O MOMENTO OPORTUNO PARA CONTRADITAR A TESTEMUNHA
Rafaela Estival
Um dos meios de prova mais utilizados em demandas judiciais é a oitiva de testemunhas. Notadamente, ainda que as espécies admitidas em nosso Código de Processo Civil não exerçam posição hierárquica entre elas, a utilização do mecanismo como forma de ratificar o já exposto nos autos é bastante imperativo.
O depoimento testemunhal, na maioria dos casos, é crucial para a formação do livre convencimento do magistrado, que se encontra vinculado exclusivamente ao que é produzido dentro do processo. Assim, quando o advogado constituído se vê impossibilitado de confirmar os fatos narrados por outro meio probatório ou, ainda, observa que as outras fontes operadas demonstram-se insuficientes, o ato de testemunhar torna-se imprescindível para cabal cognição do feito.
Deste modo, quando possível e necessário o testemunho de terceiros para resolução de litígios, o requerimento pela parte desse tipo de prova é quase que imediato. Entretanto, há que observar alguns requisitos, especialmente no que concerne à qualidade pessoal do depoente. Aclara o art. 447, caput, do novo CPC, que “podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes, impedidas ou suspeitas“.
A relevância da “contradita“, objeto principal do presente artigo, se justifica de imediato no que dispõe os parágrafos do dispositivo supra. Observe que, cabe ao procurador, quando do conhecimento da indicação do rol de testemunhas da parte adversa, fazer apertada análise e indagar junto ao seu constituinte se algum depoente se enquadra nas hipóteses ilustradas pelo artigo discutido em questão, e demonstradas a seguir:
- 1º São incapazes:
I – o interdito por enfermidade ou deficiência mental;
II – o que, acometido por enfermidade ou retardamento mental, ao tempo em que ocorreram os fatos, não podia discerni-los, ou, ao tempo em que deve depor, não está habilitado a transmitir as percepções;
III – o que tiver menos de 16 (dezesseis) anos;
IV – o cego e o surdo, quando a ciência do fato depender dos sentidos que lhes faltam.
- 2º São impedidos:
I – o cônjuge, o companheiro, o ascendente e o descendente em qualquer grau e o colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consanguinidade ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de outro modo a prova que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito;
II – o que é parte na causa;
III – o que intervém em nome de uma parte, como o tutor, o representante legal da pessoa jurídica, o juiz, o advogado e outros que assistam ou tenham assistido as partes.
- 3º São suspeitos:
I – o inimigo da parte ou o seu amigo íntimo;
II – o que tiver interesse no litígio.
(…)
Incumbe ilustrar, a priori, que a expressão “contraditar“, em termos jurídicos, possui como sinônimos os verbos Impugnar, Contestar. Portanto, o fenômeno da contradita nada mais é do que um óbice ao depoimento testemunhal, desde que presentes alguma das hipóteses exigidas nos § 1º, 2º e 3º do art. 447, do novo CPC. Quanto a esse aspecto conceitual não encontramos muita dificuldade, até mesmo porque a lei nos parece suficientemente clara. Na verdade, o que muito se discute sobre o tema é o momento oportuno para a prática dessa prerrogativa. E, o único referencial encontrado é aquele disposto no art. 457, do novo CPC, in verbis:
Art. 457. Antes de depor, a testemunha será qualificada, declarará ou confirmará seus dados e informará se tem relações de parentesco com a parte ou interesse no objeto do processo.
- 1º É lícito à parte contraditar a testemunha, arguindo-lhe a incapacidade, o impedimento ou a suspeição, bem como, caso a testemunha negue os fatos que lhe são imputados, provar a contradita com documentos ou com testemunhas, até 3 (três), apresentadas no ato e inquiridas em separado.
(…)
Compreende-se que o instante ideal para apresentar a contradita é aquele compreendido entre a qualificação da testemunha e o início de seu depoimento, sob pena de preclusão. Ora, mas e se a parte contrária, em virtude de fato superveniente, entender que a testemunha se tornou incapaz, suspeita ou impedida? Vejamos o seguinte caso hipotético:
Em audiência, após a prática dos atos inaugurais, o causídico indica qual testemunha será ouvida. Depois de qualificada e prestado o seu compromisso de dizer somente a verdade em juízo, dá-se início ao depoimento. No desenrolar das perguntas formuladas pelo magistrado e procurador, o advogado da parte contrária toma conhecimento de causa que tornaria a testemunha suspeita. Descobre, por exemplo, que o depoente, ao ser indagado sobre como havia presenciado o evento danoso, disse que se encontrava na casa do Requerente. Sagaz, o advogado indaga a testemunha do por que daquela frequentar a casa do Autor. Ela responde ressabiada, após autorização do juízo, que o motivo se dava em razão da amizade que os unia.
