O INSTITUTO DO BEM DE FAMÍLIA A PARTIR DA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES BRASILEIROS
Nadinne Sales Callou Esmeraldo Paes
SUMÁRIO: 1 Considerações Introdutórias. 2 Natureza Jurídica e Fundamentos do Bem de Família. 3 Destinatários da Proteção. 4 Da Indisponibilidade da Proteção. 5 A Abrangência da Proteção. 6 Exceções à Impenhorabilidade. 7 Outras Discussões Relevantes. 8 Considerações Finais. 9 Referências Bibliográficas.
1 Considerações Introdutórias
A necessidade de fixação do homem em um local desenvolveu-se junto com a humanidade. Com efeito, conquanto a história nos ensine que nos primórdios o ser humano era nômade – característica decorrente das atividades de caça e de pesca que consistiam em sua principal fonte de subsistência -, com o tempo e desenvolvimento das organizações sociais, o estabelecimento em determinada área passou a ser necessário. Esboçava-se, assim, a primeira ideia de “propriedade“, que, inicialmente, era coletiva, associada aos clãs e às tribos.
Na antiguidade greco-romana, Fustel de Coulanges, no clássico A Cidade Antiga (1988, p. 58), explica-nos que a ideia de propriedade privada é vinculada à religião doméstica, a qual, por seu turno, associava-se estreitamente à ideia do espaço físico onde os altares eram constituídos e os deuses cultuados. Em torno desse contexto, desenvolve-se, também, a ideia de família, assim considerada como a reunião de pessoas que cultuavam os mesmos ancestrais [1]. É o tempo em que Cícero propõe a célebre reflexão: “Que outra coisa existe de mais sagrada que a morada?” [2].
“O deus instala-se nele [lar], não para um dia, nem mesmo só para a precária vida de um homem, mas para todos os tempos, enquanto esta família existir e dela restar alguém a conservar a sua chama em sacrifício. Assim, o lar toma posse do solo; apossa-se desta parte de terra que fica sendo, assim, sua propriedade. E a família, ficando, destarte, por dever e por religião, agrupada em redor do seu altar, fixa-se ao solo tanto como o próprio lar.” (COULANGES, 1998. p. 58)
Hoje, já se sabe que a noção de propriedade privada e, consequentemente, de lar, é uma necessidade antropológica, posto capaz de conferir ao homem segurança e estabilidade para o desenvolvimento das suas relações pessoais, refletindo, outrossim, beneficamente nas relações sociais. É o que destacam Carlos Alberto Maluf e Adriana Maluf (2013, p. 724):
“A sensação de insegurança pessoal, ou de instabilidade social, a que se submete um indivíduo sem a existência de um lar que o proteja ou de uma família que o receba em seu seio faz aparecerem a delinquência, a marginalidade os desvios éticos e as agressões aos valores morais.”
Trata-se, também, de recôndito em que expressa-se, com a máxima liberdade, a autonomia privada, como já constatado pelo filósofo alemão Hegel, que explica: “É fixando a vontade de alguém nos objetos do mundo externo que cada pessoa projeta seu ser e cria uma presença entre os seres humanos” (apud FARIAS; ROSENVALD, 2014, v. 5, p. 241)
Ademais, a ideia de necessidade de um patrimônio mínimo para o resguardo da dignidade da pessoa humana [3] respalda o estabelecimento pela nossa Constituição Federal do direito à moradia como direito fundamental de índole social [4], revertendo também, reflexamente, na própria família, erigida esta à condição de base do Estado pela nossa Constituição Federal [5]. Pertinente, neste particular, a transcrição das palavras de Álvaro Villaça de Azevedo (1999, p. 15), no sentido de que “tudo que vem ao encontro da proteção da família, em última análise, dá fundamento à própria estrutura do Estado, que vive sob a condição de que seja estável o órgão familiar, com direção profícua, sólida proteção e cuidados especiais“.
É sabido que, a partir do bem de família, isenta-se de penhoras a parte do patrimônio do devedor correspondente à sua casa de morada, afastando-se a regra geral de responsabilidade patrimonial estabelecida pelos nossos Códigos Civil e de Processo Civil brasileiros [6].
A doutrina associa a origem do desenvolvimento dessa ideia de proteção à casa de morada em face dos credores à então República do Texas, antes da sua anexação aos Estados Unidos, por ocasião de grande crise econômica que assolou o referido Estado americano nos idos de 1830. Contextualizando historicamente esse marco, Álvaro Villaça de Azevedo (1999, p. 28-29) nos diz que ocorreram àquele tempo 33.000 falências e 959 fechamentos de bancos. Esse panorama ensejou, em 1839, a edição de uma lei (ao tempo denominada de Homestead Act – Lei de 26.01.1839), isentando de penhoras as pequenas propriedades texanas destinadas à moradia e ao cultivo. O referido marco legal americano inspirou a edição de leis similares ao redor do mundo com o mesmo intento.
No Brasil, não é longínqua essa proteção que se defere à casa de morada. Com efeito, no projeto originário do Código Civil de 1916 não era prevista a proteção, que apenas ingressou no aludido Código por força de emenda apresentada pelo Senador maranhense Fernando Mendes de Almeida (VELOSO, 2003, p. 76). Esse regramento, inicialmente proposto dentro do Livro “Das Pessoas” na Parte Geral do Código de Beviláqua, posteriormente foi deslocado para os arts. 70 a 73 como parte integrante do Livro II – “Do Bem da Família“, integrante da Parte Geral do Código Civil de 1916. De maneira que passaram a coexistir, desde então, no ordenamento jurídico brasileiro, duas espécies de bem de família: o legal, regulamentado pela Lei nº 8.009/90, e o voluntário, previsto no Código Civil. O Código Civil de 1916 foi sucedido pelo Código Civil, idealizado por Miguel Reale, que, de igual modo, não se furtou de destinar proteção à casa de morada da família em Subtítulo IV do Título II, que trata do conteúdo patrimonial do Livro IV – “Direito de Família” [7].
O atual contexto econômico fundamenta a necessidade de revisitarmos a matéria, sobretudo porque já constatada taxa de inadimplência recorde da população brasileira [8]. O fantasma do desemprego também tem batido à porta do brasileiro, já chegando a atingir patamares vultuosos segundo pesquisas do IBGE [9]. Esse substrato social predispõe à penhora, medida cujo manejo possivelmente será cada vez mais recorrente para garantir dívidas nesses difíceis tempos de crise econômica.
Não se olvide, outrossim, da importância que passaram a ter os precedentes judiciais na nossa atual sistemática processual civil, que, na mesma medida que se afastou do sistema Civil Law, aproximou-se do paradigma do stare decisis. A partir deste novo paradigma de respeito obrigatório a alguns precedentes, entende-se que a decisão judicial, quando julga caso concreto, transfigura-se em verdadeira norma que, em razão do status do órgão que a criou, deve ser obrigatoriamente respeitada pelos órgãos de grau inferior. O escopo é de, assim, imprimir maior segurança jurídica aos jurisdicionados e maior celeridade ao trâmite processual [10]. Justificando essa aproximação, explica Elpídio Donizetti (2014): “A igualdade, a coerência, a isonomia, a segurança jurídica e a previsibilidade das decisões judiciais constituem as principais justificativas para a adoção do sistema do stare decisis, ou, em bom português, o sistema da força obrigatória dos precedentes“.
É nesse panorama que se pretende debater o instituto, verificando o alcance que tem sido a ele dado pelos nossos Tribunais Superiores em casos concretos que lhes foram submetidos. Para tanto, será perscrutado o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, doravante STJ [11], no trato das principais problemáticas que circundam o tema em tablado. Não se descurará, também, de pesquisar o entendimento do Supremo Tribunal Federal, doravante STF. É que entende-se que é justamente a partir dessa fonte do direito que as normas ganham vida, quando aplicadas a casos práticos submetidos à apreciação judicial. Nesse sentido, elucidativa a lição de Ana Marta C. de B. Zilveti (apud DIAS, 2007, p. 522), no sentido de que
“(…) o Brasil lidera verdadeira revolução silenciosa, impulsionada pelos tribunais, que vêm realizando o direito em sua concretude e atribuindo à lei o seu sentido social, deixando de lado a visão extremamente positivista e literal a que está acostumada a tradição jurídica brasileira.”
2 Natureza Jurídica e Fundamentos do Bem de Família
A princípio, impõe-se realçar que a qualificação de um bem como “bem de família” não altera a sua natureza, como elucida Carlos Roberto Gonçalves (2013, p. 583):
“Não sofre a coisa, como objeto de relação jurídica, alteração essencial na sua natureza, pois continua sendo de propriedade do instituidor ou beneficiário, mas afetada a uma finalidade e condição: ser utilizada como domicílio dos membros da família. O bem de família é, em verdade, um direito, não se confundindo com o imóvel residencial sobre o qual incide.”
Com efeito, “trata-se de qualidade que se agrega a um bem imóvel e seus móveis, imunizando-o em relação a credores, como forma de proteger a família que nele reside” (DIAS, 2007, p. 521 – grifo nosso). Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 393) invocam justamente essa análise teleológica do instituto em tablado para aplaudir a mudança topológica perpetrada pelo Código Civil de 2002 em relação ao Código de Beviláqua, ao deslocar o tratamento do instituto da Parte Geral para a Parte Especial do Código, alocando-a pertinentemente no Livro IV – “Direito de Família“.
Registra-se que a proteção à casa de morada não tem apenas uma pilastra na qual se alicerça. Efetivamente, a doutrina aponta múltiplos fundamentos a estruturar o bem de família que vão desde o mais óbvio (o direito fundamental à moradia) até a tese contemporânea do Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo, defendida pelo hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Edson Fachin, segundo a qual “a existência possível de um patrimônio mínimo concretiza, de algum modo, a expiação da desigualdade e ajusta, ao menos em parte, a lógica do direito à razoabilidade da vida daqueles que, no mundo do ter, menos têm e mais necessitam” (FACHIN, 2010, p. 278).
