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O PÊNDULO FUNCIONAL DA VERDADE E SEUS EFEITOS DOGMÁTICOS NO CONCEITO DA PROVA

O PÊNDULO FUNCIONAL DA VERDADE E SEUS EFEITOS DOGMÁTICOS NO CONCEITO DA PROVA

Cássio Benvenutti de Castro

SUMÁRIO: Introdução; 1 O pêndulo entre a verdade e a prova na experiência jurídica: dicotomia e reflexos dogmáticos; 1.1 O modelo persuasivo de prova; 1.2 O modelo demonstrativo de prova; 1.3 Segue: uma apertada síntese comparativa; 2 O perfil dogmático da prova; 3 O conceito de prova; 4 A multifuncionalidade da prova; 5 Objeto da prova; 6 O direito fundamental à prova; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

Fato e norma” ou “fato e direito” são aspectos que dificilmente podem ser dissociados. Eles caminham juntos para o acertamento da decisão judicial. Essa constatação prática não causa espécie, embora demonstre a importância da questão de fato, em processo civil.

Em realidade, o processo mais demorado (ou o mais difícil: hard case) é aquele que envolve uma questão de fato. Além da inerente complexidade do fato a ser analisado, o problema é que o fato é refratário a um controle totalmente normativo, e, ainda, na atualidade, a velocidade das informações transforma qualquer leigo em potencial julgador que manuseiam redes sociais e, desgraçadamente, impulsionam um fenômeno curioso – a pressão social, a cultura inexperta do leigo, ou fatores políticos (ainda mais, em civilizações em crise) acabam significativamente invadindo a inteligência dos operadores do Direito. Em matéria do juízo de fato, todos acabam juízes.

O Direito é um campo fértil da decisão[1]. Falando-se em normas, em interpretação, ou em decisão propriamente dita, parece que tudo converge para a tomada de uma posição – para a escolha de alternativas racionais. Com efeito, se o Direito é o contexto para a tomada de uma decisão, é natural que o processo civil seja a plataforma onde essa operação jurídica aparece com um vigor ainda mais estruturante.

O processo está verticalizado para uma decisão – e nessa decisão, em processo justo, são discutidas e resolvidas tanto questões tendencialmente jurídicas quanto as questões tendencialmente de fato, implicadas por diversos valores que convivem em solução de reciprocidade, em especial o valor da verdade[2].

Evidente que a decisão sobre uma questão de fato possui um certo caráter subjetivista. Porém, como se não bastasse a dose de desinteresse dogmático somada à pressão popular que tal peculiaridade assume, outros dois problemas encerram o perfil da decisão sobre a questão de fato, em processo civil.

O primeiro problema é macroestruturante, porque não meramente jurídico, daí não será abordado, nessas tênues linhas sobre o problema da decisão sobre a questão de fato enquanto um sistema de valoração. O direito probatório, na operação institucional contemporânea, engatinha nesse terceiro milênio: (a) a internet sucumbiu com as relações espaço-temporais; (b) a comunicação se tornou instantânea e, ainda, ela é mais abreviada que falada; (c) em decorrência, o registro público é para finalidades residuais, porque uma chancela mais burocrática que abalizadora de relações cuja publicização seja nota de validade; (d) o comportamento da parte é moeda de troca da credibilidade das decisões, como elemento internou ou internalizável ao processo; (e) as provas atípicas tomaram conta do cenário, porque as relações sociais estão deveras mais dinamizadas, mais ágeis, e os velhos mecanismos de prova já não acompanham o registro meramente pretérito dos dramas sociais.

Isso é notório, mas parece que o processo e, sobretudo, a decisão sobre a questão de fato ainda estão embasados por orientações travadas em disputas dicotômicas, por vezes, mais conceituais que pragmáticas (verdade e prova), como se o resultado do processo justo calculasse ferramentas incomunicáveis oriundas de um cientificismo que deixou de resolver as contendas da atualidade. Incrível que, apesar da liquefação das relações sociais, ainda existam julgamentos que reputem um “indício” como algo palpável estático.

O novo processo civil (e criminal) reclama mais assertividade: em matéria de provas, isso significa que a decisão deve ter calma, porém também deve ter alma, porque apresentar uma clareza e uma objetividade que reflitam o atendimento obrigatório a três critérios estruturantes – aproximação do direito à realidade, clareza conceitual e atenção à finalidade do direito e do processo.

Do contrário, o processo pode quedar em indesejável retrocesso.

A teoria da ciência (classe filosófica subdividida em lógica “regras do pensamento” e teoria do conhecimento “gnosiologia“) deixa evidente o caráter transcendente da verdade. A verdade está “lá fora da decisão“, está “lá fora da prova“, embora credor do ceticismo, inegável que o processo, na prática da decisão, é tendente a uma reaproximação da dogmática ao mundo da vida. Que seja uma reaproximação crítica, repleta de valores conviventes em profusão, que seja uma reaproximação prática, que pondere os demais valores que se autoimplicam no processo justo.

De qualquer maneira, necessário considerar que a verdade é uma referência máxima, da decisão, em relação ao mundo dos fatos, é uma referência de equivalência total ao que acontece “lá fora“, porque é merit-based. Em outras palavras, a verdade se trata do standard no grau 100{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} de confirmação ao julgador. Ocorre que o juiz não é um historiador ou um cientista sem limites para a tomada de alternativas; pelo contrário, a segurança jurídica, a efetividade, a duração razoável do processo, a imparcialidade, o dever de motivação racional e outros valores basilares também encerram a decisão.

Portanto, ao invés de se trabalhar com o conceito unívoco da verdade – apesar de ela existir -, a decisão, enquanto construção cultural, está pautada por regras que conferem soluções de tendências quanto à exclusão das contradições da decisão. A decisão não precisa ser exata pelo aspecto de ser “X” ou “Y“; contudo, a decisão deve ser racional, pois percorreu um trajeto de previsibilidade e referenciais criteriosos.

