O NOVO DIREITO PROCESSUAL CIVIL ECONÔMICO
Cildo Giolo Júnior
Renato Maso Previde
SUMÁRIO: Introdução. A Ordem Econômica Constitucional e sua Fundamentação pelo Capitalismo Humanista. A Convergência do Processo Civil à Ordem Econômica. Conclusão. Bibliografia.
Introdução
Pensar o processo civil como meio instrumentalizador do direito material parece já não mais bastar ao alcance e preeminência que o direito tem se destacado perante a sociedade.
Hodiernamente há um esvair da composição de institutos que até algum tempo considerava-se como puros em suas áreas afins.
Basta trazer à baila o arquétipo representado pela dualidade entre direito público e direito privado e suas restrições conceituais impingidas aos institutos pertencentes tanto a um quanto a outro, formatando-os com a rigidez certa e determinada, pelo menos à época, dos temas que abordavam.
Esta visão estanque do direito e seus institutos não tem mais como prosperar, pois a própria urgência humana com suas elucubrações e devaneios singulares em prol do corpo social acabam por fundamentar novas composições conceituais, que alinhavadas às já existentes determinam um novo caminho que complementa a figura simplista da mera instrumentalização já citada.
Esse esvair conceitual recomposto por novos pareamentos também conceituais de outros institutos que sofreram esta transformação social gera um novo entendimento sobre aquele mesmo instituto havido da dualidade entre direito público e privado e que comprova, por intermédio desta mutação, mitigação ou ampliação conceitual, dependendo d ótica que se pretenda utilizar, que há uma singularidade no direito atual.
Todavia, está singularidade, ao contrário da constante da física, que traria o caos às leis da física, traz ao mundo jurídico, espaço-tempo atual em que vivemos uma conjuntura de novos valores, de institutos atualizados por estas recomposições, um novo significado e prospecção à multidimensionalidade dos direitos humanos, que é o que se quer abordar em relação a um direito processual visto até então como árido, simples instrumento de condução dos direitos materiais.
Este universo jurídico em expansão, dada a singularidade experimentada, representa um peculiar momento para que se avance a passos generosos à confirmação e ampliação dos direitos humanos, haja vista falar-se em relação à sua sustentabilidade planetária, por exemplo.
Portanto, o intenso que se pretende atingir é o afirmação da existência de um direito processual civil econômico voltado não apenas para a instrumentalização do direito material. Mas por sua aplicabilidade de uma forma a cumprir o exercício do direito material, quando necessário e, mais do que isso, a de cumprir sua função limitadora ou mitigadora à voracidade da aplicação do direito material sem noções humanística suficientes a proteger o indivíduo.
A tônica será o enfoque no NCPC e a singularidade a que foi exposto, rompendo como as amarras individualistas do diploma processual civil anterior ao maximizar a proteção do indivíduo e, precipuamente, da coletividade, impregnado-se das orientações constitucionais advindas do capítulo da ordem econômica do art. 170 da CF e sua diretriz do capitalismo humanista, o que se comprovará adiante.
A Ordem Econômica Constitucional e sua Fundamentação pelo Capitalismo Humanista
O art. 170 da CF que abre a ordem econômica constitucional apresenta característica especiais em relação ao seu texto, pois inclui núcleos conceituais que fazem parte do preâmbulo da Carta Magna, destacando e dirigindo o marco principiológico de forma a lhe entregar eficácia e aplicabilidade sobre o desenvolvimento da atividade econômica no país.
O disseminar das diretrizes principiológicas do preâmbulo da CF em normas constitucionais é de suma importância em decorrência do poderio econômico do capital, que sobrepuja os interesses coletivos maiores, aniquilando a evolução humana ao desrespeitar ou sequer considerar evolução dos direitos humanos, representada por sua multidimensionalidade.
Na possibilidade de iniciar uma discussão apartidária, verifica-se que o neoliberalismo, antes utilizando em nosso país como a receita certa para o desenvolvimento, vem novamente a ser utilizado, atualmente, sem o discurso de seu uso ou sua nomeação, mas sinais vêm sendo anunciados pelo Governo de que esta teoria voltará a ser aplicado, tendo em vista práticas econômicas que voltam a ser aplicadas sinalizando as mesmas diretrizes do neoliberalismo.