Partindo-se da previsão expressa na nossa legislação, também é possível defender-se o bem de família com base no direito fundamental à moradia, estabelecido no art. 6º da nossa Constituição Federal.
A par disso, indissociável está a ideia de proteção à casa de morada em relação ao resguardo da própria família que lá reside, não se olvidando ter sido erigida à condição de base da sociedade e do Estado pela nossa Carta Magna [12].
Indo mais longe, não se deve descurar que o direito fundamental à moradia é importante, não apenas às famílias, mas a cada um dos indivíduos que lá habitam. Essa ideia se relaciona à segurança da própria dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa brasileira previsto no art. 1º, III, da CF/88.
A outro giro, o direito subjetivo à propriedade não é mais um fim em si mesmo, tampouco direito absoluto e ilimitado como em tempos romanos. Isso porque a Constituição Federal de 1988 propôs verdadeira mudança de paradigma no direito civil, de cariz marcadamente liberal e individualista no seu perfil oitocentista. De sorte que não só as normas, mas todos os institutos jurídicos, passaram a ser compreendidos a partir da ótica da dignidade inerente a todas as pessoas a que elas se dirigem. O direito civil, por seu turno, não passou ileso nesse processo, contaminando-se com os ares constitucionais que determinaram a repersonalização de muitos dos institutos civis, dentre eles a propriedade.
“Nesse ambiente, a Constituição passa a ser não apenas um sistema em si – com a sua ordem, unidade e harmonia -, mas também um modo de olhar e interpretar todos os demais ramos do direito. Esse fenômeno, identificado por alguns autores como filtragem constitucional, consiste em que toda a ordem jurídica deve ser lida e apreendida sob a lente da Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados.” (BARROSO, 2009. p. 70-71)
Trata-se da suplantação da antes longínqua distância entre o direito público e o direito privado, permitindo-se, hodiernamente, que este seja permeado por aquele, através dos valores e das ideias constitucionais que ingressam na órbita da regulamentação privada, sobretudo através das cláusulas gerais, normas elaboradas de maneira intencionalmente vaga e aberta para permitir o influxo do conteúdo axiológico da nossa Constituição Federal.
Insta se registrar aqui que uma das bases do Código Civil atual reside, exatamente, na socialidade, neologismo que representa verdadeira mudança de paradigma ao afastar os institutos jurídicos civis de uma leitura essencial e predominantemente superficial e patrimonial, sem atentar para as especificidades das pessoas envolvidas, tampouco às exigências do bem comum, como admoesta Maria Celina Bodin de Moraes (apud FARIAS; ROSENVALD, 2014, v. 1, p. 49): “No contexto atual, a lei maior determina – ou melhor, exige – que nos ajudemos, mutuamente, a conservar nossa humanidade, porque a construção de uma sociedade livre, justa e solidária cabe a todos e a cada um de nós” [13].
3 Destinatários da Proteção
É cediço que as famílias têm se estruturado de inúmeras formas hodiernamente. O direito já tem se ocupado de reconhecer, a par da família tradicionalmente constituída através do casamento, verbi gratia, a família surgida a partir da união estável (hétero e homossexual [14]), da comunidade formada entre um dos ascendentes e seus descendentes [15], da relação constituída a partir da recomposição familiar [16], dentre outras [17].
A outro giro, não se descura que tem sido cada vez maior o número de pessoas que, por opção ou contingência do destino, vivem sozinhas [18]. Traz-se à baila, aqui, o caso dos solteiros convictos, das pessoas viúvas sem descendentes ou ascendentes, bem como dos religiosos celibatários [19].
Impõe-se aqui um registro esclarecedor: não se pode caracterizar essas hipóteses descritas no parágrafo anterior como família. Efetivamente, defende-se que a relação familiar pressupõe a existência de mais de uma pessoa, não havendo que se falar em família unipessoal.
A defesa acima não pretende, contudo, embasar conclusão precitada no sentido de que pessoas sozinhas não poderiam titularizar esse instituto do bem de família. Isso porque poder-se-ia cogitar, a partir de uma análise literal do nomen iuris do instituto (bem de família), que a proteção jurídica à casa de morada apenas se faz existente quando nela residir uma família. Ledo engano! Trata-se de impropriedade terminológica que não nos autoriza a uma (equivocada) conclusão no sentido de que pessoas que vivem sozinhas não seriam destinatárias da proteção pelo instituto em tablado. Com efeito, elucidativas são as palavras de Maria Berenice Dias (2007, p. 529):
“(…) tanto a doutrina quanto a jurisprudência têm conferido significado mais amplo ao conceito de bem de família. Essa é a posição do STJ: a Lei nº 8.009/90 não está dirigida a número de pessoas. Ao contrário, à pessoa: solteira, casada, viúva, desquitada, divorciada, pouco importa. O sentido social da norma é garantir um teto para cada pessoa. Só essa finalidade, data venia, põe sobre a mesa a exata extensão da lei. Caso contrário, sacrificar-se-á a interpretação teleológica para prevalecer a insuficiente interpretação literal.”
Abraçando os argumentos supra deduzidos, o Superior Tribunal de Justiça já sumulou o seguinte entendimento no Enunciado nº 364 adiante transcrito: “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas“.
É que, como registrado inicialmente, a proteção à nossa casa de morada se dá em homenagem e para o resguardo da nossa própria dignidade, ínsita em cada ser humano, independentemente de ele decidir travar relacionamento com outrem ou não. Pertinente, mais uma vez, trazerem-se à tona as palavras de Maria Berenice Dias (2007, p. 521) a esse respeito:
“Mesmo que a Constituição assegure especial enfoque à família, sua maior responsabilidade é com o cidadão. O enfoque central do ordenamento jurídico é o ser humano. Apesar de a expressão ‘bem de família’ dar a entender que o instituto se destina à proteção da entidade familiar, passou a justiça a reconhecer que se trata de instrumento de proteção à pessoa do devedor, tendo ele ou não família, morando ou não sozinho.”
Também nesse contexto impõe-se perquirir se com o falecimento dos ascendentes daquela família estaria ou não extinta a proteção. O nosso Código Civil, protegendo a prole, estabelece que persiste a proteção enquanto viver qualquer dos cônjuges [20] ou, na falta destes, até que os filhos completem a maioridade [21]. Segue estatuindo que também se extingue o bem de família com a morte de ambos os cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos à curatela [22].
Andou bem o legislador ao permitir a conclusão, extraída da mera interpretação gramatical do art. 1.716 supracitado, no sentido de que a proteção não mira apenas o conjunto de pessoas reunidas em torno de uma entidade familiar. De fato, se o legislador, no referido dispositivo, permite que o bem de família tenha ultra-atividade diante do falecimento do casal, reconhece, com isso, indiretamente, a família anaparental e, reflexamente, a dignidade de cada um dos indivíduos que se estabelecem em uma moradia.
Registra-se, contudo, lamentável regra do mesmo diploma civil a estabelecer, como causa de extinção do bem de família, a morte dos cônjuges e o advento da maioridade dos filhos capazes (art. 1.722). Se, com o art. 1.716, o legislador abriu uma janela para o reconhecimento do bem de família às modalidades não tradicionais de família e, inclusive, às pessoas que vivem sozinhas, lamentavelmente, com o art. 1.722, o mesmo legislador, de forma contraditória e desarrazoada, fecha, definitivamente, as portas da legislação para o acolhimento da mesma tese.
Porquanto relevante, retoma-se, nesta fase do debate, premissa importante, estabelecida pela doutrina, abraçada pelo STJ, e fundamento do entendimento recentemente sumulado no Enunciado nº 364:
“A interpretação teleológica do art. 1º da Lei nº 8.009/90 revela que a norma não se limita ao resguardo da família. Seu escopo definitivo é a proteção de um direito fundamental da pessoa humana: o direito à moradia. Se assim ocorre, não faz sentido proteger quem vive em grupo e abandonar o indivíduo que sofre o mais doloroso dos sentimentos: a solidão.” (STJ, REsp 450.989/RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 3ª Turma, j. 13.04.04, DJ 07.06.04) (grifo nosso)
Essa digressão nos oferece substrato dogmático para questionarmos: seria legítima a norma antes mencionada do Código Civil prevista no art. 1.722, segundo a qual extingue-se o bem de família voluntário com a morte de ambos os cônjuges ou companheiros, do cabeça da família monoparental ou quando os filhos atingissem a maioridade? Não se estaria com essa norma olvidando das outras formas de constituição de família?!
Ainda dentro deste tópico, impõe-se a elucidação acerca da (im)possibilidade de penhora de parte ideal de bem indivisível usado como bem de família. Dessa maneira, se questiona: caracterizada a copropriedade, a proteção do bem de família deve ser estendida ao coproprietário?
Segundo a doutrina de Carlos Roberto Gonçalves (2013, p. 594), tratando-se de dívida contraída por um dos condôminos, o imóvel se torna impenhorável como um todo em razão do bem de família, não importando se a dívida é de um deles, de todos ou de alguns. Entretanto, no âmbito do Órgão Especial do Superior Tribunal de Justiça, linha diversa de entendimento tem se traçado [23].
Registra-se, inclusive, decisão recente, onde o STJ reconheceu como possível a penhora de fração ideal de imóvel pertencente a um de dois sócios de sociedade empresária, mesmo diante do fato de a propriedade do bem ser conjunta do devedor com sua genitora que nele residia [24].