Então, a questão é contemplar a verdade – o standard 100{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} – como um “valor-meio“, no processo justo. Por isso, é mais natural falar em certeza do juiz, em formação da convicção do juiz, ao proferir a decisão, na medida em que o julgador se vale de escalonamentos como a possibilidade, a verossimilhança e a probabilidade para, assim, chegar na tomada de decisão.

Essa classificação ou escalonamentos, consagrados por Calamandrei, consistem em conceitos inseridos em um arsenal de normas que refletem a experiência jurídica em condições de normalidade (regras de experiências e tendências) para a solução dos casos. Os particularismos, por suposto, estão excluídos dessa sorte de decisões que seguem tendências mais experenciadas – porque repetitivas – que técnicas. Quando a questão de fato é mais técnica, a prova é pormenorizada em articulações especialiformes (art. 375 do CPC).

O ensaio apresenta um pêndulo conceitual entre as referidas variações sobre a verdade e a técnica que permite enxergar o mundo real. Daí que se elabora uma síntese conceitual do direito probatório, o que desemboca no caráter fundamental do direito probatório, consagrado na Constituição, fatores que remontam o perfil epistêmico do problema da valoração da prova no processo civil, como um valor-meio para o acertamento de um processo justo.

1 O PÊNDULO ENTRE A VERDADE E A PROVA NA EXPERIÊNCIA JURÍDICA: DICOTOMIA E REFLEXOS DOGMÁTICOS

Independente da postura filosófica adotada (referência, coerência, regra, revelação, lógica-razoável ou utilidade), inegável que a questão da verdade se trata de um fenômeno que, no paradigma da teoria do conhecimento, possui um caráter transcendente[3] ao sujeito ou à imagem que o sujeito captura para, assim, ele transmitir aquilo que foi capturado pelo conhecimento. Ora mais tendente ao sujeito que ao objeto, ora mais tendente ao objeto que ao sujeito, por entre dogmatismo e ceticismo, a relação ou contrarrelação entre verdade e prova está postada no terreno da cultura; logo, fatores sociais, políticos, ideológicos e, inclusive, religiosos influenciam o modelo jurídico para aproximar ou distanciar um conceito do outro.

Atualmente, considerações procedimentais, e que abordam a linguagem – como fator de inter-subjetividade -, apontam para uma verdade reconstruída, como uma verdade cuja finalidade ou pragmatismo são mais importantes que a preservação epistêmica do conceito – leia-se: a verdade enquanto instituto de validade ôntica. As teorias possuem inegáveis efeitos práticos; aliás, o caráter publicístico do processo justo não permite que o processo permaneça estancado na questão do juízo de fato – existem diversos outros valores a serem tutelados. Daí se falar em teoria do agir comunicativo (Habermas), ou em jogos de linguagem (Heidegger, Wittgenstein, Gadamer) como produtos de uma racionalidade cujo conceito “guarda-chuva” da democracia e do contraditório[4] reconstrutivo até permitem mitigar o eixo de influenciação da verdade enquanto “valor-meio” do processo justo; de qualquer maneira, esse mesmo “valor-verdade” deve sempre estar presente na questão da decisão.

Nesse diapasão, a relação entre a prova e a verdade é apresentada, na teoria do processo civil, como dicotomias em modelos de precisão – fala-se em modelo[5] porque reúnem normas e institutos abertos, conceitos-tipo, que empregam um conjunto soluções alavancadas pela experiência jurídica: justamente por isso, cada um dos modelos da relação entre prova e verdade, ao largo da história, apresenta uma peculiar definição e uma peculiar funcionalidade da prova.

O que permite identificar, em alguma medida, já na leitura das normas do ordenamento, já no indicativo de determinados conceitos, a ancoragem jurídica que sufragou a disciplina normativa da matéria no texto do ordenamento jurídico. Infelizmente, as críticas parecem estagnadas na formação da prova e no alvitre da dinamização da prova, ou seja, fatores que confirmam a crítica alinhavada no presente ensaio – uma maneira de observar o processo como um sistema fechado e nada movediço.

Desde as discussões sobre a teoria da ação e sobre a teoria da jurisdição, o prodígio dos processualistas não chega a surpreender: em matéria de direito probatório, o sentido de compreender os institutos do processo continua advindo somente do processo, e voltando apenas para dentro do processo.

Um sistema que contrapõe a própria ideia de modelo – algo que reúne conceitos, encerra perspectivas paradigmáticas, mas, sobretudo, remete a implicações de abertura e mobilidade.

1.1 O modelo persuasivo de prova

O modelo persuasivo de prova remonta o processo isonômico medieval, que, por sua feita, estava organizado em uma sociedade equidistante, cujos padrões de classes sociais eram estáticos ou quase imóveis. A lembrança recorrente, daquela época, é a sociedade dividida em feudos. Daí que a religiosidade manipulava diversas manifestações e, inclusive, por intermédio da força (razão da autoridade outorgada), pautou uma história em que guerras, invasões e revanchismos consistiam em políticas de sobrevivência.

Os textos antigos polarizavam o atenção dos juristas[6], sendo que o modelo persuasivo do medievo – também denominado de modelo clássico – fixava os referenciais da ideia de justiça em valores que procuravam a manutenção do próprio estado de coisas, ou seja, a manutenção do poder dos suseranos, um poder que estava fincado na posse da terra e na autoridade sobre os vassalos.

Uma horizontalidade de relações sociais com implicações ideológicas e políticas deixa intuitivo que o modelo de prova persuasivo, o modelo clássico do medievo, seja orientado por uma racionalidade prática, por um mecanismo de disputa no qual o valor-vértice fosse a utilidade da resolução do conflito. Com efeito, se o problema social é para a manutenção da natureza das coisas, se a razão advém da autoridade, natural que o direito seria um problema que o jurista teria de resolver pragmaticamente, com a utilidade que os detentores do poder antepusessem.

