O NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL ATÍPICO E UM OLHAR SOBRE SUA APLICABILIDADE AO DIREITO DO CONSUMIDOR
Déborah Schneid Pinto
Os princípios adotados com o novo CPC/2015 certifica ao plenamente capaz a autonomia relativa de direitos que compactuam com a satisfação à mediação de negócios processuais.
Uma inovação advinda com o CPC/15 que ganhou espaço no cenário jurídico é o negócio processual. Através do art. 190, contamos com uma cláusula geral de negociação, que permite às partes convencionar sobre matéria processual sem previsão legal específica correspondente.
O modelo de processo anterior se dava sob viés publicista, com necessidade de autorização legal para que as partes celebrassem convenções processuais e protagonismo centrado na figura do Estado-Juiz. Com o CPC/15 a vontade das partes passou a ser determinante, foi alcançada ao sujeito de direitos a possibilidade de adequar o processo ao seu caso concreto.
Como não pode deixar de ser, o Direito se emolda às características e necessidades da sociedade a que deve regular o que se buscou no CPC/15. Neste sentido, a própria exposição de motivos de seu anteprojeto afirma que os novos tempos reclamam um novo processo, citando o professor e advogado Cesare Vivante: Altro tempo, Altro Diritto. Enquanto o CPC/73 buscava segurança, através da normatização, num modelo típico, o CPC/15 visa à eficiência, primando pelo indivíduo e sua liberdade.
O CPC/73 já possibilitava às partes a realização de negócios processuais, o mais utilizado deles, provavelmente, seja a cláusula contratual de eleição de foro, devidamente autorizada no art. 111. É exatamente esta previsão legal que deixou de ser necessária pela edição da cláusula geral.
De acordo com o art. 190 do CPC/15, a negociação processual atípica exige plena capacidade das partes e objeto que admita auto composição, pode ocorrer durante o processo, ou ser contratualmente prevista entre as partes antes da existência da lide. Notemos seu texto:
Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam auto composição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.
Importante notar que o objeto do negócio processual atípico tenha de ser passível de acordo, o que não significa a necessidade de o processo versar sobre direitos disponíveis. Nas palavras de DIDIER JR. (2016, 7): o direito em litígio pode ser indisponível, mas admitir solução por auto composição. Numa ação de alimentos, por exemplo, ainda que o direito a sua percepção não seja disponível, há possibilidade de acordo. Sobre o tema, o fórum permanente de processualistas civis, no enunciado 135, esclarece que a indisponibilidade do direito material não impede, por si só, a celebração de negócio jurídico processual.
Conforme o parágrafo único do dispositivo será inválido o negócio processual em casos de nulidade, cláusula abusiva em contratos de adesão ou estando uma das partes em situação de vulnerabilidade, conforme apreciação do juiz:
Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.
Notemos que a situação de vulnerabilidade da parte parece invalidar o negócio processual, de forma que ao consumidor, por exemplo, mesmo sendo capaz processual, não caberia firmar negócio processual atípico válido, posição a que se filia tartuce (2018). Há corrente distinta, que entende haver possibilidade de negócio processual atípico consumerista, por não haver presunção de vulnerabilidade absoluta do consumidor, e expressar o comando legal ser caso de invalidade se houver manifesta situação de vulnerabilidade.
Ao optar pelo uso de termos abrangentes, o legislador não deu contornos precisos ao negócio processual atípico, que desde a publicação do CPC, temsido matéria frequente nos encontros de estudos jurídicos como o FPPC – Fórum Permanente de Processualistas Civis, as JDPC – Jornadas de Direito Processual Civil, FNPP – Fórum Nacional do Poder Público, bem como seminários da ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados.
O FPPC, em seu enunciado 408, concluiu que: quando houver no contrato de adesão negócio jurídico processual com previsões ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente. Em relação a contratos de adesão, o parágrafo único do art. 190 determina a invalidade do negócio processual atípico inserido abusivamente, e o enunciado supracitado complementa a questão, a fim que, em sendo válidas as previsões, sejam interpretadas na forma mais favorável ao aderente.
Quanto ao consumidor, parece a mim assertivo conduzir a aplicação no mesmo modelo, ou seja, de legalidade do negócio jurídico processual atípico, conduzida sua aplicação na interpretação mais benéfica ao consumidor e invalidando o negócio se, no caso concreto, restar comprovada sua situação de flagrante vulnerabilidade.
Como o negócio processual atípico tem por objeto as situações jurídicas processuais – e não o direito litigioso em si, criada está à possibilidade de tornar mais diretos e céleres processos futuros, ou mesmo o já iniciado. Acordos prevendo citações e intimações por e-mail ou aplicativo telefônico de mensagem, instância única, redução de prazos, indicação de perito consensual, pré- indicação de bem penhorável preferencial são exemplos que convergem a uma prestação jurisdicional mais dinâmica.
Numa interpretação teleológica do CPC/15, que prima pela liberdade e visa garantir efetiva satisfação dos direitos, o autorregramento das vontades particulares é um caminho promissor e o negócio processual um instrumento capaz de garantir a redução da pesada e longa jornada do processo judicial.