Pondera-se, contudo, que, quando a copropriedade que se coloca em tablado se dá entre cônjuges e é decorrente do regime de comunhão de bens, a jurisprudência do STJ posicionou-se em sentido diverso, mais protetivo, excluindo o bem como um todo da penhora por dívida contraída por um dos consortes [25]. In casu, a partir da análise dos precedentes jurisprudenciais, verifica-se que, acaso o cônjuge executado como devedor não tenha obtido anuência do outro consorte ou reste demonstrada a reversão em proveito da entidade familiar da dívida, não se afigurará lícita a penhora do bem como um todo, a despeito de uma leitura perfunctória do dispositivo legal nos conduzir a interpretação diversa [26]. Destacamos abaixo julgados das duas Turmas que labutam com a matéria no aludido Tribunal Superior.
Registra-se que incide presunção relativa de que ambos os cônjuges beneficiam-se de dívida contraída se ambos forem os únicos sócios de sociedade empresária [27].
É assim que se defende que o bem por inteiro não deve responder pela dívida individualmente contraída por um dos membros da família que nele habita. Isso porque a proteção que se defere não se limita a um dos residentes no imóvel, mas, sim, a cada uma das pessoas moradoras.
Reforce-se que é necessário se ter em mente, no entanto, que a regra acima pode ser afastada, permitindo-se a penhorabilidade da casa de morada da família por dívida contraída por apenas um dos seus membros, acaso reste provado que a dívida reverteu em proveito comum da família.
4 Da Indisponibilidade da Proteção
O instituto em estudo contraria a regra da disponibilidade que marca a maior parte das disposições do direito privado. Com efeito, como já deduzido introdutoriamente, a casa de morada das pessoas deve ser protegida por imperativo social, bem como para que se atente a uma necessidade intrínseca ao homem e pressuposto da sua existência digna. É que, como analisado, o bem de família fundamenta-se no resguardo de um patrimônio mínimo à cada pessoa necessário para se assegurar a dignidade desta.
Atenta às premissas acima deduzidas, a nossa máxima Corte infraconstitucional hodiernamente, a despeito de inicial embate acerca do tema, através da sua 2ª Seção, tem se posicionado no sentido de que, conquanto tenha o próprio devedor indicado o bem para garantir execução patrimonial que corre contra si, não há que ser afastada a proteção [28]. Nesse norte, realçamos:
“A proteção legal conferida ao bem de família pela Lei nº 8.009/90 não pode ser afastada por renúncia do devedor ao privilégio, pois é princípio de ordem pública, prevalente sobre a vontade manifestada. Incidência da Súmula nº 168/STJ.” (STJ, AgRg nos EREsp 888.654/ES, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 2ª Seção, j. 14.03.2011, DJe 18.03.2011) [29] (grifo nosso)
A decisão assenta-se na premissa que a norma que defere a proteção ao bem de família tem natureza de norma cogente, de “princípio de ordem pública, que visa à garantia da entidade familiar“, como assentado em recente decisão da 3ª Turma do mesmo Tribunal Superior [30].
Neste ponto da pesquisa, entretanto, impõe-se elucidar que a proteção que se defere ao bem de família não é a mesma, em amplitude e profundidade, deferida aos demais bens considerados como impenhoráveis por força do art. 833 do CPC [31]. É que a nossa mais alta Corte infraconstitucional, através dos ministros reunidos no âmbito da 2ª Seção, já assentou entendimento no sentido de que, tratando-se de bem de família, o espectro de proteção é mais largo, de maneira que, mesmo tendo o próprio devedor indicado o bem à penhora e ainda que já se tenha podido alegar essa matéria anteriormente, ainda assim poder-se-á invocar a proteção da impenhorabilidade. Nesse contexto, destacamos:
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. BENS IMPENHORÁVEIS. ART. 649, VI, DO CPC. BENS INDICADOS À PENHORA PELOS DEVEDORES. RENÚNCIA À IMPENHORABILIDADE CARACTERIZADA. IMPROVIMENTO.
- Conforme se retira da petição de fls. 12/13 dos autos, os bens objeto de constrição foram livremente ofertados pelos agravantes em garantia da execução.
- Esta Corte Superior de Justiça firmou posicionamento no sentido de que o devedor que nomeia bens à penhora ou deixa de alegar a impenhorabilidade na primeira oportunidade que tem para se manifestar nos autos, ainda que tais bens sejam absolutamente impenhoráveis, à exceção do bem de família, perde o direito à benesse prevista no art. 649 [32] do Código de Processo Civil (REsp 470.935/RS, 2ª Seção, Relª Minª Nancy Andrighi, DJ 01.03.04, e REsp 351.932/SP, Terceira Turma, Rel. p/ o Acórdão Min. Castro Filho, DJ 09.12.03). 3. Agravo improvido.” (AgRg nos EDcl no REsp 787.707/RS, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, 4ª Turma, j. 14.11.06, DJ 04.12.06, p. 330) (grifo nosso)
“EXECUÇÃO. BEM NOMEADO À PENHORA PELO PRÓPRIO DEVEDOR. RENÚNCIA. IMPENHORABILIDADE. ART. 649 DO CPC.
I – Os bens inalienáveis são absolutamente impenhoráveis e não podem ser nomeados à penhora pelo devedor, pelo fato de se encontrarem fora do comércio e, portanto, serem indisponíveis. Nas demais hipóteses do art. 649 do Código de Processo Civil, o devedor perde o benefício se nomeou o bem à penhora ou deixou de alegar a impenhorabilidade na primeira oportunidade que teve para falar nos autos, ou nos embargos à execução, em razão do poder de dispor de seu patrimônio.
II – A exegese, todavia, não se aplica ao caso de penhora de bem de família (art. 70 do Código Civil anterior e 1.715 do atual, e Lei nº 8.009/90), pois, na hipótese, a proteção legal não tem por alvo o devedor, mas a entidade familiar, que goza de amparo especial da Carta Magna.
III – Tratando-se de questão controvertida, a interposição dos recursos cabíveis por parte dos executados, com o objetivo de fazer prevalecer a tese que melhor atende aos seus interesses, não constitui ato atentatório à dignidade da justiça. Inaplicável, portanto, a multa imposta pelo acórdão recorrido com base no art. 600 do Código de Processo Civil.
Recurso especial parcialmente provido, apenas para excluir a multa imposta aos recorrentes.” (REsp 351.932/SP, Relª Minª Nancy Andrighi, Rel. p/ o Acórdão Min. Castro Filho, 3ª Turma, j. 14.10.03, DJ 09.12.03, p. 278) [33] (grifo nosso)
Portanto, a desídia do devedor em não invocar a proteção do instituto em tablado, tão logo instado a se pronunciar nos autos, mesmo quando já designada a praça, não tem o condão de afastar a impenhorabilidade. A consequência será apenas a condenação do executado nas despesas pelo retardamento injustificado, sem prejuízo de eventual acréscimo na verba honorária, afinal [34].
Assim, ao se questionar se o beneficiário pode renunciar à proteção conferida aos bens impenhoráveis, há que se efetuar um distinguishing: tratando-se de bem de família, não; no que concerne aos outros bens elencados como impenhoráveis pelo art. 649 do CPC, a resposta é afirmativa, ressalvando-se que a matéria deve ser alegada na primeira oportunidade em que o devedor puder, sob pena de preclusão.
Entretanto, pondera-se que os limites da renúncia ao benefício da impenhorabilidade do bem de família residem no respeito à eticidade, da qual é corolária a boa-fé objetiva, enquanto norma de conduta que impõe às partes o comportamento confiante e leal nas suas relações jurídicas. Trata-se de postulado erigido à condição de uma das diretrizes do Código Civil atual e que representa a “mais imediata tradução da confiança, verdadeiro alicerce da convivência social” (FARIAS; ROSENVALD, 2014, v. 4, p. 166).
A esse respeito, constata-se que o STJ já decidiu que, conquanto o bem de família seja impenhorável mesmo quando indicado à penhora pelo próprio devedor, não há que ser anulada a penhora em caso de má-fé calcada em comportamentos contraditórios pelo devedor. É posto em tablado aqui outro princípio geral do direito, o da vedação a comportamentos contraditórios, consubstanciado em velho brocardo latino: nemo potest venire contra factum proprium. Nesse sentido, explicam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2014, v. 1, p. 633):
“É, pois, a proibição da inesperada mudança de comportamento (vedação da incoerência), contradizendo uma conduta anterior adotada pela mesma pessoa, frustrando as expectativas de terceiros. Enfim, é a consagração de que ninguém pode se opor a fato a que ele próprio deu causa.”
Com efeito, se é o próprio executado quem, mediante acordo homologado judicialmente, tenha pactuado com o exequente a prorrogação do prazo para pagamento e a redução do valor de dívida que contraíra em benefício da família, oferecendo o imóvel em garantia e renunciando expressamente ao oferecimento de qualquer defesa, descumprido o acordo, a execução prosseguiria com a avaliação e a praça do imóvel. De maneira que, no caso concreto, evidenciada a má-fé do executado, não pode ser invocada a proteção, isso porque, como esclarece o STJ em recente julgado noticiado:
“O executado agiu em descompasso com o princípio nemo venire contra factum proprium, adotando comportamento contraditório, num momento ofertando o bem à penhora e, no instante seguinte, arguindo a impenhorabilidade do mesmo bem, o que evidencia a ausência de boa-fé. Essa conduta antiética deve ser coibida, sob pena de desprestígio do próprio Poder Judiciário, que validou o acordo celebrado.” (STJ, Inf. 558, 3ª Turma, REsp 1.461.301/MT, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 05.03.2015, DJe 23.03.2015)
Ainda nesse mesmo norte, tem-se decidido que a proteção alcança até mesmo penhoras procedidas anteriormente à edição da lei federal que instituiu o bem de família no Brasil, a saber: a Lei nº 8.009/90. Destacamos o Enunciado nº 205 da súmula da jurisprudência do STJ: “A Lei nº 8.009/90 aplica-se a penhora realizada antes de sua vigência“.