Daí que a razão do consenso (note-se: não se tratava de razão x consenso), o contraditório forte servia como um método de trabalho para alcançar uma verdade possível, uma verdade contingencial, porque aceitável entre os contendores. Tal perspectiva que desencobre um raciocínio sujeito-sujeito, ou seja, um modelo tendencialmente subjetivista e pragmático, quase cético, cujo ponto de partida[7] seria uma dúvida, um fato cujo grau de erudição não permitia diferenciar entre uma questão de fato de uma questão de direito.

Em primeiro lugar, porque o interesse principal não seria impor uma razão ao oponente; antes, o interesse da disputa consistia em preservar o estado de coisas até então conquistado; em segundo lugar, porque o ponto de chegada das questões a serem decididas consistia em uma reconstrução dos valores (verticalizados à autoridade) próxima da verdade, uma verdade possível[8], nem que, para tanto, houvesse derramamento de sangue ou crendices diversas para orientar o utilitarismo vigente.

O modelo persuasivo de prova não polemiza quem tinha provas que conduzissem à verdade, ou a toda a razão; antes se predicava um atributo da vitória àquele que tem o argumento mais compreensível (verossímil, provável ou, até, um argumento do mais possível, entre os argumentos confrontados).

1.2 O modelo demonstrativo de prova

Os tempos modernos decretaram a falência do feudalismo e, por decorrência, impulsionados pela força do capitalismo e pelas necessidades expansionistas, elevou-se o Estado Nacional como autoridade superpartes para assumir o monopólio do direito. Nesse quadrante, a vontade do imperador passou a regulamentar o direito, ao invés do pragmatismo repleto de particularismos de outrora.

Ora, o imperador valia-se dos estudiosos daquela cultura, o imperador buscava compreensão nas doutrinas vigentes, o que se refletiu na adoção de mecanismos teóricos que sustentaram a ideia de precisão de justiça demonstrativa. Em realidade, o processo da idade moderna parte da separação entre a questão de fato e a questão de direito, porque o mundo deveria tentar conferir uma explicação racional aos mandos e desmandos das forças de coalizão.

Embora Deus pudesse ser a razão que fundamentasse a obediência à vontade do imperador, tal constatação deveria vigorar com tempero de rigor técnico, de contemplação objetivista, na lógica do domínio do objeto pelo sujeito. Portanto, nessa relação sujeito-objeto[9] – o baluarte do dogmatismo -, os conceitos são apanhados ou batizados pelos fatores que sustentavam a assimetria do poder, e dependiam da capacidade experimental dos técnicos que aparelhavam os detentores do poder estatal.

Nesse período, as ciências pensavam entender ou explicar todos os fenômenos (holisticamente), parecendo natural depreender que o modelo demonstrativo de prova poderia alcançar uma verdade absoluta, uma verdade total, uma indiscutível verdade cuja racionalidade rendia espaços à vontade do sujeito que detinha o conhecimento – ou à vontade que administrava o conhecimento.

O importante é perceber que fatos (mundo real) e criação ou reconstrução científica pertenciam a distantes perspectivas, depuradas entre si mesmas, daí sendo possível uma manipulação através de particularismos que, ao cabo, poderiam resultar no mesmo mecanismo feudal – a manutenção do estado de coisas, em outras palavras, a manutenção do poder nas mãos do imperador, que seria o reitor da vontade “explicada pela razão“.

Nesse confronto, o contraditório entre pastes, outrora um método de trabalho para o atingimento do consenso e para a solução dialética das questões, assume um formato de contraditório formal. A participação dos sujeitos parciais do processo seria contingencial porque, de qualquer maneira, poderia não afetar o poder (da vontade) do julgador.

1.3 Segue: uma apertada síntese comparativa

A inter-relação entre a prova e a verdade se denomina polaridade assimétrica porque reflete uma construção da experiência jurídica em maneira pendular. Quer dizer, um modelo nunca aparece como um organismo depurado, que influencia todo o certame do direito probatório. Pelo contrário, os modelos de prova figuram como um pêndulo, ora indicando influências tendentes à demonstração, ora indicando influências tendentes à persuasão.

O ordenamento jurídico reflete a pendularidade. Os conceitos e a finalidade da prova refletem tal consideração. Uma apertada síntese permite aprofundar a observação:[10]

RELAÇÃO ENTRE VERDADE X PROVA

MODELO PERSUASIVO DA PROVA

MODELO DEMONSTR

ATIVO DA PROVA

Influências sociais, ideológicos e políticas

Feudalismo, fragmentação do poder político, interesse na manutenção do estado das coisas, sendo que a autoridade advinha da posse da terra

Estado Nacional10, ambição imperialista, fatores científicos e religiosos para manter e expandir o poder embasado na vontade do imperador

O critério de legitimação

A “razão” da autoridade

A “razão” da vontade

Ponto de partida

Na incerteza da segmentação entre os feudos, as afirmações eram duvidosas. No dever de implicar a pela força expurgar as desconfianças, a explicação consistia no tecnicismo da separação da questão de fato da questão de direito Metodologia

Contraditório forte que encerra uma operação dialética onde o silogismo emprega premissas formadas por opiniões e contra opiniões.

Contraditório formal que encerra uma operação apodítica, onde o silogismo parte de um esquema dedutivo de lógica formal onde a premissa maior é um arquétipo fixo e o fato consiste na premissa menor.

A verdade

Provável, aproximativa. A verdade é meramente suficiente.

Absoluta, total. Surge a dicotomia verdade real e verdade formal

A prova

Argumento, pretensão de correção ou de validação da afirmação, com inerente conteúdo ético.

Demonstrativa, científica, empirista, com pretensão de consolidação conceitual de uma neutralidade descritiva.