Não de outra forma, o próprio Fundo Monetário Internacional (FMI), grande incentivador das práticas neoliberais, conclui que a economia baseada nesta teoria foi responsável por aumentar as desigualdades sociais e gerar efeitos nocivos de longo prazo. O desastre econômico fundado na neoliberalismo foi constatado da seguinte forma: “Em vez de gerar crescimento, algumas políticas neoliberais aumentaram a desigualdade, colocando em risco uma expansão duradoura”[1].
Os economistas do Fundo Monetário Internacional expuseram como pontos determinantes para os problemas apontados, os seguintes: “a remoção de todas as restrições ao fluxo de capital e a rigidez orçamentária dos governos”[2].
A doutrina de Sayeg sobre o capitalismo humanista nos desperta a temeridade quanto à aplicação da doutrina econômica do neoliberalismo sem as amarras garantistas dos direitos humanos, enfatizando a ruína desta prática bem antes de qualquer conclusão do Fundo Monetário Internacional. Textualmente:
“Esse estado de coisas representa, sem mais nem menos, a transposição para a economia, e sob a complacência do direito, da lei biológica da seleção natural de Darwin – em que prevalecem no estado de natureza a selvageria e a desumanidade, sobrevivendo o mais apto com o descarte do inapto.
Assim a exclusão econômica, social, política e cultural, como também o esgotamento do planeta, são considerados naturais, tudo em prol da seleção natural e de um crescimento econômico onde os ricos ficam mais ricos e os pobres, mais pobres.”[3]
O estudo de Sayeg e Balera leva a esta conclusão de forma antecipada, o que representa ciência por parte do Fundo Monetário Internacional da possibilidade destas Ocorrencias e, apesar disso, a nefasta doutrina foi imposta sobre muitos países para o acesso a financiamentos do Fundo, consubstanciando em grande prejuízo a ser pago pela população no decorrer daquela geração ou até das posteriores.
Os autores ainda apontam com grande precisão que: “Melhor esclarecendo, o capitalismo neoliberal assenta-se no descaso em relação à dignidade humana e planetária, na lei da seleção natural transportada ao meio social sediada no planeta”[4].
Ademais, o neoliberalismo é instrumento de utilização pelo contraponto da coletividade, isto é, assentado em interesses individuais privilegiados, que denotam ganhos exacerbados. Não que o ganho de capital seja algo ruim, pelo contrário, mas é o poder ilimitado do ganho a qualquer custo e estruturado em privilégios pagos pela coletividade que reflete o desequilíbrio desta doutrina econômica.
Frise-se, as regras de mercado são estipuladas pelo próprio mercado, gerando um círculo vicioso de práticas de interesses individuais de pouquíssimos eleitos para ganhos perante a massa claramente hipossuficiente, frente ao poderio econômico de tais grupos.
Esse autorregramento do mercado, por intermédio da “mão invisível” de Adam Smith, que possui movimentação “natural” no intuito do laissez-faire maximizado ao ganho a qualquer custo e movimentação de valores que podem levar países a bancarrotas, reflete a dinâmica e selvageria do neoliberalismo[5].
Portanto, como iniciando no presente capítulo, o poder econômico sobrepuja os interesses coletivos maiores, aniquilando a multidimensionalidade Dops direitos humanos.
Rancière, quando nos ensina sobre O Ódio à Democracia, inicia seu livro com uma assertiva a pensar que estes poucos privilegiados alicerçam seus privilégios de forma a minimizar ou ridicularizar a importância da coletividade ao expor o seguinte:
“É óbvio que o ódio à democracia não é novidade. É tão velho quanto a democracia, e por uma razão muito simples: a própria palavra é a expressão de um ódio. Foi primeiro um insulto inventado na Grécia Antiga por aqueles que viam a ruína de toda ordem legítima no inominável governo da multidão. Continuou como sinônimo de abominação para todos os que acreditavam que o poder cabia de direito aos que a ele eram destinados por nascimento ou eleitos por suas competências. Ainda hoje é uma abominação para aqueles que fazem da lei divina revelada o único fundamento legítimo da organização das comunidades humanas (…).”[6]
Para evitar tal ocorrência, de utilização de doutrinas, seja em qual área for, em detrimento da coletividade, a Constituição Federal de 1988 conclama a utilização de uma estrutura de diretrizes e normas aptas a delimitar a mitigar os efeitos do neoliberalismo.
A redação do art. 170 da CF/88 dispõe o seguinte: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios (…)”.
O artigo em comento possui quatro núcleos conceituais: valorização do trabalho; livre iniciativa; existência digna; e justiça social. Os dois primeiros núcleos expõem que a doutrina econômica a ser seguida pelo Estado é o capitalismo, voltado ao trabalho e à livre iniciativa.