Outrossim, Carlos Roberto Gonçalves (2013, p. 604) nos indica que o STJ já decidiu que, como a qualificação “bem de família” torna o imóvel absolutamente impenhorável (art. 649 do CPC), pode ser este óbice à penhora arguido a qualquer tempo, em qualquer fase ou momento processual, podendo ser declarada inclusive de ofício pelo juiz. Isso porquanto se está diante de hipótese que se enquadra como nulidade absoluta. Com alusão a esse assunto, vejamos alguns julgados:
“(…) A avaliação da natureza do bem de família, amparado pela Lei nº 8.009/90, por ser questão de ordem pública e não se sujeitar à preclusão, comporta juízo dinâmico. E essa circunstância é moldada pelos princípios basilares dos direitos humanos, dentre eles o da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos do nosso Estado Democrático, nos termos do 1º, inciso III, da Constituição da República.” (REsp 1.178.469/SP, Rel. Min. Massami Uyeda, Terceira Turma, j. 18.11.2010, DJe 10.12.2010)
“PROCESSUAL CIVIL. PENHORA. BEM ABSOLUTAMENTE IMPENHORÁVEL. ART. 649, VI, DO CPC. NULIDADE ABSOLUTA. PRECLUSÃO. AUSÊNCIA. RENÚNCIA DO DEVEDOR. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
I – Em se tratando de nulidade absoluta, a exemplo do que se dá com os bens absolutamente impenhoráveis (CPC, art. 649), prevalece o interesse de ordem pública, podendo ser ela arguida em qualquer fase ou momento, devendo inclusive ser apreciada de ofício.
II – O executado pode alegar a impenhorabilidade de bem constrito mesmo quando já designada a praça e não tenha ele suscitado o tema em outra oportunidade, inclusive em sede de embargos do devedor, pois tal omissão não significa renúncia a qualquer direito, ressalvada a possibilidade de condenação do devedor nas despesas pelo retardamento injustificado, sem prejuízo de eventual acréscimo na verba honorária, afinal.” (REsp 192.133/MS, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4ª Turma, j. 04.05.99, DJ 21.06.99, p. 165) (grifo nosso)
5 A Abrangência da Proteção
Além da discussão subjetiva acerca de quem seriam os potenciais destinatários da proteção do instituto em questão, discute-se, também, objetivamente, o que estaria abrangido pela proteção do instituto em tablado.
Percebe-se, a esse respeito, que há três fontes normativas regulamentando essa abrangência: a Lei nº 8.009/90 (art. 1º, parágrafo único [35]), o Código Civil (art. 1.711 [36]) e o Código de Processo Civil/2015 (art. 833, II [37]). Dessas normas, podemos extrair algumas conclusões silogísticas, de maneira que, além do imóvel, estariam também, inquestionavelmente, imunizados quanto à penhora: a) no bem de família legal, a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional; b) os valores mobiliários destinados à conservação do bem de família voluntário ou à manutenção da família; e c) os móveis, pertences e utilidades domésticas quitados relacionados às necessidades cotidianas de uma família média.
Com efeito, de nada adiantaria deferir a proteção a um imóvel vazio, desprovido que estaria de qualquer utilidade quanto a servir de lar a alguém. Atendido não estaria o fim social da norma, que deve ser perseguido pelo intérprete, aplicador da lei, por comando legal estatuído no art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro [38].
Essa extensão de proteção é propiciada também por uma interpretação teleológica do instituto. Efetivamente, perscrutando-se o fim social da norma em comento, constata-se que o legislador associa o deferimento do direito à moradia a alguém ao resguardo da sua própria dignidade, à proteção mínima que merecem todas as pessoas, decidindo ou não estas conviverem em família com outras. Com efeito, de que adiantaria isentar de penhora o imóvel vazio, sem que este estivesse mobiliado com qualquer utensílio ou eletrodoméstico associado a nossa vida cotidiana?!
A doutrina de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona (2012, p. 405) admoesta que a proteção “não deve se limitar apenas ao indispensável para a subsistência, mas, sim, ao necessário para uma vida familiar digna” (grifo nosso). Essa defesa vem ao encontro da tese do “patrimônio mínimo“, capitaneada por Luiz Edson Fachin (2010, p. 280), para quem: “O mínimo não é referido por quantidade, e pode muito além do número ou cifra mensurável. Tal mínimo é valor e não metrificação, conceito aberta cuja presença não viola a ideia de sistema jurídico axiológico“.
Os nossos Tribunais Superiores já acolheram a tese do resguardo ao bem de família como expressão do mínimo vital [39].
Nessa linha de ideias, excluem-se, por óbvio, adornos de luxo ou suntuosos. Isto porque, acaso se deferisse tutela a esses objetos de elevado valor, estar-se-ia desvirtuando o fim social da norma instituidora do bem de família, já explicado linhas acima. A nossa legislação, a esse respeito, é enfática, ao estatuir que:
“Art. 2º Excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos.” (Lei nº 8.009/90) (grifo nosso)
“Art. 833. São impenhoráveis:
(…)
II – os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;” (CPC/2015) (grifo nosso)
Destarte, a fim de evitarem-se distorções, o Superior Tribunal de Justiça vem restringindo a tutela, quanto aos móveis, àqueles considerados essenciais. Veja-se, nesse sentido, trecho de emblemático julgado abaixo transcrito:
“(…) É assente na jurisprudência das Turmas que compõem a Segunda Seção desta Corte o entendimento segundo o qual a proteção contida na Lei nº 8.009/90 alcança não apenas o imóvel da família, mas também os bens móveis que o guarnecem, à exceção apenas os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos.
II – São impenhoráveis, portanto, o televisor e a máquina de lavar roupas, bens que usualmente são encontrados em uma residência e que não possuem natureza suntuosa.
Reclamação provida.” (STJ, Rcl 4.374/MS, Rel. Min. Sidnei Beneti, 2ª Seção, j. 23.02.2011, DJe 20.05.2011) (grifo nosso)
A par do exposto, obtempera a doutrina de Zeno Veloso (2003, p. 87) argumento prático acerca da inutilidade de se penhorarem móveis e eletrodomésticos usados, que, uma vez vendidos em leilão, pouco ou quase nada rendem, muitas vezes apenas sendo suficientes a fazer frente às despesas judiciais. De sorte que o pouco benefício advindo ao credor não se justificaria em face do grande constrangimento decorrente da constrição e da falta que esses bens causariam ao devedor.
Curiosa a análise efetuada pelo Ministro Salvio de Figueiredo citada por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona (2012, p. 404), estendendo o espectro da proteção do bem de família, no julgamento do REsp 218.882/SP, até mesmo aos instrumentos musicais, pelas seguintes razões:
“Parece-me mais razoável que, em uma sociedade violenta como a atual, seja valorizada a conduta dos que se dedicam aos instrumentos musicais, sobretudo sem o projeto de lucro, por tudo que a música representa, notadamente em um lar e na formação dos filhos, a dispensar maiores considerações. Ademais, não é um mero teclado musical que iria contribuir para o equilíbrio das finanças de um banco.” (grifo nosso)
Registra-se que não se quer, a partir do supra exposto, defender que apenas pessoas economicamente hipossuficientes devam ser merecedoras da proteção das suas casas de morada. Com efeito, se o instituto do bem de família tem sua ratio na proteção da dignidade da pessoa humana, inquestionável a sua universalidade, de maneira que o simples fato de imóvel ser valioso não impede que ele seja caracterizado como bem de família. Destaca-se, nesse norte, que o STJ entende que “o art. 3º da referida Lei [Lei nº 8.009/90], que trata das exceções à regra da impenhorabilidade, não traz nenhuma indicação concernente ao valor do imóvel. Portanto, é irrelevante, para efeitos de impenhorabilidade, que o imóvel seja considerado luxuoso ou de alto padrão” [40] (grifo nosso).
O aspecto valorativo do bem entra em cena, contudo, quando o devedor possuir mais de um imóvel. In casu, será tido como impenhorável, segundo o parágrafo único do art. 5º da Lei nº 8.009/90 [41] aquele de menor valor, hipótese também referendada pela jurisprudência do STJ, in verbis:
“BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. LEI Nº 8.009/90. A regra do parágrafo único do art. 5º da Lei nº 8.009/90 incide apenas quando houver prova da existência de outros imóveis destinados à moradia, e de menor valor do que o arrestado. Circunstância inocorrente. Recurso conhecido e provido.” (REsp 151.186/RJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª Turma, j. 07.05.98, DJ 29.06.98, p. 199) (realce nosso)
Não obstante o exposto, andou bem o Superior Tribunal de Justiça ao vaticinar que, acaso possível o desmembramento do bem sem descaracterização da sua função moradia, deve-se proceder àquele, como noticiado no Informativo de Jurisprudência nº 456 do STJ [42]:
“BEM DE FAMÍLIA. ELEVADO VALOR. IMPENHORABILIDADE.