Controle

Através da análise das premissas opinativas, o que remete a um esquema de mobilidade ponderativa.

Por intermédio do procedimento11, com fórmulas prontas de exclusão de provas ou de quantificação provas (resíduo do tarifamento)[11]O direito é uma operação para resolver casos concretos[12]. Logo, a dogmática do direito probatório parece se “fechar” em conceitos estanques e distantes da realidade (verdade), quando adotam abstrações mais científicas que práticas. Isso não é uma crítica ao perfil acadêmico, que tanto elabora na ciência do processo civil.

Contudo, tratar a relação entre um conceito (dogmática) e o mundo real (verdade, o “mundo lá fora“) como modelo aponta para uma diretriz filosófica comprometida com uma reforma metódica na solução dos casos concretos. Para além de funcionalizar, propondo soluções de conjunto à experiência jurídica, e de verticalizar o processo aos mais comezinhos escopos, os modelos de prova – cada qual à sua maneira – emprestam racionalidade à decisão. Sobretudo, reiteram que o direito encerra um sistema de normas, mas um sistema que atende a uma ordem cultural pré-dada e que está em diuturna construção.

O perfil dogmático da prova, no texto do ordenamento, faz conferir a pendularidade assimétrica de um para outro modelo. O importante, ainda, é perceber que a justiça do processo e da decisão não estão trancados na demonstração ou no convencimento do juiz; antes, é necessário traçar um caminho de valores[13] compatíveis que estabeleça uma adequação assertiva da prova à realidade, uma adequação assertiva, porque objetiva e dinâmica aos objetivos prementes de uma sociedade de relações liquefeitas e diuturnamente mutável.

2 O PERFIL DOGMÁTICO DA PROVA

As narrativas processuais colocam em contraposição divergentes versões sobre um determinado acontecimento. A narrativa processual conta uma história (demanda), que reúne ideias que embasam o efeito enunciado pela proposição normativa que a sufraga juridicamente: o pedido reflete o efeito jurídico da causa narrada.

A demanda, seja em petição inicial, seja em contestação, portanto, trata-se de um momento em que direito e processo se encontram, e dessa composição extraem-se as “fontes” de prova. A fonte de prova é metaprocessual, porque antecede o processo, advém desde fora do processo, e acaba se refletindo, posteriormente, como um “meio” de prova, daí já dentro do processo.

A questão não está em meramente regulamentar o procedimento padrão para organizar a formação ou as dimensões das provas, o que também é operação válida e predispõe o processo justo. No atual quadrante, ao jurista, o dilema é constatar que toda a teoria da prova não se presta para um acertamento a ser formalmente homologado pela motivação judicial, mas deve haver uma maneira de controlar a própria valoração da prova, que é efetuada pelo juiz.

No regime democrático, na abertura ou derrocada da soberania, na feição do neoinstitucionalismo, no movimento pendular entre procedimentalismo e estruturalismo, a teoria do direito se debate no problema de como propor mecanismos de controle da decisão do juiz. Porque o juiz não é o único sujeito que toca a prova; logo, ele não tem toda aquela “liberdade” para impor subjetivismos ou intuicionismos ao material coletado.

O processo encerra modelos (como acima adiantado) assim como se organiza por intermédio de sistemas. O problema é compreender o sistema abandonando a supervivência do positivismo – a verdade não consiste em um valor absoluto: ela convive com outros valores, e a valoração da prova não é matéria que convive, somente, com o referencial de confirmação da inalcançável verdade holística. Pelo contrário, a metodologia de trabalho impulsionada pelo contraditório (sentido material) resulta que a decisão é função judicial, porém está circundada de mecanismos de controle que lhe conferem a almejada racionalidade na inteligência da prova, desde a formação da prova até o derradeiro momento do julgamento da matéria sobre o fato.

A dificuldade está no compreender o reaparelhamento da valoração da prova. Ou seja, não causa surpresa falar em sistemas de valoração da prova, em motivação como legitimação do processo valorativo, se essa tal valoração da prova continuar sendo observada como um sistema de conceitos estanques e atarracados a questões meramente processuais.

Chega a valer aquela velha máxima ovidiana: “O prodígio de alguma coisa que, não tendo como substância, por ser igual a si mesma, e a todos indistintamente concedida[14], pode ser o que quiser, no processo, porque não vai causar estranheza ao processualista. Se o direito probatório – onde direito e processo estão em profundo diálogo – não for compreendido em comunhão, tudo continuará como d’antes.

Vale dizer que os conceitos ou as críticas sobre os “sistemas de valoração” da prova estão distantes da realidade da vida; sobretudo, tais conceitos acabam esquecendo os contemporâneos modelos que refletem a abertura da experiência jurídica a critérios efetivamente tendentes ao universalismo. A decisão sobre a questão de fato somente pode ser algo controlável quando se identificar, no ordenamento, um conjunto de premissas que emprestem uma justificação racional sobre as provas, mas não as provas em sua formação ou lógica axiomática – antes um conjunto de fatores que apresente como dialogam os institutos do direito probatório com o direito material.

Isso reflete o imperativo da metódica constitucional vigente[15], que, por sua vez, repercute em técnicas processuais móveis e reclama novas formas de tutela que o processo do milênio passado não estava acostumado a tratar.

O capítulo sobre o perfil dogmático da prova não é meramente descritivo, mas começa a apresentar a matéria-prima do trabalho decisório, porque o juízo de fato não se trata de uma decisão “em suspenso” – aliás, como se falava antigamente, os fautores da vetusta ordinarização dos procedimentos. A dogmática da prova reflete, desde o início do processo, um apanhado de conceitos que devem ser ponderados na aproximação do processo à necessidade do direito material, à necessidade do “mundo lá fora”.