Este conjunto de conceito, analisados isoladamente, determina a existência do capitalismo liberal, em que através da livre iniciativa busca-se a maximização do trabalho para atingir a maior rentabilidade possível com a operação econômica desenvolvida.
Esta liberdade, representada pela primeira dimensão dos direitos humanos, incorre em atitudes que podem desencadear o deslocamento total da indústria para outras partes do mundo em nome do objetivo maior desta doutrina econômica: o lucro.
Não é de outra forma que a realização da globalização acabou por transferir grande parte da indústria manufatureira da América para a Ásia, principalmente em uma época que denominou-se a alguns países desta região o estigma de “Tigres Asiáticos”, constituído por Hong Kong, Coreia do Sul, Taiwam e Cingapura.
Mais tarde, a China abriu-se para a entrada de indústria ocidentais, principalmente, e alterou o eixo de desenvolvimento da Ásia.
Assim, a produção foi maximizada nos termos de que enquanto o produto era desenhado na América ou Europa, ocorria sua produção em uma região da Ásia, ocasionando uma rotação de 24 horas em uma verdadeira linha de produção sem interrupção, aliando, na grande maioria das vezes, grande produção com baixo rendimento de remuneração para os indivíduos que manufaturam esses produtos, otimizando o lucro brutalmente, em detrimento dos trabalhadores.
Daí Castanhato apontar com precisão ímpar que o capitalismo “implica duas situações negativas que não podem ser ignoradas: a exclusão social de parte significativa da humanidade e a destruição do planeta”[7].
Os outros dois núcleos conceituais do art. 170 da CF, existência digna e justiça social, vêm delimitar a forma como o capitalismo pode se expandir em nosso país.
Essa mitigação do liberalismo econômico resulta em uma nova doutrina econômica: o capitalismo humanista.
Os dois últimos núcleos aqui apontados representam o contraponto dos outros dois primeiros, de forma a capitanear o equilíbrio existencial para a continuidade da prática do capitalismo, como ocorre no caso alemão em que há um capitalismo com embasamento social.
A execração pela qual passou o termo Democracia, conforme destacado através da Rancière no início deste capítulo, é em razão de que “a realização da democracia econômica, social e cultural é uma consequência política e lógico-material do princípio democrático”[8], ou seja, são fatores mitigadores do poder econômico até então fundamentado em histórias, pode-se dizer, de verdadeira segregação, apartheid social.
Em interessante posicionamento, Canotilho trata a justiça social como justiça econômico-social, comprovando que a economia deve estar adstrita ao direito, de forma que este conforme (com o significado de forma ou amoldar) a economia dentro das exigências sociais dirigidas pela Constituição Federal.
Assim, Justiça econômico-social caracteriza-se pelo seguinte: “(…) por uma maior abertura para o ‘social concreto’, por uma maior ‘normalidade social’ desenvolvida ou implementada quer pelo Estado quer pelos cidadãos, por uma maior atenção aos vectores do ‘ambiente humano’ não estritamente reconduzíveis aos meios econômicos do social”[9].
O registro conceitual exposto acima enfoca que não apenas o Estado deve seguir as diretrizes de um desenvolvimento econômico-social, mas também a sociedade, os cidadãos, elevando a carga impositiva da justiça social a todos aqueles inseridos e utentes do próprio Estado e não apenas este como obrigado normativo-social.
A busca pela evolução da sociedade, da coletividade, por um bem comum estabelece o liame da fundamentação traçada por Rancière quando do intento do desmerecimento da democracia pela casta privilegiada[10], uma vez que “a democracia econômica e social impõe tarefas ao Estado e Justifica que elas sejam tarefas de conformação, transformação e modernização das estruturas econômicas e sociais, de forma a promover a igualdade real entre os portugueses (arts. 9º/d e 81.º/a e b)”[11] e justificaria a existência mínima proibição do retrocesso social ou da proibição de “‘contra-revolução social’ ou, ainda, da proibição da ‘evolução reaccionária’”[12].
