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O JULGAMENTO DO AGRAVO INTERNO E O PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE

O JULGAMENTO DO AGRAVO INTERNO E O PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE

José Rogério Cruz e Tucci

No âmbito do segundo grau de jurisdição, o relator desempenha a função de órgão preparador das ações de competência originária e dos recursos em geral, sendo certo que os seus atos decisórios desafiam impugnação. E isso porque as decisões proferidas pelo relator devem atender ao denominado princípio da colegialidade dos tribunais.

Essa técnica predomina na maioria das legislações processuais modernas, como, por exemplo, preceitua o parágrafo 3º do artigo 652 do Código de Processo Civil português: “Quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão; o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária”.

Assim, de conformidade com o disposto no caput do artigo 1.021 do nosso Código de Processo Civil, contra as decisões proferidas pelo relator, cabe agravo interno (anteriormente denominado agravo regimental), que será julgado pelo respectivo órgão colegiado competente para o julgamento da ação originária ou do recurso, no qual foi proferido o provimento monocrático impugnado.

Qualquer que seja o conteúdo da decisão do relator vale dizer, se, por exemplo, não conhecer do recurso pela manifesta intempestividade, por ausência de preparo, ou, ainda, se improvê-lo nos termos do artigo 932, inciso IV, do Código de Processo Civil, por contrariar súmula dos tribunais superiores, pode ser ela atacada por meio de agravo interno, que deve ser interposto no prazo de 15 dias (artigo 1.070 do CPC), a partir da intimação do ato decisório proferido pelo relator.

Importa frisar que o recorrente, também nessa hipótese, a teor do parágrafo 1º do artigo 1.021, tem o ônus de impugnar o ato decisório enfrentado, deduzindo de forma explícita os fundamentos de sua respectiva irresignação.

É de se ter presente, outrossim, que o relator, em qualquer situação, não detém a atribuição de decidir monocraticamente o agravo interno. Não se retratando, deverá sempre “levá-lo à mesa”, para que seja julgado por acórdão, pelo já apontado colegiado.

É exatamente esse o procedimento ditado pelo parágrafo 2º do já indicado artigo 1.021: “O agravo será dirigido ao relator, que intimará o agravado para manifestar-se sobre o recurso no prazo de 15 (quinze) dias, ao final do qual, não havendo retratação, o relator levá-lo-á a julgamento pelo órgão colegiado, com inclusão em pauta”.

É certo que não cabe agravo interno contra decisão colegiada. Este é passível de interposição apenas e tão-somente contra decisão monocrática de relator. Recente julgamento da 17ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, no Agravo Regimental 2086089-70.2015.8.26.0000, da relatoria do desembargador João Batista Vilhena, não deixa margem a dúvida: “Oposto em face de acórdão, temos a impropriedade do recurso manejado, pois é certo que contra acórdão não cabe agravo interno, o qual apenas é admissível para impugnar decisão monocrática, nos ditames do artigo 253 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça. Outrossim, o recurso de agravo interno, disciplinado no artigo 1.021, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil de 2015, também é inadmissível contra decisão colegiada”.

Desse modo, se por um lado descabe agravo interno contra julgamento colegiado, por outro, desponta ele cabível contra qualquer pronunciamento monocrático de relator que tenha conteúdo decisório.

A despeito da clareza do texto legal, a prática evidencia — por paradoxal que possa parecer — que nem sempre tal regra processual tem sido observada pelos tribunais.

Não é preciso salientar que, diante da exigência de esgotamento das instâncias ordinárias, para o cabimento dos recursos extraordinário e especial, a questão em tela ostenta, com efeito, significativa importância. Em outras palavras, se o relator deixar de submeter o agravo interno à apreciação da turma julgadora, não haverá acórdão, e, portanto, como os mencionados recursos excepcionais somente são passíveis de interposição contra acórdão, o prejuízo à parte interessada é flagrante.

Mesmo nos domínios do Superior Tribunal de Justiça, sem embargo do enunciado da Súmula 568, prevalece a referida diretriz, no sentido de que das decisões do relator cabe agravo regimental, como se extrai de recente julgamento da 3ª Turma, no Agravo Interno no Recurso Especial 1.665.396-MG, relatado pelo ministro Marco Aurélio Bellizze, que, lastreando-se em precedente mais antigo, assentou ser: “(…) ‘possível ao Relator negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente ou prejudicado não ofendendo, assim, o princípio da colegialidade. Ademais, com a interposição do agravo regimental, fica superada a alegação de nulidade pela violação ao referido princípio, ante a devolução da matéria à apreciação pelo Órgão Julgador’ (AgRg no REsp 1.113.982-PB, relatora ministra Laurita Vaz)”.

Em senso análogo, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao ensejo do julgamento do Agravo Interno no Recurso Especial 1.625.316-PE, com voto condutor do ministro Mauro Campbell Marques, decidiu que: “Nos termos da Súmula 568/STJ, é possível o julgamento monocrático do recurso especial quando houver jurisprudência no mesmo sentido dos fundamentos adotados no decisum. Ainda que assim não fosse, a jurisprudência desse Sodalício orienta-se no sentido de que o julgamento colegiado torna prejudicado eventuais vícios inerentes ao exame monocrático”.

Ademais, segundo o parágrafo 3º do supracitado artigo 1.021, não basta que o relator do agravo interno se reporte aos fundamentos de sua própria decisão, uma vez que tem ele o dever de enfrentar as questões suscitadas pelo agravante nas razões recursais. Caso contrário, o acórdão padecerá de nulidade, por ofensa ao artigo 489, parágrafo 1º, inciso IV, do Código de Processo Civil.

Conclui-se, portanto, que, apesar da inequívoca ampliação dos poderes concedidos ao relator pelo artigo 932 do novo Código de Processo Civil, todas as suas decisões se submetem ao controle do órgão natural, que tem competência para o julgamento do recurso, em perfeita sintonia com o aludido princípio da colegialidade.