A partir disso, com a força normativa extraída da própria narrativa processual, já se começa a esboçar o conteúdo e os limites do direito probatório no paradigma criterioso do novo processo civil – um modelo colaborativo, respaldado pela ética funcionalizada à verdade, e que repercute a diuturna implicação dos direitos fundamentais e da relativização das técnicas na busca da decisão justa.

3 O CONCEITO DE PROVA

A prova consiste no elemento material[16] (até digital) que é dirigido ao juiz da causa, para reforçar ou emprestar validade a determinada argumentação. Em geral, ela se reporta a fatos pretéritos, o que equivale aos dizeres clássicos de que a prova possui um sentido reconstrutivo porque vivificador da memória. Todavia, na atualidade, a prova também pode reproduzir algo que é temido, aquilo que não deve ou que deve acontecer, ou seja, a prova pode apontar alguma coisa como tendente, e que merece a proteção da norma (questão de tutela preventiva).

Agregado ao fator objetivo, que está implicado pelo caráter transcendente[17] da verdade como referência, não raramente, também se acrescenta o caráter subjetivo[18] da prova. Para além de um simples “instrumento” ou de um “meio” para demonstrar um fato, a prova chega a ser definida como limitador ou conteúdo da “certeza[19] do juízo sobre o fato.

Evidente que a verdade total é humanamente inatingível, então, embora se comente sobre as relações entre prova e verdade, a decisão ou a tomada de posição sobre um fato não assume o confronto entre “matérias“, mas antes elabora juízos que refletem, nos dizeres de Kant, em “assentimento” do tipo “certo” ou “incerto“. Daí que a doutrina do processo civil, inclusive os mais idealistas – porque não verofóbicos -, aceita que a decisão chega a um grau de certeza, a um grau de cognição, a um grau de convencimento, mas não a uma verdade (apesar da verdade, enquanto “mundo lá fora” existir, em termos epistêmicos).

O substrato da prova é a verdade enquanto referência standardizada (100{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} de confirmação, ou 100{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} de convencimento do juiz). A vinculação funcional entre prova e verdade são notas indiscutíveis, a verdade é um valor-meio encerrada na previsibilidade do processo justo. O problema é que um conceito de prova dificilmente pode ser estático; antes ele assume uma dinamicidade típica desse mundo liquefeito – a prova reconstrói o fato, mas de maneira jurídica, no confronto com outros valores jurídicos, que também estão em plena convivência no ambiente cultural do direito, mormente, dentro do processo.

No sentido dinâmico[20], assim, a prova é uma atividade (porque o sujeito deve provar alguma afirmação sobre o fato); a prova também é um resultado dessa atividade (porque se reputa provado, ou não, aquela narrativa); e, finalmente, a prova é uma valoração (na medida em que o julgador se vale de critérios normativos para efetuar um juízo de valor sobre os elementos sensíveis trazidos ao processo).

A prova, em termos objetivos, até pode ser um conceito estático, mas que brilha em sua respectiva matriz dinâmica. O que realmente interessa, nesse ponto, é observar os critérios para que haja um controle da operação efetuada na análise da prova, desde a formação da prova até o advento do julgamento – porque o juízo de fato não é algo que remanesce “suspenso” até a sentença; ele é um continuum, um autêntico processo probatório dentro do processo justo.

Vale dizer, o processo instrumentaliza um verdadeiro continuum da prova, daí integrando uma operação desde a formação da prova, passando pela valoração da prova, até culminar na decisão sobre a prova. Quer dizer que a prova, embora alguma definição objetiva, em termos práticos, acaba levando – ou não levando – a um assentimento (juízo, certeza), o que determina que a prova não se trata de um “ato” isolado que possa ser reputado verdadeiro ou falso[21], desde que observada a limitação epistêmica do processo enquanto inafastável realidade.

Isso quer dizer que, apesar de imanente ao processo justo, e apesar de juridicamente indispensável, porque um meio que encerra a previsibilidade das relações, a verdade se trata de uma contingência, em termos epistêmicos. A verdade deve ser perseguida, agora, na medida em que os valores processuais conflitantes – efetividade, segurança, adequação, justiça, duração razoável do processo, proporcionalidade, concretude dos fatos e realidade das partes – dialogam, a prova contextualiza o “mundo lá fora“, e, dentro do processo, esse mundo da realidade, essa verdade a ser confirmada, por correspondência, pode ficar perdida ou contingenciada nas ponderações axiológicas com os demais valores que permeiam o sistema cultural em que o direito está inserido.

Finalmente, ressalta-se que prova não é apenas subjetivismo; prova não é apenas exame de norma; e prova não é apenas tomada de decisão entre alternativas sensíveis. Pelo contrário, o processo faz a prova conviver com a verdade por intermédio de uma relação ponderativa, juntamente com outros valores, daí se falar em possibilidade, verossimilhança, em probabilidade, ou em certeza.

Ora, tais variações de conceitos jurídicos reúnem contingências de fatores cujo vértice é a verdade – o 100{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} de confirmação. Porém, esse 100{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} de confirmação, pelo fato de ser inatingível, acaba, nos sistemas vigentes, incorrendo em uma mobilidade operativa por meio da qual o raciocínio do julgador está ligado sem, aparentemente, perceber.

Quando se fala em graus de confirmação, quando se fala em certeza ou probabilidade, isso reflete mobilidade sistêmica. Contudo, parece que a supervivência da metodologia silogística e unitária do positivismo não permite, ao jurista, perceber o que ele já está fazendo na prática – abrindo o sistema do direito probatório, trazendo mobilidade entre as normas do regime jurídico desse sistema, e daí flexibilizando a tradição obsidiada pela rígida tríade código-interpretação formal-sistema fechado.

Uma tradição forjada pelo jusestatalismo, pelo legicentrismo e pela lógica do fechamento operativo dos sistemas de valoração das coisas jurídicas. A sociedade mudou, as relações estão liquefeitas, mas o julgador permanece imaginando que um fato deve ser “sotoposto” a uma norma, tal qual a velha operação exegética do texto sobre a norma.