Moncada estabelece que a democracia econômica, social e cultural altera o próprio entendimento de Estado de Direito ao expor o seguinte: “Significa isto que a materialidade da noção de Estado de Direito se alargou à esfera dos bens econômicos, sociais e culturais, no pressuposto de que as condições em que tais bens são produzidos e distribuídos pelos cidadãos têm um relevo essencial para a caracterização do Estado de Direito, agora configurado como ‘democrático’. Ao direito compete, pois, uma tarefa de promoção do desenvolvimento e de correção das desigualdades econômicas, sociais e culturais, para além de um simples papel de defesa da liberdade individual. Nos termos constitucionais a noção de Estado de Direito para além da sua vertente defensiva, de raiz liberal, comporta uma vertente positiva, claramente intervencionista que se exprime numa política econômica, social e cultural a levar a cabo pelos Poderes Públicos e que utiliza para esse fim a norma jurídica”[13].
O último núcleo do art. 170 da CF, a existência digna, possui reflexos íntimos com o princípio da dignidade da pessoa humana, sendo situação em que há escusas por mais uma vez transcrever os ensinamentos da Canotilho, mas que pelo conteúdo primoroso, forçoso fazê-lo. Textualmente:
“(…) Trata-se do princípio antrópico que acolhe a ideia pré-moderna e moderna da dignitas-hominis (Pico Della Mirandola), ou seja, do indivíduo conformador de si próprio e da sua vida segundo ou seu próprio projecto espiritual (plastes et fictor).
Perante as experiências históricas de aniquilação do ser humano (inquisição, escravatura, nazismo, stalinismo, polpotismo, gonocídios étnicos), a dignidade da pessoa humana como base da República significa, sem transcendências ou metafísicas, o reconhecimento do homo noumenon, ou seja, do indivíduo como limite e fundamento do domínio político da República. Neste sentido, a República é uma organização política que serve o homem, não é o homem que serve os aparelhos político-organizatórios. A compreensão da dignidade da pessoa humana associada à ideia de homo noumenon justificará a conformação constitucional da República Portuguesa onde é proibida a pena de morte (art. 24.º) e a prisão perpétua (art. 30.º/1). A pessoa ao serviço da qual está a República também pode cooperar na República, na medida em que a pessoa é alguém que pode assumir a condição de cidadão, ou seja, um membro normal e plenamente cooperante ao longo da sua vida.
Por último, a dignidade da pessoa humana exprime a abertura da República à ideia de comunidade constitucional inclusiva pautada pelo multiculturalismo mundividencial, religioso ou filosófico (…).”[14]
Posto isto, representada a necessidade de mitigação do poderio liberal em frente à sociedade e à existência deste instrumento na Constituição brasileira, por intermédio do capitalismo humanista e sua fundamentação no art. 170, segundo depreende-se do texto.
A explanação e a fundamentação realizada por intermédio dos mais diversos autores demonstraram que o Capitalismo Humanista é a convergência de princípios estruturados em prol da coletividade em frente ao poderio do capital sem controle e, por isso, desconectado das necessidades e funções essenciais que devem ser postas à disposição da sociedade.
Sayeg enfatiza esta proposta humanista ao ensinar o seguinte: “A fraternidade é o pilar de regência do direito econômico humano tridimensional e, por via de consequência, do capitalismo humanista, estruturado na filosofia humanista de direito econômico; fraternidade que deixa de ser vista como mera virtude moral para emergir como obrigação jurídica do Estado, da sociedade civil e dos homens livres para com todos e tudo, em especial para com os excluídos socialmente e para com o planeta. Aplicável pelo método quântico, por conta de sua incidência gravitacional tridimensional, sob a ótica do desenvolvimento, da razoabilidade e da proporcionalidade”[15].
O capitalismo humanista é a pedra fundamental para o inaugurar de um novo período em que o cidadão é chamado a participar do Estado de Direito não apenas como agente político, mas também social e econômico, usufruindo desta doutrina econômica para a elevação do ser humano para efetivamente atingir a multidimensionalidade dos direitos humanos.
A Convergência do Processo Civil à Ordem Econômica
Walmott Borges dispõe, sobre o direito econômico, que é necessária a regulação do conflito entre os agentes públicos e privados, sendo que a harmonização entre os interesses da iniciativa privada e da iniciativa pública deve buscar um objeto comum: o benefício do coletivo[16].
Nossa responsabilidade está em mostrar os caminhos ao Estado, para que se estruture em respeito à liberdade como um princípio de conduta humana para que se mantenha imaculada a pessoa, na medida em que se concilie como os interesses da coletividade[17].
Assim, através dos ensinamentos de Salomão Filho ao trazer do direito alemão a ideia de um contrato em que prepondera o denominado direito institucional, pois enfrenta-se tempos de transformação, onde a publicização do privado, iniciada há tempos, e hoje assiste-se à privatização do público[18].