A [3ª] Turma, entre outras questões, reiterou que é possível a penhora de parte ideal do imóvel caracterizado como bem de família quando for possível o desmembramento sem que, com isso, ele se descaracterize. Contudo, para que seja reconhecida a impenhorabilidade do bem de família, de acordo com o art. 1º da Lei nº 8.009/90, basta que o imóvel sirva de residência para a família do devedor, sendo irrelevante o valor do bem. O referido artigo não particulariza a classe, se luxuoso ou não, ou mesmo seu valor. As exceções à regra de impenhorabilidade dispostas no art. 3º da referida Lei não trazem nenhuma indicação no que se refere ao valor do imóvel. Logo, é irrelevante, para efeito de impenhorabilidade, que o imóvel seja considerado luxuoso ou de alto padrão. Assim, a Turma conheceu em parte do recurso e, nessa extensão, deu-lhe provimento. Precedentes citados: REsp 326.171/GO, DJ 22.10.01; REsp 139.010/SP, DJ 20.05.02; e REsp 715.259/SP, DJe 09.09.2010.” (REsp 1.178.469/SP, Rel. Min. Massami Uyeda, 3ª Turma, j. 18.11.2010, DJe 10.12.2010) (grifo nosso)
Adotando interpretação a contrario sensu e corroborando a ideia acima, também encontramos o seguinte no Informativo nº 232 do STJ:
“BEM DE FAMÍLIA. IMÓVEL INDIVISÍVEL E MISTO.
No caso, o imóvel é indivisível e misto, pois um quinto foi declarado impenhorável e os demais quatro quintos não. Assim, o bem não admitindo desmembramento, a impenhorabilidade da fração ideal contamina a totalidade do imóvel, inviabilizando sua alienação em hasta pública. Se fosse adotada situação diversa, estaria sendo violado o direito de moradia que se pretende assegurar com a declaração de impenhorabilidade do bem e estaria sendo contrariada a finalidade da Lei nº 8.009/90, que, nessa hipótese, deve prevalecer em detrimento do direito de crédito. A impenhorabilidade do bem de família garante que o imóvel não será retirado do domínio do beneficiário, objetivo que não seria atingido se fosse, somente, reservada aos recorrentes a correspondente quota-parte do preço alcançado com a hasta pública. Precedentes citados: REsp 200.251/SP, DJ 29.04.02; REsp 326.171/GO, DJ 22.10.01; REsp 56.754/SP, DJ 21.08.00; e REsp 139.010/SP, DJ 20.05.02.” (REsp 507.618/SP, Relª Minª Nancy Andrighi, j. 07.12.04) (grifo nosso)
Pontua-se, ainda, que a possibilidade de desmembramento ou não do imóvel deve ser aferida caso a caso e considerando-se alguns parâmetros, como o tamanho médio do terreno da vizinhança, possível descaracterização e desvalorização do imóvel remanescente, posição social do devedor, dentre outros, segundo estabeleceu o STJ no Informativo de Jurisprudência nº 26 [43].
6 Exceções à Impenhorabilidade
A análise do alcance das normas que excepcionam a regra da impenhorabilidade do bem de família tem se mostrado um terreno fértil para discussões no âmbito judicial.
Pontua-se, por rigor científico, que distintas são as hipóteses autorizadoras de penhora conforme se trate de bem de família legal (previsto na Lei nº 8.009/90) ou voluntário (estabelecido pelo Código Civil, arts. 1.711/1.722). Com efeito, tratando-se de bem de família voluntariamente instituído pelo devedor, as exceções à impenhorabilidade são mais restritas, limitando-se apenas aos tributos relativos ao prédio e às despesas condominiais. Tratando-se, contudo, do bem de família legal, o assunto se mostra mais complexo, tanto pela extensão quanto pela profundidade das exceções, razão pela qual dedicou-se esse espaço para discuti-lo.
A par disso, o desenvolvimento desse tópico se mostra relevante na medida que se constatam duas recentes e significativas alterações legislativas perpetradas pela Lei Complementar nº 150/2015 e pela Lei nº 13.144/2015 na Lei do Bem de Família Obrigatório (Lei nº 8.009/90).
Um norte auxiliará o intérprete na elucidação da grande maioria das indagações a respeito do presente tema. Trata-se da máxima hermenêutica que preconiza que as normas que estabelecem exceções não devem ter interpretação ampliativa. Essa ideia já foi acolhida no STJ, especialmente, ao julgar questão envolvendo o bem de família, oportunidade em que vaticinou: “A Lei nº 8.009/90 ostenta natureza excepcional, de modo que as exceções à regra geral da impenhorabilidade do bem de família são previstas de forma taxativa, sendo insuscetíveis de interpretação extensiva” (REsp 1.074.838/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, j. 23.10.2012, DJe 30.10.2012) [44]. Essa regra, contudo, não é absoluta e excepcionalmente vem sendo afastada pelo STJ, quando em tablado algumas das exceções contidas no art. 3º da Lei nº 8.009/90.
Neste momento do presente estudo, pede-se vênia ao leitor para manifestar-se um lamento. É que recentemente operou-se reprovável revogação, pela Lei nº 150/2015, do inciso I do art. 3º da Lei nº 8.009/90, que previa o afastamento da impenhorabilidade do bem de família em caso de cobrança de crédito trabalhista ou previdenciário de trabalhador da própria residência. Essa possibilidade de penhora antes constituía importante trunfo que tinha o trabalhador doméstico para a defesa dos seus direitos de índole trabalhista e previdenciária.
Outra hipótese legal de possibilidade de penhora da casa de morada se dá em caso de se contrair financiamento para aquisição do próprio imóvel. Trata-se de hipótese legal permitida pela Lei nº 8.009/90, art. 3º, II. Quando em tablado o alcance dessa exceção, com esteio na impossibilidade de aplicação extensiva das hipóteses autorizadoras de penhora, o STJ já pontuou o seguinte:
“A inadimplência dos réus em relação a compras de materiais de construção do imóvel onde residem não autoriza afastar a impenhorabilidade de bem de família, dado que a hipótese excepcional em contrário, prevista no art. 3º, II, da Lei nº 8.009/90, é taxativa, não permitindo elastecimento de modo a abrandar a regra protetiva conferida pelo referenciado diploma legal.” (AgRg no Ag 888.313/RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 4ª Turma, j. 24.06.08, DJe 08.09.08) (grifo nosso)
Discutir-se-á a seguir a possibilidade de penhora do bem de família em se tratando de débito alimentar. Utilizando-se de argumento bastante lógico, Álvaro Villaça de Azevedo (1999, p. 178) explica: “À guisa de defender-se a célula familiar, não pode pois ser negada a proteção existencial do próprio integrante dela. Primeiro deve sobreviver o membro da família e, depois, esta, como fortalecimento da sociedade e do próprio Estado“. Aqui, muitos detalhes se postam.
Inicia-se com importante discussão a respeito da possibilidade de a penhora sobre o bem de família do devedor de pensão alimentícia haver ou não que respeitar a meação do coproprietário com o qual aquele seja casado. Neste caso, constata-se importante contribuição da jurisprudência, que indicou o norte para evolução legislativa recentemente perpetrada na Lei nº 8.009/90. Com efeito, acaso se permitisse que a penhora in casu abrangesse o bem por inteiro estar-se-ia prejudicando coproprietário absolutamente estranho à lide. Atento a isso, o STJ consolidou o entendimento de que:
“É possível o arresto de imóvel tido por bem de família para a garantia de pagamento de pensão alimentícia. Trata-se de exceção disciplinada pela própria Lei nº 8.009/90 (art. 3º, III). Porém há que se respeitar, em razão do regime de casamento adotado, a meação referente ao cônjuge do alimentante, que deve ser reservada em caso de hasta pública.” (STJ, Inf. 252, 4ª Turma, REsp 697.893/MS, Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 21.06.2015, 4ª Turma, DJ 01.08.2015) (grifo nosso)
Essa ideia foi referendada pelo legislador e o embasou em hodierna mudança legislativa realizada pela Lei nº 13.144/2015 no inciso III do art. 3º da Lei nº 8.009/90, resguardando, portanto, a meação do coproprietário estranho a essa dívida casado com o devedor dos alimentos.
Outro importante registro que merece ser feito neste tópico diz respeito à abrangência dessa exceção contida no inciso III do art. 3º da Lei nº 8.009/90. Com efeito, discutiu-se no âmbito do Superior Tribunal de Justiça se o crédito de honorários advocatícios se equiparia ou não aos alimentos e, em consequência, poderia ou não permitir a penhora do bem de família. Firmou-se entendimento, contudo, que a espécie de crédito aludida (art. 24 da Lei nº 8.906/94) “não se assemelha à pensão alimentícia, de sorte que não se encontra entre as exceções à benesse da Lei nº 8.009/90, de modo a preservar-se a impenhorabilidade do bem de família” (grifo nosso) [45].
Ainda quanto ao tema que associa a dívida alimentar à penhora do bem de família, questionou-se se a natureza dos alimentos seria ou não relevante para fins de se afastar ou não a regra da proteção à casa de morada das famílias. Nesse norte, não é impertinente relembrar que a pensão alimentícia, conquanto tenha sua origem mais divulgada no parentesco, casamento ou união estável [46], também pode derivar de regra de responsabilidade civil por ato ilícito, como também pode ter base o direito sucessório ou contratual [47]. Perscruta-se aqui: todas essas pensões alimentícias, se atrasadas, permitiriam a penhora do bem de família do devedor? A doutrina de Carlos Roberto Gonçalves (2013, p. 598) pondera:
“A rigor, a exceção deveria concernir somente aos alimentos regidos pelo direito de família, provenientes do parentesco, do casamento e da união estável, uma vez que os devidos pela prática de ilícito civil, malgrado também chamados de ‘alimentos’ e de ‘pensão’ (CC, arts. 948 e 950), não passam de indenização por responsabilidade civil ex delicto e nada tem a ver com a necessidade de alimentos.”