4 A MULTIFUNCIONALIDADE DA PROVA

A dogmática do próprio CPC enuncia que uma das finalidades da prova é produzir os elementos sensíveis que estão pautados pelo objeto a ser provado. Ou seja, em primeiro lugar, a função da prova é fixar a causa que pode gerar efeitos jurídicos, é pautar os fatos do processo, desenvolvendo uma rotina procedimental da prova[22] que permita o desenlace da tomada de posição.

Uma finalidade que conecta a prova ao procedimento, aliás, a própria dinâmica da prova reproduz uma atividade.

Além da racionalidade técnica que observa normas do procedimento, enquanto uma atividade pautada por alternativas que excluem determinas espécies de provas (exclusionary rules), ou vinculam outras espécies de provas (resquício da prova legal), a função primordial da prova é influenciar no convencimento judicial. Com efeito, fala-se na prova como meio retórico ou como argumento, porque ela empresta validade às narrativas processuais, na tentativa de conduzir o processo a determinada solução. Evidente que nem sempre a decisão judicial atinge a verdade; por vezes, chega a optar por algum argumento falso, ou se deixa poluir pelo laconismo do debate encerrado no processo.

De qualquer maneira, a primordial função da prova é implicar um “embasamento concreto das proposições formuladas, de forma a convencer o juiz de sua validade, diante da sua impugnação por outro sujeito do diálogo[23]. No regime adversarial da pragmática processual, embora tenha como epicentro uma norma jurídica (civil law), fatores extra e endoproces­suais conduzem à conclusão de que tem razão quem vence (ao invés de nem sempre vencer quem tem razão). Daí se falar em sentido retórico da prova, a prova como argumento, porque “a retórica se impõe como forma de estabelecer essa linguagem entre os sujeitos do diálogo, para o fim de lograr o objetivo inicialmente concebido para a proposição (e também para a prova): o convencimento[24].

Esse tipo de reflexão explica o porquê de disparidades na jurisprudência, bem como a necessidade de medidas cassacionais ou recursais trabalharem no sentido integrativo da experiência jurídica.

Agora, além das funções (a) pontualista[25] e (b) persuasiva da prova, no contrabalanço dos valores que convivem no ambiente cultural do processo, como um preparo à decisão – o ato final do processo -, também existe a função cognitiva ou demonstrativa da prova.

Lembra-se de que convencer é implicar um juízo; logo, ainda para os maiores defensores da função epistêmica do processo, a “verdade” como demonstração é algo que empresta racionalidade à decisão. Vale dizer, embora a grande maioria das decisões não seja meramente dedutiva, o juiz não trabalha com escolhas dicotômicas; ele trabalha, geralmente, por intermédio de uma orientação demonstrativa respaldada pela racionalidade dos fatos que lhe estão apresentados[26]. Contudo, o fato não se trata de uma ilha no conhecimento judicial; para o julgador, também influenciam diversos fatores da experiência, da tradição, ou do pluralismo de valores em constelação respaldada pelo sistema jurídico.

A questão da falibilidade humana, o caráter constitutivo do contraditório, e a própria filosofia dos jogos de linguagem, sem dúvida, remetem a uma maior força indicativa de que a prova se presta a convencer o juiz. Afinal, em regimes que ainda parecem ditatoriais – somente se troca o autor dos atos despóticos -, o “saber tudo” acaba sendo um reflexo do convencimento (em todos os sentidos que a palavra pode assumir). De qualquer maneira, a própria participação dos atores processuais na formação da prova, e a inegável necessidade de uma previsibilidade (alvitre dos controles recursais), parece ratificar a função demonstrativa da prova.

5 OBJETO DA PROVA

Conforme o Código de Processo Civil, o objeto da prova são os fatos controversos, relevantes e pertinentes à demanda, à causa que está discutida no entrechoque das narrativas processuais. A própria lei dispensa a prova de fatos notórios, confessados (única prova hierarquicamente privilegiada), ou presumidos, porque tais elementos já antecipam um juízo de valoração que dispensa critérios mais complexos para que um resultado racional seja alcançado.

O CPC estabelece:

Art. 374. Não dependem de prova os fatos:

I – notórios;

II – afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária;

III – admitidos no processo como incontroversos;

IV – em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade.

O objeto da prova, portanto, resume o tema a ser provado, porque encerra a norma jurídica ou o fato jurídico que reflete o “tema probatório no sentido material[27]. Vale dizer que a normentheorie expressa a conurbação entre questão de fato + questão de direito, na medida em que se trata do círculo de pendularidade entre fato e direito que, justamente, define o que são as fontes de prova.

Aliás, a fonte de prova é um conceito metajurídico[28], porque anterior ao próprio processo. A fonte de prova, nesse sentido, preenche a causa de pedir, preenche o núcleo de substancialidade da demanda propriamente dita, por isso que é matéria que depende do princípio dispositivo no sentido material. De outro lado, diferente da fonte de prova, o meio de prova pode ser manejado pelo juiz pode ser determinado de ofício, pelo juiz, porque se trata de uma técnica ou instrumento que reproduz, já, dentro do processo, aquilo que as partes antepuseram como fatores de fonte de prova[29].

A distinção é tênue e não chega a ser salientada por toda a doutrina.

Porém, possui inegáveis efeitos práticos, inclusive, em termos de custas – quem paga a prova não é quem pede o meio de prova, antes é quem suscita, como causa de pedir (demanda), a fonte de prova que aparelha o pedido de tutela jurisdicional (inteligência sistemática do art. 88 do CPC).