A dualidade entre direito público e privado já não representa o direito posto, pois não comporta a transformação dos institutos jurídicos existentes desde os alicerces do direito privado até os novos institutos que surgiram no decorrer dos tempos, como as parcerias público-privadas e demais figuras que mesclam tanto elementos de direito privado quanto de direito público.
Não se trata da simples defesa de u direito civil constitucional, até mesmo por hoje não ter razão de existir tal expressão, tendo em vista a constitucionalização do direito, mas trata-se o presente tema de institutos que até então seguiam exclusivos de um determinado ramo do direito e, atualmente, com a transformação das relações jurídicas, já não possuem mais esta rigidez conceitual de que seriam exclusivos de determinada área do direito, de representar uma das dualidades.
Leclercq estabelece que dificilmente pode-se traçar uma divisão entre direito público e direito privado, pois isto depende da organização do Estado e, em decorrência lógica, do sistema econômico que está vinculado. Textualmente: “Portanto, há uma interpenetração entre direito público e direito privado. As fronteiras de direito público e direito privado estão longe de ser sempre claras. Não podemos dizer que o direito privado procede do direito público na medida em que o modo de organização de um Estado condiciona toda a atividade privada e a quota de atividade pública?”[19].
Desta forma, a própria designação da natureza jurídica do direito econômico não possui correspondência em uma dar áreas representadas pela arcaica dualidade representativa do direito.
O direito econômico é o ramo do direito que incorpora a dualidade, representando a zona cinzenta entre os dois ramos do direito, isto é, uma mescla do político com o privado, o que se prefere, no presente trabalho, designar de direito institucional, segundo os ensinamentos de Salomão Filhos[20].
Trazer esta discussão para o campo do direito processual civil, notadamente de direito público, importando na existência de um direito processual econômico, vem decompor, mais vez, a questão da dualidade dos ramos do direito.
Trata-se, não de abordar a existência de macro ou microconflitos, mas de expor que a Economia necessita ser regulada pelo direito, qualquer que seja seu potencial de atingir desde relações entre indivíduos ou entre empresas, seja de qual valor for: de microinteresse ou macrointeresse.
A partir desta verificação haveria a subsunção de todas as relações jurídicas econômicas à sua delimitação pelo direito, no intuito de ponderar às partes o dever essencial de que esta relação seja moldada, remoldada efetivada de acordo com o bem-estar dos envolvidos, trazendo a estes a possibilidade de elevação do espírito humano com o objetivo de desenvolvimento social e econômico.
Este ideal deve ser guiado àquelas relações, frise-se aqui, que possam ser relativas a grandes corporações, empresas e aquelas outras originadas de operações entre indivíduos, tendo em vista que, qualquer que for o caso dentre estes, necessitará haver um controle tal de combater o abuso do poder econômico e controlá-lo, pois este existe tanto nos macrointeresses quanto nos microinteresses.
Conciliar estas necessidades ao novo diploma processual civil vem a ser a exigência de suplantar a economia pelo direito, em razão de todo o exposto no início do trabalho, pois existir uma doutrina econômica que merece ser contida, sob pena de que os hipossuficientes sejam excluídos do desenvolvimento econômico e social.
Os fatores econômicos estão presentes em uma infinidade de relações jurídicas que, posteriormente, serão tratados por instrumentos existentes no NCPC, Pensar o capitalismo humanista como doutrina econômica baseada no art. 170 da CF confere o surgimento de novos tratamentos a institutos do diploma processual civil, bem como o surgimento de outros, que denotam que a ordem econômica constitucional alicerçou um diploma processual convergente com os ditames do humanismo antropofilíaco.
Pode-se afirmar como exemplos desta ocorrência a inserção nos procedimentos especiais de uma ação possessória coletiva, a exclusão da ação de depósito, a inclusão da ação de dissolução parcial de sociedade, dentre outros ganhos.
Tem-se ainda inserção de um procedimento hábil à efetivação do contraditório nos pedidos de desconsideração da personalidade jurídica, o que ocorria, até então, como verdadeiras decisões de Tribunais de Exceção, quando o julgador determinava a quebra do escudo protetor dos sócios, mediante simples petição, ausente qualquer oitava da parte interessada e sumariamente prejudicada.
Como uma das principais vertentes demonstradoras da limitação do poder econômico pelo processo civil está a inclusão de normas principiológicas que determinam a obediência, pelas partes, do exercício da boa-fé, da duração razoável do processo, do dever de cooperação entre si e ainda da previsão do art. 8º de que:
“Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, legalidade, a publicidade e a eficiência.”