Não obstante o exposto, a Lei nº 8.009/90 não restringiu a pensão autorizativa da penhora do bem de família àquela oriunda do direito de família. A partir dessa linha de raciocínio, o STJ vem permitindo a penhora no caso de execução de dívidas decorrentes de pensão alimentícia por ato ilícito, considerando, destarte, irrelevante a origem dos alimentos. O STJ vaticinou:
“A pensão alimentícia é prevista no art. 3º, inciso III, da Lei nº 8.009/90 como hipótese de exceção à impenhorabilidade do bem de família. E tal dispositivo não faz qualquer distinção quanto à causa dos alimentos, se decorrente de vínculo familiar ou de obrigação de reparar danos.” (REsp 1.186.225/RS, Rel. Min. Massami Uyeda, Terceira Turma, j. 04.09.2012, DJe 13.09.2012) [48] (grifo nosso)
Há que se esclarecer, no entanto, que em se tratando de pensão alimentícia decorrente de ato ilícito, a jurisprudência adverte que, para que esta enseje o afastamento da impenhorabilidade, imprescindível que haja expressa condenação nesse sentido do devedor, não bastando a mera condenação ao dever de indenizar, senão vejamos:
“A indenização, no caso, decorre de erro médico, sobrevindo condenação civil a reparação do dano material e moral, sem obrigação de prestar alimentos. Não incide, portanto, a exceção de impenhorabilidade de bem de família prevista no inciso III do art. 3º da Lei nº 8.009/90.” (REsp 711.889/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 22.06.2010, DJe 01.07.2010) (grifo nosso)
A próxima exceção legal à impenhorabilidade está contida no inciso IV do art. 3º da Lei nº 8.009/90 e versa sobre impostos, taxas e contribuições em função do imóvel familiar. A par das espécies tributárias expressamente aduzidas, questionou-se na jurisprudência: seriam também as contribuições de condomínio capazes de afastar a impenhorabilidade do bem de família? Pois bem, a princípio, registra-se que houve embate no STJ entre a 3ª e 4ª Turmas, aquela permitindo a penhora e esta não. Para se solucionar esse impasse, retoma-se aqui a orientação hermenêutica indicada no início desse capítulo como um norte para a solução de grande parte das questões que se colocam quanto à análise das exceções à impenhorabilidade. Dizíamos, acima, que as normas que consagram exceções devem ser interpretadas restritivamente, não cabendo qualquer orientação ampliativa [49]. Aqui, entretanto, essa diretriz não foi aplicada, de sorte que o tema pacificou-se no seguinte sentido:
“Em função do caráter solidário da taxa de condomínio, a execução desse valor pode recair sobre o próprio imóvel, sendo possível o afastamento da proteção dada ao bem de família. Dessa forma, pretende-se impedir o enriquecimento sem causa do condômino inadimplente em detrimento dos demais. Essa construção jurisprudencial e doutrinária não significa, contudo, que a execução tenha que obrigatoriamente atingir o imóvel, se for possível satisfazer o crédito de outra forma, respeitada a gradação de liquidez prevista no art. 655 do CPC (com redação dada pela Lei nº 11.382/06).” (STJ, Inf. 501, 3ª Turma, REsp 1.275.320/PR, Relª Minª Nancy Andrighi, j. 02.08.2012) [50] (grifo nosso)
O STF, enfrentando a questão, igualmente vem trilhando:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CÍVEL. COBRANÇA DE DESPESAS DE CONDOMÍNIO. PENHORA DE BEM DE FAMÍLIA. PRECEDENTE. RECURSO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO. Relatório (…) No julgamento do Recurso Extraordinário 439.003, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal assentou não haver razão para se cogitar de impenhorabilidade do bem de família na cobrança de despesas condominiais, pois o pagamento da contribuição condominial é essencial à conservação da propriedade, vale dizer, à garantia da subsistência individual e familiar. Confira-se, a propósito, a desse julgado: ‘RECURSO EXTRAORDINÁRIO. BEM DE FAMÍLIA. PENHORA. DECORRÊNCIA DE DESPESAS CONDOMINIAIS. 1. A relação condominial é, tipicamente, relação de comunhão de escopo. O pagamento da contribuição condominial [obrigação propter rem] é essencial à conservação da propriedade, vale dizer, à garantia da subsistência individual e familiar – a dignidade da pessoa humana. 2. Não há razão para, no caso, cogitar-se de impenhorabilidade. 3. Recurso extraordinário a que se nega provimento’ (RE 439.003, Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, DJ 02.03.07). Dessa orientação jurisprudencial não divergiu o julgado recorrido. 5. Pelo exposto, nego seguimento a este recurso (art. 557, caput, do Código de Processo Civil e art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). Publique-se. Brasília, 2 de junho de 2011. Ministra Cármen Lúcia – Relatora.” (STF, RE 594.118/SP, Relª Minª Cármen Lúcia, j. 02.06.2011, DJe-113, Divulg. 13.06.2011, Public. 14.06.2011) (grifo nosso)
Sobre essa tese acolhida no STJ e no STF, a doutrina vem ensinando:
“Malgrado a falha e a omissão da Lei nº 8.009/90, tem a jurisprudência admitido a penhora do bem de família por não pagamento de despesas condominiais, apregoando-se que o vocábulo ‘contribuições’, mencionado no inciso IV, não exprime apenas as contribuições de melhoria, mas também a mensalidade correspondente ao rateio condominial.” (GONÇALVES, 2013, p. 596)
Outrossim, se o bem de família é oferecido em garantia real pelo próprio devedor, também estamos diante de uma exceção à regra da impenhorabilidade, assim prevista no inciso V do art. 3º da Lei nº 8.009/90. Prestigiando, mais uma vez, o fim social da norma e a ideia de que é a família (e não apenas o indivíduo, os seus membros) a destinatária precípua da proteção, o STJ vem condicionando a validade da penhora nesses casos à reversão do proveito da dívida em favor da família [51].
É necessário registrar-se que esse proveito em favor da família não é presumido, devendo, portanto, ser provado em ônus atribuído ao exequente [52].
Ainda sob a análise das exceções legais, vislumbra-se também que, se o bem é adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens, também não incide a proteção, pois, como elucida trecho de paradigmático julgado transcrito: “O legislador optou pela prevalência do dever do infrator de indenizar a vítima de ato ilícito que tenha atingido bem jurídico tutelado pelo direito penal e que nesta esfera tenha sido apurado, sendo objeto, portanto, de sentença penal condenatória transitada em julgado” (STJ, Inf. 524, 4ª Turma, REsp 1.021.440/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 02.05.2013) (grifo nosso).
Efetivamente, ainda que inexistisse previsão legal nesse sentido, a vedação à proteção neste caso decorreria do primado da eticidade, erigido à condição de pilastra do nosso atual Código Civil e consagrado também em célebre máxima do direito romano, segundo a qual a nemo auditur propriam turpitudinem (em bom português, “a ninguém é dado valer-se da própria torpeza“), fundamento já identificado pelo STJ [53]. Pondera-se, entretanto, que, acaso a condenação do ofensor pela prática de ilícito se dê unicamente no âmbito civil, com a consequente atribuição da responsabilidade de indenizar a vítima, esta não poderá alcançar a casa de morada daquele em caso de seu inadimplemento. É o que se encontra em precedente do STJ [54].
Ultima-se esse capítulo com longeva discussão jurisprudencial recentemente pacificada, mas não isenta, contudo, de críticas pela doutrina. Trata-se da análise da possibilidade de se penhorar ou não a casa de morada do fiador em contrato de locação. Com efeito, a Lei nº 8.241/91 inovou a Lei nº 8.009/90 para, atendendo a grande clamor do mercado imobiliário, passar a permitir a penhora nesses casos, de sorte que, atualmente, é a redação do inciso VII do art. 3º da Lei nº 8.009/90 que autoriza expressamente o afastamento da proteção da impenhorabilidade em contratos dessa natureza.
Esse garantidor fidejussório assume a responsabilidade com o seu patrimônio por débito de outrem, o afiançado, hipótese permitida a partir da divisão clássica dos conceitos de débito (schuld) e de responsabilidade (haftung) estabelecidos na teoria dualista defendida por Brinz (apud FARIAS; ROSENVALD, 2014, v. 2, p. 259). A ideia inaugurada pela Lei nº 8.241/91, contudo, nunca foi digerida pela doutrina que, majoritariamente, sempre criticou a aludida regra, embasando, com isso, inúmeros recursos intentados perante os Tribunais Superiores.
Ora, como justificar o fato de que o próprio devedor principal do contrato de fiança garantidor de uma locação tenha a salvo a sua casa de morada em face de dívidas contraídas por essa avença e permitir que igual direito não assista àquele que assuma a condição de mero devedor secundário?! Definitivamente, data maxima venia, não há razoabilidade! Em análise crítica a esse respeito, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona (2012, p. 408) ponderam: “As obrigações do locatário e do fiador têm a mesma base jurídica – o contrato de locação – não é justo que o garantidor responda como seu bem de família, quando a mesma exigência não é feita para o locatário“. O alentado brocardo latino que consagra o princípio da gravitação jurídica, segundo o qual accessorium sequitir principale (em vernáculo, “o acessório segue o principal“) aqui não é observado e a lógica do sistema não encontra guarida em face do princípio da isonomia.
Lamentavelmente, em reputado retrocesso, o STJ posicionou-se pela constitucionalidade da regra legal, estatuindo que: “[É] legítima a penhora de apontado bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, ante o que dispõe o art. 3º, inciso VII, da Lei nº 8.009/90” (STJ, REsp 1.363.368/MS, Recurso Repetitivo, 2ª Seção, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 12.11.2014, DJe 21.11.2014) (grifo nosso).
No STF, a questão teve reconhecida sua repercussão geral no Tema nº 295 – penhorabilidade de bem de família de fiador de contrato de locação [55]. Teve como leading case o RE 612.360/SP, também julgado desfavoravelmente ao fiador [56].
Ainda não rendidas, as vozes doutrinárias majoritariamente contrárias à ideia supra esposada ensejaram a edição de um Projeto de Lei nº 1.622/96 objetivando suprimir essa hipótese.