6 O DIREITO FUNDAMENTAL À PROVA

O Estado Constitucional tem por fundamento a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), e tem como escopos principais a liberdade e a igualdade. Em nível institucional, ou melhor, em termos de tutela jurisdicional, a primazia desses direitos deve ser garantida por um processo justo, que subentende um modelo colaborativo (das partes para com o Judiciário), e atendida uma previsibilidade (não surpresa e garantia da influência nas decisões) na qual está inserida a questão da verdade (o grau de confirmação de 100{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} de convencimento, ou tendente e esse potencial).

A questão da previsibilidade reúne os meios para o atingimento de decisões justas: normas + fatos. Agora, a justiça do processo – enquanto uma função que implica uma estrutura coordenada (funcional-estruturalismo) – estipula que a experiência jurídica se sirva das mesmas normas para os casos análogos, e compreenda os fatos com a serenidade de que as contingências fazem repetir comportamentos parecidos em diversas situações. Se a verdade ou a totalidade é inatingível, diversos fatores pressupõem graus de uma maior precisão na tomada da decisão.

Isso remete à previsibilidade – não uma verdade absoluta como valor-meio, antes uma preocupação de entender que o juízo sobre o fato, a compreensão sobre o fato atende a diretrizes não raramente tendentes ao universal. Evidente que particularismos existem; porém, a dedução ou os axiomas positivistas também deixaram de ser as únicas diretrizes metódicas a organizarem a valoração da prova.

Um arsenal que aproxima o conceito da realidade para chegar à parcial conclusão – a funcionalização da verdade é valor encerrado no sistema constitucional.

CONCLUSÃO

O problema sobre a decisão da questão de fato no processo civil não apresenta fórmulas ou esquemas mais contábeis que jurídicos. A questão é problemática quando se ressalta a pouca produtividade ao falar em livre apreciação da prova, e remeter tudo para a motivação, se a motivação – no Brasil – acaba sendo produto de uma linha de montagem que sequer possui um padrão de qualidade na cabeça de um único juiz.

Quer dizer – um mesmo juiz está praticamente liberado para julgar de um jeito em uma semana, e mudar de entendimento em outra semana.

O mito da codificação, do jusestatalismo, do legicentrismo e do formalismo interpretativo cede espaços a um diálogo entre as fontes, cujo fundamento é a dignidade da pessoa humana, e cujos objetivos são a garantia da liberdade e da igualdade. A verdade, bom, a possível verdade, trata-se de um “valor-meio” que encerra previsibilidade à metodologia processual.

Embora contingente a uma decisão, a uma solução sobre a valoração da prova, a fixação de conceitos sobre a prova compartilha a preocupação em efetivar a tutela jurisdicional em um processo justo. Aliás, a decisão justa depende, em sua essência, da consolidação de um projeto cultural que tenha presente o papel da prova em processo civil.

REFERÊNCIAS

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[1] TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o juiz e a reconstrução dos fatos. Trad. Vitor de Paula Ramos. São Paulo: Marcial Pons, 2012. p. 223.

[2] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova e convicção. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 62.

[3] HESSEN, Johannes. Teoria do conhecimento. Trad. João Vergílio Gallerani Cuter. Revisão Sérgio Sérvulo da Cunha. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 23.

[4] O contraditório é metodologia de trabalho que impulsiona o processo justo na busca dos escopos legítimos. A cooperação judicial chega a aparelhar o contraditório, densificando uma força normativa metódica, porque somente o debate pode contrair significados que jamais estariam ao alcance do juiz. De qualquer maneira, o contraditório não possui eficácia demonstrativa, porque é conexo ao direito de defesa, através do qual as partes “postulano che legitimamente le parti perseguano con mezzi leciti e giuridicamente regolati la difesa dei propri interessi, e non si può pretendere che esse collaborino per la ricerca della c. d. verità materiale perché ciò sarebbe incompatibile con la loro naturale posizione processuale. Quando gli interessati hanno voglia di collaborare non vanno in causa, evitano l’urto tra le contrapposte pretese, oppure si accordano durante is corso del giudizio”. Portanto, o contraditório produz efeitos pré e intraprocessuais, agora, interessante que o caráter “constitutivo” ou “formador de convencimento” que ele produz não está dirigido a uma demonstração, antes é tendente ao convencimento, a prova utilizada no contraditório está para aparelhar a validade de narrativas argumentativas contrapostas, daí que a característica defensiva jamais pode ser descolada dessa metódica erística, conferindo-se, ao contraditório, a sua primeira razão de ser – vencer uma discussão. Ver MONTELEONE, Girolamo. Intorno al concetto di verità “materiale” o “oggettiva” nel processo civile. Rivista di Diritto Processuale, anno LXIV, n. 1, p. 12, gen./feb. 209.

[5] REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 169.

[6] MITIDIERO, Daniel. A lógica da prova no ordo judiciarius medieval e no processos assimétrico moderno: uma aproximação. In: KNIJNIK, Danilo (Coord.). Prova judiciária: estudos sobre o novo direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 73.

[7] KNIJNIK, Danilo. A prova nos juízos cível, penal e tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 12.

[8] “Le questioni fattuali sono d’importanza secondaria per il dialettico, in quanto non è di sua competenza la verifica empírica dei fatti.” (GIULIANI, Alessandro. b) Teoria dell’argomentazione. Enciclopedia del Diritto, XXV, 1975. p. 32)

[9] MITIDIERO, Daniel. A lógica da prova…, p. 80.

[10] “Strutture sovrane di società con forte radicamento territoriale, volte, ciascuna, a preservar la propria autonomia e ad affermare la propria influenza.” (FAZZALARI, Elio. “Mondializzazione”, politica, diritto. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, anno LIV, n. 3, p. 684, Settembre 2000.

[11] “Mais ligada ao modo de ser do que ao fim das coisas, a ciência moderna deu as costas à forma de conhecimento do senso comum, refugiando-se em um universo conceitual que se expressa por formas generalizadoras e recorre aos modelos matemáticos de descrição da realidade.” (FLACH, Daisson. A verossimilhança no processo civil: e sua aplicação prática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 21)

[12] CANARIS, Claus Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do Direito. Introdução à edição portuguesa, por Antônio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989. p. XXIV.