Portanto, a observância, pelo NCPC, de uma série de instrumentos mitigadores do poderio econômico, leva a considerar a aplicação da doutrina econômica baseada e estruturada no capitalismo humanista, ofertando à sociedade a possibilidade de erigir rumo à multidimensionalidade dos direitos humanos, gerando reflexos no próprio diploma processual civil.
Conclusão
Ao analisar o CPC anterior, denota-se algumas características interessantes pela época em que foi concebido.
O momento do diploma anterior era atrelado a uma visão individualista do direito, em que sequer possuía a noção principiológica decorrente da CF/88, em que há a sobrepujar do coletivo sobre o indivíduo.
O novo diploma processual civil converge para as diretrizes constitucionais existentes no preâmbulo da Carta Magna e assegura a proteção da coletividade fundamentada no princípio da dignidade da pessoa humana e da justiça social.
É o primeiro CPC em que se tem grande preocupação com a coletividade, como verificado quando das ações possessórias abre-se um procedimento exclusivo para as ações possessórias coletivas ou, então, quando da análise da desconsideração da personalidade jurídica, que determina, atualmente, para a análise do pedido, o início como incidente processual, justamente para adequá-lo ao princípio constitucional do contraditório.
Estas e outras normas possibilitam afirmar que o direito econômico está presente no direito processual civil, pelo fato de que há o assegurar à coletividade um tratamento mais equânime e digno quanto a parte contrária apresenta-se como detentora do poder econômico.
Sem dúvida, há o reflexo de que esta garantia ocorre tão somente pela forma como a ordem econômica constitucional fora formatada.
Ao adotar os princípios da dignidade da pessoa humana e da justiça social no art. 170, caput, da CF, como mitigadoras de um poder maior, da liberalidade econômica, houve o bramir de que a Economia deve ser limitada pelo poderio do Estado, por sua soberania. O capitalismo humanista surge como resposta essencial para o atingimento do desenvolvimento socioeconômico dos cidadãos, da coletividade, pois, ausente essa busca, ter-se-á a parda do maior incentivo para o engrandecimento de uma Nação: uma sociedade inclusiva.
Bibliografia
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THEODORO Jr., Humberto. Curso de direito processual civil. 56. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
[1] Disponível em: http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/05/fmi-diz-que-políticas-neoliberais-aumentaram-desigualdade.html>. Acesso em: 29 jun. 2016.
[2] Idem.
[3] SAYEG, Ricardo; BALERA, Wagner. O capitalismo humanista. São Paulo: KBR, 2011, e-book.p. 18.
[4] Idem, p. 114.
[5] Ibidem, p. 20.
[6] RANCIÈRE, Jacques. O ódio à democracia. São Paulo: Boitempo, 2014.p. 8.
[7] CASTANHATO, Camila. Liberdade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.p. 64.
[8] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1998.p. 317.
[9] Idem,p. 318.
[10] RANCIÈRE, Jacques. O ódio à democracia. São Paulo: Boitempo, 2014.p.8.
[11] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1998.p. 320.
[12] Idem.
[13] MONCADA, Luís S. Cabral de. Direito econômico.2. ed. Coimbra, 1998.p. 96.
[14] Ibidem, p. 219.
[15] SAYEG, Ricardo; BALERA, Wagner. O capitalismo humanista. São Paulo: KBR, 2011, e-book.
[16] BORGES, Alexandre Walmott. Preâmbulo da Constituição E a ordem econômica. Curitiba: Juruá, 2004.p. 219.
[17] ESTORNINHO, Maria João. A fuga para o direito privado. Lisboa: Almedina, 1999.p. 211.
[18] SALOMÃO FILHO, Calixto. Função social do contrato: primeiras anotações. São Paulo: RT, 2004.v. 823.p. 73.
[19] LECLERCQ, Claude. Droit constitutionnel et instutions politiques.9. ed. Paris: Litec, 1995.p. 10: “ On assiste donc à une interpenetration entre le droit public et le droit privé. Les frontièeres du droit public et Du droit privé sont loin d’être tou jours parfaitementnettes et tranchées. Ne peut-on pás dire qu’en definitive le droit privé procede Du droit public dans la mesureoú le ode d’organisation d’um Étatdonnéconditionne et tout la part de l’activité privée et la part de l’ activité publique?”.
[20] SALOMÃO FILHO, Calixto. Função social do contrato: primeiras anotações. São Paulo: RT, 2004. v. 823.p. 73.