utilização do prazo em dobro, porquanto é observada, como já referido, uma nítida tendência em direção à sua extinção na realidade do Foro.

Referências bibliográficas:

[1] TJRS, 20ª C.Cív., AI 70070481288, Des. Rel. Dilso Domingos Pereira, J. 01.08.2016.

[2] AgRg-REsp 1344103/SP, 3ª T., Rel. Min. Sidnei Beneti, J. 23.10.2012, DJe 07.11.2012; REsp 713.367/SP, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, J. 07.06.2005, DJ 27.06.2005.

[3] Nesse sentido: “AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – INTEMPESTIVIDADE – CORRÉ QUE TEVE SUA RESPONSABILIDADE AFASTADA POR SENTENÇA – ENTENDIMENTO CONFIRMADO PELO TRIBUNAL A QUO – CORRÉU REVEL – LITISCONSÓRCIO DESFEITO – ART. 191 DO CPC – INAPLICABILIDADE – RECURSO NÃO PROVIDO – 1. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento consolidado de que, quando um dos litisconsortes não recorre da decisão proferida pelo juízo originário, deixa de ser aplicável aos recursos supervenientes a regra do art. 191 do Código de Processo Civil. 2. ‘Não há incidência do prazo em dobro, previsto no art. 191 do Código de Processo Civil, na hipótese de réu revel. Precedentes’ (AgRg-AREsp 254.612/RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª T., J. 05.03.2013, DJe de 11.03.2013). 3. Na hipótese, a corré teve sua responsabilidade afastada pela sentença, entendimento que foi confirmado pelo acórdão, o qual julgou a apelação. Por sua vez, o corréu permaneceu revel durante todo o feito. 4. Assim, desfeito o litisconsórcio entre a ora agravante, a corré e o corréu antes da interposição do recurso especial, não se estende o benefício de prazo em dobro previsto no art. 191 do Código de Processo Civil. 5. Agravo regimental desprovido” (STJ, AgRg-EDcl-AREsp 619164/RS, 4ª T., Rel. Min. Raul Araújo, J. 15.10.2015, DJe 09.11.2015).

[4] GONÇALVES, Tiago Figueiredo; MAZZEI, Rodrigo. A disciplina do prazo em dobro para litisconsortes com diferentes procuradores: noções gerais e adotado CPC/2015. Revista Jurídica: órgão nacional de doutrina, jurisprudência, legislação e crítica judiciária, São Paulo, a. 63, n. 449, p. 16-17, mar. 2015.

[5] Entre farta jurisprudência: “PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO INTEMPESTIVOS – INAPLICABILIDADE DO ART. 191 DO CPC – AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO POR APENAS UM DOS LITISCON­SORTES – PRAZO SIMPLES PARA OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – DECISÃO MANTIDA – 1. A contagem do prazo em dobro prevista no art. 191 do CPC para litisconsortes que tenham procuradores diversos não se aplica quando os demais litisconsortes não têm interesse ou legitimidade para recorrer da decisão. 2. No caso, trata–se de embargos de declaração opostos à decisão que negou provimento a agravo contra despacho denegatório de recurso especial. Portanto, apenas o recorrente teria interesse e legitimidade para insurgir-se contra a inadmissão de seu recurso especial. 3. Agravo regimental a que se nega provimento” (AgRg-EDcl-Ag 1066149/SP, 4ª T., Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, J. 14.05.2013, DJe 24.05.2013). No mesmo sentido: EREsp 525.796, 2ª S., Rel. Hélio Quaglia Barbosa, DJ 19.03.2007, p. 284; AgRg-Ag 1317689/MG, 1ª T., Rel. Min. Teori Zavascki, DJe 11.10.2010.

[6] Por ilustração: “AGRAVO DE INSTRUMENTO – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – INTEMPESTIVIDADE – NÃO CONHECIMENTO – Interposto o recurso após o escoamento do prazo legal. Intempestividade proclamada. In casu, não se há falar em prazo em dobro a litisconsortes com procuradores distintos, pois tal prerrogativa não mais se estende aos processos eletrônicos. Art. 229, § 2º, do novo Código de Processo Civil. Agravo de instrumento não conhecido em decisão monocrática” (TJRS, Agravo de Instrumento nº 70070003819, 2ª C.Cív., Rel. Laura Louzada Jaccottet, Julgado em 24.06.2016).

[7] Nesse sentido: “RECURSO ESPECIAL – CIVIL – PROCESSUAL CIVIL – ART. 191 DO CPC – PRAZO EM DOBRO – APLICAÇÃO AO PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO – OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE – NECESSIDADE DE ALTERAÇÃO LEGISLATIVA – INAPLICABILIDADE PREVISTA APENAS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – 1. Trata-se de embargos monitórios, opostos por devedores solidários representados por diferentes advogados, que não foram conhecidos sob o fundamento da intempestividade, haja vista os autos tramitarem eletronicamente. 2. Em respeito ao princípio da legalidade e à legítima expectativa gerada pelo texto normativo vigente, enquanto não houver alteração legal, aplica-se aos processos eletrônicos o disposto no art. 191 do CPC. 3. O novo Código de Processo Civil, atento à necessidade de alteração legislativa, no parágrafo único do art. 229, ressalva a aplicação do prazo em dobro no processo eletrônico. 4. A inaplicabilidade do prazo em dobro para litisconsortes representados por diferentes procuradores em processo digital somente ocorrerá a partir da vigência do novo Código de Processo Civil. 5. Recurso especial provido” (STJ, REsp 1488590/PR, 3ª T., Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, J. 14.04.2015, DJe 23.04.2015).

[8] No XXI Encontro/ES, o Fórum Nacional dos Juizados Especiais (Fonaje) editou o Entendimento nº 123: “O art. 191 do CPC não se aplica aos processos cíveis que tramitam perante o Juizado Especial”.

[9] Nesse sentido: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – RECEBIMENTO COMO AGRAVO INTERNO – PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE – DECISÃO MONOCRÁTICA – PROCES­SO CIVIL – INTERPOSIÇÃO INTEMPESTIVA DE EMBARGOS DECLARATÓRIOS – AUSÊNCIA DE SUSPENSÃO DO PRAZO PROCESSUAL – DECÊNDIO RECURSAL IMPLEMENTADO – LITISCONSORTE QUE NÃO ESTABELECE, NO RITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS, PRAZO EM DOBRO – INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO INOMINADO MANEJADO – MANIFESTA INADMISSIBILIDADE DA IMPUGNAÇÃO RECURSAL – RECURSO NÃO PROVIDO” (TJRS, Embargos de Declaração nº 7100-

-4368502, 3ª Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Rel. Carlos Eduardo Richinitti, Julgado em 25.04.2013); “RECURSO INOMINADO – PROCESSUAL – REPARAÇÃO DE DANOS – CIENTIFICADAS AS PARTES DA DATA DA PUBLICAÇÃO, O RECURSO FOI INTERPOSTO DEPOIS DE FINDO O DECÊNDIO LEGAL – AINDA QUE HAJA PROCURADORES DISTINTOS, NÃO SE OBSERVA O PRAZO EM DOBRO NO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS – COMPROVAÇÃO DO PREPARO EFETUADA APÓS O DECURSO DO PRAZO DE 48 HORAS – RECURSO NÃO CONHECIDO PORQUE INTEMPESTIVO E DESERTO” (TJRS, Recurso Cível nº 71004344669, 2ª Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Rel. Roberto Behrensdorf Gomes da Silva, Julgado em 10.04.2013).