O MUNICÍPIO NA CONSTITUIÇÃO
Anderson Medeiros Bonfim
A organização político-administrativa do Brasil, intitulada pela Constituição como “república federativa”, compreende a união indissolúvel entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, todos eles qualificados como autônomos.
A garantia da autonomia constitucional foi, em tese, assegurada através de um sistema de repartição de competências baseado, em linhas gerais, na enumeração das funções da União e dos municípios, cabendo aos estados um campo remanescente.
Mais especificamente, o modelo constitucional de repartição de atribuições dos entes federados brasileiros foi delineado tendo em vista o princípio da predominância do interesse, segundo o qual cabe à União as matérias de predominante interesse nacional, aos estados as matérias de predominante interesse regional e que não estejam elencadas dentre as competências da União ou dos municípios. Por fim, aos municípios competem os assuntos de interesse predominantemente local.
Assim considerando, a autonomia municipal estruturar-se-ia nas capacidades de auto-organização por meio de uma lei orgânica, de autogoverno, de autolegislação e de autoadministração.
Entretanto, nosso “pacto federativo” é realçadamente centralizador. A autonomia dos municípios foi mitigada – e, em grande medida, esvaziada pela própria Constituição – através da forte concentração de receitas tributárias na União, à qual se atribui, ainda, uma desmedida competência para instituir “normas gerais”.
Quanto ao primeiro aspecto, transferências obrigatórias, desacompanhadas de adequado campo reservado para receitas próprias, comprometem a pretensão de autonomia dos municípios.
Já com relação ao segundo ponto, destaque-se, exemplificativamente, a previsão constitucional que atribuiu à União a competência legislativa privativa para dispor sobre “normas gerais” de licitações e contratos administrativos, dando espaço, diante da indeterminabilidade conceitual, para violações ao interesse predominantemente local dos municípios.
Ambos os aspectos constitucionais comprometem a autonomia dos municípios, bem como a prestação de relevantes serviços públicos municipais. O pequeno porte e as características socioeconômicas da grande maioria desses mesmos entes, cingindo-os às receitas e às leis federais, só acidulam o cenário.
Não há, em acepção plena, autogoverno e autoadministração sem uma adequada autolegislação, inclusive fiscal. Por essas razões, é preciso refletir sobre a posição efetivamente assumida pelos municípios na nossa Constituição.