Há que se distinguir o que foi dito acima em relação a um outro questionamento que também relaciona os temas contrato de locação e impenhorabilidade do bem de família. Trata-se da discussão pacificada recentemente através de entendimento sumulado do nosso egrégio Superior Tribunal de Justiça [57], segundo o qual, não obstante o imóvel esteja locado, a proteção não é desnaturada se comprovado se tratar de único bem e que a renda obtida com o aluguel é revertida para a subsistência ou moradia da família.
7 Outras Discussões Relevantes
A especificidade normativa com que a pessoa que vive em imóvel rural [58] foi tratada, em matéria de bem de família, inspirou-nos a dedicar algumas linhas para o tema. É que, de acordo com a lei federal que regulamenta o chamado bem de família legal, a impenhorabilidade não abrangerá a propriedade rural como um todo, mas restringir-se-á, tão somente, à sede da fazenda utilizada para o fim de moradia, com os respectivos bens móveis [59]. Destarte, vem decidindo o STJ que “deve-se considerar como legítima a penhora incidente sobre a parte do imóvel que exceda o necessário à sua utilização como moradia” [60].
Traz-se à baila também, sobre o mesmo assunto, que há uma faceta de proteção deferida ao devedor morador de imóvel rural em face dos credores que é outorgada pela própria Constituição Federal. Nesse norte, estatui o art. 5º, inciso XXVI, da CF/88 no sentido de ser também impenhorável a pequena propriedade rural assim definida em lei. Ocorre que tem se discutido como se definir esse conceito, isso porque, segundo o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64) [61], o tamanho limite da pequena propriedade rural seria traçado a partir do número inferior a 4 de módulos rurais, ao passo que, consoante a Lei nº 8.629/93 [62], o critério deveria ser o mesmo número, mas o parâmetro seria módulos fiscais. O Supremo Tribunal Federal já enfrentou a questão, admitindo como critério o da Lei nº 8.629/93 [63].
Outrossim, decidindo a bem de pessoas que residem em imóveis dessa natureza, tem vaticinado o STJ, tanto pela sua 2ª quanto pela sua 4ª Turma, que trata-se de garantia com assento constitucional, oponível mesmo quando o bem indicado espontaneamente pelo devedor em garantia, não se lhe aplicando, portanto, a hipótese autorizativa do inciso do art. 3º, V, da Lei nº 8.009/90 [64].
Outro assunto relativo a bem de família que merece ser registrado diz respeito a uma questão processual. Assim é que, estando a penhora deprecada, questiona-se: a quem compete decidir acerca de eventuais alegações deduzidas pelo devedor quanto à impenhorabilidade do bem em conta da característica como bem de família? Sobre o assunto, pacificou o STJ, quando do julgamento de conflito de competência: “Compete ao Juízo deprecado analisar as questões relativas à impenhorabilidade do bem de família e à redução da penhora, arguidas pelo devedor sem qualquer irresignação contra a dívida” (STJ, CC 35.346/SP, Relª Minª Nancy Andrighi, 2ª Seção, j. 11.09.02, DJ 28.10.02) (grifo nosso).
Inusitada, também, mostra-se outra perquirição já enfrentada pelos nossos Tribunais: pode, a pessoa jurídica, valer-se da impenhorabilidade do bem de família para obstar a penhora da sua sede? Conquanto não se olvide, aqui, da necessária distinção entre personalidade da empresa e dos sócios empresários que a compõe, a jurisprudência do STJ tem encampado interessante tese defendida por Luiz Edson Fachin (2010) no que atine ao bem de família. Em caso concreto submetido a sua análise, o STJ decidiu ser impenhorável um único imóvel pertencente a uma sociedade empresária onde residia a família empreendedora [65].
8 Considerações Finais
Diante do pessimista cenário econômico hodiernamente vivenciado no nosso país, restou demonstrado como é relevante discutir o instituto do bem de família. Isso porque, como se analisou, as taxas de inadimplência e de desemprego atualmente têm atingido patamares vultuosos, permitindo-nos inferir, a curto prazo, um cenário em que o manejo desse instituto protetivo por devedores em face de credores vai ser cada vez mais recorrente.
A outro giro, pela análise do que se expôs, evidenciou-se o quão dinâmico tem sido o estudo do instituto bem de família a partir da evolução da análise da jurisprudência dos tribunais superiores no deslinde das inúmeras problemáticas a ele associadas, seja colmatando as lacunas legais, seja delimitando a interpretação que deve ser dada a essa importante proteção legal.
Com efeito, através dos inúmeros precedentes colacionados, demonstrou-se a verdadeira revolução que os Tribunais Superiores brasileiros, sobretudo o Superior Tribunal de Justiça, vêm realizando ao julgarem casos concretos envolvendo o aludido instituto. Nessas decisões, como visto, foi possível perceber a importância da análise da jurisprudência como inconteste e importantíssima fonte do direito, sobretudo diante da recente vigência da Lei nº 13.105/2015 (Novo CPC) a inaugurar tempos de aproximação do direito brasileiro ao modelo do stare decisis, com todo o prestígio que este confere aos precedentes judiciais.
Nesse norte, foi possível perceber também que o alcance objetivo e subjetivo desse instituto vem sendo traçado, sobretudo, pela nossa jurisprudência. Foi esta quem incluiu pessoas solteiras, viúvas e celibatários como destinatárias da proteção decorrente da impenhorabilidade desse bem. Outrossim, é através das decisões judiciais que vem se fazendo possível elucidar o quê está abrangido pela tutela do bem de família. Discorreu-se, nesse sentido, acerca da associação da proteção do instituto entre o bem imóvel e os móveis que o guarnecem como mobília essencial. Pode-se perceber, ademais, que o simples fato de o imóvel de morada da pessoa ter elevado valor não descaracteriza a proteção. Registrou-se, contudo, que o STJ vem corretamente julgando, ao preconizar o desmembramento do bem de elevado valor e área, acaso não reste comprometida sua função de moradia.
Destacou-se a pertinência da pesquisa científica sobre o tema eleito a partir das duas recentes inovações legislativas editadas no que atine ao bem de família. Com efeito, com a edição da Lei Complementar nº 150/2015, restou revogada a impenhorabilidade no caso de créditos de trabalhadores domésticos e das respectivas contribuições previdenciárias [66], o que se deu na contramão do processo que se tem vivenciado nos últimos anos de, enfim, valorizar o trabalhador doméstico e reconhecer, já com bastante defasagem, os seus direitos [67]. Outrossim, a Lei nº 13.144, também no último ano de 2015, alterou a proteção do bem de família do credor da pensão alimentícia [68]. Manteve-se a possibilidade de penhora neste caso, mas resguardaram-se os direitos sobre o bem do seu coproprietário que, com o devedor, mantenha união estável ou conjugal. Ressalvou-se, por evidente, a hipótese de ambos serem devedores da mesma pensão alimentícia
Enfim, com escopo de atingir e resguardar a finalidade social da norma instituidora dessa garantia, foi possível perceber que os Tribunais Superiores têm andado à frente da legislação atinente à matéria, traçando contornos bem mais ampliados do que aqueles previstos na literalidade da nossa legislação, não obstante a ressalva que é feita diante do reputado retrocesso na ratificação pelos Tribunais Superiores recentemente perpetrado quanto à possibilidade de penhora do imóvel residencial do fiador no contrato de locação.
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[1] Essa definição é de Platão, citada por Fustel de Coulanges (1998, p. 52).
[2] Citado por: CANTARELLA, Eva. Proprietà (diritto grecco). In: Novissimo Digesto Italiano. Torino: UTET. p. 102 (apud MALUF; MALUF, 2013, p. 720
[3] Dentro dessa ideia de patrimônio mínimo vital encontramos também o rol de bens impenhoráveis estabelecido pelo nosso Código de Processo Civil atual no art. 833.
[4] Veja-se previsão do art. 6º da CF/88.
[5] Art. 226 da CF/88.
[6] Art. 391 do CC e art. 789 do CPC/2015.
[7] Arts. 1.711 a 1.722.
[8] Segundo o Banco Central do Brasil, estima-se que o inadimplemento já alcance, até março de 2016, o percentual de 5,7{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} da população brasileira (Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/seu-dinheiro/noticia/2016/05/inadimplencia-total-e-juro-bancario-sobem-e-batem-novo-recorde-em-abril.html>. Acesso em: 11 jun. 2016).
[9] Os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) dão conta que, até abril do ano de 2016, a taxa de desemprego já alcança o alarmante índice de 11,2{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6}. Trata-se da maior taxa da série histórica do indicador, que teve início em 2012 (Disponível em: <http://www.valor.com.br/brasil/4582235/taxa-de-desemprego-sobe-para-112-no-trimestre-ate-abril-nota-ibge>. Acesso em: 11 jun. 2016).
[10] Emblemam essa afirmação os seguintes dispositivos do CPC/2015: art. 489, § 1º, V e VI, bem como art. 102, I, l, e art. 105, I, f, ambos da CF/88.
[11] A interpretação acerca do instituto do bem de família no Superior Tribunal de Justiça tem sido delegada às 3ª e 4ª Turmas, órgãos que, cada um com cinco ministros, são responsáveis, de acordo com o Regimento Interno do mesmo Tribunal, por julgar ações envolvendo o direito privado (comércio, consumo, contratos, família e sucessões). Por seu turno, os 10 ministros das duas Turmas citadas reúnem-se no âmbito da 2ª Seção, para julgarem recursos repetitivos relativos à mesma matéria. A outro giro, a Corte Especial do referido Tribunal Superior, composta pelos 15 ministros mais antigos, compete decidir recursos quando há interpretação divergente entre os órgãos especializados do Tribunal.
[12] Art. 226 da CF/88.