Nota-se que a parte contrária apenas tomou conhecimento do fato que ensejaria a contradita após o momento em que o aparato poderia ser utilizado, ou seja, antes do início da oitiva de declaração testemunhal. E agora? Poderia mesmo assim o procurador interessado arguir a contradita? Pois bem, ainda que a lei não seja específica, a jurisprudência majoritária nos informa que houve a preclusão desse direito. Isto porque, segundo inteligência do art. 457, caput, do novo CPC, o momento oportuno se dá, impreterivelmente, até o último instante anterior à colheita do depoimento testemunhal.
Neste sentido:
“Apelação cível. Preliminar de apreciação do agravo retido. Testemunha intempestivamente contraditada. Ausência de prejuízo. Agravo retido não provido. Ação de Indenização. Acidente de trânsito. Culpa exclusiva da vítima. Apelo não provido. Decisão unânime. 1. O momento oportuno da contradita da testemunha arrolada pela parte contrária é aquele entre a qualificação desta e o início de seu depoimento. 2. No caso em espécie, os recorrentes, por seu advogado, apenas procederam com a contradita da testemunha Albérico de Souza Lopes após o início do depoimento desta, razão pela qual correto foi o entendimento da juíza singular em indeferi-la. 3. Não há que se falar em dever de reparar o dano se as provas juntadas aos autos demonstram que o acidente automobilístico foi causado por culpa exclusiva da vítima. 4. Para afastar a conclusão da perícia elaborada pelo Instituto de Criminalística Prof. Armando Samico, seria necessário que os recorrentes conseguissem provar que os fatos não ocorreram da forma como relatado no laudo pericial, que não aconteceu. 5. Agravo retido e apelação não providos. Decisão unânime.” (TJ-PE – APL: 3079092 PE, Relator: Francisco Eduardo Goncalves Sertorio Canto, Data de Julgamento: 21/05/2015, 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: 02/06/2015)
Ou ainda,
“PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. NEGATIVA DE VIGÊNCIA AO ART. 414, § 1º, DO CPC. OFENSA NÃO-CONFIGURADA. TESTEMUNHA. CONTRADITA. MOMENTO OPORTUNO. 1. Não há por por que falar em violação do art. 535 do CPC quando o acórdão recorrido, integrado pelo julgado proferido nos embargos de declaração, dirime, de forma expressa, congruente e motivada, as questões suscitadas nas razões recursais. 2. O momento oportuno da contradita da testemunha arrolada pela parte contrária é aquele entre a qualificação desta e o início de seu depoimento. 3. Recurso especial não-conhecido.” (STJ – REsp: 735756 BA 2005/0039417-1, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 09/02/2010, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/02/2010)(Grifo Nosso)
Sob minha despretensiosa opinião, me atrevo a não acompanhar o posicionamento jurisprudencial dominante. Isto porque, tendo o depoente prestado compromisso de dizer a verdade, sob pena de falso testemunho, é como se o magistrado competente fosse conivente com o ilícito praticado. Não vejo fundamento de se aplicar os efeitos da preclusão quando o conhecimento da incapacidade, impedimento ou suspeição se der por fato superveniente.
Inclusive, a meu ver, não é nada razoável permitir que o depoimento de uma testemunha claramente enquadrada dentro das proibições do art. 447, do novo CPC, seja considerado válido. Descoberta uma inverdade, é bem provável que a idoneidade do restante da declaração tenha sido comprometida. Só que, infelizmente, não há amparo legal quanto a isso.
Arrisco a dizer que a única ferramenta, e com chances máximas de não acolhimento, já que a jurisprudência pátria é uníssona em sentido contrário, seria arguir a contradita em caráter incidental, solicitando que o fato superveniente que deu causa ao óbice testemunhal seja constado em ata, para servir como argumento em caso de eventual oposição do recurso cabível.
Ademais, rogo para que a omissão/inércia seja suprida pelo legislador ordinário, vez que o seu silêncio representa velejar contra os próprios preceitos da busca da verdade real e, consequentemente, da Justiça. O que nos faria colocar à prova, ao menos em parte, a razão de existir do Poder Judiciário.