[13] CARRATA, Antônio. Funzione demonstrativa della prova (verità del fatto nel processo e sistema probatório). Rivista di Diritto Processuale, anno LVI, n. 1, p. 103, gen./mar. 2001.

[14] SILVA, Ovídio A. Baptista da. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p. 179.

[15] Doutrinas clássicas divulgavam um juízo sobre a prova como algo meramente cognitivo, embora houve outros valores a serem dirimidos, dentro do processo. Apesar de confirmarem a distinção entre a verdade e a prova, e ainda que salientando a importância da verdade, para alcançar um processo justo, as posições do século passado não escondem a prevalência do solipsismo, ou seja, a assimetrização da decisão sobre a prova, o que denota uma assertiva normativista, fiel à doutrina de Kelsen, onde a “norma sobre a prova”, a “linguagem típica da prova”, enfim, parece prevalecer sobre o dever subjacente da verdade – e sobre a própria visão ética do processo enquanto aparato plurivalorativo cujo nexo funcional para com a verdade remete a critérios que pautam comportamentos, não apenas cognições quase mágicas, porque promiscuídas a motivações secundárias ao próprio ato de provar. Ver CATÃO, Adrualdo de Lima. A relação entre prova processual e verdade dos fatos jurídicos diante do pensamento de Pontes de Miranda. Direitos Fundamentais e Justiça, a. 4, n. 13, p. 191, out./dez. 2010.

[16] RUBIN, Fernando. Teoria geral da prova: do conceito de prova aos modelos de constatação da verdade. Revista Dialética de Direito Processual, n. 118, p. 20, jan. 2013.

[17] KANT, Immanuel. Lógica. Trad. Arturo Morão. 1. ed. Lisboa: Edições Texto & Grafia, 2009. p. 67.

[18] THEODORO JR., Humberto. A importância da prova pericial no devido processo legal. Revista IOB de Direito Civil e Direito Processual Civil, v. 11, n. 62, p. 69, nov./dez. 2009.

[19] Na miscelânea de conceitos entre verdade x certeza, ou verossimilhança x probabilidade, quebra-se a precisão formal que advém desde a classificação kantiana. De qualquer maneira, a doutrina comenta sobre uma “reaproximação da prática”; afinal, o processo trabalha para atingir a uma decisão, e tal decisão fecha a “Gestalt” de diversos valores em ponderação – ordem axiológica móvel. Daí que o elemento “subjetivo” está sempre presente na decisão da questão de fato, chegando a se atribuir caráter refratário da prova ao controle jurídico (realismo exacerbado). Em realidade, desde a modernidade, a vontade e a razão dialogam como tendências a serem sopesadas, sendo que a operação jurídica e, sobretudo, a academia, trabalha no sentido de densificar os instrumentos de controle das percepções outrora meramente solipsistas. Ver SIMÕES, Alexandre Gazetta. A prova em sua plurissignificação e razão de existir. Revista Síntese Direito Civil e Processo Civil, v. 12, n. 76, p. 50, mar./abr. 2012.

[20] Ver CASTRO, Cássio Benvenutti de Castro. Tutela jurisdicional do consumidor: o convencimento judicial e o ônus da prova. Curitiba: Juruá, 2016. p. 21 e ss. A prova como operação dinâmica densifica a funcionalidade da prova em relação à verdade – relação teleológica -, ainda mais se considerando o conjunto de valores que convivem e se ponderam no formalismo processual até o advento da decisão. Dizer que “está provado que p” assume o caráter da prova por correspondência à verdade, o que reflete a citada questão do transcendentalismo e, ainda, que, apesar de um “ato” poder ser reputado falso, o “resultado” pode ser considerado verdadeiro. Evidente que a prova possui uma força descritiva ou até constitutiva, em termos jurídicos; agora, mais que isso, o fundamental é considerar que uma decisão sobre um fato leva em conta não somente a descrição ou empirismo, antes considera diversos valores que convivem diuturna profusão. (TUZET, Giovanni. Prova, verità e valutazione. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, anno LXVIII, p. 1519, Dicembro 2014)

[21] TUZET, Giovanni. Prova, verità e valutazione. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, anno LXVIII, p. 1523, Dicembro 2014. Embora o autor chegue a considerar a verdade como uma atribuição institucional do processo – o que reflete um processo justo -, fala-se em verdade suficiente, o que não descarta a contingência de ruídos reduzidos a determinados atos de prova. Daí que a prova enquanto operação dinâmica (atividade, resultado e valoração) vai ao encontro da contemporânea doutrina italiana que pretende fixar limites de racionalidade ao juízo sobre a questão de fato.

[22] TEIXEIRA, Wendel de Brito Lemos. A prova ilícita no processo civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2014. p. 71.

[23] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova e convicção. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 65.

[24] Idem, ibidem, p. 64.

[25] Pontualista no sentido de firmar, em termos argumentativos, a questão que está sendo colocada para ratificar a correção da narrativa. Daí que parte da doutrina chega a utilizar essa terminologia.

[26] TARUFFO, Michele. La prova dei fatti giuridici. Milano: Giuffrè, v. III, t. 2, sez. 1, p. 323, 1992.

[27] TARUFFO, Michele. Suti sulla rilevanza dela prova. Padova: Cedam, 1970. p. 35.

[28] BUCHILI, Beatriz da Consolação Mateus. Meios e fontes de prova no processo de conhecimento: prova, testemunhal, documental, pericial, atípica ou inominada. In: KNIJNIK, Danilo (Coord.). Prova judiciária: estudos sobre o novo direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 52/3.

[29] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Do formalismo no processo civil: proposta de um for­malismo-valorativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 207 e ss.