[13] Atente-se, também, ao que é estatuído como objetivo fundamental da República Federativa brasileira no art. 3º, I, da CF/88.
[14] A proteção a esta última espécie de família derivou do paradigmático julgamento proferido pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal na ADI 4.277, apensada à ADPF 132, com quem teve julgamento conjunto relatado pelo insigne Ministro Carlos Ayres Britto, em 05.05.2011 (DJe-198, Divulg. 13.10.2011, Public. 14.10.2011, Ement Vol-02607-03, pp-00341, RTJ Vol-00219, pp-00212).
[15] A família monoparental tem previsão expressa na nossa Constituição Federal (art. 226, § 4º).
[16] A família mosaico, também chamada de pluriparental ou reconstituída, é assim conceituada por Cecilia Grosman e Irene Martinez Alcorta, citadas por Rolf Madaleno (2013, p. 11): “É a estrutura familiar originada em um casamento ou uma união estável de um par afetivo, onde um deles ou ambos os integrantes têm filhos provenientes de um casamento ou de uma relação precedente”.
[17] O insigne civilista alagoano Paulo Lôbo, em paradigmático estudo sobre o tema intitulado Entidades Familiares Constitucionalizadas: para Além do Numerus Clausus (2004), refere que o art. 226 da Constituição Federal é verdadeira “cláusula geral de inclusão”, a possibilitar a extensão da proteção a entidades familiares não previstas expressamente no texto constitucional.
[18] Dados do IBGE (2010) denotam que 12,1{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} da população brasileira vive sozinha (Disponível em: <http://7a12.ibge.gov.br/vamos-conhecer-o-brasil/nosso-povo/familias-e-domicilios>. Acesso em: 1º out. 2015).
[19] Dados do IBGE (Censo, 2010) indicam que as pessoas que vivem sozinhas já representam 12,1{76169b13dc8071a543622af38f43e06a70fe94f036afac6a80498da78c2dc5a6} da população brasileira total. Disponível em: <http://7a12.ibge.gov.br/vamos-conhecer-o-brasil/nosso-povo/familias-e-domicilios.html>. Acesso em: 8 jun. 2016.
[20] Propõe-se uma leitura constitucional do dispositivo para o fim de incluir também o companheiro a partir da equiparação promovida pela Constituição Federal (art. 226, § 3º).
[21] Art. 1.716 do CC.
[22] Art. 1.722 do CC.
[23] STJ: AgRg no REsp 1.286.261/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma, j. 20.02.2014, DJe 10.03.2014; AgRg nos EREsp 911.321/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Corte Especial, j. 05.12.2011, DJe 03.05.2012; REsp 1.196.284/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, DJe 16.09.2010; REsp 695.240/PR, Rel. Min. Castro Meira, 2ª Turma, DJe 21.05.08; REsp 1.232.074/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, DJe 04.03.2011; REsp 789.285/MG, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, DJe 14.12.09.
[24] STJ, REsp 1.457.491/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, j. 08.09.2015, DJe 11.09.2015. Também nesse sentido: REsp 1.404.659/PB e REsp 1.263.518/MG.
[25] STJ, REsp 1.405.191/SP, Relª Minª Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 03.06.2014, DJe 25.06.2014; REsp 1.105.725/RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 4ª Turma, j. 22.06.2010, DJe 09.08.2010.
[26] Art. 3º da Lei nº 8.009/90.
[27] STJ, AgRg no REsp 1.480.892/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, j. 01.09.2015, DJe 16.09.2015.
[28] Em sentido contrário julgados mais antigos do STJ como o REsp 249.009/SP e REsp 440.974/PR.
[29] Também nesse sentido: STJ: REsp 178.317/SP (JSTJ 3/286), REsp 201.537/PR (RSTJ 124/416), REsp 208.963/PR (RSDCPC 4/81), REsp 192.133/MS (RSTJ 124/389, RTJE 175/254, RDJTJDFT 61/166) e REsp 262.654/RS (RT 787/215, JBCC 186/278).
[30] REsp 1.115.265/RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3ª Turma, j. 24.04.2012, DJe 10.05.2012.
[31] “Art. 833. São impenhoráveis: I – os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução; II – os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida; III – os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor; IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º; V – os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado; VI – o seguro de vida; VII – os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas; VIII – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família; IX – os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social; X – a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos; XI – os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei; XII – os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra.”
[32] Hoje o dispositivo corresponde ao art. 833 do CPC/2015.
[33] Em sentido contrário: “A ratio essendi do art. 649 do CPC decorre da necessidade de proteção a certos valores universais considerados de maior importância, quais sejam o direito à vida, ao trabalho, à sobrevivência, à proteção à família. Trata-se de defesa de direito fundamental da pessoa humana, insculpida em norma infraconstitucional” (REsp 864.962/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, j. 04.02.2010, DJe 18.02.2010).
[34] Nesse sentido: REsp 192.133/MS.
[35] “A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.”
[36] “O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.”
[37] “São impenhoráveis: (…) II – os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;”
[38] “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.”
[39] STJ, REsp 1.400.342/RJ, Relª Minª Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 08.10.2013, DJe 15.10.2013.
[40] REsp 1.178.469/SP, Rel. Min. Massami Uyeda, 3ª Turma, j. 18.11.2010, DJe 10.12.2010.
[41] “Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do art. 70 do Código Civil.”
[42] Nesse sentido: RT 804/194, 771/196 e 775/383 (apud GONÇALVES, 2013, p. 595).
[43] REsp 188.706/MG, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j. 05.08.99, 4ª Turma, DJ 13.09.99.
[44] Também no sentido de recomendarem interpretação restrita às exceções legais à impenhorabilidade do bem de família: STJ, REsp 988.915/SP, REsp 1.115.265/RS, REsp 1.182.108/MS, REsp 711.889/PR, REsp 1.036.376/MG, AgRg no Ag 888.313/RS e REsp 605.641/RS.
[45] REsp 1.182.108/MS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 4ª Turma, j. 12.04.2011, DJe 25.04.2011.
[46] Art. 1.694 do CC.
[47] Essas pensões alimentícias se encontram previstas respectivamente nos arts. 1.920, 948, II, e 950 do Código Civil.
[48] Também permitindo o afastamento da impenhorabilidade no caso de pensão alimentícia por ato ilícito: AgRg no REsp 1.210.101/SP, EREsp 679.456/SP e REsp 437.144/RS.
[49] Veja-se, nesse sentido, introito ao capítulo 6 desenvolvido acima neste trabalho.
[50] Também neste sentido: STJ, AgRg na MC 20.621/SP, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª Turma, j. 11.04.2013, DJe 23.04.2013.
[51] STJ, Informativo nº 493, 4ª Turma, REsp 997.261/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 15.03.2012.
[52] STJ, Informativo nº 348, 2ª Seção, EAg 711.179/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 12.03.08.
[53] STJ, 4ª Turma, REsp 947.518/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 08.11.2011.
[54] STJ, REsp 1.021.440/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, j. 02.05.2013, DJe 20.05.2013.
[55] Data de publicação DJe 03.09.2010, Ata nº 20/2010, DJe 164, Div. 02.09.2010.
[56] STF, RE 612.360, Relª Minª Ellen Gracie, j. 14.09.2010, DJe-178, Divulg. 22.09.2010, Public. 23.09.2010; Informativo nº 415 do STF, RE 407.688/SP, Plenário, Rel. Min. Cezar Peluso, 08.02.06.
[57] Trata-se do Enunciado nº 486.
[58] Refere-se aqui que o conceito de imóvel rural vincula-se não necessariamente à localização na zona rural do município, mas sim à sua destinação à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial, segundo o conceito legal extraído do art. 4º da Lei nº 4.504/64, parcialmente alterado pelo art. 4º, I, da Lei nº 8.629/93.
[59] Art. 4º, § 2º, da Lei nº 8.009/90.
[60] REsp 1.237.176/SP, Relª Minª Eliana Calmon, 2ª Turma, j. 04.04.2013, divulgado no Inf. 521.
[61] Lei nº 4.504/64: “Art. 4º Para os efeitos desta Lei, definem-se (…)
I – ‘Propriedade Familiar’, o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiro;
II – ‘Módulo Rural’, a área fixada nos termos do inciso anterior;
Art 5º A dimensão da área dos módulos de propriedade rural será fixada para cada zona de características econômicas e ecológicas homogêneas, distintamente, por tipos de exploração rural que nela possam ocorrer”.
[62] Lei nº 8.629/93: “Art. 4º Para os efeitos desta lei, conceituam-se:
I – Imóvel Rural – o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agro-industrial;
II – Pequena Propriedade – o imóvel rural:
- a) de área compreendida entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais;”
[63] STF, ARE 727.081/MS, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 15.02.2013, DJe 034, Div. 20.02.2013, publ. 21.02.2013) (grifo nosso).
[64] STJ, Inf. 574, 4ª Turma, REsp 1.368.404/SP, Relª Minª Maria Isabel Gallotti, j. 13.10.2015, DJe 23.11.2015; e Inf. 496, 3ª Turma, REsp 1.115.265/RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 24.04.2012.
[65] STJ, REsp 621.399/RS, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, j. 19.04.05, DJ 20.02.06, p. 207. No mesmo sentido: REsp 356.077/MG, REsp 1.024.394/RS, AgRg no AREsp 432.989/MG e REsp 949.499/RS.
[66] Antes essa hipótese estava prevista no inciso I do art. 3º da Lei nº 8.009/90.
[67] Esse processo foi coroado com a edição da EC nº 72/2013, que reconheceu aos domésticos direitos tradicionalmente previstos apenas a outras categorias de empregados.
[68] Foi alterada a redação do inciso III do art. 3º da Lei nº 8.009/90.